Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
414/19.5T8MDL.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CÔMPUTO DO PRAZO
FÉRIAS JUDICIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A interrupção da prescrição pode ocorrer em Juízo através de citação ou notificação judicial avulsa, mas a interrupção só é concebível enquanto o prazo de prescrição não tiver ocorrido na sua totalidade, não se compreendendo que ,uma vez consumada, ainda possa ter cabimento a sua interrupção.

II- O prazo de prescrição verifica-se pelo simples decurso do prazo, independentemente da prática de qualquer acto ou declaração negocial; não é acto que esteja abrangido pela alínea e), do art. 279°, do C.C.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


R… casada, residente ….instaurou a presente acção declarativa de condenação contra C… com sede em Lisboa, alegando, em resumo:
A A. é cliente da C…, com o número atribuído 0026755786, no balcão de ….
Nessa qualidade celebrou com a R contratos de abertura de conta.
A A. nunca esteve em mora, incumprimento ou atraso no pagamento de crédito. Porém, no dia 24/07/2016, através de carta enviada pela CGD, a A. tomou conhecimento que, nessa data, foi integrada no Plano de Ação para o Risco de Incumprimento até 15/12/2016.
A decisão da CGD de incluir a A. no PARI sem qualquer fundamento legal nem fundamento de facto, acarretou para a mesma um desgaste nervoso e um desgosto emocional acentuado, bem como se viu impedida de aceder ao crédito.
Os danos em apreço merecem a tutela do direito, justificando-se, em função das circunstâncias do caso, que a R. seja condenada a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais de montante não inferior a 10.000,00e (dez mil euros).
A R. veio invocar a prescrição do direito indemnizatório, ora exercido pela A., porquanto o prazo prescricional aplicável de 3 anos terminou em 24.7.2019, e a presente acção só deu entrada em 20.8.2019, tendo a sua citação ocorrido em 26.8.2019.
A autora, notificada para o efeito, respondeu, pugnando pela improcedência da excepção, admitindo, porém, a aplicação do prazo prescricional de 3 anos, mas defendendo que, como o acto tem de ser praticado em juízo, o prazo não pode terminar em período de férias judiciais, transferindo-se para o 10 dia útil após férias, ou seja, para 2.9.2019, pelo que a prescrição foi interrompida com a citação da Ré em 26.8.2019.
O que se apura:
- A. tomou conhecimento da sua integração no PARI em 24.7.2016
- a acção deu entrada em 20.8.2019
- a citação da Ré ocorreu em 26.8.2019.
Foi, então, proferida esta decisão:
- “Pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela ré CGD, SA, e consequentemente, declara-se prescrito o direito de indemnização que a Autora R pretendia fazer valer nos presentes autos, absolvendo-se, consequentemente, a Ré do pedido."
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É esta decisão que a A impugna, formulando estas conclusões:
A.-A questão de saber se, ocorrendo durante as férias judiciais o termo do prazo prescricional para o exercício de um direito, designadamente de um direito indemnizatório —ou o termo do prazo de caducidade para as situações em que a lei o estabelece —, tal prazo se difere para o primeiro dia útil seguinte, foi muito debatida no âmbito do Código de Seabra.
B.-Aquando dos trabalhos preparatórios do novo Código Civil, VAZ SERRA pronunciou-se no sentido favorável à orientação então dominante sobre a equiparação das férias judiciais aos feriados para os efeitos em pauta, razão pela qual propugnou que essa equiparação fosse estabelecida, como veio a acontecer.
C.-A solução proposta e adoptada foi assim muito clara: se a interrupção da prescrição ou da caducidade depender da prática de um acto judicial, terminando o decurso normal do prazo durante as férias judiciais, o respectivo prazo é deferido para o primeiro dia útil posterior às férias judiciais; só assim não será quando a interrupção não depender de acto judicial.
D.-Foi isto que passou para a letra da lei no artigo 279.9, al. e) do Código Civil que estabelece que o prazo que termine em domingo ou dia feriado se transfere para o primeiro dia útil, equiparando-se a tais dias as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo (regra essa que se aplica aos prazos fixados por lei nos termos do artigo 296.° do mesmo código).
E.-A solução legal é, por isso, muito simples: relativamente à caducidade, se o prazo para a propositura da acção terminar em férias judiciais, tal prazo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte; relativamente à prescrição, cuja interrupção depende da prática de citação ou notificação judicial de um acto que exprima a intenção do exercício de um direito, em situação idêntica, tal prazo transfere-se igualmente para o primeiro dia útil seguinte.
F.-Esta orientação não sofreu contestação nem na doutrina, nem, durante muitos anos, na jurisprudência.
G.-Contudo, como se assinala na sentença recorrida, veio a insinuar-se mais recentemente uma outra jurisprudência (minoritária), que entende que não se aplica o regime do artigo 279.0, al. e) do CC aos prazos prescricionais, uma vez que "a interrupção da prescrição só seria concebível enquanto o prazo normal da prescrição não tiver ocorrido na sua totalidade (...), não se compreendendo que uma vez consumada a prescrição ainda apossa ter cabimento a sua interrupção".
H.-A tese da sentença recorrida de que a interrupção da prescrição não está sujeita a qualquer prazo, não lhe sendo, por isso aplicável a al. e) do artigo 279.0 do CC, não tem sentido. Aquilo que está sujeito a prazo é o exercício do direito, o qual, se não for exercido, na forma e no tempo devidos, se extingue por prescrição. O titular do direito interrompe-o se exercer o seu direito na forma e no tempo devidos, ou seja, assegurando-se que é praticado o acto judicial interruptivo até ao termo do prazo que a lei estabelece para o efeito, o qual, ocorrendo durante as férias judicias, se transfere para o primeiro dia útil seguinte.
I.-Ressalvado o devido respeito, tal jurisprudência não só contraria a consolidação histórica que este tema vinha merecendo, como é manifestamente errónea, ilegal e até contra legem.
É nela que se funda a decisão sob recurso.
J.-Ao contrário do que consta da sentença recorrida, não está em causa a interrupção de um prazo de prescrição depois desta estar consumada. Como bem explicaram VAZ SERRA e ANTUNES VARELA, a questão está em que o prazo para o exercício do direito por parte do seu titular se difere para o primeiro dia útil depois das férias, quando o seu decurso normal termine durante as férias judiciais.
K.-Não há uma "ressuscitação" do direito. Outrossim o direito não prescreve até ao primeiro dia útil depois das férias judiciais, por força da dilação operada pelo regime do artigo 279.4, al. e) do CC.
L.-Como a doutrina e a jurisprudência atrás citadas abundantemente explicaram, o regime de dilação do prazo estabelecido pelo artigo 279.°, al. e) do CC, tanto se aplica aos prazos de prescrição como aos prazos de caducidade, apenas com a diferença de que, enquanto que para a prescrição o que se difere é o prazo para assegurar a citação do réu ou requerido, na caducidade aquilo que se difere é o prazo para a propositura da acção.
M.-In casu discute-se o termo do prazo para o exercício, pelo seu titular, de um direito de indemnização em caso de responsabilidade civil, estabelecendo o artigo 498.° do CC que esse direito de indemnização prescreve no prazo de três anos. Isto é, estamos perante um prazo que é de prescrição (e não de caducidade), o qual fica assim sujeito às regras gerais da suspensão e da interrupção da prescrição, onde avulta o princípio de que a prescrição só se interrompe com a citação do obrigado, ou uma sua notificação judicial com o mesmo sentido (cfr. artigo 232.°, n.° 1 do CC).
N.-Pelo exposto, o direito à indemnização em apreço prescreve se o seu titular não o interromper no prazo de três anos, assegurando a citação do obrigado para a competente acção judicial (ou a sua notificação por via judicial para acto que exprima tal intenção).
O.-Deste modo, não ocorrendo causa de suspensão do prazo, o titular do direito tem o prazo de três anos para interromper o decurso do prazo prescricional, através de citação do obrigado para os efeitos de uma acção judicial ou da sua notificação judicial para acto que exprima essa intenção. Na verdade, se a prescrição consiste na extinção de um direito pelo facto do seu titular não o exercer nas condições e prazo de tempo previsto na lei, tal extinção não ocorre se for praticado o acto judicial interruptivo até ao termo da dilação estabelecida na lei a seu favor.
P.-Em qualquer caso, a interrupção pressupõe um acto judicial.
Q.-Ora, assim sendo, é incontornável que o prazo de três anos, ocorrendo o termo do seu decurso normal durante as férias judiciais, se difere para o primeiro dia útil após tais férias judiciais, por força do regime incontornável do artigo 279.°, al. e) do CC, uma vez que o acto sujeito a prazo — a citação ou notificação judicial do obrigado — tem de ser praticada em juízo.
R.-Ressalvado o devido respeito, não vemos como é que se pode fugir a esta interpretação quanto ao regime legal aplicável ao caso dos autos. Não estamos sequer perante duas posições admissíveis. Sem ofensa, julgamos mesmo que a tese da sentença recorrida é contra legem.
S.-Mais: entendemos que até é inconstitucional o entendimento normativo de que o regime do artigo 279.°, al. e) do CC não se aplica aos actos judiciais interruptivos da prescrição, porque tal interpretação, em matéria relativa ao exercício do direito de acesso aos tribunais, põe em causa um princípio de segurança jurídica ínsito ao Estado de Direito. Não podem os cidadãos, em matéria de prazos, ficar sujeitos a uma tese tão aleatória e contraditória com um regime histórico que se estabeleceu desde os estudos preparatórios do Código Civil.
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A R contra-alega, pugnando pela improcedência do recurso.
Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( art9663 n92 ,608 n92.635 n94 e 639n91 e 2 do Código de Processo Civil )sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é saber se o termo do prazo prescricional de 3 anos ocorrendo no decurso normal durante as férias judiciais, se difere para o primeiro dia útil após tais férias judiciais, por força do regime do artigo 279.9, al. e) do CC.
Vejamos ...
Não desconhecendo as divergências jurisprudenciais acerca do objecto deste recurso, tal como se dá conta na sentença, entendemos seguir a orientação perfilhada pelo Ac STJ de 22-9-2004', cujo sumário tem este teor :
"4- A interrupção da prescrição pode ocorrer em Juízo através de citação ou notificação judicial avulsa, mas a interrupção só é concebível enquanto o prazo de prescrição não ocorrer na sua totalidade, não se compreendendo que uma vez consumada a prescrição ainda possa ter cabimento a sua interrupção.
5- O prazo de prescrição verifica-se pelo simples decurso do prazo, independentemente da prática de qualquer acto ou declaração negociai; não é acto que esteja abrangido pela alínea e), do art. 2790, do CC."
E as razões que sustentam esta posição são estas:
- o preceituado no artigo 279.º al e) aplica-se ao termo dos prazos, transferindo-o para o primeiro dia útil seguinte, se este se verificar em domingo ou dia feriado, sendo certo que a estes são equiparadas as férias judiciais ,se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo (1)
A razão de ser do artigo 297.°, ao ordenar a predita transferência de prazos, reside no seguinte: se há prazos que não têm que ser praticados em juízo, como normalmente acontece relativamente aos negócios jurídicos, outros têm efectivamente de ser praticados nos tribunais, como é o caso dos prazos judiciais, tendo o legislador resolvido equipará-los para tal efeito.
É que, enquanto os prazos processuais se suspendem nas férias judiciais [ excepto se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes (3) ], os prazos substantivos, normalmente mais longos, não sofrem tal suspensão nas férias, feriados ou fins de semana.
O instituto da prescrição é regulado por um prazo substantivo, que visa sancionar a negligência do titular do direito: não tendo sido exercido, o direito extingue-se decorrido este prazo que, atenta a sua finalidade, se pode suspender e/ou interromper. Pelo que, apesar de constituir uma garantia do devedor o termo do prazo é, nos preditos termos, mais relevante para o titular do direito.
Assim sendo, o artigo 279.°, alínea e), -última parte não é aplicável ao termo do prazo prescricional já que este não carece de qualquer acto praticado em juízo para decorrer.
A sua interrupção é que pode ocorrer em juízo por promoção do titular do direito (art. 323° do Cód. Civil), por compromisso arbitral (art. 324° do C. C.) ou pelo reconhecimento do direito (art. 325° do C. C).
Acresce que, a interrupção da prescrição não está sujeita por lei a qualquer prazo, não lhe sendo, por isso, aplicável a alínea e) do citado art. 279° do CC.
Estamos perante realidades jurídicas distintas, mas articuladas: o prazo substantivo de prescrição obedece às regras do artigo 279.° do CC e o prazo processual da citação é disciplinado, não por esta norma, mas pelas dos artigos 137º, n°2, 561 ambos do CPC, sendo que, nos termos do n.° 2 daquele primeiro inciso normativo, as citações podem ser efectuadas durante o período das férias judiciais.
Assim, nos termos do art.. 323 n°1 CC a citação realizada durante as férias judiciais interrompe o prazo de prescrição que esteja a decorrer, pelo que não é necessário que tal prazo se transfira para o primeiro dia útil após as férias, uma vez que o titular do direito pode, neste período, interromper a prescrição. Porém, a interrupção só é concebível enquanto o prazo da prescrição não tenha ocorrido na sua totalidade.
Com efeito , podendo a parte solicitar a citação para a interrupção do prazo prescricional em férias, se este já decorreu , o que sucederia é que aquele acto não teria como fim a interrupção ,mas a reactivação do prazo. Resultado, seguramente, ilegal.
Finalmente, diremos que o acima explanado, não decorre de qualquer interpretação normativa atentatória do principio constitucional de segurança jurídica:
- este principio implica um mínimo de certeza, estabilidade e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas ,a fim de salvaguardar a ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado?
Ora, se o prazo decorreu no período de férias judiciais, ou seja, teve o seu terminus neste período sem que a parte tivesse impulsionado o mecanismo processual vocacionado para a sua interrupção, como o poderia ter feito em férias judiciais, a legítima expectativa é a de que haja a sanção da sua negligência e não que, por um qualquer mecanismo artificioso, o prazo " ressuscite".
No caso em concreto, o términus do prazo prescricional ocorreu em férias judiciais, antes da citação da Ré.
O que sucedeu no caso concreto.
- Termos em que improcedem as conclusões.
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Síntese :
- A interrupção da prescrição pode ocorrer em Juízo através de citação ou notificação judicial avulsa, mas a interrupção só é concebível enquanto o prazo de prescrição não tiver ocorrido na sua totalidade, não se compreendendo que ,uma vez consumada, ainda possa ter cabimento a sua interrupção.
- O prazo de prescrição verifica-se pelo simples decurso do prazo, independentemente da prática de qualquer acto ou declaração negocial; não é acto que esteja abrangido pela alínea e), do art. 279°, do C.C.
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pela apelante

Lisboa, 22 de Abril de 2021

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(1)-O normativo fala em termo e em prazo. Termo é a fixação de tempo pela referência a certa data: - estipula-se, por exemplo, que uma dívida se vence em determinado dia. Prazo é a fixação de tempo com referência a uma série de momentos temporais (anos, meses ou anos): - estipula-se, por exemplo, que uma divida se vencerá no prazo de um ano.), aplicando-se a prazos relevantes para a prática de actos.
(2)-O normativo fala em termo e em prazo. Termo é a fixação de tempo pela referência a certa data: - estipula-se, por exemplo, que uma dívida se vence em determinado dia. Prazo é a fixação de tempo com referência a uma série de momentos temporais (anos, meses ou anos): - estipula-se, por exemplo, que uma divida se vencerá no prazo de um ano.), aplicando-se a prazos relevantes para a prática de actos.
(3) Cf art° 138 CPC.
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Teresa Prazeres Pais

Rui Torres Vouga
Carla Mendes