Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
943/17.2JFLSB.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS COLECTIVAS
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
CRIME DE BURLA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: - O direito assegurado à arguida, de prestar declarações em qualquer fase do julgamento, incluindo em sede de últimas declarações, não significa que o tribunal e os demais sujeitos processuais fiquem na absoluta dependência da evolução dos estados anímicos daquela, não constituindo o direito de prestar declarações um direito absoluto, a ser exercido de forma a obstaculizar ad aeternum a realização da justiça e não pode servir de suporte à desconsideração dos legítimos interesses dos restantes sujeitos processuais.
- A falta da arguida, ainda que justificada, não é motivo de adiamento da audiência, desde que a sua presença não seja absolutamente imprescindível.
- Nos termos previstos no artigo 11.º do Código Penal, as pessoas colectivas podem ser responsabilizadas criminalmente, estando em causa, na expressão do referido n.º 1 do artigo 11.º, não apenas as pessoas colectivas, mas também as entidades equiparadas, ou seja, as sociedades civis e as associações de facto (artigo 11.º, n.º 5, do Código Penal), sendo certo que encontramos na legislação avulsa designações diversas para estas entidades equiparadas.
- A imputabilidade penal, ou seja, a admissibilidade de responsabilização criminal, não pressupõe a personalidade jurídica dos entes colectivos e o âmbito da admissão da responsabilidade criminal das entidades equiparadas pode variar conforme o diploma que consagra a sua responsabilização.
- O crime de burla é um crime de relação, um “crime com participação da vítima”, uma vez que a saída das coisas ou dos valores decorre de um comportamento do sujeito passivo.
- E se é certo que, para estarmos perante um crime de burla, não bastará uma qualquer mentira do agente, já será suficiente que essa mentira, a astúcia, seja suficiente para iludir o cuidado que, no sector da actividade em causa, normalmente se espera de cada um. A experiência do dia a dia revela que a conduta do agente, longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, se limita muitas vezes, numa “economia de esforços”, ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima.
- Assim, este tipo legal caracteriza-se pela disposição patrimonial, determinada por erro ou engano astuciosamente provocado, com intenção do agente obter enriquecimento ilegítimo – por sem qualquer justificação face ao direito civil - para si ou para terceiro.
- A responsabilidade penal não se extingue pela dissolução da pessoa colectiva ou entidade equiparada, que pode estar morta, ou seja, dissolvida, e continuar no processo, “viva”, a intervir na qualidade de arguida e é assim, por exemplo, que no tocante às sociedades comerciais, tem-se entendido que apenas o registo da sua dissolução e do encerramento da liquidação as fazem extinguir, correspondendo tais factos à “morte” da sociedade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 943/17……, procedeu-se ao julgamento de AA, melhor identificada nos autos, e de “C... Legal, Ltd.”, com sede em Portugal, sita na Avenida …, …, em Lisboa, pelos factos e incriminações legais por que foram pronunciadas, ou seja, pela prática, na forma consumada, em concurso real e efectivo, de 10 (dez) crimes de burla qualificada, previstos e puníveis pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal e de 5 (cinco) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal, conforme despacho de pronúncia (constante de fls. 3460 a 3477, 12.º volume, com remissão para o teor constante do despacho de acusação a fls. 2810 a 2880 dos autos). 
Foram deduzidos pedidos de indemnização cível contra as arguidas:
- pelo ofendido BB (constituído assistente a fls. 2014), a fls. 3128 a 3135 dos autos;
- pelo ofendido CC (constituído assistente a fls. 2014), a fls. 3138 a 3149 dos autos;       
- pelo ofendido DD (constituído assistente a fls. 2927), a fls. 3232 a 3239 dos autos;
- pelo ofendido EE (constituído assistente a fls. 2927), a fls. 3241 a 3247 dos autos;
- pelo ofendido FF (constituído assistente a fls. 2927), a fls. 3249 a 3256 dos autos;
- pela ofendida GG (constituída assistente a fls. 47 dos autos apensos n.° 2862/15……), a fls. 3265 a 3312 dos autos;
- pela ofendida HH (constituída assistente a fls. 1423 dos autos principais), a fls. 3314 a 3319 dos autos);
- pela ofendida II (constituída assistente), a fls. 3320 a 3327 dos autos;
- pelos ofendidos JJ e KK (constituídos assistentes a fls. 2014), a fls. 3329 a 3338 dos autos.
Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos:
«Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação/pronúncia totalmente procedente, por totalmente provada e, em consequência, decidem:
a) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, relativamente aos factos referentes ao ofendido BB, na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202°, alínea b), todos do Código Penal, em relação à factualidade atinente ao ofendido CC, na pena de 3 (três) anos de prisão;
c) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, relativamente aos factos referentes ao ofendido DD, na pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de prisão;
d) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, no que concerne à factualidade relativa ao ofendido EE, na pena de 3 (três) anos de prisão
e) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, relativamente aos factos referentes ao ofendido FF, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
f) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, no que diz respeito aos factos relativos à ofendida GG, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
g) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA, pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, relativamente aos factos referentes à ofendida HH, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
h) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, no que tange à factualidade referente à ofendida II, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.
i) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, relativamente aos factos referentes aos ofendidos JJ e KK, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
j) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, relativamente aos factos referentes à ofendida LL, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
k) Condenar, em concurso real e efectivo, a arguida AA pela prática, na forma consumada, de 5 (cinco) crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo Art.° 256.°, n.° I, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, por cada um deles;
1) Condenar, em concurso real e efectivo, pela prática dos crimes retro descritos, a arguida AA na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
m) Condenar a sociedade arguida "CL C... Legal, Ltd." pela prática, em concurso real e efectivo, de 10 (dez) crimes de burla qualificada, previstos e punidos, pelos Arts.° 217.°, 218.°, n.° 2, alínea a) e 202.°, alínea b), todos do Código Penal e de 5 (cinco) crimes de falsificação, previstos e punidos pelo Art.° 256.°, n.° 1, do Código Penal, nos termos e para os efeitos estatuídos nos Arts.° ft°, 90.°-A, n.° 1 e 90.°-F, todos do Código Penal, na pena de dissolução;
(…)
o) Julgar os pedidos de indemnização cível deduzidos contra as arguidas:
- pelo demandante cível BB totalmente procedente, por totalmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento ao demandante cível BB, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, na quantia global de € 578.739,00 (quinhentos e setenta e oito mil setecentos e trinta e nove euros), acrescida de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento;
- pelo demandante cível CC totalmente procedente, por totalmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento ao demandante cível CC, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, no montante total de € 625.770,06 (seiscentos e vinte e cinco mil setecentos e setenta euros e seis cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento;
- pelo demandante cível DD totalmente procedente, por totalmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento ao demandante cível DD, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, na quantia global de €350.046,50 (trezentos e cinquenta mil e quarenta seis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento;
- pelo demandante cível EE totalmente procedente, por totalmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento ao demandante cível EE, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no valor total de 6€33.300,00 (seiscentos e trinta e três mil e trezentos euros), acrescido de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento;
- pelo demandante cível FF totalmente procedente, por totalmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento ao demandante cível FF, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, na quantia global de 1.052.564,00 (um milhão cinquenta e dois mil quinhentos e sessenta e quatro euros), acrescida de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento;
- pela demandante cível GG totalmente procedente, por totalmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento à demandante cível GG, a título de indemnização, no montante total de € 252.466,24 (duzentos e cinquenta e dois mil quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento, sendo €237.466,24 (duzentos e trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais e € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais;
- pela demandante cível HH totalmente procedente, por totalmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento à demandante cível HH, a título de indemnização, no valor global de € 618.930,74 (seiscentos e dezoito mil novecentos e trinta euros e setenta e quatro euros), acrescido de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento, sendo € 588.930,74 (quinhentos e oitenta e oito mil novecentos e trinta euros e setenta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais e € 30.000,00 (trinta mil euros), por conta de danos não patrimoniais;
- pela demandante cível II parcialmente procedente, por parcialmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento à demandante cível II, a título de indemnização cível, na quantia global de € 79.715,51 (setenta e nove mil setecentos e quinze euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos até integral e efectivo pagamento, sendo 39.715,51 (trinta e nove mil setecentos e quinze euros e cinquenta e um cêntimos), a título de danos patrimoniais e € 40.000,00 (quarenta mil euros), por conta dos danos não patrimoniais, absolvendo-se do demais peticionado;
- pelos demandantes cíveis JJ e KK parcialmente procedente, por parcialmente provado, e consequentemente, condenar as arguidas ao pagamento aos demandantes cíveis JJ e KK, a título de indemnização, no montante global de € 200.468,78 (duzentos mil quatrocentos e sessenta e oito euros e setenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos à taxa legal, a contar desde a notificação das arguidas para contestar, e nos vincendos, até integral e efectivo pagamento, sendo € 180.468,78 (cento e oitenta mil quatrocentos e sessenta e oito euros e setenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais e € 20.000,00 (vinte mil euros), na proporção de € 10.000,00 (dez mil euros), por cada um dos demandantes cíveis, por conta dos danos não patrimoniais, absolvendo-se do demais peticionado;
(…)
r) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos nos autos, por terem sido utilizados na prática dos crimes pelos quais a arguida vai condenada, nos termos do Art.° 109.°, n.° 1, do Código Penal, a saber telemóvel da marca "…." e "…..".
(…)»
2. A arguida recorreu do acórdão condenatório (fls. 6238 e seguintes, 21.º volume), finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. A Recorrente mantém interesse em que subam e sejam apreciados TODOS os recursos interlocutórios por si interpostos.
2. Por intermédio do acórdão ora sob escrutínio, foi a arguida condenada, em concurso real e efectivo, pela prática consumada de dez crimes de burla qualificada (todos p. e p. pelos arts. 217°/1, 218°/2/a) do Código Penal, com referência ao art. 202°/b) do mesmo diploma legal) e, também em concurso real e efectivo, pela prática consumada de cinco crimes de falsificação de documento (todos p. e p. pelo art. 256°/1 do Código Penal) - sendo-lhe aplicada uma pena única de 10 anos de prisão - e sendo ainda condenada no pagamento aos Demandantes Cíveis dos valores melhor identificados no acórdão recorrido.
3. A Recorrente não se conforma com o acórdão contra si proferido!
4. Considera, antes de mais, que a decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova (art. 410°/2/c) CPP) no que concerne aos factos provados em 1, 2, 3, 260 e 262 - pois que do texto da decisão recorrida (mormente de outros factos tidos por provados), analisado à luz das regras da experiência comum, se retira um comportamento da Recorrente diverso do que resulta daqueles factos.
5. Isto porque, desde logo, resulta da factualidade provada nomeadamente em 6, 45 e 47 e 125 e 127 que a Recorrente tinha efectivos acordos de parceria com reputadas entidades internacionais - que, de acordo com as regras da experiência comum, nunca se associariam à Recorrente, recomendando-a a seus clientes, se esta não tivesse créditos firmados e uma boa reputação no acompanhamento de processos de aquisição de imóveis e obtenção de vistos gold.
6. Mais resultando que a Recorrente, à data da prática dos factos, já contava com cerca de 30 anos de experiência como advogada (cfr. facto 270).
7. Resultando das regras da experiência comum que, no período objecto dos autos (2014 a 2017), a Recorrente tinha outros clientes, que não só os ofendidos (o que até se confirmou em 179 dos factos provados).
8. Tendo sido dado como provado que a Recorrente efectuou, quanto à maioria dos ofendidos, em representação destes e quanto aos imóveis que pretendiam adquirir, os respectivos CPCV, bem como pagamentos de sinal e reforços de sinal - vejam-se factos 12 (EE); 51 (GG); 69, 70 e 76 (LL); 82, 84 e 96 e 81 (JJ e KK); 168 e 169 (DD) e 201 (II).
9. Sendo também dado como provado que, com excepção de GG, a Recorrente efectivamente deu início aos processos de obtenção de visto gold dos ofendidos que o pretendiam - vejam-se factos 21 (EE); 41 (FF); 118 (BB); 150 (CC); 181 (DD); 216, 220 e 224 (II) e 253 (LL).
10. Ora, da leitura conjugada do texto dos factos que vimos enumerando resulta evidente que a arguida não congeminou qualquer plano para, usando a possibilidade de obtenção de vistos gold como “chamariz”, atrair e enganar clientes estrangeiros para os levar a efectuarem a transferência de montantes que, em parte, veio a utilizar para outros fins que não aquele a que se destinavam.
11. Se assim fosse, de acordo com as regras da experiência comum, é evidente que não aceitaria clientes que não pretendiam obter visto gold!
12. Tal como não celebraria contratos de promessa em representação dos ofendidos!
13. Tal como não canalizaria quaisquer dos montantes transferidos para pagamentos de sinal e reforço de sinal!
14. Tal como não iniciaria, junto do SEF, procedimentos para obtenção de ARI em representação dos ofendidos!
15. De acordo com as regras da experiência comum, se o objectivo da Recorrente fosse apenas e só apropriar-se das quantias transferidas, não faz sentido que tenha praticado os actos e negócios jurídicos em representação dos ofendidos que se deu como provado que praticou - e que, para esse alegado fim de apropriação monetária, eram, na verdade, completamente inúteis!
16. Como não faz sentido que não tenha feito suas TODAS as quantias transferidas pelos Ofendidos!
17. Pelo que é evidente que as regras da experiência comum e a factualidade dada como provada quanto à actuação da Recorrente em relação a cada um dos ofendidos afastam a possibilidade de a mesma ter engendrado ou pretendido levar a cabo um qualquer plano para burlar aqueles - apenas resultando que veio a dar destino diverso do pretendido a parte dos valores que lhe foram transferidos.
18. Sendo assim totalmente evidente a existência do vício de erro notório que vem de se invocar.
19. Para cuja sanação se propõe a correcção dos factos provados em 1, 2, 3, 260 e 262 nos seguintes termos:
“1. A arguida AA, entre 2014 e 2017, ciente da possibilidade de obtenção de autorização de residência, através do investimento de cidadãos estrangeiros da quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), designado comummente por “visto gold”, promoveu, através da sociedade de advogados “CL@C... Legal”, da qual era legal representante, os seus serviços jurídicos, bem como a aquisição de propriedades imobiliárias, junto dos mesmos;”
“2. Porém, obtidas as quantias monetárias referentes aos imóveis, a arguida não efectuou as correspondentes escrituras de compra e venda para as quais estava mandatada, vindo a utilizá-las parcialmente para fim diverso do que se destinavam, forjando informações do S.E.F. (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis, criando aos investidores a convicção da aquisição dos mesmos e do regular andamento do processo junto do S.E.F., por forma a não ser detectada;”
“3. Como forma de divulgação da sua actividade de intermediação na aquisição de propriedades e prestação de serviços jurídicos na obtenção de vistos “GOLD”, a arguida fazia publicidade na “internet”, efectuava acordos de cooperação com agências e angariadores imobiliários e deslocava-se a diversos países onde contactava com possíveis clientes, nomeadamente na …. e ….;”
“260. A arguida, apesar de ter efectuado, quanto a alguns dos ofendidos e em observância dos mandatos que lhe foram conferidos, pagamentos de sinal e reforços de sinal e de ter celebrado, em representação de alguns dos ofendidos, contratos de promessa de compra e venda, agiu livre, voluntária e conscientemente, fazendo suas parte das quantias que lhe foram transferidas pelos ofendidos e utilizando-as parcialmente para fins diversos daqueles a que se destinavam;”
“262. A arguida, através da sociedade de advogados por si fundada e de que era legal representante “C... Legal”, logrou que os ofendidos lhe enviassem as quantias monetárias descritas e outorgassem a seu favor procurações para a prática de actos de compra e venda de imóveis e junto das entidades competentes, nomeadamente registos, notários e S.E.F., assim conseguindo apropriar-se de parte daquelas quantias, sem que prestasse todos os actos para os quais havia sido mandatada;"
20. Mas também os factos provados em 201 e 203 padecem deste vício de erro notório na apreciação da prova - no que concerne a aí se ter tido por assente que as acções da sociedade S........ LIMITED foram adquiridas através da celebração de um CPCV celebrado com o Banco Santander Totta.
21. Pois que um CPCV é mero contrato promessa, que não é apto a transmitir a propriedade da coisa prometida comprar/vender, não havendo, porém e de acordo com a factualidade dada como provada, dúvidas que com o negócio celebrado com o Santander a titularidade das ditas acções se transmitiu para a adquirente.
22. Assim, para sanação deste vício, impõe-se alterar os factos 201 e 203, substituindo- se “CPCV" por “contrato de compra e venda de acções".
23. Mas o acórdão recorrido padece também do vício de contradição insanável entre diversos e diferentes factos tidos por provados.
24. Desde logo, contradição entre ter-se dado como provado em 2 que a Arguida, como parte do plano que gizou forjava (ela própria) informações do SEF, cadernetas prediais e certidões permanentes de imóveis, e entre ter-se dado como provado em 16, 35, 40, 225, 226 e 261 (concretas falsificações dadas como assentes) que os documentos aí referidos foram forjados pela Arguida OU por alguém a seu mando.
25. Tal como é contraditório dar-se como provado o dito segmento do facto 2 e escrever a página 104 que não se deslindou se quem forjava os documentos enviados aos Ofendidos era a Recorrente ou alguém a seu mando...
26. Para sanar este vício, sugere-se que o facto 2 passe a ter a seguinte redacção:
“2. Porém, obtidas as quantias monetárias referentes aos imóveis, a arguida não efectuou as correspondentes escrituras de compra e venda para as quais estava mandatada, vindo a utilizá-las parcialmente para fim diverso do que se destinavam, forjando ou mandando forjar informações do S.E.F. (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis, criando aos investidores a convicção da aquisição dos mesmos e do regular andamento do processo junto do S.E.F., por forma a não ser detectada;"
27. Também quanto aos factos provados em 202 e 39 se observa o vício de contradição insanável - pois que é contraditório dar simultaneamente como provado em 202 que o valor de € 300.000 utilizado para aquisição das acções da S........ era proveniente das quantias entregues à Recorrente pelo ofendido FF e dar como provado em 39 (destino dado à Arguida aos montantes que lhe foram transferidos por FF) que nem um cêntimo do dinheiro enviado por este ofendido foi utilizado para pagar o preço do negócio de compra e venda de acções da S........ celebrado com o Santander.
28. Aliás, bastaria somar os montantes descritos em 39 como transferidos para GG (€ 495.000), Unicredit SPA Bank (€ 150.000), National Westminster Bank PLC (€ 124.400) e outras saídas para destinos não identificados (€ 94.013,87) - todos num total de € 863.413,87 -, para se concluir ser impossível o que se deu como provado em 202 (pois que FF apenas transferiu para a Recorrente € 1.000.000).
29. Para sanação deste vício deverá o facto dado como provado em 202 passar para a matéria de facto dada como não provada.
30. Também parte do que foi dado como provado em 228 está em contradição e é incompatível com o que se deu como provado em 199 e com o que se escreveu a páginas 87 e 98 do acórdão.
31. Ou seja, é contraditório dar como provado (em 228) que o registo da "Villa ...” pertence à "L.... LTD” com dar-se como provado (em 199) que tal imóvel era, desde 22/09/2009, propriedade da sociedade S........ LIMITED e com escrever-se a páginas 87 e 98 que dos documentos analisados quanto à Ofendida II resulta que é a S........ que é proprietária do dito imóvel.
32. Para sanação deste vício deve alterar-se a redacção do facto 228, que deverá passar a ser a seguinte: “228. (...), sendo que o registo da “Villa ...” pertence à “S........ LIMITED".
33. Finalmente, há também contradição insanável entre ter-se dado como provado em 228 que a Ofendida II sofreu um prejuízo de € 476.715,51 e entre o que se deu como provado em 197 e 198, 214, 201 e 203 e 334.
34. É que, porque resulta evidente destes factos que a Ofendida II tem a efectiva disponibilidade da “Villa ...” (imóvel para cuja aquisição mandatou a Recorrente e para cuja compra transferiu dinheiro para a Recorrente), não faz sentido considerar que os € 300.000 que foram utilizados para a aquisição das acções da empresa proprietária do imóvel são parte do prejuízo sofrido por esta Ofendida, antes se devendo descontar tal valor ao montante de prejuízo!
35. Pelo que para sanação do vício em apreço deve o facto 228 ser alterado, sugerindo- se que para os seguintes termos: “228. Por esta via, II sofreu um prejuízo directo na ordem dos € 176.715,51 (cento e setenta e seis mil, setecentos e quinze euros e cinquenta e um cêntimos), montante do qual a arguida se apropriou, sendo que o registo da “Villa ..." pertence à “S..... LIMITED".
36. Considera também a Recorrente que os factos 124 e 275 (relativos ao Ofendido BB) e 157 e 282 (relativos ao ofendido CC) foram incorrectamente julgados - pelo que desde já se impugnam.
37. Isto porque a prova produzida e consistente nas declarações prestadas em audiência por estes ofendidos (acima concretamente identificadas) impunham decisão diversa da Recorrida.
38. Em 124 e 275 deu-se como provado que o Ofendido BB sofreu, com a conduta da Recorrente, um prejuízo de € 578.739.
39. Desse montante, € 514.612 dizem respeito ao valor que transferiu para a Recorrente correspondente ao remanescente do preço a pagar pelo imóvel que pretendia adquirir em Portugal (cfr. factos 98, 99 e 105).
40. Porém e apesar de a Recorrente nunca ter transferido esse montante para a vendedora do imóvel, o ofendido declarou, em audiência, de forma clara (quer a perguntas do MP, quer a questões colocadas pelo seu mandatário - e conforme segmentos dessas declarações que acima concretamente identificámos) que conseguiu adquirir o imóvel pretendido, sem ter que pagar à vendedora qualquer outro valor que não aquele que havia transferido, para o efeito, para a Recorrente!
41. Na verdade, explicou este ofendido, que logrou chegar a um entendimento com a vendedora segundo o qual esta acedeu transferir-lhe a propriedade do imóvel, pagando o Ofendido apenas o respectivo preço SE e QUANDO lograsse que a Recorrente lhe devolvesse a quantia que lhe havia transferido para o efeito.
42. Ora, se o ofendido conseguiu adquirir o imóvel que pretendia adquirir (e a cujo preço correspondia o montante de € 514.612 que transferiu para a Recorrente) sem ter que pagar qualquer outra quantia que não as que há havia enviado à Recorrente, então este valor de € 514.612 NÃO PODE SER CONSIDERADO COMO UM PREJUÍZO!
43. Note-se que, nos termos do acordo que BB fez com a vendedora, se não lograr recuperar qualquer dos montantes que transferiu para a Recorrente, nada terá que entregar à vendedora, mantendo-se, na mesma, plenamente proprietário do imóvel.
44. Assim, da prova que se indicou resulta evidente que se impunha contabilizar o prejuízo sofrido por este ofendido apenas em € 64.127 (valores que transferiu para a Recorrente para a concessão do visto gold).
45. Pelo que se impõe a correcção dos referidos factos 124 e 275, para os seguintes termos:
“124. Pela forma descrita BB sofreu um prejuízo de € 64.127 (sessenta e quatro mil, cento e vinte e sete euros), valores dos quais a arguida AA se apropriou.”;
“275. As arguidas apoderaram-se da quantia global transferida pelo demandante cível BB de € 578.739,00 (quinhentos e setenta e oito mil, setecentos e trinta e nove euros), por conta da qual, as arguidas, até hoje, nada restituíram ao demandante, tendo este sofrido um prejuízo de € 64.127 (sessenta e quatro mil, cento e vinte e sete euros).”
46. O mesmíssimo erro de julgamento se verifica quanto aos factos 157 e 282, uma vez que também o ofendido CC declarou em julgamento (e conforme trechos das suas declarações que acima concretamente se identificaram) que havia logrado chegar a um acordo com a vendedora nos mesmos termos do acordo alcançado por BB - aliás, num caso e no outro, a vendedora foi a mesma.
47. Ou seja, resulta da prova produzida que também este ofendido conseguiu adquirir a propriedade dos imóveis que pretendia comprar em Portugal e para cuja aquisição havia mandatado a Recorrente, sem ter que pagar qualquer outro valor senão o montante que, para o efeito, transferiu para a Arguida AA.
48. Assim, se do total que transferiu para a Recorrente, € 553.612 diziam respeito ao remanescente do preço a pagar pelos imóveis, embora a Recorrente não tenha enviado esse montante para a vendedora, o negócio acabou por se realizar, ficando o Ofendido com a propriedade do imóvel - pelo que não se pode computar este valor como um efectivo prejuízo que haja sofrido!
49. Pelo que também os factos 157 e 282 devem ser alterados, para os seguintes termos:
“157. Pela forma descrita, CC sofreu um prejuízo de € 72.158,06 (setenta e dois mil, cento e cinquenta e oito euros e seis cêntimos), montantes dos quais a arguida AA se apropriou”;
“282. As arguidas apoderaram-se da quantia global transferida pelo demandante cível CC de € 625.770,06 (seiscentos e vinte e cinco mil, setecentos e setenta euros e seis cêntimos), por conta da qual, as arguidas, até hoje, nada restituíram ao demandante, tendo este sofrido um prejuízo de € 72.158,6 (setenta e dois mil, cento e cinquenta e oito euros e seis cêntimos).”
50. Aliás, o próprio tribunal recorrido escreve na sua fundamentação que a sociedade vendedora dos imóveis pretendidos adquirir por BB e CC lhes transmitiu a propriedade de tais imóveis, sem que pagassem mais do que haviam transferido, para o efeito, para a Recorrente (cfr. páginas 61 e 62 e 69).
51. Pelo que também poderá verificar-se vício de contradição insanável, quanto ao cálculo dos prejuízos sofridos por BB e CC dado como provado em 124 e 275 e 157 e 282 e o que se escreveu em páginas 61 e 62 e 69 - vício que se convoca e para cuja sanação se impõe a alteração dos ditos factos nos termos já acima expostos.
52. Entende a Recorrente que há também erro de julgamento porque deveriam ter sido dados como provados 2 factos relevantes que foram devidamente invocados na contestação crime deduzida pela Recorrente e que resultaram manifestamente da prova produzida.
53. Em concreto, alegou a Recorrente em 10° e 11° da sua contestação que a Ofendida II era a titular das acções da S........ e sua administradora e que detinha efectivos poderes de disposição do imóvel designado como "Villa ...”.
54. Ora, quanto à titularidade das acções e os poderes de administração sobre a S........, os mesmos resultam de forma inegável de certidão de fls. 3125 e ss. dos autos, bem como de fls. 3 a 23 do Apenso 1.
55. Daquela certidão consta expressamente que II é a Administradora da S........, bem como é esta ofendida quem tem poderes para representar a dita sociedade, resultando ainda que é esta ofendida quem detém o capital social da sociedade em apreço.
56. Já dos demais documentos, se extrai que II é a “directora” da S.........
57. Sendo que não foi produzida qualquer prova que ponha em causa estas conclusões!
58. Acrescente-se que os poderes de disposição da Ofendida II sobre a “Villa ...” resultam, inclusivamente, do próprio PIC que esta deduziu contra a Recorrente - até se tendo dado como provado em 334 que II logrou dar de arrendamento aquele imóvel a partir de março de 2018, recebendo uma renda mensal de € 1.000.
59. Do exposto, resulta evidente que o tribunal recorrido tinha que ter dado como provado que II é a administradora/directora da S........ e que, por isso, tem poderes de disposição sobre a “Villa ...” - pois que a tal impunha a prova produzida que se mencionou.
60. Assim, devem ser aditados à matéria de facto tida por provada os seguintes factos:
“A ofendida II é a administradora e directora da S........ LIMITED" e
“A ofendida II tem total disponibilidade sobre o imóvel denominado de “Villa ...""
61. No plano do Direito, considera, antes de mais, a Recorrente que se impõe a alteração da qualificação jurídica das condutas que lhe foram assacadas - e isto mesmo que se tenha a impugnação de facto acima efectuada por não procedente.
62. É que não cremos que dos factos que foram dados como provados resulte a existência de engano ou erro astuciosamente criado pela Recorrente que tenha provocado o empobrecimento patrimonial dos ofendidos.
63. A Arguida era efectivamente advogada, dedicando-se profissionalmente à representação dos seus clientes em negócios de compra e venda de imóveis e à concessão de autorizações de residência.
64. A possibilidade de aquisição de ARI através do investimento imobiliário é uma realidade, não tendo sido "inventado” pela Recorrente.
65. Os imóveis que os Ofendidos pretendiam comprar existiam e estavam no mercado.
66. Na esmagadora maioria dos casos, nem sequer foi a Recorrente quem procurou os clientes, muito menos quem os convenceu a adquirir imoveis no nosso país ou a procurarem, por essa via, obter o golden visa.
67. Como se deu como provado, a Recorrente praticou parte dos actos que foi mandatada para praticar (firmando, em representação dos ofendidos, CPCVs e dando entrada, no SEF, de pedidos de concessão de ARI) e efectuou parte dos pagamentos que era suposto efectuar (sinal e reforços de sinal).
68. Pelo que se insiste: onde está o logro? Onde está o engano criado astuciosamente que levou a que os Ofendidos para si transferissem as quantias que transferiram?
69. É que mesmo que se considere que a Recorrente nunca pretendeu concluir os negócios para que foi procurada ou conseguir, para os ofendidos, a obtenção do golden visa (o que em bom rigor nem sequer resulta da matéria de facto dada como provada), tudo isto são realidades que lhe pré-existem e que lhe são alheias - portanto, não foram por si astuciosamente criadas...
70. Mesmo as falsificações de documentos (ou utilização de documentos forjados por outrem) só se verificaram em momento posterior às transferências pelos Ofendidos e, como consta da decisão recorrida (cfr. facto 2), "por forma a não ser detectada".
71. Ora, como dissemos, este erro ou engano astuciosamente criado pelo “burlão” é condição sine qua non para que se tenha por preenchido o tipo de crime p. e p. pelo art. 217°/1 C.P.P.
72. Consequentemente, entendemos que as condutas praticadas pela Recorrente, não podendo ser subsumidas ao crime de burla qualificada, só poderão sê-lo ao crime de abuso de confiança p. e p. pelo art. 205°/1 do C.P., agravado nos termos da alínea b) do respectivo n.° 4.
73. E correspondendo as condutas não ao crime de burla, mas ao de abuso de confiança, entendemos que se impõe a absolvição da Recorrente pelos factos praticados relativamente a GG, LL e II - sob pena de violação dos arts. 1° e 205° CP e 29° CRP.
74. Pois que, como entende a jurisprudência, para preenchimento do tipo de crime de abuso de confiança (concretamente quanto ao respectivo elemento de apropriação ilegítima pelo agente da coisa móvel que lhe foi entregue por título não translativo da propriedade) é essencial que sejam dados como provados factos que especificamente demonstrem tal apropriação - ou seja, factos de onde se retire que o agente actuou como se fosse proprietário da coisa móvel, assim revelando a inversão do título da posse, não bastando dar-se genericamente como provado que dela "se apossou” ou "apropriou” ou que "a fez sua”.
75. Ora, da factualidade dada como provada relativamente aos mencionados ofendidos, só se provou que a Recorrente "fez suas as quantias” ou "não as restituiu” ou que a conta bancária titulada pela sua sociedade de advogados, na data aprazada para a realização dos negócios de compra e venda não tinha saldo suficiente para pagar o preço desses negócios.
76. Ou seja, quanto a GG, LL e II, não foi tido por provado um único facto sequer relativamente à inversão do título da posse ou à utilização pela Recorrente das quantias por aquelas transferidas como se fossem suas.
77. Sem embargo do que acima se disse, considera a Recorrente que deveria ter sido condenada por 1 crime continuado de burla ou abuso de confiança e 1 crime continuado de falsificação de documentos (e não por diversos crimes, em concurso real e efectivo) - nos termos do n.° 2 do art. 30° CP.
78. Em primeiro lugar, é evidente que estamos perante uma situação de realização plúrima dos mesmos tipos de crime (diversas situações subsumíveis ao tipo de crime de burla/abuso de confiança e diversas situações subsumíveis ao tipo de crime de falsificação de documento).
79. Depois, a forma de execução de todos os factos é idêntica, havendo perfeita homogeneidade de condutas.
80. Sendo de considerar que há também unidade do dolo.
81. É o próprio tribunal recorrido que dá como provado que a Recorrente actuou no âmbito de um "plano” ou "esquema” por si arquitectado (factos 1 a 3) e que escreve (mormente a páginas 62 e 111 do acórdão) que estamos perante um único mesmo estratagema, sendo patente a existência de um fio condutor e que o apossamento dos montantes transferidos pelos Ofendidos foi determinado através do mesmo esquema fraudulento.
82. Ora, se só há UM plano, UM esquema que se foi desenrolando e desenvolvendo ao longo do tempo e que abarcou todos os actos dados como provados e todas as condutas anti-jurídicas constantes do acórdão, é evidente que se verifica uma unidade de actuação e uma unidade de resolução criminosa!
83. Sendo que, da mera leitura dos factos dados como provados, se constata que todos eles (à excepção dos últimos pagamentos efectuados à Recorrente por JJ e KK e DD) decorreram entre 07/02/2014 e 19/07/2016, enquanto durou a situação referente à ofendida LL (cronologicamente a primeira situação a ter lugar) - pelo que é evidente que todas as situações delituais são contemporâneas entre si, sobrepondo-se e confirmando a ideia de unidade de actuação sob um mesmo e único desígnio criminoso.
84. Sendo que, para aquilatar da existência de crime continuado, o que releva não é a eventual interdependência das diferentes condutas (que pode não existir), mas se foram determinadas por uma mesma e única vontade, na concretização de um único plano - o que, in casu, é indiscutível.
85. Defendendo a Recorrente que todas as condutas por que foi condenada foram praticadas no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a sua culpa e que se consubstancia, desde logo, na acentuada procura, por cidadãos extra- comunitários, da concessão de ARI por via de investimento imobiliário em Portugal e que foi o que determinou a vontade dos Ofendidos em adquirir imóveis no nosso país.
86. Por outro lado, consubstanciada no facto não ter sido a Recorrente a procurar os Ofendidos, antes tendo-lhe estes sido encaminhados por entidades terceiras.
87. E, ainda, pela própria facilidade com que os Ofendidos lhe transferiam as quantias monetárias que lhes solicitava.
88. Do exposto, consideramos que todos os elementos essenciais à aplicação do instituto do crime continuado se encontram verificados quanto a todas e cada uma das condutas da Recorrente - pelo que, ao condenar a Recorrente por todos os crimes por que a condenou, o tribunal recorrido violou o art. 30°/2 CP.
89. Entende ainda a Recorrente que a punição a ser-lhe aplicada pelos crimes de falsificação de documento (ou crime continuado de falsificação de documento) deveria ter sido em pena de multa e não em pena de prisão.
90. Porquanto a pena de multa é mais que suficiente para alcançar a ressocialização da Arguido (ao contrário do que considerou o tribunal de 1.ª Instância), não só pela ausência de antecedentes criminais, como pelo facto de estes crimes não serem incindíveis dos demais, mas apenas um meio que a Recorrente terá utilizado, na prossecução do plano/esquema que gizou, para que os Ofendidos não detectassem que havia utilizado indevidamente parte dos montantes que lhe haviam transferido - o que manifestamente esbate a intenção criminosa quanto a este ilícito, bem como a respectiva gravidade e ilicitude.
91. Verificando-se que a punição da Recorrente por este(s) crime(s) em pena de prisão é violadora do art. 70° CP.
92. Errou ainda o tribunal recorrido na análise das situações globais e particulares que teve como agravantes e atenuantes, pelo que os quantitativos punitivos que alcançou são manifestamente desajustados.
93. Em primeiro lugar, os crimes que a Recorrente praticou (burla/abuso de confiança e falsificação de documentos) não revelam elevadas necessidades de prevenção geral - pois que, na verdade, não têm particulares repercussões na comunidade, nem são aptos a causar especial temor social, tal como até se constata que este tipo de crimes diminui 4,7% entre 2018 e 2019.
94. Ou seja, as necessidades de prevenção geral são apenas medianas.
95. Depois, entendemos que o tribunal não podia ter considerado como agravante global (ou seja, para TODAS as condutas) a duração da actuação criminosa geral - antes devia apenas ter ponderado a duração da actuação criminosa por referência a cada um dos ofendidos.
96. Não se concorda, também, que a ausência de comportamentos externos demonstrativos da interiorização do desvalor da conduta e de auto-censurabilidade seja tida como uma agravante - embora o inverso devesse ser ponderado como atenuante.
97. Já quanto a agravar a medida das penas por ser a Arguida advogada, dir-se-á que este facto até implicou uma menor necessidade de "energia criminosa”.
98. Devendo também ter sido ponderado que a maioria dos ofendidos contou com o apoio de entidades versadas na compra e venda de imóveis em Portugal, o que faz esbater o relevo de desconhecerem o sistema jurídico português e os procedimentos inerentes à compra e venda de imóveis em Portugal.
99. Ademais, não corresponde à verdade que a Recorrente actuado apenas para satisfação das suas necessidades e vontades - pois não só se deu como provado que, tal como era suposto, canalizou parte dos montantes transferidos pelos Ofendidos para o pagamento de sinal e reforço de sinal dos imóveis que pretendiam adquirir, como se deu como provado que usou parte dos montantes transferidos por alguns dos Ofendidos para cumprimento de obrigações profissionais (mormente para satisfação de interesses de outros ofendidos ou clientes).
100. Cremos também, no que concerne aos factores atenuantes, que o tribunal recorrido não valorizou devidamente o quadro psicológico da Recorrente que resulta demonstrado dos relatórios subscritos pela Psicóloga MM e pela Prof.a NN e Prof. Doutor OO - pois que destes elementos se extrai indubitavelmente que a liberdade de actuação da Recorrente (no que concerne ao controlo de impulsos e da resistência à pulsão que terá sentido para praticar os actos que praticou) estava seriamente comprometida, o que importa uma diminuição da sua culpa.
101. Não fazendo sentido a distinção punitiva observada pelos factos praticados contra EE e HH - pois que também quanto ao primeiro foram utilizados documentos forjados para manter o "logro”.
102. A mesma falta de lógica se verifica na diferenciação punitiva estabelecida para as condutas praticadas contra II e GG - é que, como vimos, não só não se pode considerar que o prejuízo daquela ultrapasse os € 176.000, como até ficou com a disponibilidade do imóvel que pretendia adquirir e do mesmo vem retirando dividendos.
103. Sendo ainda incompreensível a diferenciação punitiva das condutas praticadas contra JJ e KK e LL - que não se justifica, de todo, pela diferença do valor dos respectivos prejuízos sofridos e sendo certo que, erradamente, o tribunal recorrido considerou como agravante a inviabilização da obtenção do golden visa, apesar de resultar da matéria de facto dada como provada em 67 que esta ofendida só contratou os serviços da Recorrente para aquisição de imóvel.
104. Relembrando-se, ainda, que o efectivo valor dos prejuízos sofridos por BB e CC é significativamente mais reduzido do que aquele que foi ponderado pelo tribunal a quo (respectivamente apenas se contam prejuízos de € 64.127 e € 72.158,06).
105. Ora, estes gritantes erros na ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes implica que o acórdão recorrido violou o art. 71° CP.
106. Assim, caso se mantenha a condenação da Recorrente por múltiplos crimes de burla qualificada, as respectivas penas não deverão ser superiores a:
- 2 anos e 6 meses de prisão quanto ao ofendido BB;
- 2 anos e 6 meses de prisão quanto ao ofendido CC;
- 2 anos 9 meses de prisão quanto ao ofendido DD;
- 2 anos e 10 meses quanto ao ofendido EE;
- 3 anos e 6 meses quanto ao ofendido FF;
- 2 anos e 6 meses quanto à ofendida GG;
- 2 anos e 10 meses quanto à ofendida HH;
- 2 anos e 6 meses quanto à II;
- 2 anos e 4 meses quanto aos ofendidos JJ e KK;
- 2 anos e 6 meses quanto à ofendida LL
107. Caso se entenda que as condutas se subsumem a múltiplos crimes de abuso de confiança, os quantitativos acima definidos devem ser reduzidos em 10 meses de prisão - não se olvidando a absolvição quanto aos factos praticados contra GG, LL e II.
108. Se a condenação da Recorrente for pela prática de 1 crime continuado, por tudo quanto se disse relativamente às agravantes e atenuantes, a respectiva pena deve ser fixada em não mais de 5 anos se a subsunção for feita ao crime de burla qualificada e não mais de 4 anos se a subsunção for feita ao crime de abuso de confiança agravado.
109. Quanto aos crimes de falsificação de documentos (e atendendo ao que já se disse quanto a atenuantes e agravantes e considerando não ter cabimento ser tido como agravante para este tipo de crime o facto de os ofendidos serem estrangeiros ou não terem sido ressarcidos): se punidos na lógica do concurso real e efectivo e em pena de multa, esta deverá ser de 100 dias de multa, por cada crime, a € 5/dia.
110. Se punidos na lógica do concurso real e efectivo mas em pena de prisão, não mais de 6 meses de prisão por cada crime.
111. Se punidos na lógica do crime continuado: em pena de multa não superior a 150 dias, à razão de € 5/dia; em pena de prisão não superior a 1 ano de prisão.
112. No que respeita à pena única a definir, comece por se referir que o respectivo quantitativo é definido apenas com base na globalidade dos factos e na personalidade do arguido, não sendo relevantes os fins de prevenção (geral ou especial).
113. Sendo evidente que os factos praticados pela Recorrente se trataram de um percalço no seu, até aí e depois disso, imaculado percurso de vida, devendo ser relevado o facto de ter, por sua própria iniciativa, suspenso a inscrição na Ordem dos Advogados, não resultando evidenciada uma personalidade desviante ou incapaz de se conformar com as regras do direito e da vida em comunidade. Tal como não se evidencia um especial engenho criminoso.
114. Assim, se acabar condenada por 10 crimes de burla qualificada e 5 crimes de falsificação (e, quanto a estes, em pena de prisão), a pena única deverá quedar-se pelos 5 anos de prisão.
115. Se acabar condenada por 7 crimes de abuso de confiança qualificado e 5 crimes de falsificação (e, quanto a estes, em pena de prisão), a pena única deverá quedar-se pelos 4 anos de prisão.
116. Se a condenação a fixar pelos crimes de falsificação for em pena de multa, então para os demais crimes a pena única não poderá ultrapassar os 4 anos e 6 meses no caso de burla qualificada e 3 anos e 3 meses no caso de abuso de confiança agravada e para os crimes de falsificação uma pena única de 180 dias de multa (à razão de € 5/dia).
117. Se a condenação for por 2 crimes continuados (burla qualificada + falsificação ou abuso de confiança + falsificação) e ambos em pena de prisão, então, respectivamente, 5 anos ou 4 anos e 6 meses de prisão.
118. Caso a pena única a aplicar à Recorrente não seja superior a 5 anos de prisão, cremos que deverá ser determinada a suspensão da sua execução.
119. A Recorrente não apresenta uma personalidade desviante relativamente ao cumprimento das regras jurídicas ou qualquer tendência criminosa, sendo uma pessoa diferenciada do ponto de vista intelectual, social e académico, com competências pessoais, cognitivas e sociais acima da média.
120. Está mais que plenamente integrada a nível pessoal e social, contando com o apoio financeiro família e beneficiando de uma imagem social favorável.
121. Apesar de contar com mais de 60 anos, não tem antecedentes criminais.
122. Compreende a juridicidade ou anti-juridicidade das condutas, tendo tomado a livre iniciativa de suspender a sua inscrição na O.A. (o que revela um sério propósito de evitar colocar-se em situação de poder voltar a prevaricar).
123. Já sofreu cerca de 2 anos e meio de privação da liberdade no âmbito destes autos, o que relevará para a abstenção de novas práticas ilícitas.
124. A sua ressocialização será necessariamente mais fácil e rapidamente alcançada em meio comunitário que em meio prisional.
125. Pelo que não só é possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à suficiência da mera censura do facto e ameaça de prisão para evitar a reincidência, como a suspensão da pena não coloca em crise as necessidades de prevenção geral (que, in casu, nem são particularmente relevantes).
126. No que concerne às indemnizações cíveis atribuídas, considera a Recorrente que, desde logo, e em face do que se disse quanto ao prejuízo patrimonial efectivamente sofrido por BB e CC, que a indemnização por danos patrimoniais a pagar pela Recorrente não poderá ultrapassar, no caso do primeiro, os € 64.127 e, no caso do segundo, os € 72.158,06 - é que não nos esqueçamos que estes Demandantes lograram adquirir a propriedade dos imóveis que pretendiam pagar.
127. Quanto aos montantes arbitrados a título de danos não patrimoniais sofridos por GG, HH, II e JJ e KK são manifestamente exagerados.
128. Em primeiro lugar e tendo em conta que os danos não patrimoniais são calculados exclusivamente com base na equidade, porque o grau de culpa da Recorrente é idêntico relativamente a todos os Demandantes - não fazendo sentido tamanha diferenciação no montante arbitrado quanto a cada um dos Demandantes.
129. Depois, o tribunal recorrido não teve em consideração (como devia ter tido) a situação de actual desemprego da Recorrente, tal como nada se provou quanto à situação económica dos Demandantes.
130. Ademais, II ficou com a disponibilidade do imóvel que queria adquirir e GG viu ser-lhe restituída a quase totalidade das quantias que transferiu para a Recorrente.
131. Finalmente, não cremos que a indemnização pela angústia ou sofrimento pela não aquisição de um imóvel em Portugal ou não concessão de visto gold possa ser quantitativamente comparada com as indemnizações arbitradas em situações muito mais gravosas (como sejam a perda definitiva de órgãos ou a indemnização por morte de familiar).
132. Sendo manifesto que o tribunal recorrido violou o art. 496°/4 do CC.
133 Assim, as indemnizações a fixar a título de danos não patrimoniais deverão ser reduzidas para € 5.000 quanto a GG; € 7.500 quanto a HH; € 10.000 quanto a II e € 5.000 quanto a JJ e KK (€ 2.500 para cada um).
134. Finalmente, considera a Recorrente que não poderiam ter sido declarados como perdidos a favor do Estado os equipamentos de ...... e ..... que lhe foram apreendidos - não só porque nem sequer se provou que estes concretos equipamentos estejam relacionados com os ilícitos imputados, como nem sequer se demonstrou (mesmo alegou) que os equipamentos em causa ponham em risco a segurança de quaisquer pessoas, ou atentem contra a moral ou ordem pública ou que ofereçam sério risco de utilização delitual - pelo que o tribunal recorrido violou o art. 109° CP.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o recurso ora interposto ser julgado procedente, daí se extraindo as devidas e necessárias consequências, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de Direito.
Mais requer que, com o presente recurso, subam e sejam apreciados TODOS os recursos interlocutórios interpostos pela Arguida.
3. A arguida/ sociedade interpôs também recurso do acórdão condenatório (fls. 6183 e seguintes / conclusões a fls. 6321 e seguintes, 21.º volume), formulando, após convite, as seguintes conclusões (transcrição):
1. Por Sentença Proferida a 02 de setembro de 2020 o Tribunal A Quo decidiu
(i) Condenar a sociedade arguida “CL C... Legal, Ltd." pela prática, em concurso real e efectivo, de 10 (dez] crimes de burla qualificada, previstos e punidos, pelos Arts.0 217.°, 218.°, n.° 2, alínea a] e 202°, alínea b), todos do Código Penal e de 5 (cinco] crimes de falsificação, previstos e punidos pelo Art.° 256.°, n.° 1, do Código Penal, nos termos e para os efeitos estatuídos nos Arts.°11.º, 90.°-A, n.° 1 e 90.°-F, todos do Código Penal, na pena de dissolução;
(ii) Condenar as arguidas no pagamento das custas do processo e nos demais encargos, nos termos legalmente determinados, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco] UC, para cada uma delas (cfr. Arts. 513° e 514°, ambos do Código de Processo Penal e Art.° 8°, do Regulamento das Custas Processuais];
(iii) Julgar os pedidos de indemnização cível deduzidos contra as arguidas pelo demandante cível BB totalmente procedente; pelo demandante cível CC totalmente procedente; pelo demandante cível DD totalmente procedente; pelo demandante cível EE totalmente procedente; pelo demandante cível FF totalmente procedente; pela demandante cível GG totalmente procedente; pela demandante cível HH totalmente procedente; pela demandante cível II parcialmente procedente; pelos demandantes cíveis JJ e KK parcialmente procedente;
(iiii) Condenar as demandadas e arguidas ao pagamento das custas cíveis (cfr. Art.° 527.°, n.° 1, do Código de Processo Civil], sem prejuízo na proporção do decaimento quanto à demandante cível II e aos demandantes cíveis JJ e KK, condenando-se, nesta medida, a mesma no pagamento dos custas cíveis que lhe foram devidas;
2. O Código Processo Penal estabelece, no seu art. 379.º, no seu n.º 1, estipula que a sentença é nula quando não contenha as menções previstas no n.º 2 e na alínea b) do n° 3 do art. 374°, condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos previstos nos arts. 358° e 359°, e o tribunal omita pronúncia ou exceda pronúncia.
3. A interpretação do n.º 2, do art. 379.º, do C. Processo Penal não é pacifica, mas quanto ao conhecimento destas nulidades, estamos com a maioria que entende ser oficioso tal conhecimento.
4. A sentença recorrida enferma das referidas nulidades, isto é, encontra-se insuficientemente fundamentada, para além de ser omissa quanto à prova documental admitida.
5. O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o art.°. 205.º, n.º 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
6. A fundamentação deve revelar as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respetivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador.
7. E é na fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da atividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto.
8. Na lei ordinária o dever de fundamentação encontra-se genericamente consagrado no art. 97°, n° 5, do C. Processo Penal - os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
9. A Sentença deve respeitar o art. 374°, do C. Processo Penal, enunciando os seus requisitos, dispõe no seu ns 2 que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal". - Sublinhado nosso.
10. A fundamentação da sentença penal, como decorre desta norma, é composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
11. A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa.
12. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
13. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal - o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência - bem como a análise crítica de tais provas.
14. Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
15. O que não acontece na Sentença aqui colocada em crise, quanto à recorrente, consta a enumeração dos factos provados e não provados, ainda que de forma não isenta de crítica, na medida em que todos os factos provados e os factos não provados relativos ao objecto do processo, não o são de forma especificada muito menos esclarecedora.
16. No que respeita à indicação das provas, consta da sentença que: "O Tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto provada, e não provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, pois, nos termos do Art.° 127.°, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos), assim, alicerçou-se a convicção do Tribunal na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se, frlsa-se, das regras da experiência comum, da lógica e da razoabuidade, baseando-se: Do conteúdo ínsito às declarações prestadas pelos demandantes cíveis" (...)"
17. Seguindo-se sínteses dos depoimentos das testemunhas conjugados com documento juntos aos autos. E assim prossegue a sua fundamentação até à análise das declarações de arguida reproduzidas em julgamento, onde refere:" Aquando da reprodução das suas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (a 12.07.2017, cfr fls. 1141 a 1154 e 13.07.2017 a fls. 1226 a 1229), e integralmente reproduzidas em sede de audiência de julgamento, logo valoráveis de acordo com a livre convicção do julgador (...)
18. Seguindo-se a análise e numeração de todos os documentos analisados que suportaram a prova dos factos dados como provados e não provados.
19. Contudo, em momento algum o Tribunal " A Quo" se pronuncia sobre o facto de em audiência de julgamento e decorrente da reprodução daquelas declarações ter sido requerida a produção de prova que solidificasse a concreta personalidade e capacidade jurídica da aqui Recorrente.
20. É como se tal questão nunca tivesse sido colocada em causa pela Recorrente!
21. A Recorrente, é arguida e Sociedade Comercial constituída pela Arguida AA e requereu ao Tribunal "A Quo", a 08 de julho de 2020 (Referência citius …..) que oficiasse a obtenção de informações precisas quanto à sua personalidade e capacidade jurídica uma vez que, do decurso de todo o julgamento e do teor daquelas declarações reproduzidas em audiência, essa questão não estava completamente clarificada! esse facto Recorrente teria sido já dissolvida e liquidada.
22. E por entender que tais informações seriam imprescindíveis para que o Tribunal "a Quo" pudesse decidir de forma justa e clara, sem qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal da ora Recorrente, requereu a sua obtenção, como já referido.
23. Os resultados daquelas diligências foram notificados às partes e juntas aos autos sob referências n.º …., …. e …..
24. Contudo tais informações foram imprecisas e ainda menos esclarecedoras quanto à personalidade e capacidade jurídica da aqui Recorrente.
25. O Registo Nacional de Pessoas Coletivas veio informar de que a Recorrente é uma Entidade Equiparada Estrangeira com sede em … - London. E que A firma com o NUIPC na 980531624 não é sujeita a registo comercial. (!!!) e que apenas se encontra identificada para atividade habitual em Portugal inferior a 1 ano, prática de exercício de advocacia(u!) - sublinhado nosso.
26. Já o Gabinete Jurídico do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, decorrente da solicitação feita pelo Tribunal A Quo, informou que " (...) não se encontra registada no Conselho Geral da Ordem dos Advogados qualquer sociedade com a denominação "C... Legal" ou com o NUIPC 980531624" - negrito e sublinhado nosso
27. E por considerar, legitimamente, que aquelas informações não eram precisas e esclarecedoras quanto à sua personalidade e capacidade jurídica a Sociedade aqui Recorrente, requereu que face ao teor do resultado das pesquisas efetuadas na sequência do por si requerido, por se lhe afigurar essencial para o apuramento da eventual responsabilização penal da sociedade arguida recorrente, bem como da sua capacidade jurídica, fossem oficiadas as competentes autoridades de ...., onde a sociedade arguida se encontra sediada, a fim de se apurar da precisa situação jurídica de tal sociedade. Ata de audiência de julgamento de dia 10 de julho de 2020, tudo como se encontra gravado no sistema disponível" Habilus Media Studio", com início pelas 10:02:20 horas e termo pelas 10:05:58 horas.
28. Do supra exposto resultou o despacho de que se recorreu anteriormente e que por súmula se transcreve - ata de audiência de julgamento 10 de julho de 2020 e conforme gravação do sistema "Habilus Média Studio" com início pelas 10:07:39 e termo 10:09:07 horas Após deliberação do Tribunal Coletivo, a Mm.ª Juiz Presidente proferiu despacho que, em súmula, indeferiu o requerido pela Sociedade arguida, por falta de fundamento legal e factual, uma vez que, face às informações vertidas nos autos quanto a sociedade arguida, nada indica que a mesma esteja dissolvida, extinta ou privada de capacidade jurídica, realçando o caráter dilatório de tal requerimento, uma vez que tal diligência poderia e deveria ter sido requerida em momento próprio do processado legal, mais enfatizando que, sendo do interesse unicamente da própria a sociedade arguida, em qualquer momento poderia a mesma ter apurado da sua precisa situação jurídica e registral, podendo ainda vir a faze-lo, querendo, sem prejuízo de tal circunstancialismo ser ponderado, se for caso para tal, em sede própria, nomeadamente, apreciando em questão previa do douto acórdão."
29. Por dos autos não resultar qualquer certidão ou informação do estado da Recorrente, sociedade arguida o Tribunal "A Quo" necessitaria de informações sólidas quanto à sociedade arguida por um lado e por outro se esta sociedade sequer existe para apreciar da sua responsabilidade criminal.
30. Código Penal consagra no artigo 11 a responsabilidade das pessoas coletivas. Já o artigo 127°, n.º 1 do Código Penal consagra como causa de extinção da pessoa singular a morte e no caso das sociedades comerciais, o substrato patrimonial e pessoal das mesmas desaparece com o termo da sua personalidade jurídica que ocorre com o registo da sua liquidação, conforme consta do artigo 160.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais.
31. Contudo nos presentes autos tal informação não consta, o que consiste numa lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito.
32. O Tribunal A quo não fundamentar na sua sentença peca por não decidir de forma justa e clara, sem qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal da Recorrente,
33. E por isso, salvo o devido respeito, a Sentença recorrida é nula no que toca a aqui Recorrente.
34. Existe clara omissão da razão pela qual a Recorrente seja é identificada na acusação como "Sociedade de Advogados C... Legal, nif980531624, com sede na Avenida …, …, em Lisboa" e depois na Sentença posta em crise vem identificada como “C... Legal, Ltd.”. ou mesmo “CL@C.... Lda” (!!!) com sede em Portugal e com escritório na Avenida ….
35. Decorre do artigo 11 n.º 1 do Cpcivil que a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte.
36. A personalidade jurídica e judiciária de uma sociedade comercial perdura até ao registo do encerramento da liquidação, considerando-se, então, extinta (art. 160.º, n.º 2 do CSC)
37. Das pesquisas levadas a cabo pelo Tribunal " A Quo" resultou, sem margem para dúvidas, que a Sociedade Arguida é um Sociedade Comercial Estrangeira com sede em Londres totalmente o inverso do que o Ministério Público fez crer na acusação e que o Tribunal A Quo nem sequer se pronuncia!
38. Resultou da reprodução das Declarações gravadas da Arguida AA que todas as suas empresas - Sociedades- se encontravam extintas e dissolvidas.
39. Ora, e ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, não se mostra feita a indicação completa das provas, nem, em absoluto, o exame crítico das provas que formaram a convicção do tribunal, quanto à Sociedade Recorrente.
40. Não se mostram indicadas de forma completa as provas porque a indicação da prova documental é deficiente. Com efeito, constando dos autos várias dezenas de documentos, e o tribunal a quo refere apenas " fls. 5890/5891 resulta a identificação da sociedade arguida, resultando a mesma como inscrita, nada constando quanto à sua dissolução” (!!!)
41. Não fundamenta nem indica que outros concretos documentos relevaram, e para que efeitos relevaram, isto é, para que concretos factos provados contribuíram, directa ou indirectamente, isoladamente ou em conjunto com outros meios de prova, para a formação da convicção. Desconhece-se porque a fundamentação da sentença não o diz.
42. Que todos os documentos tenham relevado é algo que dificilmente terá ocorrido pois que muitos serão absolutamente irrelevantes para o objecto do processo, no que aqui se analisa!
43. E também não se mostra feito o exame crítico das provas que fundaram a convicção do tribunal recorrido.
44. Na verdade, tal exame crítico não pode traduzir-se numa simples afirmação, como se de uma profissão de fé do tribunal se tratasse, sem que se consiga descortinar o sentido para onde pendeu a balança da justiça.
45. Não existe qualquer referência aos documentos juntos daquelas identidades. Com efeito, o Tribunal A Quo simplesmente ignorou a sua junção sem que explique os aspetos em que cada concreto meio de prova relevou ou não, em função do crédito ou descrédito que lhe atribuiu, para a decisão sobre a matéria de facto.
46. Não havendo, portanto, prova directa dos factos, impunha-se que o tribunal a quo tivesse exposto, ainda que de forma concisa, todo o raciocínio lógico-dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou e porquê, que conduziu a sua convicção no sentido de ter a arguida sociedade "plano previamente preparado” por exemplo.
47. Não vemos sequer a referência à prova documental entregue pela Entidades - Registo Nacional de Pessoas Colectivas e Ordem dos Advogados! Tal documentação requerida pela Recorrente terá tido a sua relevância, sendo certo que levou à notificação daquelas entidades por parte do Tribunal A Quo, contudo a Sentença é completamente omissa no que tange à sua importância quanto aos factos provados ou não provados. (!) 
48. Concluindo, o tribunal a quo não indicou completamente as provas que serviram para formar a sua convicção [falta de especificação da prova documental] nem efetuou o exame crítico de tais provas, limitando-se a por um lado omiti-las e por outro a fazer "tabua rasa" à credibilidade merecida por cada meio de prova, impossibilitando à Recorrente uma consciencialização consistente e crítica da sua condenação inviabilizando a correcta apreciação para impugnação da matéria de facto.
49. Mais para mais quando se dá como provado no Ponto 270 da douta Sentença que: " Mais se provou que: (...) “Do relatório social da arguida, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido (...) que em 2003 constituiu como sócia fundadora a firma de advocacia “Pacsa & C..., Limited”, que entretanto foi absorvida pela sociedade “A...... Advogados”, através de uma fusão. Em 2008 criou em sociedade a firma "C... Law. Limited", da qual era sócia majoritária e posteriormente a “CL@..C... Legal Ltd.” que se fundiu com a “Aidar Advogados”, em 2016;
50. A falta do exame crítico das provas, imposto pelo art. 374º, n.º 2, do C. Processo Penal, e a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do art. 379° n.º 1, a], do mesmo código, a nulidade da sentença.
51. Assim como a omissão de pronuncia, quanto à questão suscitada quanto à personalidade e capacidade judiciaria da Sociedade arguida determina nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea c] do C.P. Penal a nulidade da Sentença posta em crise. 
52. Pelo que se impõe a V. Exas. ordenar o suprimento das nulidades verificadas, com a consequente revogação da decisão e a determinação de prolação de nova sentença da qual conste a indicação especificada da prova documental fundamentadora da convicção e o exame crítico das provas, com particular destaque para os aspetos que atrás se deixaram apontados, O que desde já se requer.
53. Mais declara para todos os devidos efeitos legais que mantem o interesse que TODOS os recursos interlocutórios tempestivamente por si interpostos sejam devidamente apreciados.
4. Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou (fls. 6232 e seguintes) resposta aos recursos das recorrentes AA e “C... Legal, Ltd.”, pugnando pelo seu não provimento e consequente manutenção do acórdão recorrido.
5. As arguidas AA e “C... Legal, Ltd.” interpuseram igualmente recurso de despachos interlocutórios: a primeira recorreu do despacho de 9/03/2020 (constante de fls. 5308 e seguintes, 18.º volume; motivação do recurso a fls. 5485 e seguintes e despacho de admissão a fls. 5500, 19.º volume), 5/05/2020, numa parte (constante de fls. 5500, 19.º volume; motivação do recurso a fls. 5723 e seguintes e despacho de admissão a fls. 5753, 20.º volume), de 3/07/2020 e 15/07/2020, que indeferiram a arguição de irregularidades (constantes de fls. 5836 e 5942, 20.º volume; motivação do recurso a fls. 6143 e seguintes e despacho de admissão a fls. 6158, 21.º volume); a arguida sociedade recorreu do despacho de 10/07/2020 (constante de fls. 5914-5915, 20.º volume; motivação do recurso a fls. 6122 e seguintes e despacho de admissão a fls. 6158, 21.º volume).
5.1. Quanto ao despacho de 9/03/2020, o recurso da arguida AA tem como conclusões (transcrição):
1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 09.03.2020, que indeferiu a realização de nova perícia à personalidade da Recorrente a realizar por psicólogo, a qual fora requerida em termos que aqui se dão por reproduzidos.
2. A Recorrente fundou o pedido de realização da nova perícia visando (i) apurar se padece de perturbação narcísica da personalidade e, em caso afirmativo, em que medida e, (ii) concluindo-se pela existência de perturbação de personalidade da Recorrente, que influência terá na sua capacidade de discernimento, em moldes que demonstrem existir uma imputabilidade diminuída.
3. Todavia o despacho recorrido indeferiu a pretensão da Recorrente, fundamentando essa decisão, basicamente, no facto de já ter havido lugar a uma perícia médico-legal psiquiátrica, cujo RELATÓRIO foi aprovado por unanimidade e do qual resulta que nenhuma das três peritas sentiu qualquer necessidade de ser realizado qualquer outro exame ou análise suplementar.
5. Ora, salvo melhor opinião, não andou bem o tribunal recorrido, ao considerar, como o fez, que a primeira perícia, que se não pode isolar dos esclarecimentos ulteriores prestados por uma das subscritoras do RELATÓRIO, esgota a problemática atinente à imputação subjetiva que está em jogo.
6. Efetivamente, aquando da apresentação da sua contestação, a Recorrente requereu uma perícia colegial médico-legal, que veio a ser realizada, e onde se concluiu que a arguida apresenta sintomatologia compatível com o diagnóstico de Perturbação Afetiva Bipolar tipo /I (CID-1: F 31, OMS, 1992), associada a Perturbação da Personalidade com caraterísticas Narcísicas (CID-10: F 60.8, OMS (1992).
6. O dito RELATÓRIO conclui pela imputabilidade da Recorrente, defendendo as Senhoras peritas que a provarem-se os factos pelos quais se encontra acusada, à data dos mesmos não apurámos evidência de que não estivesse mantida a capacidade de se autodeterminar perante tal avaliação, pelo que no nosso entender estão presentes pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE.
7. Contudo, na audiência de julgamento realizada no dia 10 de janeiro de 2020 a Prof. NN prestou esclarecimentos complementares na qualidade de perita.
8. Foi também com base nesses esclarecimentos, que a Recorrente requereu a realização de uma nova perícia psicológica, desta vez à sua personalidade, a qual mereceu o despacho de indeferimento de que ora se recorre.
9. O fundamento axial deste novo (e indeferido) pedido encontra robustez nos esclarecimentos prestados. É que deles resulta, sem margem para dúvidas e sem qualquer sustento em sentido contrário, que, aquando da realização da perícia, não foi equacionada a hipótese da imputabilidade diminuída.
10. Hipótese que se assume como carecida de indagação, pela enorme relevância que poderá vir a assumir. Esta omissão resulta cristalina das declarações da Professora NN.
11. A Senhora Perita adiantou que, numa análise psiquiátrica, é possível despistar-se a perturbação narcísica, mas já não será possível medi-la, concluindo que, para que se possa proceder a uma avaliação global, será necessária uma avaliação psicológica.
12. A qual não foi feita.
13. Ficou claro dos esclarecimentos prestados pela Senhora Perita, que, ao longo da realização do relatório médico-pericial, não foi debatida a questão da imputabilidade diminuída.
14. A Senhora Perita considera, de forma impressiva e aqui muito relevante, que, com o complemento da realização de uma avaliação da personalidade, o RELATÓRIO poderia, de acordo com o resultado obtido, vir a considerar existir imputabilidade diminuída, pois que,
15. São precisos mais elementos, que não estiveram presentes nem foram considerados na perícia e no RELATÓRIO, para se proceder à avaliação psicológica, no sentido de aferir o grau de perturbação da personalidade.
16. Considera, ainda, a Senhora Perita, que a Recorrente tem imputabilidade diminuída, acrescentando que, no seio do colégio de peritas, não foi discutida essa possibilidade e o alcance e consequências que dela pudessem derivar, dado que não estavam munidas de instrumentos de análise para o efeito e, por outro lado, não teriam competência, para proceder a essa análise.
17. Porém, e apesar de não resultar do RELATÓRIO qualquer avaliação à personalidade da Recorrente - por impossibilidade técnica - e, por outro lado, mesmo defronte os esclarecimentos prestados pela Senhora Perita em audiência de julgamento, considerou Tribunal a quo, no douto despacho recorrido, que foi equacionada a imputabilidade diminuída nesse mesmo documento, estando, por isso essa questão esgotada.
Não pode a Recorrente conformar-se com esta decisão.
18. Especialmente quando foi a própria Senhora Perita que excluiu essa possibilidade, em audiência de julgamento, explicando que a aferição da imputabilidade diminuída deve ser realizada através de uma avaliação à personalidade e que essa avaliação apenas pode ser conduzida por um psicólogo.
19. Impõe-se concluir, em silogismo simples, que o relatório não poderia contemplar a imputabilidade diminuída e, por isso mesmo, não o fez.
20. Tendo isto em conta, seria sempre expectável, se não exigível, que o relatório referisse que não foram detetados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realizada circundante e que não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise - ênfases nossos.
21. Mas esta referência em nada bole com o que constitui o fundamento deste recurso. Com efeito a questão que se pretende abordar na nova perícia agora requerida, não está incluída e muito menos exaurida, na perícia anterior.
22. Por todo o exposto e sempre salvo o devido respeito pela decisão impugnada, não pode a Recorrente deixar de entender que o Tribunal a quo interpretou erradamente o RELATÓRIO, na parte em que do parágrafo supramencionado, extrai a conclusão de que houve lugar a uma avaliação da personalidade e que, na sequência da mesma, teria ficado esgotada a questão da imputabilidade diminuída. Como ficou claro, esta conclusão choca de frente com os esclarecimentos servidos em audiência.
23. Se dúvidas pudessem existir a este respeito, seriam dissipadas quando a Senhora Perita, em audiência de julgamento, esclareceu o verdadeiro significado do relatório que ela própria assinou.
24. De qualquer modo, mesmo que a interpretação vertida pelo Tribunal a quo no despacho recorrido vingasse e se cresse que o RELATÓRIO tinha concluído pela não verificação da imputabilidade diminuída - o que, não concedendo, se perspetiva por mera cautela de patrocínio -, essa conclusão nunca poderia prevalecer, pois, como já referido no presente recurso e também nos esclarecimentos prestados pela Senhora Perita, as signatárias do RELATÓRIO não tinham competência para avaliar o grau de perturbação da personalidade e, por consequência, não podiam avaliar a existência de imputabilidade diminuída.
25. É muito importante referir, que o último parágrafo da página 9 do RELATÓRIO visa deixar em aberta a possibilidade da uma avaliação à personalidade, embora não o diga expressamente.
26. É este o entendimento da Senhora Perita que, nos esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento onde conclui que o exame pericial a que a Recorrente foi sujeita é idóneo a despistar a perturbação narcísica, mas que a respetiva mensuração e potenciais reflexos na imputabilidade teriam de passar por avaliação psicológica, pois que,
27. Remata que há uma perturbação da personalidade da Recorrente, mas que não é capaz de a avaliar.
28. Com efeito, o elemento psicológico condiciona a determinação pela prática do facto ilícito e que consiste na incapacidade do agente, no momento da prática do facto, avaliar a sua ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
29. Neste sentido, considera a Recorrente indispensável a realização da nova diligência para descoberta e apuramento do seu verdadeiro estado de saúde mental, a fim de suprir a inexata avaliação psiquiátrica a que foi sujeita, nomeadamente, quanto ao grau de perturbação de personalidade que não decorre dos resultados da primeira perícia e, por isso mesmo, suscitada fundadamente no requerimento da Recorrente com a ref. ……
30. Nem se diga, conforme pretende significar o despacho recorrido que "as questões que a arguida pretende ver esclarecidas com a nova perícia requerida, já foram analisadas, ponderadas e discutidas, e concludentemente afastadas, porquanto se concluiu, sem ambiguidades, sem evasivas e sem quaisquer hesitações, pela imputabilidade, ponderando-se, e afastando-se, por unanimidade, a imputabilidade diminuída."
31. O valor da prova pericial vem fixado no art. 163 do CPP, estabelecendo o seu n.º 1 que "O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador", e acrescentando o n.º 2 que "sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência".
32. O valor da prova pericial estabelece uma presunção juris tantum de validade do parecer técnico apresentado pelo perito o qual obriga o julgador.
33. Contudo, e in casu, não decorre do RELATÓRIO, ao contrário do que parece fazer crer o Tribunal a quo no despacho recorrido que não se verifica em relação à Recorrente, uma imputabilidade diminuída, conceito bem distinto da imputabilidade stricto sensu.
34. Efetivamente, a perícia psiquiátrica médico-legal, prevista no art. 159 n.º6 CPP - que serve o propósito de avaliar da existência de alguma causa patológica de inimputabilidade (art. 20 n.º 1 CP) ou imputabilidade diminuída (art. 20 n.º 2 CP), averigua da passibilidade de culpa que pode relevar na determinação da medida da pena;
35. Enquanto que a perícia de personalidade, prevista no art. 160 CPP tem como fito avaliar as "características psíquicas independentes de causa patológica, bem como o grau de socialização.
36. Pelo que forçoso se torna de concluir que o Tribunal a quo não estava habilitado de parecer científico, distinto do RELATÓRIO que o habilitasse na conclusão, irrefutável, pela falta de verificação da imputabilidade diminuída;
37. Traduzindo, assim, a conclusão inserta no despacho recorrido, um afastamento ao teor do RELATÓRIO não alicerçada em elementos fácticos.
38. A falta de realização da perícia psicológica à Recorrente, tal como requerida, consubstancia indubitavelmente a preterição de uma diligência indispensável à descoberta da verdade, mas também algo mais do que isso;
39. Pois que, implica a omissão por parte do Tribunal a quo de averiguar os factos, que, por força das disposições conjugadas dos arts. 20 n.ºs 1 e 2 do CP e 351 n.ºs 1 e 2 do CPP, se impunha que averiguasse, a saber se a Recorrente, ao tempo em que incorreu na conduta descrita no libelo acusatório, tinha ou não a capacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação ou, pelo menos, tinha tal capacidade sensivelmente diminuída.
40. A averiguação de tais factos é necessária a uma justa decisão da causa penal, tendo em atenção as dúvidas que são suscitadas pela Senhora Perita sobre se a Recorrente reúne na sua pessoa os pressupostos de uma plena imputabilidade penal.
41. Motivos pelos quais crê a Recorrente que estão reunidos os pressupostos necessários à realização de nova perícia.
42. Determina o artigo 158 do CP "em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, que: a) os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos complementares ... ; ou b) seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outro ou outros peritos.
43. E estatui o art. 351 do mesmo diploma legal que "quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido" ou mesmo a questão da sua imputabilidade diminuída (cf. os n.ºs 1 e 2 do dito preceito), a perícia é legalmente exigível.
44. Pelo que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo que indeferiu a nova realização à Recorrente de avaliação à sua personalidade por psicólogo.
45. Decisão essa cuja revogação se impõe sob pena do Tribunal a quo não se encontrar munido de todos os elementos probatórios necessários para a boa decisão da causa.
NESTES TERMOS:
Deve o presente recurso ser considerado totalmente procedente e provado e, em consequência, revogando-se o despacho de 09.03.2020, com a referência …., ser ordenada a realização de perícia à personalidade da Recorrente, tal como requerida.
5.2. Quanto ao despacho de 5/05/2020, o recurso da arguida AA tem como conclusões (transcrição):
1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 05.05.2020 na parte em que decidiu: Mostra-se esgotado o poder jurisdicional quanto ao requerido, uma vez que, tal questão foi já objeto de apreciação, por decisão datada de 09.03.2020, inexistindo qualquer fundamento que razoavelmente justifique a realização de nova perícia, pelo que, se mantém, e se renova, o já decidido quanto à clareza e assertividade do relatório pericial colegial constante dos autos, cujo ausência absoluta de ambiguidades, obscuridades, hesitações e/ou contradições afasta a necessidade de realização de nova perícia, não se vislumbrando que a repetição de diligências seja necessária, nem adequada, para a realização da justiça, para a boa decisão da causa e para a descoberta da verdade material, aliás, impõe-se o indeferimento de diligências supérfluas, redundantes e desnecessárias.
2. O despacho sub judice encerra em si mesmo uma contradição - muito embora, salvo o devido respeito, desprovida de sentido - pois, muito embora se leia mostra-se esgotado o poder jurisdicional quanto ao requerido não deixa de consignar mais adiante que se renova o já decidido.
3. Significa isto que no despacho que ora se coloca em crise há, pelo Tribunal a quo, uma novação fundamentada da decisão sobre o que foi requerido pela Recorrente, o que legitima o seu interesse em agir na interposição do presente recurso.
6. Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre cumpria ao Tribunal a quo decidir sobre o predito requerimento de 27.03.2020 (ref.ª …..) - como aliás decidiu - pois que a decisão datada de 09.03.2020 (ref.ª ….) é proferida na sequência da apresentação do requerimento da arguida de 11.02.2020 (ref.ª ….) em que se requer a final: face ao exposto, pretende a arguida ser sujeita, nos termos do disposto no art. o 158, n. o 1, ai. b) do CPP, a nova perícia a executar por psicólogo(a), a fim de: Ser analisada a sua personalidade e apurar se padece de perturbação narcísica da personalidade e, em caso afirmativo, em que medida;
Caso se conclua pela verificação de perturbação de personalidade da arguida, de que modo é que a mesma influi na sua capacidade de discernimento e consequentemente, se se pode considerar existir in casu imputabilidade diminuída da mesma.
5. Ora, tal requerimento e petitório final contrasta com o do requerimento de 27.03.2020 (ref. ….) onde se lê: vem a arguida requerer a V.Exa. a renovação da perícia, nos termos do disposto no art. 158, n. º 1, al. b) do CPP, a executar por colégio de peritos distintos dos que elaboraram o exame de 9 de dezembro de 2019.
6. Pelo que, forçoso se torna de concluir que devia, como acabou por ser apreciado pelo Tribunal a quo no despacho de que ora se recorre, o requerimento de 27.03.2020 que pugnou pelo indeferimento da renovação da perícia, nos termos do disposto no art." 158, n.? 1, aI. b) do CPP, a executar por colégio de peritos distintos dos que elaboraram o exame de 9 de dezembro de 2019 por considerar tratar-se de diligência supérflua, redundante e desnecessária.
Posto isto,
7. Aquando da apresentação da sua contestação, a Recorrente requereu uma perícia colegial médico-legal, que baseou nos seguintes e essenciais fundamentos: A arguida pretende ser sujeita a perícia médico-legal colegial com vista a confirmar a patologia de que padece - Perturbação Bipolar II, associada a uma Perturbação Narcísica da Personalidade (ICD 10 classificação Internacional a doença - F30.1 e F60.8) e, em caso afirmativo; Se tal patologia afeta a sua capacidade de autodeterminação e que efeitos poderá ter tido, em concreto, em casos com a fisionomia dos aqui em julgamento.
8. A perícia foi deferida, veio a ter lugar, sendo o competente relatório junto ao presentes autos em 18.12.2019 (ref.ª ….).
9. Considera, contudo, a Recorrente, ao contrário do propugnado pelo Tribunal a quo, que resulta do referido relatório dúvidas no que concerne às premissas nas quais o mesmo se fundamenta e, necessariamente, quanto às conclusões proferidas a final, e, por outro lado, que o mesmo é ambíguo quando cotejado o teor dos denominados pontos III EXAME DIRETO e VII DISCUSSÃO E CONCLUSÕES.
Senão vejamos:
10. Em primeiro lugar, não poderá a Recorrente deixar de estranhar que um relatório médico da natureza do em apreço, seja o resultado de uma única entrevista com duração de escassas horas e da análise dos teores de relatórios médicos por si juntos aos autos de médicas com especialidades diferentes que a acompanharam em momentos distintos da sua vida.
11. Tal escassez de contacto com a Recorrente, ao contrário do que parece fazer-se crer, não permitiu fazer uma apreciação cabal do histórico patológico da mesma e das repercussões comportamentais que a terão levado ao cometimento dos factos criminosos que lhe são imputados no despacho de pronúncia.
12. Bastará, para tanto, atentar logo no ponto IV ANTECEDENTES PESSOAIS E DOENÇA ACTUAL (Pág. 6) onde se lê não foi possível apurar, com rigor, a data dos primeiros sintomas psiquiátricos, havendo referência a um episodio depressivo aos 25 anos de idade (...).
13. E, continua, já no ponto VII. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES onde se lê ainda que não tenha sido possível concluir, com rigor, a data do início dos sintomas psiquiátricos, foi possível confirmar que tal patologia seria prévia à data dos factos (…).
14. Rematando mais adiante, no mesmo ponto que relativamente aos factos em apreço, ficamos na dúvida se a sua conduta foi independente da sua vontade e gerada por fatores psicopata lógicos que a arguida tivesse dificuldade em dominar e/ou controlar, fruto da descompensação da sua Doença Bipolar.
15. Ora, como é bom de ver, resulta de forma indelével que o relatório em apreço não foi realizado estando as respetivas examinadoras detentoras de toda a informação necessária à elaboração cabal do mesmo.
16. Nem se diga, por outro lado, que independentemente da patologia que a Recorrente padece, que o seu estado clínico nada influenciou a sua capacidade de ponderação na prática de atos criminosos, já que a mesma os terá negado.
17. É precisamente neste ponto que consideramos o relatório em apreço ambíguo quando cotejado o teor dos já referidos pontos III e VII, nomeadamente:
18. Ponto III (pág. 5) - Relativamente aos factos pelos quais se encontra acusada, explica que "o problema surgiu porque faltou dinheiro na conta de cliente ... eu autorizei a despesa desses valores a outros membros do escritório, porque na avaliação que fiz pressupus. que era possível repor esses valores e infelizmente isso não aconteceu ... e eu tentei desesperadamente resolver a situação (...) - ênfases nossos
Versus
Ponto VII (pág. 8) - Mas independentemente da patologia de que padece, e do estado clínico em que pudesse encontrar à data dos factos, i.e. de 2014 a 2017, que é certo que a arguida negou todos os factos pelos quais se encontra acusada. - ênfases nossos
19. Ponto 1II (pág. 5) - Explica que fez "uma sobreavaliação sobre determinados factos ... sobreavalio riscos ... não avalio o risco subavalio o risco"(sic) (...) "admite que por vezes deixava de tomar medicação e que. alegadamente, "nessa fase em que achei que conseguia resolver, era uma fase de quase euforia ... uma invencibilidade.... dormia pouco ... tomava trazodone."(sic)" ênfases nossos
Versus
Ponto VIII (pág. 9) - Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que no entender pericial ou estritamente técnico científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise." ênfases nossos.
20. Ora, conforme descrito, nas págs. 6 e 7 do relatório em causa sob o ponto VI (Observação), a Recorrente, aquando da realização do exame "encontrava-se vigil, orientada no espaço, no tempo e em relação a si própria. A atenção era captável e fixável. O discurso era predominantemente espontâneo, lógico e coerente, sem alterações sintáticas ou semânticas, ainda que pausado e hipoiánica. Não se apuraram alterações de perceção ou de conteúdo do pensamento."
21. Do que se acaba de transcrever, forçoso se torna de concluir que para as autoras do referenciado relatório não decorreu qualquer dúvida ou suspeita de que o discurso da Recorrente, no exame a que foi sujeita, estivesse toldado ou influenciado por qualquer temor ou de qualquer tentativa vã de escamotear informação que a pudesse prejudicar processualmente.
22. Face ao que se vem de expor, resulta, por um lado, que as examinadoras não tiveram em seu poder toda a informação necessária à elaboração cabal do relatório, a Recorrente admitiu a factualidade que lhe seria imputável, de acordo com libelo acusatório e, por outro lado, a recolha da informação transmitida pela Recorrente não foi devidamente acolhida pelas examinadoras na discussão e conclusões vertidas a final.
23. Este entendimento que propugnamos tem, aliás, apoio científico em relatório médico elaborado pelo Prof. Doutor OO, médico psiquiatra junto com o requerimento 27.03.2020 (ref.ª ….), onde se conclui com referência ao relatório junto ao presentes autos em 18.12.2019 (ref.ª ….) que "não posso, pelo descrito acima, deixar de crer que a sua doença - PABII- possa modelar a sua personalidade e alterar o seu juízo critico para os atos cometidos entre 2014-2017. É ainda meu entendimento que uma avaliação mais detalhada e prolongada o poderá tentar clarificar."
24. Como se vem de alegar, considera a Recorrente que o relatório médico de 9 de dezembro de 2019 encontra-se inquinado pois que, as suas conclusões assentam em factos incorretos ou porque não subsumem fidedignamente as declarações da examinada ou porque não se encontravam municiadas de todo histórico patológico da arguida.
25. Dispõe o art.° 158.°, do CPP que "em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, que: a) os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos complementares ... ; ou b) seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outro ou outros peritos."
26. A nova perícia é aquela que incide sobre o mesmo objecto, mas visando um detalhe, um pormenor distinto do anteriormente avaliado. A nova perícia pode ser realizada pelo mesmo perito ou por outro.
27. A renovação da perícia é aquela que incide sobre os mesmos detalhes e pormenores do objecto anteriormente avaliado. A renovação da perícia só pode ser efectuada por perito ou peritos diferentes do anterior ou anteriores. A renovação da perícia deve ser recusada se a perícia inicial tiver feito prova do facto contrário ao que se pretende provar pela renovação da perícia.
28. Ao invés, a renovação da perícia deve ser ordenada quando a capacidade técnica do perito inicial seja duvidosa, o relatório partir de pressupostos incorretos, o relatório contiver contradições ou quando o perito possua meios de investigação que possam suplantar os do anterior perito.
29. Os mecanismos referidos no art.° 158 do cpp foram criados para permitir corrigir "imperfeições" (vícios) da primeira perícia e não para a autorizar a realização de novas perícias sobre objeto diferente ou aspetos distintos. A não ser assim tratava-se de uma repetição (duplicação) inútil do legislador, já que pela regra do art. 151.º do CPP, há sempre a possibilidade de fazer uma perícia (necessariamente nova perícia) sobre o objeto ou questões diferentes de outra perícia que já tivesse sido feita e constasse do processo.
30. E estatui o art. 351 do mesmo diploma legal que "quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido" ou mesmo a questão da sua imputabilidade diminuída (d. os n.os 1 e 2 do dito preceito), a perícia é legalmente exigível.
31. Ora não restam quaisquer dúvidas, de que o alvo da perícia que foi indeferida é diverso daquele sobre que incidiu a perícia anterior.
32. No caso dos presentes autos, existem factos que nos termos já expostos têm a virtualidade de por em causa o âmbito técnico da perícia realizada e, por outro lado,
33. Considera a arguida que subsiste o pressuposto fundamental para que seja ordenada nova perícia ou a renovação da anterior perícia, pois que tal diligência se revela de interesse para a descoberta da verdade.
34. Pelo que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo que indeferiu a execução de perícia por colégio de peritos distintos dos que elaboraram o exame de 9 de dezembro de 2019.
35. Decisão essa cuja revogação se impõe sob pena do Tribunal a quo não se encontrar munido de todos os elementos probatórios necessários para a boa decisão da causa.
5.3. Quanto aos despachos de 03/07 e 15/07/2020, o recurso da arguida AA tem como conclusões (transcrição):
1. Com o presente recurso pretende a Arguida a sindicância do douto despacho proferido na sessão de julgamento do dia 03/07/2020 (com início pelas 17:18:41, duração total de 12min16seg e gravado através do sistema "H@bilus Média Studio") que indeferiu prévia arguição de irregularidade suscitada pelo seu então mandatário e do douto despacho proferido na sessão de julgamento de 15/07/2020 (com início pelas 16:49:40 e duração de 4min39seg e gravado através do sistema "H@bilus Média Studio") e que indeferiu prévia arguição de irregularidade suscitada pelo seu então mandatário.
2. Sinteticamente e a título de enquadramento, através de requerimento remetido aos autos no dia 23/06/2020 a Recorrente informou o tribunal que pretendia prestar declarações em juízo.
4. A 02/07/2020 pediu a arguida o adiamento das sessões de julgamento agendadas para os dias 3 e 10 de Julho de 2020.
5. Pois que, conforme demonstrou através dos documentos juntos com este seu requerimento, se encontrava clinicamente incapacitada de comparecer em tribunal e de ser inquirida.
6. Não obstante, veio o tribunal recorrido a decidir manter a data de 03/07/2020, mais decidindo, em tal sessão, através de despacho então proferido e pese embora tenha aceitado as declarações médicas juntas para efeitos de justificação da falta da arguida, indeferir o pedido de adiamento - pelos fundamentos acima enunciados.
6. Determinando também em tal despacho que a data já agendada de 10/07/2020 e a data que agendou para 15/07/2020 seriam para a realização das alegações orais.
7. Quanto a este despacho, arguiu a Arguida a respectiva irregularidade, nos termos do art. 123° C.P.P. e com base nos arts. 61°/1/b), 341º/a), 343°/1,345°/1,360°/1 e 361°/1, todos do C.P.P. e nos arts. 18°/1, 20°/1 e 32°/1, 2 e 6, todos da C.R.P.
8. Pugnando para que, reconhecida a irregularidade, fosse determinada a marcação de outra data posterior, para que pudesse prestar as suas declarações antes do fim da fase de produção de prova.
9. Ora, esta arguição de irregularidade veio a ser indeferida por intermédio do primeiro dos despachos de que aqui recorremos.
10. Fundamentando tal decisão, desde logo, no facto de a Arguida, desde o início do julgamento (algures perto do pretérito dia 20/09/2019) e tendo estado presente na 1.ª sessão, não ter manifestado o desejo de prestar declarações e tendo até pedido para ser dispensada de estar presente em juízo.
11. Curiosamente, consta expressamente do despacho recorrido que esse pedido de dispensa foi "por motivos nomeadamente de transtorno da deslocação, da saúde e da presença em audiência de julgamento" ...
12. Pelo que não faz qualquer sentido que, paralelamente, venha afirmar-se que a arguida nunca havia transmitido ao tribunal qualquer problema físico ou psíquico!       
13. É que se a Arguida, como bem consta do primeiro despacho aqui em crise, pediu para ser dispensada por transtorno da saúde, ficando evidente que já desde aquela primeira sessão de julgamento a Recorrente indicou o quanto este processo e o julgamento a afectavam.
14. Sendo que, pelos motivos apresentados, o tribunal a quo aceitou dispensar a presença da arguida - pelo que tem que se concluir que aceitou os motivos dessa dispensa como verdadeiros e legítimos.
15.Ademais, qualquer arguido tem o direito legalmente previsto e consagrado de prestar as suas declarações no momento que entender mais oportuno e pertinente para a sua defesa (não apenas no início da audiência), podendo até optar por não prestar declarações.
16. Falecendo, assim, este primeiro argumento para negar a invocada irregularidade.
17. Como segundo fundamento para a rejeição da irregularidade, defende o tribunal de 1.ª Instância que o direito do arguido à prestação de declarações não é absoluto (antes devendo ser compatibilizado, mormente, com o dever de realização da justiça e o direito a ser julgado no mais curto prazo possível), não sendo de admitir que a audiência fique "refém" da vontade ou disponibilidade da Recorrente para prestar declarações, até porque o tipo de constrangimento de que padece a Recorrente pode ser duradouro.
18. Consideramos, porém, que mesmo sendo concebível que o direito à prestação de declarações por um arguido não seja absoluto, é inaceitável que perante uma comprovada incapacidade clínica para o fazer não haja, por parte do tribunal, o mínimo esforço de compatibilização da garantia desse direito com o normal e razoável andamento do julgamento.
19. Devendo fazer-se notar que o próprio tribunal recorrido, no despacho aqui em apreciação e para justificar o porquê de ter entendido que não eram necessários quaisquer esclarecimentos dos médicos da Arguida, consigna ser para si claro que o prazo máximo da recuperação desta seria de um mês!
20. Ora, se o prazo de recuperação, diz o tribunal com base nos relatórios médicos que aceitou como válidos, é de um mês, então não pode, simultaneamente, sustentar que se verificaria um adiamento ad eternum ...
21.Ainda para mais quando naquele dia 03/07/2020 se estava muito perto do início das férias judiciais - período que bem que podia ser aproveitado para permitir à Recorrente fazer o ajuste psicofarmacológico necessário e, com isso, criar as condições para prestar as declarações pretendidas ...
22. Pelo que também não colhe o argumento de que o direito da Recorrente em prestar declarações antes do fim da produção de prova (momento que entendeu ser o mais benéfico e acertado para o fazer) pode ser suprimido sem sequer lhe ser dada oportunidade ou um prazo razoável para se restabelecer e poder prestá-las!
23. Finalmente, funda-se o despacho recorrido na conformidade do que se decidiu quanto à recusa do adiamento com o previsto no art. 333°/2 e 3 C.P.P. (donde resulta que o arguido faltoso pode prestar declarações "até ao fim da audiência"), pelo que, estando designadas mais duas datas, embora já não para produção de prova, mas alegações, este momento ainda está compreendido no conceito de "audiência", podendo a Arguida, até ao seu términos, prestar as suas declarações - concluindo-se, assim, que o não adiamento não representava qualquer lesão para os direitos da arguida.
24. Uma vez mais, não concordamos com o tribunal recorrido!
25. Não ignoramos que, de facto, o art. 333°/3 CPP se refere ao encerramento da audiência e não da produção de prova.
26. Mas também não esquecemos, em sede de interpretação sistemática das normas jurídicas, o que resulta da conjugação dos arts. 341.ºe 360.º do mesmo diploma.
27. Por um lado, que as declarações do arguido são, sem margem para dúvidas, parte da prova e, por outro lado, que as alegações servem para os diferentes sujeitos processuais exporem as suas conclusões quanto à prova que se produziu.
28. Crendo nós ser inadmissível um despacho que, na prática, retirará às declarações de um arquido (e se este, entretanto, as puder prestar) a sua relevância enquanto elemento de prova a considerar nas alegações orais e, nessa medida, desconsidere totalmente os ditos arts. 341.º e 360.º do CPP.
29. Ainda para mais porque temos que conceber que essas mesmas declarações até poderão e implicar outras diligências probatórias (por exemplo, acareações ou produção suplementar de prova ao abrigo do art. 340.º CPP), o que já não é possível após o início das alegações (pois que, embora esta fase ainda faça parte da "audiência", já está ultrapassada a fase de produção de prova).
30.Insiste-se ainda que a situação de incapacidade da arguida para prestar declarações estava estimada (pelo próprio tribunal de 1.ª Instância) em um mês ...
31. Ou seja, tendo designado duas datas para o início e conclusão das alegações para as quais o tribunal bem sabia que a Recorrente não estaria em condições de prestar declarações, de nada vale argumentar que podia fazê-lo em qualquer um desses dias!
32. Tendo a Recorrente, após constatar a sua incapacidade para depor (a qual foi perfeita e completamente justificada nos autos), pedido o adiamento da audiência (quer antes, quer durante a sessão de 03/07/2020) para poder prestar declarações antes do fim da fase de produção de prova, entendemos que, ao negar-lhe tal possibilidade, o tribunal a quo efectivamente praticou a invocada irregularidade.
33. Pois que violou grosseiramente os arts. 61°/1/b), 340°/1 /a), 343°/1, 345°/1, 360°/1 e 361°/1 do CPP e os arts. 18°/1, 20°/1 e 32°/1, 2, 5 e 6 da CRP - violação que também enferma o despacho recorrido.
34. Devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que reconheça a existência do mencionado vício, com as devidas e necessárias consequências.
35. Quanto ao despacho também recorrido e proferido na sessão de 15/07/2020 (e que recaiu sobre nova arguição de irregularidade), como expusemos já, naquele dia (e porque era a última data designada), apesar da sua manifesta incapacidade, a Arguida compareceu em juízo.
36. Porém, embora tenha ainda conseguido prestar parte das suas declarações, não foi capaz (pelos motivos médicos amplamente demonstrados nos autos) de as terminar, não tendo conseguido responder aos esclarecimentos colocados pelo seu mandatário.
37. Perante esta manifesta incapacidade (largamente justificada nos autos), o mandatário da Arguida requereu o adiamento da audiência e que se notificasse a sua médica assistente a fim de esclarecer qual a duração previsível desse estado de incapacidade.
38. Com fundamentos idênticos aos esgrimidos anteriormente, veio o tribunal recorrido a proferir despacho de recusa de tal adiamento, bem como de recusa do pedido de notificação da médica.
39. Nessa sequência, foi arguida a irregularidade deste despacho.
40. Em face da arguição de irregularidade, curiosamente, o tribunal recorrido mandou chamar a Arguida (que havia já sido autorizada a ausentar-se da sala de audiências, mas que ainda se encontrava no edifício do tribunal), convidando-a a terminar as suas declarações - o que a Recorrente, por continuar psicologicamente incapacitada, não foi manifestamente capaz de fazer, mas indicando que pretendia terminar as suas declarações assim que a sua saúde o permitisse.
40.lmediatamente após, foi proferido despacho a indeferir a arguição de irregularidade, com o qual também não concordamos.
42. O primeiro fundamento desse despacho foi que, desde o início da audiência, nunca se havia impedido a arguida de exercer os seus direitos, tendo até sido esta a requerer a sua dispensa de estar presente em juízo.
43.Uma vez que este fundamento é idêntico a fundamento usado no outro despacho de que se recorre nesta peça processual, remetemo-nos para o que dissemos aquando da concreta impugnação desse outro despacho (cfr. pontos 10. a 16. destas conclusões de recurso).
44. Reforce-se apenas que não é o facto de a arguida ter pedido para ser e ter sido dispensada de estar presente em anteriores sessões que faz com que perca o direito que lei lhe garante, nomeadamente através dos arts. 61°/1/b) CPP e 32°/2 e 5 CRP, de prestar declarações - ainda para mais quando essa dispensa foi pedida e concedida "por motivos nomeadamente de transtorno da deslocação, da saúde e da presença em audiência de julgamento" (sublinhado nosso).
45. Novamente sustenta o tribunal recorrido que não foi violado qualquer direito da arguida porque a prestação de declarações não pode ficar dependente da "agenda" ou vontade da arguida, tal como não pode a realização da justiça ficar suspensa ou subordinada à predisposição daquela - até porque já se,havia considerado a presença da arguida como não indispensável à descoberta da verdade material.
46. Também quanto a este argumento acima nos referimos já, pelo que para ali nos remetemos (cfr. pontos 17 a 22 destas conclusões).
47. Convém apenas voltar a frisar que, não só a incapacidade da arguida em concluir as suas declarações não tem nada que ver com a sua "agenda" ou predisposição, mas com uma enfermidade de que padece (e que se comprovou nos autos e foi aceite pelo tribunal a quo), como também não é verdade que se tenha pretendido adiar eternamente a audiência, mas apenas que fosse adiada por um prazo minimamente razoável para a Arguida se poder recompor psiquicamente.
48. Tendo o tribunal de 1.ª instância reconhecido na sessão de 03/07/2020 (como antes por nós referido) que o tempo de recuperação que resultava dos relatórios médicos por si aceites como válidos (pelo menos para justificar a falta e dispensa da arguida e para negar a necessidade de trazer a juízo os médicos que os subscreveram ...) era de APENAS UM MÊS.
49. Sendo evidente que se a recuperação da Arguida, após esse curto lapso de um mês, ainda não se verificasse, então aceitar-se-ia que o tribunal não concedesse novos adiamentos, até porque já havia feito o esforço possível (e que legalmente se lhe exigia) de compatibilizar o direito da arguida em defender-se em juízo e o dever de, em tempo útil, realizar a justiça.
50. Ou seja, mais uma vez, tal como já havia sucedido em 03/07/2020, através dos despachos proferidos em 15/07/2020, o tribunal demonstrou que aquilo que devia prevalecer era, não a lei ou a salvaguarda dos direitos da arguida, mas apenas a sua vontade indomável de terminar as alegações antes do início das férias judiciais - especulando nós que apenas assim foi para poder aproveitar esse período de actividade judicial menos intensa para elaborar o acórdão que veio a ler e depositar a 02/09/2020.
51. Finalmente. argumenta o tribunal recorrido que não há qualquer irregularidade porque a decisão tomada no seu anterior despacho é consentânea com o art. 334°/2 CPP e porque está vinculado ao dever de defender o supremo interesse da realização da justiça.
52. No que concerne à referência ao art. 334°/2 CPP, diremos, somente, que tal dispositivo se aplica aos casos em que o arguido se encontra praticamente impossibilitado (seja qual for o motivo) de comparecer na audiência e não ao caso da Arguida.
53.Na verdade, a Recorrente não estava, nem nunca esteve, em situação em que fosse Expectável ou previsível que não pudesse comparecer em qualquer das sessões de julgamento.
54.Apenas se verificou, em determinado momento, uma situação de incapacidade temporária (porque ultrapassável) de ser inquirida.
55. E se a incapacidade da arguida em depor (ou concluir o seu depoimento) não era permanente, não se pode compreender que não tenha sido feito o mínimo esforço para assegurar os seus direitos!
56. Não é também do supremo interesse da realização da justiça que ao arguido seja garantida a plenitude das faculdades e prerrogativas que inclusivamente a Lei Fundamental lhe confere?   57. Aliás, atenta a gravidade da violação dos direitos da Recorrente, até consideramos que o vício de que enferma o despacho que (mais uma vez ...) recusou o adiamento da audiência não é o de mera irregularidade, mas o vício de nulidade insanável previsto no art. 119°/c) CPP.
58.  Pois que ao recusar a designação de nova data para a conclusão da prestação de declarações pela arguida, antes determinando que se terminassem as alegações, mesmo tendo considerado justificada (por motivos de ordem médica) a ausência da arguida e a sua saída da sala de audiências, se limitou de forma desproporcionada e injustificada os seus direitos de audição, defesa e contraditório, tal como os mesmos resultam concretizados nos arts. 61°/1/b) do CPP, 32°/1, 2, 5 e 6 da CRP e 11°/1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem - normativos que se considera terem sido violados pelo despacho que recusou o adiamento e, também, pelo despacho recorrido.
59. E sendo a supra dita nulidade insanável e de conhecimento oficioso, nada obsta a que seja apenas neste momento arguida e por V. Exas. conhecida e reconhecida.
60. Considerando-se, ainda, que a interpretação que o tribunal recorrido faz das normas ínsitas nos arts. 61°/1/b), 328 e 333°/2, todos do CPP, no sentido de, estando a arguida (com prova nos autos e aceite pelo tribunal para a autorizar a abandonar a sala de audiência) incapacitada para concluir a prestação de declarações (concretamente para responder aos esclarecimentos do seu mandatário) e tendo sido requerido o adiamento da audiência/marcação de nova data para conclusão das ditas declarações, negar esse requerimento, antes ordenando a retoma das alegações que terminaram no próprio dia, assim eliminando definitivamente o direito da arguida prestar declarações em juízo, é inconstitucional por violação dos arts. 18°/2 e 32°/2 e 5 da CRP inconstitucionalidade que, para todos os efeitos, desde já se invoca.
61.Assim, deve o despacho ora em crise ser revogado e substituído por outro que, firmando a invalidade do anterior despacho e a nulidade de todo o processado subsequente, determine o agendamento de nova data para a Recorrente concluir a prestação de declarações.
Nestes termos e nos melhores de Direito, devem os recursos ora interpostos ser julgados procedentes, com as necessárias consequências.
5.4. Quanto ao despacho de 10/07/2020, o recurso da arguida sociedade tem como conclusões (transcrição):
1. O presente Recurso recai sobre o despacho de 10 de julho de 2020 que indeferiu à Recorrente, por falta de fundamento legal e factual, a pesquisa nas Entidades Comerciais Inglesas o estado da sua personalidade e capacidade jurídica.
2. Resultou da reprodução das declarações da arguida em audiência de julgamento a 03 de julho de 2020 que todas as suas empresas estariam encerradas e fechadas.
3. Das pesquisas levadas a cabo resultou que a Recorrente era uma empresa Estrangeira, com sede em Londres e por isso mesmo sem registo Comercial em Portugal.
4. Resultou daquela informação que apenas teria autorização para realizar transações económicas por 1 ano da atividade de advocacia.
5. Da pesquisa no Conselho Geral da Ordem dos Advogados, nenhuma Sociedade existia com aquele Número de identificação fiscal ou com aquela denominação.
6. Pelo que foi requerido pela Recorrente Sociedade arguida que o “Tribunal A Quo" oficiasse junto das Entidades Comerciais Inglesas informação quanto ao seu estado.
7. Requerimento esse que foi indeferido por falta de fundamento legal e factual.
8. Discorda a Recorrente com esta posição uma vez que é claramente violadora dos artigos 340º, nº 1 e 323º, als a) e b) do Código Penal.
9. Dos autos tal informação não consta, aliás nenhuma informação consta no que diz respeito à sociedade arguida, o que poderá consistir uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito.
10. Pelo que a fim da boa descoberta da verdade é necessário providenciar à obtenção de tais informações para que consiga decidir de forma justa e clara, sem qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal da ora Recorrente.
Termos em que deverá o presente recurso ser declarado procedente e, por via disso, ser o despacho Recorrido revogado e substituído por Acórdão que, determine as pesquisas nos precisos termos requeridos pela defensora, a 10 de julho de 2020, anulando todo o processado desde essa data, assim se fazendo a Sã e Serena JUSTIÇA!
6. Estes recursos foram, na 1.ª instância, admitidos a subir a final (conjuntamente com o interposto da decisão que venha a pôr termo à causa).
7. O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou respostas às motivações dos recursos interlocutórios – respectivamente, a fls 5855 e seguintes, 20.º volume e 6232 e seguintes, 21.º volume -, da arguida AA e da arguida-sociedade, concluindo pela sua improcedência.
8. Foram deduzidas diversas respostas pelos assistentes e demandantes:
8.1. GG respondeu ao recurso dos despachos de 3/07/2020 e de 15/07/2020 (fls. 6199, 21.º volume), formulando como conclusões (transcrição):
I) Com as contra-alegações em curso, pretende a Recorrida invocar a improcedência do recurso apresentado pela Recorrente a 15/09/2020 que procura a revogação e substituição dos despachos proferidos pelo doutro Tribunal a 03/07/2020 e a 15/07/2020.
II)  Ora, foram proferidos dois despachos nas datas mencionadas que indeferiram a arguição de irregularidade dos despachos já proferidos de indeferimento do adiamento das datas agendadas para que a ora Recorrente pudesse prestar as declarações que veio a requerer a 23/06/2020.
III) Fundamentou a ora Recorrente esse seu requerimento de adiamento das sessões de audiência de julgamento, juntando aos autos um relatório médico e um certificado de incapacidade de trabalho.
IV) O Tribunal a quo aceitou a justificação da falta da Arguida, mas não pôde, como bem se compreende, decidir pelo adiamento das sessões de audiência.
V) Pois bem, a audiência decorria há quase um ano sem que a ora Recorrente se mostrasse interessada em prestar declarações.
VI)  Mais, requereu ao douto Tribunal que fosse afastada do Julgamento, pedido este a que o Tribunal acedeu.
VII) Não foi, como claramente se compreende, o douto Tribunal a impedir a Arguida de exercer os seus direitos.
VIII) Relembre-se, uma vez mais, que o direito a prestar declarações da Arguida não é absoluto.
IX) Mais a mais, tem o Tribunal de garantir pela cabal realização da Justiça e o Direito Constitucional de garantir o julgamento no prazo mais curto que lhe for possível.
X) A justificação da falta da Arguida deu-se com o seu estado clínico, estado esse que seria prolongado no tempo pelo prazo mínimo de um mês sem que houvesse um prazo máximo ou, na verdade, um prazo expectável para a sua cabal recuperação.
XI) Dado o caráter manifestamente dilatório do requerimento da ora Recorrente, compreende-se que o Tribunal não pudesse aguardar, por tempo indeterminado pela sua recuperação.
XII) Por dispor de falta com justificação médica, como anteriormente explanado, tem a Arguida o direito de prestar, declarações até ao fim da audiência de julgamento.
XIII) Verifica-se, assim, que a ora Recorrente teria sempre oportunidade de exercer o seu direito.
XIV) Mais a mais, saliente-se que a ora Recorrente não perdeu esse direito pelo facto de o douto Tribunal indeferir o seu requerimento de adiamento das sessões de julgamento.
XV) Caso se revelasse, pelas declarações prestadas finda a produção de prova, a necessidade de produção de prova suplementar, esta estaria assegurada nos termos dos artigos 369.°, n.º 2 e 371.°, ambos do CPP.
XVI) Na sessão de 15/07/2020 a ora Recorrente de facto apresentou-se em juízo e prestou as requeridas declarações.
XVII) Nestas declarações prestadas, nada de novo fez suscitar junto do Tribunal a quo.
XVIII) A nosso ver, a conduta da ora Recorrente visa tão-só retardar e entorpecer o andamento dos autos.
XIX) Face ao supra exposto contra-alegado, e às conclusões apresentadas, deverão improceder in totum as conclusões apresentadas pela ora Recorrente.
8.2. JJ e KK,  responderam ao recurso interlocutório da sociedade-arguida (fls. 6216 e segs, 21.º volume), concluindo (transcrição):
I - A Sociedade Arguida dispôs a todo tempo da possibilidade de juntar documentos bem como de encabeçar todas as diligências necessárias à sua defesa, não o tendo efetuado, mas nem por isso tendo perdido o direito de o fazer após o indeferimento do requerimento, como aliás é referido pelo próprio indeferimento (vide artigo 340°/1 e 340°/4 CPP).
II - Não colhe o argumento da inexistência de sociedade comercial registada em Portugal por ser sociedade estrangeira equiparada, pois que, tal como estatuído no supracitado artigo 4°/2 do CSC, uma sociedade comercial que exerça a sua atividade em Portugal por um período inferior a 12 meses não fica obrigada a cumprir o disposto na Lei sobre registo comercial, mas nem por isso deixa de ser considerada uma sociedade comercial.
Ill - De tal forma que o mesmo artigo 4°/2 CSC estabelece de forma perentória que as sociedades comerciais enquadradas no seu número ficam obrigadas pelos atos praticados em seu nome em Portugal.
IV - Sendo inaceitável a tentativa de alegação de inexistência da personalidade jurídica da Sociedade Arguida, quando na verdade a Sociedade Arguida mantém a personalidade e capacidade jurídicas, até ao registo da sua dissolução.
V - Posto isto e não estando devidamente comprovado que a Sociedade Arguida estava extinta e liquidada à data dos factos pelos quais foi condenada, não é possível concluir senão pela manifesta existência de responsabilidade criminal da mesma, conforme o plasmado nos artigos 127° do Código Penal e 160°/2 do Código das Sociedades Comerciais.
VI - Pelo que e em suma, foi a Sociedade Arguida corretamente julgada pelos atos em seu nome perpetuados em território nacional, visto ter personalidade e capacidade jurídicas, sendo pois, dotada de responsabilidade criminal.
8.3. HH e II responderam ao recurso dos despachos de 3/07/2020 e de 15/07/2020, pugnando pelo não provimento (fls. 6225 e segs, 21.º volume), o mesmo fazendo quanto ao recurso do acórdão interposto pela arguida AA (fls. 6376 e seguintes, 22.º volume).
8.4. EE e FF responderam aos recursos do acórdão condenatório e interlocutórios interpostos pelas arguidas AA e sociedade (fls. 6342 e seguintes, 21.º volume), sustentando o seu não provimento.
8.5. BB e CC responderam ao recurso do acórdão condenatório interposto pela arguida AA (fls. 6391 e seguintes, 22.º volume), sustentando o seu não provimento.
9. Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), pronunciou-se a fls. 6464, no sentido de que os recursos devem ser julgados improcedentes.
10. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, realizou-se audiência, como requerido.
II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
Recursos do acórdão condenatório
Recurso da arguida AA:
- Do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P.;
- do vício da contradição insanável previsto np artigo 410.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.;
- do erro de julgamento da matéria de facto;
- da qualificação jurídico-criminal dos factos;
- da unidade ou pluralidade de ilícitos criminais – violação do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal;
- da determinação das penas, parcelares e única;
- das indemnizações civis.
- da declaração de perda.
Recurso da arguida-sociedade:
- da falta de fundamentação /exame crítico da prova / omissão de pronúncia;
- da lacuna no apuramento da matéria de facto quanto à personalidade, capacidade jurídica e responsabilidade da arguida/ sociedade.
Recursos interlocutórios
Recursos interposto pela arguida AA:
- Recurso do despacho de 9/03/2020 – indeferimento da realização de nova perícia à personalidade da recorrente / questão da imputabilidade diminuída.
- Recurso do despacho de 5/05/2020 – alegada “novação” do indeferimento da realização de nova perícia / questão da imputabilidade diminuída.
- Recurso dos despachos de 3/07/2020 e 15/07/2020 – arguição de irregularidade do despacho que indeferiu pedido de adiamento / recusa de designação de data para prestação de últimas declarações pela arguida / violação dos artigos 61.º/1/b), 328.º e 333.°/2 do C.P.P., 32.º/1, 2, 5 e 6 da CRP e 11.º/1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem /alegada  interpretação inconstitucional dos artigos 61.°/1/b), 328.º e 333.°/2, todos do C.P.P., por violação dos arts. 18.°/2 e 32.°/2 e 5 da CRP.
Recurso interposto pela arguida-sociedade
- Recurso do despacho de 10/07/2020 – violação dos artigos 340.º, n.º 1 e 323.º, als. a) e b), do C.P.P.
2. Do acórdão recorrido
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A arguida AA, a partir de 2014 até 2017, ciente da possibilidade de obtenção de autorização de residência, através do investimento de cidadãos estrangeiros da quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), designado comummente por "visto gold", elaborou um plano, utilizando a sociedade de advogados "CL@C... Legal", da qual era legal representante, que consistia em promover os seus serviços jurídicos, bem como a aquisição de propriedades imobiliárias, junto dos mesmos;
2. Como parte do plano, obtidas as quantias monetárias referentes aos imóveis, a arguida, ao invés de efectuar as correspondentes escrituras de compra e venda, para as quais era mandatada, vinha a fazê-las suas, forjando informações do S.E.F. (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis, criando aos investidores a convicção da aquisição dos mesmos e do regular andamento do processo junto do S.E.F., por forma a não ser detectada;
3. Como forma de divulgação da sua suposta actividade de intermediação na aquisição de propriedades e prestação de serviços jurídicos na obtenção de vistos "GOLD", a arguida fazia publicidade na "internet”, efectuava acordos de cooperação com agências e angariadores imobiliários e deslocava-se a diversos países onde contactava com possíveis clientes, nomeadamente, na ..... e .....;
Por essa forma,
4. EE, cidadão nacional da ….., casado com PP, por se encontrar reformado e ter interesse em viajar, decidiu obter um visto "Gold", por forma a poder circular livremente na Europa;
5. Nessa sequência, o mesmo veio a ser aconselhado por um amigo, FF a obter esse visto em Portugal;
6. Para o efeito, veio a entrar em contacto com QQ, um mediador imobiliário detentor da empresa denominada "SC…..", com morada em ….., ….., com o qual a arguida AA veio a estabelecer uma parceria, através da qual este angariava clientes que pretendiam obter o visto "Gold" e a quem aconselhava e direcionava para os serviços da mesma, obtendo uma comissão entre € 4.000,00 (quatro mil) a € 5.000,00 (cinco mil euros), que lhe era paga directamente pelos clientes;
7. EE tendo sido informado que podia adquirir um imóvel por € 500.000,00 (quinhentos mil euros) ou colocar a quantia de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), em Portugal, para obtenção do visto "Gold", veio a decidir-se por esta última opção;
8. Assim, em 29.12.2015 EE transferiu a quantia de C 1.000.000,00 (um milhão de euros), mais taxas por serviços prestados e a prestar, na ordem dos E 26.000,00 (vinte e seis mil euros), para conta bancária, em nome da firma da arguida AA, com o IBAN ….., com vista à obtenção de vistos "gold" para si e para PP, na forma de investimento por transferência de numerário;
9. Em 12.01.2016, em deslocação a Portugal e sem intervenção da arguida AA, EE veio a interessar-se pelo empreendimento denominado "The......", sito no Bairro …., em …., tendo efectuado uma reserva de uma fracção, designada por 2G, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros);
10. O valor total do apartamento era de € 654.000,00 (seiscentos e cinquenta e quatro mil euros);
11. A partir dessa data, a arguida AA passou a encarregar-se do processo de aquisição da fracção, devidamente mandatada por EE;
12. Assim, a arguida, a mando de EE, veio a efectuar diversas transferências para reforço do sinal para aquisição da fracção, até serem obtidas as licenças de utilização, nomeadamente:
- em 19.02.2016, transferência no valor de € 130.900,00 (cento e trinta mil e novecentos euros), para "Q......, Lda.", conta "Novo Banco", IBAN ……623, referente ao pagamento do reforço de sinal da fracção 2G;
- em 19.04.2016, transferência no valor de € 130.900,00 (cento e trinta mil e novecentos euros), para "Q......, Lda.", referente ao pagamento do reforço de sinal da fracção 2G, IBAN .......623 (Novo Banco);
- em 15.07.2016, transferência no valor de e 130.900,00 (cento e trinta mil e novecentos euros), para "Q….., Lda.", referente ao pagamento do reforço de sinal da fracção 2G, IBAN .......623 (Novo Banco);
13. A arguida AA transmitia a EE, que julgava ser titular de uma conta bancária em Portugal, com fundos para o efeito, de que o remanescente do valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), de e 346.000,00 (trezentos e quarenta e seis mil euros), estava depositado numa conta titulada pelo mesmo e a render juros de 4%;
14. Estas informações eram feitas acompanhar, pela arguida AA, por extractos/declarações forjados, de forma a evidenciar o alegado, nomeadamente, um extracto de uma conta "BPI Premium Client" n.° ........001, supostamente pertencente a EE, datado de 22 de Agosto de 2016, com um saldo positivo de € 587.300,00 (quinhentos e oitenta e sete mil e trezentos euros), quando na verdade, esta conta era pertencente à conta BPI Carneira Legal — Clientes;
15. A arguida AA veio, igualmente, a informar EE que a "sua" conta bancária, agora já não domiciliada no "BPI", mas sim no "Banco Millennium BCP", com o número ….605, Swift: ….., tinha um saldo de € 346.000,00 (trezentos e quarenta e seis mil euros), que seria o valor resultante da diferença entre o € 1.000.000,00 (um milhão de euros) entregue por EE e o valor do apartamento no "The......", acrescido de juros;
16. Para credibilizar a informação, veio a enviar-lhe, por e-mail, um documento forjado, por si ou por alguém a seu mando, com o logotipo do "Millennium BCP", onde constava o nome de EE e uma tabela com movimentos bancários, nos valores acima referidos, de € 346.000,00 (trezentos e quarenta e seis mil euros), acrescida da quantia de € 2.986,66 (dois mil novecentos e oitenta e seis mil euros e sessenta e seis cêntimos), de juros, num total de € 348.986,66 (trezentos e quarenta e oito mil novecentos e oitenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos);
17. Porém, a conta aberta em nome de EE no "Millennium BCP", com o número indicado, nunca veio a ser formalizada e, por essa via, não registou movimentos, tendo sido encerrada;
18. Sendo certo que, na data designada para a escritura, a arguida não possuía nas suas contas qualquer quantia que lhe permitisse a sua efectivação, no valor de C 241.300,00 (duzentos e quarenta e um mil e trezentos euros), tendo, igualmente, todo o remanescente de C 346.000,00 (trezentos e quarenta e seis mil euros) sido gasto em despesas pessoais e profissionais;
19. Com efeito, com excepção dos referidos valores que vieram a ser entregues para pagamento da fracção descrita, a arguida AA veio a apropriar-se das quantias remanescentes de € 633.300,00 (seiscentos e trinta e três mil trezentos euros);
20.Com vista a não perder, pelo menos, parte do investimento na aquisição da fracção 2G do "The ...", em 26 de Dezembro de 2017, EE liquidou à empresa "Q.....", o remanescente do preço no valor de € 240.800,000 (duzentos e quarenta mil e oitocentos euros), e veio a efectuar a escritura pública de compra e venda do imóvel;
21. Não obstante, ter sido apresentado o requerimento para obtenção de "ARI" pela arguida AA em nome de EE e PP, o mesmo foi declarado extinto, por deserção, por falta de junção de documentos, entre outros, da prova de investimento em TN (território nacional);
22. EE encontra-se assim, pelo menos, lesado no valor de C 633.300,00 (seiscentos e trinta e três mil e trezentos euros), dos quais a arguida se apropriou;
23. Em Janeiro de 2015, FF, a convite de QQ, participou, com cerca de 20 outros cidadãos ...., num encontro, onde a arguida AA fez uma apresentação de slides com listas de serviços fornecidos no âmbito do processo de obtenção dos "Vistos Gold";
24, Por esta forma, a arguida AA logrou criar a confiança em quem assistia que dominava todo o processo, incluindo a matéria fiscal e o programa dos "Vistos Gold", e projectou uma imagem de pessoa de negócios altamente profissional e competente em todo o mundo;
25.Tal facto, era ainda reforçado quando os cabeçalhos dos documentos que apresentava referiam que a mesma era parceira sênior, e que tinha escritórios ou representação nas principais cidades, de ….., ……, ….. e em ……;
26. Por crer na seriedade da arguida AA, FF contratou os seus serviços, por um período de seis anos, a contar da data do investimento até à conclusão dos testes de proficiência linguística que seria necessária para obtenção de cidadania portuguesa;
27. Conforme acordado, durante este período, o escritório, desta a sociedade "Aidar C... Legal", trataria de todo o processo de obtenção dos "Vistos Gold", que deveria ocorrer ao fim de um ano, incumbindo a FF liquidar os valores de custos que fossem sendo apresentados;
28. Os serviços a prestar iriam abranger o visto "Gold" e a obtenção de cidadania portuguesa;
29. Tendo em vista esse propósito, FF veio a efectuar transferências para a conta do "BPI" n.° ......151, titulada pela sociedade de advogados "Aidar C... Legal", no valor total de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), dividido em três parcelas: de € 834.486,92 (oitocentos e trinta e quatro mil quatrocentos e oitenta e seis euros e noventa e dois cêntimos) e de 165.513,08 (cento e sessenta e cinco mil quinhentos e treze euros e oito cêntimos), efectuadas no dia 13.05.2015, acrescido de taxas adicionais solicitadas, e no valor de € 39.993,00 (trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), em 12.05.2015;
30. Em Agosto de 2015, FF viajou para Portugal juntamente com a sua família, para fornecer dados biométricos ao S.E.F., local onde preencheu diversos formulários, acompanhado por um funcionário da firma "Carneira Legal";
31. FF, para se qualificar para o requisito investimento, optou por investir na modalidade de depósito bancário, para posteriormente negociar acções na Bolsa de Valores de ...;
32. Nessa ocasião, FF manifestou a intenção de abrir uma conta bancária no "Barclays Bank", em …., para usar o dinheiro para investir na Bolsa de Valores de ...;
33. Todavia, a arguida AA informou-o que o "Barclays" estava a sair de Portugal e que seria preferível abrir uma conta junto do "Millennium BCP", afirmando que tinha com esta instituição bancária um relacionamento comercial muito bom, pelo que o seu escritório poderia facilitar a abertura da conta sem custos adicionais e com uma taxa de juro de 3,75%;
34. A arguida AA, por forma a iludir FF viria, efectivamente, a abrir uma conta em nome do mesmo, no "Millennium BCP", IBAN …..905, mas a mesma apenas foi creditada com um único valor de 50.000,00 (cinquenta mil euros), em Julho de 2016, sendo que a quase totalidade desde valor, € 49.500,00 (quarenta e nove mil e quinhentos euros), foi rapidamente transferida para a conta da "CL C... Legal", em Setembro de 2016;
35. No decurso de cerca de um ano, a arguida veio a remeter via e-mail diversos documentos, supostamente emitidos por instituições bancárias, por si fabricadas ou por alguém a seu mando, nos quais atestava falsamente que FF possuía as quantias referidas, nomeadamente:
- declaração bancária com o logotipo do "Millennium BCP", sem indicação de conta bancária, com o nome de FF, com saldo a 31.01.2017, no valor de € 1.094.879,86, (um milhão e noventa e quatro mil oitocentos e setenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), remetido pela arguida AA, em 22 de Fevereiro de 2017;
- extracto bancário de 01.07.2016 a 31.01.2017, com logotipo do "Millennium BCP", referente à conta número …..119, titulada por FF, com saldo no valor de € 1.094.879,86 (um milhão e noventa e quatro mil oitocentos e setenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), remetido pela arguida AA, em 22 de Fevereiro de 2017;
36. A arguida veio, igualmente, a remeter uma declaração datada de 29 de Agosto de 2016, emitida pelo escritório "CL@C... Legal", e assinada por si, onde consta quadro com resumo dos detalhes de operação da conta bancária ........001, e indicação de juros vencidos à taxa de 5% sobre o valor do investimento de um milhão de euros, no valor de € 25.555,56 (vinte e cinco mil quinhentos e cinquenta e cinco ouros e cinquenta e seis cêntimos);
37. Bem como, uma declaração, datada de 05 de Dezembro de 2016, emitida pelo escritório "CL@C... Legal", e por si assinada, onde constava um quadro com resumo dos detalhes de operação da conta bancária ….5001, e indicação de juros vencidos à taxa de 5%, sobre o valor do investimento de um milhão de euros, no valor de e 38.088,19 (trinta e oito mil e oitenta e oito euros e dezanove cêntimos);
38. Igualmente, com data de 28 de Fevereiro de 2017, remeteu nova declaração emitida pelo escritório "Aidar C... Legal", e assinada por si, onde conta quadro com resumo dos detalhes de operação da conta bancária ….119, e indicação de juros vencidos, sobre o valor do investimento de um milhão de euros, no valor de C 44.879,86 (quarenta e quatro mil oitocentos e setenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos);
39. No entanto, nessa data, a arguida AA já havia dissipado todos os fundos transferidos por FF, no valor de € 1.039.991,00 (um milhão trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), em despesas pessoais e profissionais, em proveito próprio, do seguinte modo:
- transferência para GG, no valor de € 495.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil euros);
- transferência registada, em 14.05.2015, à ordem de "Unicredit SPA Bank" (…, …..), no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);
- transferência para "V......., Lda." — RR, no valor de € 14.000,00 (catorze mil euros);
- 5 (cinco) transferências efectuadas para o "National Westminster Bank PLC", com destino à conta IBAN ......294, no valor de € 124.400,00 (cento e vinte e quatro mil euros);
- transferência para "Stevens+Bolton, HSBC Bank", …, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros);
- transferência Dr. SS, BPI, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros);
- levantamento multibanco, incluindo os efectuados no estrangeiro, no valor de € 6.698,08 (seis mil seiscentos e noventa e oito euros e oito cêntimos);
- pagamentos electrónicos de compras, no valor de € 14.450,54 (catorze mil quatrocentos c cinquenta euros e cinquenta e quatro cêntimos);
- pagamento de serviços e outros débitos, no valor de € 16.412,31 (dezasseis mil quatrocentos e doze euros e trinta e um cêntimos);
- bem como outras saídas para destino não identificado, no valor de € 94.013,87 (noventa e quatro mil e treze euros e oitenta e sete cêntimos), nomeadamente:
- 36 (trinta e seis) transferências, no valor de € 64.013,87 (sessenta e quatro mil e treze euros e oitenta e sete cêntimos);
- emissão de um cheque, no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros);
- constituição de depósito a prazo, no valor de € 3.000,00 (três mil euros);
- despesas e encargos bancários, no valor de € 1.819,95 (mil oitocentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos);
40. Por forma a ocultar o procedimento, a arguida AA, em 05 de Dezembro de 2016, enviou a FF um e-mail, onde afirmou que a primeira parte do processo de obtenção de "vistos gold" estava a chegar ao fim, tendo remetido via e-mail, sucessivos documentos forjados, nomeadamente:
- suposta certidão emitida pelo S.E.F., com o número …., atestando que o processo referente ao pedido de concessão de autorização de residência para investimento solicitado por FF se encontrava no Departamento Regional de Emissão de Documentos, a partir do dia 31 de Julho de 2017;
- suposta certidão emitida pelo S.E.F., com o número …., atestando que o processo referente ao pedido de concessão de autorização de residência para investimento solicitado por TT se encontra no Departamento Regional de Emissão de Documentos, a partir de 31 de Julho de 2017;
- suposta certidão emitida pelo S.E.F., com o número ….., atestando que o processo referente ao pedido de concessão de autorização de residência para investimento solicitado por UU se encontra no Departamento Regional de Emissão de Documentos, a partir de 31 de Julho de 2017;
- suposta certidão emitida pelo S.E.F., com o número …, atestando que o processo referente ao pedido de concessão de autorização de residência para investimento solicitado por VV se encontra no Departamento Regional de Emissão de Documentos, a partir de 31 de Julho de 2017;
- suposta certidão emitida pelo S.E.F., com o número ….., atestando que o processo referente ao pedido de concessão de autorização de residência para investimento solicitado por WW se encontra no Departamento Regional de Emissão de Documentos, a partir de 31 de Julho de 2017;
41. No entanto, o pedido de concessão de visto de FF e família, ao abrigo do "ARI", para exercício de actividade de investimento, foi indeferido a 09 de Março de 2017, tendo, nessa sequência, a arguida AA sido notificada da decisão;
42. Através da actuação descrita, a arguida veio a fazer suas as quantias transferidas por FF, no valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescido da quantia de € 39.993,00 (trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), referente a taxas;
43. Acresce que, por ter sido remetida pela arguida AA uma informação forjada que FF teria obtido e 20.000,00 (vinte mil euros) de juros, veio o mesmo a apresentar essa declaração junto das autoridades fiscais da ....., gerando a liquidação de um imposto de 45% sobre'esses valores, que veio a pagar;
44. A esse valor, acresce a quantia de € 3.751,00 (três mil setecentos e cinquenta e um euros), paga a QQ por FF, por serviços de intermediação que julgava prestados;
45. No início de 2014, GG, cidadã natural de …., a residir em ….., contactou a agência imobiliária "E.....", em ....., tendo manifestado a intenção de adquirir um imóvel em Portugal, e por essa forma, obter o visto "Gold";
46. Por essa via, GG veio a deslocar-se a território nacional, onde decidiu adquirir uma fracção autónoma, designada pela letra "G", correspondente ao segundo andar A, sito na Rua ….., em ….., pelo valor de € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros);
47. Por sugestão da referida agência imobiliária, veio GG a mandatar a arguida AA para aquisição da referida fracção e formalização do processo de obtenção do visto "Gold";
48. Conforme acordado com a arguida AA, GG, em 25 de Fevereiro de 2014, veio a transferir a quantia de € 61.150,00 (sessenta e um mil cento e cinquenta euros), para a conta da sociedade arguida detida pela arguida, "C... Legal", com o n.° ......15001, do "Banco BPI", referentes € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) ao valor de sinal do imóvel, e as demais quantias relativas a honorários;
49. Em 16 de Junho de 2014, GG veio a transferir a quantia de € 537.600,00 (quinhentos e trinta e sete mil e seiscentos euros), para a conta supra referida da sociedade detida pela arguida, "C... Legal", julgando que as quantias se encontravam a ser transferida para uma conta "escrow";
50. Valores estes que seriam destinados a pagar o remanescente do imóvel, bem como as despesas associadas com o visto "gold", 1MT, imposto de selo e despesas notariais e de registo;
51. Efectuado o contrato promessa e entregue a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) ao vendedor, "Es......., S.A.", veio o mesmo a designar a data de 13.01.2015, para a efectivação da escritura;
52. Todavia, a arguida AA não veio a comparecer na mesma, apesar de devidamente mandatada por GG;
53. De igual forma, não veio a comparecer nas novas datas designadas, 12.02.2015 e 25.02.2015;
54. Com efeito, nessas datas, a conta bancária titulada pela arguida já não possuía saldo suficiente para efectuar o pagamento do valor necessário para a aquisição do imóvel;
55. GG tendo tido conhecimento do não comparecimento da arguida, veio a confrontá-la, tendo a mesma negado e afirmado falsamente que o imóvel já era propriedade de GG;
56. Facto que não correspondia à verdade, tendo a arguida feito suas as quantias referidas, no valor de €598.726, 24 (quinhentos e noventa e oito mil setecentos e vinte seis euros e vinte e quatro cêntimos), deduzido o valor de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), que veio a ser entregue na celebração do contato promessa de compra e venda e que a sociedade vendedora fez seus;
57. Não obstante, em 08.07.2014 foram emitidos pela arguida AA os seguintes recibos:
a) No valor de € 103.726,24 (cento e três mil setecentos e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos), referente a (i) honorários (€ 6.150,00), (ii) sinal do CPCV (€55.000,00), (iii) processo vistos gold (€5.135,50), (iv) despesas notário (€ 1.000,00), (v) IMT (€ 32.040,74) e (vi) imposto de selo (€ 4.400,00); e;
b) No valor de € 495.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil euros), referente ao remanescente do preço do imóvel a pagar na data da escritura;
58. Na tentativa de manter o logro a GG, a arguida AA remeteu à mesma, via e-mail, cópia de um cheque preenchido à ordem da promitente vendedora, no valor do preço remanescente (€ 495.000,00) e com data de 23 de Fevereiro de 2015;
59. A arguida AA enviou, igualmente, um formulário de registo de propriedade preenchido por si, sem, no entanto, apresentar qualquer comprovativo de entrada na competente conservatória, bem como um recibo emitido pela Conservatória do Registo Predial de …..;
60. Na tentativa de assegurar que a fracção não fosse vendida a terceiros, em 10 de Março de 2015, a arguida AA efectuou um registo provisório por natureza da fracção em nome de GG, data em que o CPCV já tinha sido dado por incumprido;
61. Sendo que, posteriormente, a fracção veio, efectivamente, a ser vendida a terceiros por € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros);
62. Após ter apresentado participação criminal e na Ordem dos Advogados contra a arguida AA, em 18 de Maio de 2015, veio a arguida a proceder à devolução da quantia de € 495.000,00 (quatrocentos e noventa c cinco mil euros), valor este proveniente de transferência feita por FF;
63. Em Junho de 2015, foram liquidados mais € 37.707,87 (trinta e sete mil setecentos e sete euros e oitenta e sete cêntimos), na sequência de valores entregues por BB;
64. Ficaram, assim, por devolver a GG as quantias de € 66.042,13 (sessenta e seis mil e quarenta e dois euros e treze cêntimos);
65. LL, de nacionalidade ....., mas residente em ....., pretendia obter o "visto gold" em Portugal, tendo-se dirigido à agência imobiliária "E.....", em ....., com vista a adquirir um imóvel;
66. Nessa sequência, decidiu adquirir à "H.....", com a qual a agência imobiliária mantinha relações comerciais, e pelo preço total de E 271.350,00 (duzentos e setenta e um mil trezentos e cinquenta euros), a fracção autónoma, designada pela letra "5", correspondente ao piso 1, habitação, apartamento 1.02, tipo TI, do prédio urbano sito na Praça …., n.°s … a …, em ….., designado por "Edifício …..", descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° …. e inscrito na matriz da freguesia da …, sob o artigo provisório ….;
67. Para o efeito, em 07 de Fevereiro de 2014, por indicação da "E....." de ..... veio a mandatar a sociedade "C... Legal", na pessoa da sua sócia gerente, a arguida AA, para acompanhamento jurídico de todo o processo de aquisição do imóvel;
68. Para efectivação do contrato promessa de compra e venda do imóvel, LL veio a efectuar a transferência da quantia de € 43.402,50 (quarenta e três mil quatrocentos e dois euros e cinquenta cêntimos), para a conta da sociedade arguida "Carneira Legal", com o número ......15001, do "Banco BPI";
69. Estes valores seriam destinados ao pagamento do sinal da fracção, no valor de € 40.702,50 (quarenta mil setecentos e dois euros e cinquenta cêntimos) e € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), referente a serviços a prestar pela sociedade arguida "C... Legal";
70. A título de reforço de sinal, em 07.02.2014, veio LL a efectur o pagamento, por três vezes, da quantia de € 40.702,50 (quarenta mil setecentos e dois euros e cinquenta cêntimos), num total de € 122.107,50 (cento e vinte e dois mil cento e sete euros e cinquenta cêntimos);
71. A solicitação da arguida, que a informou que iria ser realizada a escritura do imóvel, e para pagamento do remanescente do preço da fracção e despesas da mesma, em 19.07.2016, veio LL a transferir para a conta supra identificada, o valor de € 129.348,55 (cento e vinte e nove mil trezentos e quarenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos);
72. Conforme transmitido pela arguida, estes valores seriam destinados ao pagamento do remanescente do preço, no valor de € 108.540,00 (cento e oito mil quinhentos e quarenta euros), de € 19.808,55 (dezanove mil oitocentos e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de IMT e de e 2.000,00 (dois mil euros), a título de emolumentos notariais;
73. Sucede que, na data designada para a escritura, nem a arguida, nem ninguém a seu mando veio a comparecer, nem compareceu sucessivamente nos reagendamentos efectuados, em 22.11.2016, 05.12.2016 e 06.12.2016;
74. Com efeito, não veio, igualmente, a ser pago nem o remanescente do valor, nem o IMT, tendo a arguida feito suas as quantias em causa que dissipou, no espaço de uma semana, em despesas várias, quer profissionais, quer pessoais;
75. Efectivamente, na primeira data designada para a escritura pública, o valor do saldo bancário da conta titulada pela arguida era de € 67,93 (sessenta e sete euros e noventa e três cêntimos, na segunda data era de € 30,75 (trinta euros e setenta e cinco cêntimos negativos);
76. Por via do incumprimento, os promitentes vendedores vieram a fazer seu o sinal, no valor de 162.810,00 (cento e sessenta e dois mil oitocentos e dez euros);
77. Encontrando-se LL prejudicada no valor de € 294.858,55 (duzentos e noventa e quatro mil oitocentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), resultante do valor total das transferências efectuadas para a arguida AA, sendo a perda de sinal de € 162.810,00 (cento e sessenta e dois mil e oitocentos e dez euros);
78. JJ e KK, cidadãos naturais de ....., com vista à aquisição de imobiliário em território nacional, deslocaram-se no início de 2014, à agência imobiliária "E....." de ....., que na ocasião promovia habitações comercializadas pela empresa "H..... — Sociedade de Investimentos Imobiliários, S.A.";
79. Nessa sequência, decidiram adquirir a fracção autónoma designada pela letra "AV", no prédio urbano sito na Praça …, n.°s … a …, "Edificio ......", podendo obter visto gold que seria permitido pela aquisição;
80. Para auxílio na concretização do determinado e por recomendação da "E.....", em Fevereiro de 2014, vieram a mandatar a sociedade arguida "C... Legal", na pessoa da sua sócia gerente, a arguida AA, para adquirir a fracção;
81. Em 07 de Fevereiro de 2014, vieram a celebra com a "H.....", o correspondente contrato promessa de compra e venda, sendo que a correspondente escritura deveria ser celebrada até 31 de Dezembro de 2015;
82. Para efectivação do contrato promessa de compra e venda do imóvel, os mesmos vieram a efectuar a transferência, em 10.02.2014, da quantia de E 52.447,50 (cinquenta e dois mil quatrocentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), para a conta da sociedade arguida "C... Legal", com o n.° ......15001, do "Banco BPI";
83. Sendo os valores de € 49.747,50 (quarenta e nove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), referentes ao pagamento do sinal e a quantia de C 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), referentes a serviços a prestar pela sociedade arguida "C... Legal";
84. A título de reforço de sinal, os mesmos vieram a efectuar o pagamento directamente para a conta bancária dos vendedores e sem intervenção da arguida, por três vezes, da quantia de € 49.747,50 (quarenta e nove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), no total de € 149.242,50 (cento e quarenta e nove mil duzentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), sendo a última das transferências efectuada em 28.12.2015;
85. Todavia, em 08.07.2016, quando faltava apenas liquidar a última prestação de 40% do valor do imóvel, XX, funcionária da arguida AA, por solicitação desta, informou que seria efectuada a escritura de compra e venda do imóvel e que deviam transferir a quantia de € 157.870,45 (cento e cinquenta e sete mil oitocentos e setenta euros e quarenta e cinco cêntimos);
86. Conforme transmitido pela arguida, os valores seriam destinados ao pagamento do remanescente do preço do imóvel, no valor de € 132.660,00 (cento e trinta e dois mil seiscentos e sessenta euros), acrescidos de €24.210,45 (vinte e quatro mil duzentos e dez euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de, IMT e de € 1.000,00 (mil euros), a título de emolumento notariais;
87. Assim, no dia 26.07.2016, veio YY, familiar de JJ e KK, a transferir a quantia de € 157.870,45 (cento e cinquenta e sete mil oitocentos e setenta euros e quarenta e cinco cêntimos), para a conta do "Millennium BCP", da sociedade arguida "Carneira Legal", com o número .......405;
88. Sucede que, na data designada para a escritura nem a arguida, nem ninguém a seu mando veio a comparecer, nem sucessivamente, nos reagendamentos em 24.11.2016, 05.12.2016 e 06.12.2016;
89. Com efeito, não veio, igualmente, a ser pago nem o remanescente do valor, nem o IMT, tendo a arguida feito suas as quantias em causa;
90. Contudo, com o propósito de criar na promitente vendedora e nos ofendidos a aparência de ter sido transferido para a conta da promitente vendedora o remanescente do preço devido na data da outorga da escritura, foi remetido pela arguida AA à promitente vendedora, um formulário de transferência bancária do valor em falta, sem que este, no entanto, apresentasse qualquer registo de recebimento por parte da agência bancária;
91. Com efeito, tal formulário nunca chegou a ser submetido;
92. Efectivamente, em Dezembro de 2016, a conta bancária do "Millennium BCP", da sociedade arguida "C... Legal", com o número .......405, para onde foi transferido o montante de € 157.870.45 (cento e cinquenta e sete mil oitocentos e setenta euros e quarenta e cinco cêntimos) apresentava um saldo máximo de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros);
93. A outra conta da sociedade arguida "C... Legal" do "BPI", com o número …..151, em 06 de Dezembro de 2016 apresentava um saldo máximo de € 2.469,25 (dois mil quatrocentos e sessenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos);
94. Sendo que, o valor de € 157.870,45 (cento e cinquenta e sete mil oitocentos e setenta euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescido de uma transferência de € 25.200,00 (vinte e cinco mil e duzentos euros), proveniente de "Q..... Imob., Lda.", originou duas transferências para conta da sociedade arguida, no "BPI" .....151, em 29.07.2016, de € 53.000,00 (cinquenta e três mil euros) e em 05.08.2016 de 128.700,00 (cento e vinte e oito mil e setecentos euros);
95. Por seu turno, estes valores foram depois transferidos, novamente, para outras contas e para pagamentos de despesas várias, em proveito próprio da arguida;
96. Encontrando-se JJ e KK prejudicados no valor de € 356.860,44 (trezentos e cinquenta e seis mil oitocentos e sessenta euros e quarenta e quatro cêntimos), sendo o montante de € 198.990,00 (cento e noventa e oito mil novecentos e noventa euros) resultante dos montantes pagos a título de sinal e que, por incumprimento do contrato promessa de compra e venda, na sequência da conduta da arguida, vieram a ser retidos pela promitente vendedora;
97. BB, de nacionalidade ......, veio decidir efectuar investimento imobiliário em Portugal, para, no âmbito do mesmo, obter autorização de residência em território nacional, para si e para a sua mulher ZZ e para as suas duas filhas AAA e BBB;
98. Na execução do determinado, em 12 de Maio de 2015m celebrou com a "SG......", representada pela "Au......", um contrato promessa de compra e venda, para a compra de uma fracção autónoma localizada no Piso 3, Letra C, do Bloco A, Lote …., no Alto …., Lote ….., do empreendimento "Casas ......", sito na …., descrito na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia do ….., sob o n.° … e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, pelo valor de 564.612,00 (quinhentos e sessenta e quatro mil seiscentos e doze euros);
99. A título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do contrato, em 23 de Abril de 2015, entregou a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
100. O remanescente do preço, no montante de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros), seria pago na escritura de compra e venda;
101. Conforme acordado no CPCV, a escritura pública de compra e venda realizar-se-ia no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da concessão a favor do ofendido de uma autorização de residência, ao abrigo da Lei n.° 29/2012, de 09 de Agosto e do despacho n.° 11820-A/2012, de 03 de Setembro, tal como alterado pelo despacho n.° 1661-A/2013, de 28 de Janeiro;
102. No dia 12 de Maio de 2015, BB outorgou uma procuração, mediante a qual constituiu seus bastantes procuradores a arguida AA e os seus colaboradores CCC, DDD, EEE, advogados e FFF (paralegal), da sociedade de advogados "CL@C... Legal, Ltd.", com escritório na Avenida …, ….., para que, em seu nome, em conjunto ou separadamente, entre outras coisas, representassem o lesado na aquisição da fracção prometida comprar à "SG......" e para que, perante o S.E.F., executassem todos os actos necessários à obtenção ou renovação de autorização de residência para a actividade de investimento, ou obtivessem qualquer outro visto ou autorização de residência;
103. No dia 03 de Junho de 2015, ZZ, a mulher de BB, outorgou uma procuração de teor idêntico à do seu marido e, em conjunto com este, outorgaram uma procuração em representação da sua filha menor, conferindo os mesmos poderes aos mesmos mandatários;
104. No dia 13 de Julho de 2015, a filha dos mesmos, BBB, outorgou uma procuração de teor idêntico à dos pais;
105. Em Junho de 2015, a pedido da arguida AA, BB ordenou a transferência do montante de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros) da conta n.° .....078, de que era titular para a conta do "Banco BPI" ......151, titulada pela sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd.";
106. O montante transferido era destinado e correspondia ao valor remanescente a pagar por BB à "SG......" no âmbito do CPCV;
107. Conforme transmitido pela arguida AA seria necessário esta transferência para uma conta bancária em Portugal, para efeitos do processo de obtenção da autorização de residência, e bem assim para cumprimento do CPCV e celebração da escritura pública de compra e venda;
108. Tal correspondia à verdade, considerando que, para o S.E.F., é bastante corno prova de investimento, uma declaração emitida por entidade bancária que atesta que determinada venda está em conta bancária específica (tipo conta "escrow") destinada à aquisição de determinado imóvel;
109. No entanto, tal não se veio a verificar, porquanto a arguida veio a fazer, de imediato, suas as referidas quantias;
110. Com efeito, antes da transferência descrita, a conta beneficiária apresentava um saldo de € 159,37 (cento e cinquenta e nove euros e trinta e sete cêntimos), todavia, após recebimento das quantias, a arguida transferiu os montantes para despesas próprias e outras contas bancárias;
111. Nomeadamente, em 24.06.2015, para "HSBC Bank, PLC”, ......:
- para a conta IBAN ......000, cujo documento de suporte apresenta, como referência, a entidade "CL Carneira Legal", o valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros);
- para a conta IBAN ......157, cujo documento de suporte apresenta, igualmente como referência, a entidade "CL Carneira Legal", o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros);
112. Na mesma data, 24.06.2015, efectuou uma transferência de € 37.707,87 (trinta e sete mil setecentos e sete euros e oitenta e sete cêntimos) para a conta de GG no "BPI", IBAN ......188, conforme supra descrito e para ressarcir a mesma, após denúncias por si efectuadas;
113. Apesar de ter feito seus os valores transferidos por BB e ter inviabilizado a verificação dos requisitos para obtenção de "vistos gold", bem como a celebração de qualquer escritura pública, a arguida AA informou o mesmo que a transferência dos fundos para a "SG......", para efeitos de celebração de escritura pública, seria depois ordenada por ela;
114. A solicitação da arguida AA, além do montante de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros), supra referido, BB transferiu ainda para mesma conta do "Banco BPI", com o IBAN ......151, o montante de € 64.127,00 (sessenta e quatro mil cento e vinte e sete euros), que a mesma transmitiu falsamente ser referente a despesas relacionadas com a obtenção da autorização de residência e aquisição da fracção;
115. Considerando que havia sido estabelecido no CPCV que a celebração da escritura pública estava dependente da atribuição dos "vistos gold" e, porquanto em 2015 e 2016, o S.E.F. teve um atraso amplamente divulgado na atribuição dos mesmos, estes atrasos que se foram verificando não eram levados em conta pela "SG......";
116. Sendo certo que, sempre que a arguida AA era questionada sobre a obtenção dos títulos de residência, esta referia de forma genérica que a documentação tinha ido entregue no S.E.F., que estava toda conforme, e que era apenas uma questão de tempo até à aprovação dos mesmos;
117. Sendo que, o logro apenas veio a ser detectado aquando da denúncia de CC, igualmente cliente da "SG......" e da arguida AA em que este procedimento foi repetido;
118. O requerimento de "ARI" de BB deu entrada no S.E.F., em 04.08.2015, tendo sido entregue por CCC, colaborador da arguida e a mando da mesma;
119, A este foi atribuído o número de processo de residente …., na qualidade de investidor através da modalidade de aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), e também para a sua mulher ZZ (processo de residente n.° ….) e para as suas duas filhas BBB (processo de residente n.° …) e AAA (processo de residente n.° …..), na modalidade de reagrupamento familiar;
120. Todavia, não foram entregues os documentos referentes à prova de investimento, em território nacional, nomeadamente, (i) título aquisitivo (escritura de compra e venda ou contrato promessa de compra e venda do imóvel), (ii) declaração de instituição financeira autorizada ao exercício da sua actividade em território nacional, atestando a transferência efectiva de capitais do exterior, para a sua aquisição ou para efectivação de sial promessa de compra no valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), (iii) certidão da Conservatória do Registo Predial na qual conste o respectivo registo, bem como, no caso de contrato promessa, e sempre que legalmente viável, o registo provisório por natureza, e (iv) caderneta predial do imóvel (sempre que legalmente possível);
121. Tendo a arguida AA sido, por diversas vezes, notificada para o efeito, mas não o efectuou;
122. Sendo que, a arguida AA ainda chegou a apresentar novo requerimento, mas, mais uma vez, não fez junção de qualquer prova de investimento, limitando-se a juntar o CPCV, o qual sabia não ser suficiente para preencher os requisitos legais;
123. Pelo que, em 12 de Abril de 2017, foi o pedido indeferido;
124. Pela forma descrita BB sofreu um prejuízo de € 578.739,00 (quinhentos e setenta e oito mil setecentos e trinta e nove euros), valores dos quais a arguida AA se apropriou;
125. CC, de nacionalidade ......, encontrando-se interessado em vir morar para Portugal, e tendo conhecimento que havia essa possibilidade através da aquisição de um "visto gold", através da realização de investimento em território nacional, veio a dirigir-se à "ST……, S.A. ("ST.....") que, entre outras actividades, é também promotora de imóveis, e que trabalhava directamente com um escritório de advogados de ......;
126. Junto deste escritório contratualizou um serviço único que englobava a realização de um investimento em imobiliário que o habilitasse a candidatar ao "visto gold", e todas as diligências necessárias junto do S.E.F. para esse efeito;
127. Uma vez que havia a necessidade de praticar actos jurídicos em território nacional, foi-lhe indicado o escritório de advogados da arguida AA, como sendo a entidade que iria acompanhar todo o processo legal de aquisição de propriedade e obtenção dos "vistos gold";
128. Por essa via e, após lhe terem sido exibidas plantas de imóveis, veio a decidir adquirir as fracções autónomas localizadas no piso 4, letra B, do bloco B, Lote … e no piso 5, letra B, do bloco B, Lote …, respectivamente, no Alto …., lote … do empreendimento "Casas ......", sito na …., descrito na Conservatória do Registo Predial de …., freguesia do …, sob o n.° … e inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo …, pelo preço global de € 603.612,00 (seiscentos e três mil seiscentos e doze euros);
129. Em 07 de Agosto de 2015, em ......, celebrou com a "SG......", então representada pela sociedade "Au......", um CPCV das referidas fracções, sendo que € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de sinal, foram entregues nesse acto à "SG......";
130. Conforme acordado no CPCV, o remanescente do preço, no montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil seiscentos e doze euros), seria pago até 30 de Outubro de 2015;
131. A escritura pública de compra e venda realizar-se-ia no prazo de 60 (sessenta) dias contados da concessão a favor de CC de uma autorização de residência, ao abrigo da Lei n.° 29/2012, de 09 de Agosto e do despacho n.° 11820-A/2012, de 03 de Setembro, tal como alterado pelo despacho n.° 166I-A/2013 de 28 de Janeiro;
132. A 07 de Agosto de 2015, CC e a sua mulher GGG, e nome dos seus filhos menores HHH e III, assinaram procuração em nome da sociedade arguida "CL@C... Legal", para aquisição dos imóveis em referência e para tratar de todo o processo de obtenção de "vistos gold" junto do S.E.F. para CC e restantes três elementos da família;
133. Por indicação da arguida AA, no dia 15 de Setembro de 2015, CC transferiu o montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil seiscentos e doze euros) da conta n.° .....078 de que é titular, para conta da sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd." "BPI" .....151, tendo-lhe sido transmitido e julgando tratar-se de uma conta do tipo "escrow", específica para a aquisição das fracções em referência;
134. O montante transferido correspondia ao valor remanescente a pagar por CC à "SG......", no âmbito do CPCV, o qual, conforme transmitido pela arguida, era necessário transferir para uma conta bancária em Portugal, para efeitos do processo de obtenção de autorização de residência, e bem assim para cumprimento do CPCV e celebração da escritura pública de compra e venda;
135. Todavia, ao invés de utilizar o montante transferido para os fins referidos, e porque na data da entrada deste valor na conta, o saldo existente era de apenas € 2,90 (dois euros e noventa cêntimos), a arguida AA usou esta verba para o pagamento de despesas diversas;
136. Além do montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil e seiscentos e doze euros), em 09 de Novembro de 2015, mais uma vez, por solicitação da arguida AA, CC transferiu, ainda, para a conta do "Banco BP1", com o IBAN ......151, de que é titular a sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd.", o montante de € 45.938,00 (quarenta e cinco mil novecentos e trinta e oito euros);
137. Em 08 de Janeiro de 2016, igualmente, a pedido da arguida AA, CC transferiu para a conta do "Banco BPI", com o IBAN ......151, de que é titular sociedade arguida CL@C... Legal, Ltd., o montante de € 26.220,06 (vinte e seis mil duzentos e vinte euros e seis cêntimos);
138. Conforme falsamente transmitido pela arguida AA, tais montantes destinavam-se a suportar os serviços e despesas relacionados com a obtenção da autorização de residência e aquisição das fracções, tendo por essa via, emitido uma factura em que atestava falsamente o destino desses valores;
139. Em Janeiro de 2016, CC deslocou-se a Portugal acompanhado com a família, a fim de visitar os imóveis e proceder à recolha dos dados biométricos junto do S.E.F., tendo sido acompanhado por uma advogada do escritório da arguida AA;
140. No entanto, decorrido mais de um ano desde a outorga da procuração à "C... Legal" e da transferência dos fundos, CC e a sua família ainda não tinham o processo de autorização de residência concluído, nem tão pouco tinham celebrado o contrato definitivo de compra e venda das fracções identificadas no CPCV;
141. Pelo que, decidiram efectuar a escritura, tendo em meados de Agosto de 2016, dado instruções expressas à arguida AA, no sentido de se fazer a escritura pública de compra e venda das fracções prometidas comprar no âmbito do CPCV;
142. Não obstante, quando interpelada por CC, ou pelos representantes da "SG......", a arguida AA protelava as datas, afirmando existirem problemas, imprevistos, ou referia moradas de notário inexistentes;
143. Por outras vezes, referia ter já efectuado a transferência para a "SG......";
144. Em 31 de Outubro de 2016, a arguida AA remeteu a CC um e-mail, afirmando que encaminhava, em anexo, a prova da transferência dos fundos para a "SG......", mas o documento em causa, era apenas um formulário de transferência de fundos do "Banco BPI", que se encontrava preenchido à mão, identificando correctamente o número de IBAN dado pela "SG......", o montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil seiscentos e doze euros) a transferir, o ordenador "CL@C... Legal, Ltd.", e a data do suposto preenchimento do formulário, que era 25 de Outubro de 2016;
145. Sendo que, o documento anexo não estava assinado por qualquer colaborador do "Banco BPI", nem foi remetida qualquer prova de que o formulário em causa tivesse efectivamente sido entregue a um colaborador do "Banco BPI", ou qualquer outro documento que fosse susceptível de demonstrar que tivesse sido feito algo que não o mero preenchimento de um formulário;
146. Por essa via, e porque os fundos não chegavam à "SG......", em 15 de Novembro de 2016, CC solicitou à arguida AA que o acompanhasse ao banco para, em conjunto, tentarem definitivamente clarificar a situação da transferência, mas esta recusou-se a fazê-lo, afirmando que a transferência, afinal, tinha a data-valor de sexta-feira, dia 18 de Novembro, o que permitiria resolver todos os assuntos pendentes na semana seguinte;
147. Chegado o dia 18 de Novembro, o dinheiro não entrou na conta da "SG......" e a arguida AA continuava a não remeter o comprovativo da transferência;
148. Assim, no dia 23 de Novembro de 2016, CC enviou para a arguida AA uma carta registada com assunto "Promissor), Agreement with SGRC", sumariando o que se estava a passar, e interpelando a arguida para que:
a) Transferisse o montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três euros seiscentos e doze euros) para a "SG......";
b) Agendasse a escritura pública de compra e venda nos termos do CPCV em data não posterior a 09 de Dezembro de 2016, notificando a "SG......" para o efeito; e
c) Realizasse todos e quaisquer actos necessários para a execução da escritura publica, incluindo os relativos ao pagamento do IMT e Imposto de Selo;
Os actos referidos deveriam ser realizados no prazo de 3 dias úteis e a arguida era ainda interpelada para remeter ao ofendido e a JJJ, da "SG......", comprovativos de que esses actos tinham sido realizados;
149. Não obstante, a arguida AA não efectuou a escritura pública ou devolveu as quantias, fazendo-as suas;
150. O requerimento "ARI", com vista à obtenção dos títulos de residência para CC, na qualidade de investidor, através da aquisição de imobiliário de valor igual ou superior a € 500.00,00 (quinhentos mil euros), e também para a sua mulher KKK o os filhos LLL e MMM, na modalidade de reagrupamento familiar, deu entrada a 03.12.2015, sendo apresentado pela arguida AA;
151. Todavia, tendo sido efectuado um levantamento dos documentos apresentados e em falta, constatou-se encontrarem-se em falta, entre outros, (i) título aquisitivo (escritura de compra e venda ou contrato promessa de compra e venda do bem imóvel), (ii) declaração de instituição financeira autorizada ao exercício da sua actividade em território nacional, atestando a transferência efectiva de capitais do exterior, para a sua aquisição ou para efectivação de sinal promessa de compra no valor igual ou superior a E 500.000,00 (quinhentos mil euros), (iii) certidão da Conservatória do Registo Predial na qual conste o respectivo registo, bem como no caso de contrato promessa e sempre que legalmente viável, o registo provisório por natureza, e (iv) caderneta predial do imóvel (sempre que legalmente possível);
152. Por essa via, em 20 de Dezembro de 2016, foi a arguida AA notificada para apresentação dos mesmos no prazo de dez dias;
153. No entanto, a arguida AA nunca o veio a efectuar;
154. Em Janeiro de 2017, CC mudou de advogado, tendo estes apresentado novo requerimento;
155. Todavia, não conseguiram fazer prova do investimento realizado porquanto detectaram que a transferência de fundos foi feita para uma conta bancária da sociedade de advogados de AA e não para uma conta titulada pelo requerente de "ARI" ou para o promitente vendedor;
156. Tendo, em 28 de Abril de 2017, sido indeferido o requerimento;
157. Pela forma descrita, CC sofreu um prejuízo de E 625.770,06 (seiscentos e vinte e cinco mil setecentos e setenta euros), montantes dos quais a arguida AA se apropriou;
158. Em meados de Julho de 2015, DD teve conhecimento, por intermédio de familiares da possibilidade de obter um visto de residência em Portugal;
159. Por indicação destes, veio a ser contactado por QQ que, conforme supra referido, trabalhava em parceria com a arguida AA e que, supostamente, iria fazer de ligação entre ambos no processo de obtenção dos "vistos gold", escolha e compra de propriedade que serviria de pressuposto ao requerimento de "ARI";
160. Com vista a fazer prospecção de mercado imobiliário, NNN, mulher de DD, deslocou-se a Portugal entre 12.09.2015 a 19.09.2015, tendo um encontro com a arguida AA;
161. Em 29.09.2015, por forma a obter o "visto gold", DD decidiu adquirir a fracção (2C) no empreendimento "The......", em …., no valor de € 528.500,00 (quinhentos e vinte e oito mil e quinhentos euros);
162. Por essa via, contactou directamente com o promotor OOO, tendo assinado, em 04.10.2015, o contrato de reserva ("reservation agreement") e liquidou, nessa data, a quantia de e 20.000,00 (vinte mil euros);
163. Em 12.10.2015, DD e a mulher vieram a encontrar-se com a arguida AA, numa suite, pela mesma arrendada no "….. Hotel", em ….., .....;
164. Nessa reunião, a arguida AA informou que, uma vez que a propriedade já estava reservada, havia a possibilidade de o processo "ARI" ser iniciado no imediato, sendo que o dinheiro para a compra da propriedade poderia ser transferido para uma conta bancária de clientes da sociedade arguida "C... Legal", para que ela depois fosse pagando ao promotor imobiliário;
165. Por crerem na seriedade da arguida, tanto mais que a mesma aparentava viver de forma luxuosa, considerando que o hotel em que se encontrava era dos mais caros de Joanesburgo, e se exibia como uma pessoa de sucesso com escritórios e negócios vários por todo o mundo, DD veio a contratualizar os serviços da mesma, através da sociedade "Aidar C... Legal";
166.     Incumbindo à mesma tratar de todo o processo de obtenção dos vistos, bem como acompanhar DD junto do S.E.F. para efectuar a recolha de dados biométricos, renovações e apoio jurídico até à obtenção da cidadania;
167.     Para esse efeito, em 23.10.2015, DD transferiu o valor de € 556.618,00 (quinhentos e cinquenta e seis mil seiscentos e dezoito euros), para a conta da "C... Legal" domiciliada no "Banco BPI", com o IBAN ….151, que se destinariam a:
- (i) total de honorários para aquisição da propriedade e obtenção do "visto gold";
- (ii) valor do imóvel a adquirir (depois de subtraídos € 20.000,00 do depósito de reserva já pago a OOO, promotor do "The......" e € 34.347,00 referentes ao pagamento de IMT);
168.     Em 13 de Novembro de 2015, viria a ser assinado contrato promessa de compra e venda do imóvel descrito;
169.     A arguida AA veio a efectuar alguns pagamentos de sinal e reforço de sinal referentes à fracção (2C) no empreendimento "The......", designadamente:
- primeira prestação em 17.11.2015, no valor de € 105.725,00 (cento e cinco mil setecentos e vinte e cinco euros);
- segunda prestação em 12.02.2016, no valor de € 105.700,00 (cento e cinco mil setecentos euros);
- terceira prestação em 15.07.2016, no valor de € 130.900,00 (cento e trinta mil e novecentos euros), sendo este valor em excesso, uma vez que, o pagamento devido era de € 105.700,00 (cento e cinco mil e setecentos euros), tendo sido devolvido o remanescente de € 25.200,00 (vinte e cinco mil e duzentos euros), em 25 de Julho de 2016, pelos promotores imobiliários, a "Q…..";
170. DD acompanhado da mulher NNN e dos seus dois filhos PPP e QQQ, deslocaram-se a Portugal, entre 24 a 30 de Dezembro de 2016, sendo que pelas 09 horas e 30 minutos do dia 27 de Dezembro, um veículo providenciado pela arguida, da marca "…", "…..", com motorista, conduziu a família ….DD do seu hotel até às instalações do S.E.F., onde lá aguardavam três elementos do "staff' da arguida AA, a fim de procederem à recolha dos dados biométricos;
171. Em Janeiro de 2017, a arguida AA, por intermédio dos seus funcionários RRR, SSS e TTT, deu conhecimento a DD que lhe viria a prestar serviços de representação fiscal e abertura da conta bancária, a fim de o mesmo ali receber os rendimentos provenientes das supostas rendas do imóvel;
172. Para esse efeito, o mesmo passou uma procuração em nome da arguida AA e seus colaboradores;
173. Por estes pretensos serviços de representação fiscal, mais seguro de saúde pelo 2.° ano, viria a arguida a cobrar em 28.03.2017, o montante de € 3.406,50 (três mil quatrocentos e seis euros e cinquenta cêntimos), que DD veio a liquidar;
174. Em 27.02.2017, veio a arguida a tentar cobrar o valor de € 430,50 (quatrocentos e trinta euros e cinquenta cêntimos), mas DD não chegou a liquidar o mesmo;
175. Em 05.05.2017, a arguida AA veio, novamente, a solicitar uma transferência adicional de € 41.648,50 (quarenta e um mil seiscentos e quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos), alegando que a escritura do imóvel ia ser realizada a breve trecho, e que aquele era o montante ainda em dívida;
176. Por não concordar com este valor, o mesmo foi questionado por DD, que acordou em efectuar uma transferência para a arguida no valor de € 34.347,00 (trinta e quatro mil trezentos e quarenta e sete euros);
177. Sendo que, nessa data, em 05.05.2017, todas as contas da "C... Legal" encontravam-se praticamente com saldo negativo, razão pela qual estavam a ser solicitados os pagamentos acima referidos;
178. Por essa via, a arguida AA não poderia liquidar o remanescente do preço da fracção 2C do "The ...", e celebrar a respectiva escritura pública;
179. Com efeito, parte das quantias foram destinadas ao pagamento de € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) à "P......, S.A.", referente ao remanescente do preço de um imóvel adquirido por um cliente, UUU, para efeitos de celebração de escritura pública, bem como para fazer face a despesas pessoais e profissionais;
180. Com efeito, era prática usual da arguida gastar os valores entregues por clientes em outras despesas para manter o seu nível de vida, pessoal e profissional e utilizar as quantias pagas por novos clientes em despesas prementes de clientes anteriores, como já havia sucedido com as quantias entregues por UUU.
181. O requerimento “ARI” veio a ser entregue pela arguida AA, em 05.04.2016, tendo dado origem ao processo de residente S.E.F., n.º …..
182. Todavia, apesar das notificações do S.E.F. à arguida AA, nunca foi apresentado qualquer documento comprovativo do investimento realizado por DD.
183. Por esta via, em 19 de Janeiro de 2017, foi julgado o procedimento deserto.
184. A arguida AA ainda apresentou reclamação, juntando ainda cópia do CPCV, mas continuou sem fazer prova de qualquer investimento realizado por DD.
185. Não obstante, DD ia sendo informado falsamente, via e-mail, pela arguida AA de que tudo estava a correr bem, que toda a documentação necessária havia sido entregue junto do S.E.F. e que os "vistos gold" estavam para serem emitidos brevemente;
186. Após detectar a situação e uma vez que seria incumprido o contrato de compra e venda, DD efectuou um acordo com OOO do empreendimento "The......" para que este lhe devolvesse as prestações já liquidadas pela arguida AA. Não obstante, o mesmo reteve a quantia de € 72.800,00 (setenta e dois mil e oitocentos euros), sendo € 52.800,00 (cinquenta e dois mil e oitocentos euros) relativos às comissões do agente de venda, mais os € 20.000,00 (vinte mil euros), do acordo de reserva, tendo assim procedido à devolução de apenas € 244.325,00 (duzentos e quarenta e quatro mil trezentos c vinte e cinco euros);
187. Por esta via, pela conduta da arguida DD sofreu um prejuízo directo total no valor de € 350.046,50 (trezentos e cinquenta mil e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos);
188. Dos valores referidos, a arguida AA veio a apropriar-se em proveito próprio da quantia de € 277.246,50 (duzentos e setenta e sete mil duzentos e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos);
189. Em meados de 2014, II veio a interessar-se na obtenção de um "visto gold", através da aquisição de um imóvel em território nacional de valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
190. Por esta via, veio a contactar QQ que indicou a arguida AA, como advogada supostamente especialista na área de obtenção dos "vistos gold", para a acompanhar no processo;
191. Por indicação de QQ, foi recomendado a II o imóvel designado por Villa ..., do empreendimento turístico Areias ....., correspondente ao prédio inscrito sob o número … da freguesia de ….., ….., de valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), como sendo o indicado para efeitos de obtenção do título de residência ao abrigo do "ARI";
192. No decorrer deste processo, II passou a corresponder-se directamente com a arguida AA que demonstrava uma imagem de competência e seriedade profissional;
193. Sobre a habitação em referência — Villa ... das Areias ..... -, a arguida AA explicou a II que a aquisição ia ser feita através da compra das acções da "S...... LTD", pois, dessa forma, não existiram valores a pagar pela transferência da propriedade;
194. Conforme lhe foi transmitido pela arguida, a habitação, que iria ser adquirida pelo valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), incluía mobília de luxo, bastante valiosa, sendo que, seria objecto de arrendamento, gerando uma rentabilidade de cerca de 6-8% (do valor de investimento de 500.000,00) ao ano;
195. Em meados de Março de 2015, e sem que tivesse assinado qualquer procuração em nome da arguida AA, esta começou a insistir para que fosse adquirida a habitação no imediato, porquanto o Banco poderia a qualquer momento vender a mesma;
196. Por crer que tal seria verdade, II veio a aceder, e efectuou as transferências necessárias para o que julgava ser uma "trust account" ou conta "escrow";
197. No entanto, na realidade, efectuou transferências para a conta "BPI", em nome de "CL C... Legal", com o número .....001, nomeadamente:
- a 19 de Março de 2015, o valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros);
- a 20 de Março de 2015, o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros);
- a 20 de Março de 2015, o valor de € 302.977,51 (trezentos e dois mil novecentos e
setenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos);
198. Veio, igualmente em 09.12. 2016, a efectuar ainda uma quarta transferência, no valor de 16.738,00 (dezasseis mil setecentos e trinta e oito euros), por julgar estarem em falta o pagamento de despesas relativas aos "vistos gold", seguro de saúde e representação fiscal;
199. Sucede que, o imóvel em questão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ….., freguesia de ….., com o número …., era, desde 22.04.2009, propriedade da sociedade de direito ....  "S...... LTD", com o NIPC …, com sede em ….., ….;
200. Sendo que, em Abril de 2015, a titularidade das acções da sociedade "S........ LIMITED" pertencia ao "Banco Santander Totta", adquiridas na sequência de incumprimento do antigo detentor das mesmas;
201. Estas acções vieram depois a ser adquiridas pela "L.... LTD2, representada pela arguida AA, através de processo de aquisição que teve início em 15 de Maio de 2015, com a celebração de um CPCV ("Purchase and sale agreement"), com o "Banco Santander Totta", para a compra e venda da totalidade das acções, no valor total de € 300.000,000 (trezentos mil euros);
202. Sendo que, este valor foi liquidado com as quantias que haviam sido recebidas de FF, supra referido;
203. A arguida AA, na posse do CPCV "purchase and sale agreement) celebrado entre a "L.... LTD" e o "Banco Santander Totta", para que a compra e venda da totalidade das acções da "S..... LTD", no valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros), celebrado em 15 de Maio de 2015, adulterou o mesmo, alterando a data para 03 de Abril de 2015, mudando o nome do comprador da "L......." para II, e mudando o valor do preço, para 500.000,00 (quinhentos mil euros), bem como elaborou um documento supostamente datado de Junho de 2015, atestando o registo definitivo da transferência da propriedade, e remeteu-os por e-mail, para a lesada, fazendo-a acreditar de que esta era efectivamente a titular da Villa ....;
204. Em meados de Junho/Julho de 2015, II, acompanhada pelo marido e pelo filho, deslocaram-se a Portugal, a fim de visitarem o Lote ... e fornecerem os dados biométricos junto do S.E.F.;
205. Aquando da visita ao Lote ... das Areias ....., II achou que a habitação não estava devidamente mantida, porquanto o jardim não estava cuidado, a piscina estava suja, havia tinta da casa a cair, o interior estava sujo e a mobília era de qualidade inferior;
206. Na altura da visita, na sequência de conversa que manteve com os responsáveis do hotel das Areais …., no sentido de recolher informações em como colocar a propriedade em condições, a arguida AA insurgiu-se com tal situação, argumentando que o hotel das Areias ..... iria cobrar muito dinheiro, e que só a iriam prejudicar;
207. Nessa ocasião, a arguida AA comunicou que trataria de tudo, que conhecia as pessoas indicadas para colocar a propriedade em excelentes condições, e que inclusive a administração e arrendamento da propriedade iria ser efectuada por uma reputável empresa de nome "Su.....";
208. Sucede que a empresa "Su....., Lda.", com o NIPC …., com sede na Rua …., …, foi constituída em 05 de Outubro de 2015, com o capital social de € 1,00 (um euro), e apresenta como objecto "gestão de imóveis e administração de condomínios, bem como, todas as actividades acessórias à prossecução do presente objecto social";
209. Esta empresa foi criada pela arguida AA que propôs a VVV figurar como único sócio e gerente, nunca tendo tido qualquer actividade;
210. Com efeito, a criação da "Su…." teve como fim único iludir II de que a Villa ... estava a ser gerida por uma empresa independente, e não pela arguida AA, com os benefícios que para esta pudessem advir, designadamente na gestão do arrendamento e recebimento de rendas;
211. Por essa via, por forma a dar maior credibilidade, a arguida AA criou inclusive o endereço de correio electrónico WWW@SU…...com, registado por ACM@C... Legal.com e SSS, e através deste e-mail, a arguida AA passou tabelas de excel com a previsão de arrendamento, facturas para pagamento e declarações várias com os valores recebidos das rendas;
212. A determinada altura, quando II estava a exigir o pagamento das rendas, a arguida AA apresentou uma folha de excel com despesas assumidas por si, e que fariam de II devedora, justificando assim, dessa forma, o não pagamento de rendas enquanto a dívida não fosse saldada;
213. Por essa via, veio a arguida a forjar e enviar a II duas facturas, pretensamente emitidas pela "Su.....", relativas à manutenção do Lote ..., nomeadamente:
- documento denominado "recibo" referente a factura n.° …., de 31.12.2015, supostamente emitido por "Su....." a "S…..LTD —Sucursal em Portugal", no valor de € 2.310,00 (dois mil trezentos e dez euros), referente a supostos serviços de administração durante o ano de 2015;
- documento denominado "recibo" referente a factura n.° 346/2016, de 31.12.2016, supostamente emitida por "Su....." a "S…..LTD — Sucursal em Portugal", no valor de € 3.960,00 (três novecentos e sessenta euros), referente a supostos serviços de administração durante o ano de 2016;
214. Por forma a não ser detectada a arguida AA viria a transferir para a conta de II, sediada no "Standard Bank Isle of Man", com o número ….722, alguns valores supostamente referentes a rendas recebidas, nomeadamente:
- 6.041,00£ libras inglesas, em 29.04.2016;
 - 6.756,00£ libras inglesas, em 10.01.2017;
- 6.696,00 £ libras inglesas, em 19.01.2017;
 - 6.611,00 £ libras inglesas, em 30.01.2017;
 - 6.691,00£ libras inglesas, em 06.02.2017;
 - 6.544,00£ libras inglesas, em 14.02.2017;
215. Com investimento em território nacional, II pretendia obter títulos de residência ao abrigo do "ARI", para si, na qualidade de investidora, na modalidade de aquisição de imobiliário de valor superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), e também para o seu marido, XXX, e o seu filho YYY, na modalidade de reagrupamento familiar;
216.     O requerimento deu entrada a 01.07.2015, dando origem ao processo de residente S.E.F. n.° …., sendo apresentado pelo advogado CCC, colaborador da arguida AA;
217. A 02 de Agosto de 2016, tendo sido efectuado um levantamento dos documentos apresentados e em falta, constatou-se encontrarem-se em falta, entre outros, (i) titulo aquisitivo (escritura de compra e venda ou contrato promessa de compra e venda do bem imóvel), (ii) declaração de instituição financeira autorizada ao exercício da sua actividade em território nacional, atestando a transferência efectiva de capitais do exterior, para a sua aquisição ou efectivação de sinal promessa de compra no valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), (iii) certidão da Conservatória do Registo Predial na qual conste o respectivo registo, bem como no caso de contrato promessa, e sempre que legalmente viável, o registo provisório por natureza, e (iv) caderneta predial do imóvel, sempre legalmente possível;
218. Não obstante a notificação para a apresentação dos documentos em falta, nunca foi apresentado qualquer documento comprovativo do investimento realizado;
219. Nestes termos, foi julgado o processo deserto em 31.08.2016;
220. Nessa sequência foi apresentada reclamação, sendo que a arguida AA tentou fazer prova do investimento juntando documentação que provasse que II era titular da sociedade "S..... LTD", sendo esta naturalmente titular do Lote ... das Areias .....;
221. Para tal, a arguida AA decidiu, sem qualquer intervenção de II, constituir a "S..... LTD — Sucursal em Portugal", com o NIPC …, com sede na Avenida …., …., sendo representante única a arguida AA, para assim tentar demonstrar junto do S.E.F., que II tinha efectuado investimento realizado em território nacional;
222. No entanto, a arguida AA nunca juntou qualquer documento que atestasse que efectivamente adquiriu um imóvel;
223. Sendo que, a "S..... LTD — Sucursal em Portugal" nunca praticou qualquer acto junto da Autoridade Tributária, designadamente entregas de IRC, tendo a mesma servido apenas e só para tentar iludir o S.E.F.;
224. Porém, uma vez que o processo foi declarado deserto, a reclamação já nem foi aceite, tendo a arguida AA sido informada de que deveria efectuar novo pedido;
225. Não obstante, o indeferimento por parte do S.E.F., a arguida AA enviou a II, diversos documentos por si forjados ou por alguém a seu mando, bem corno supostas facturas emitidas pelo S.E.F. referentes à concessão dos títulos de residência de XXX, II e YYY, nomeadamente:
- o documento denominado "certidão …", supostamente emitido pelo S.E.F., querendo fazer crer a II que o pedido para obtenção de "visto gold" havia sido deferido quando tal não correspondia à verdade. Tendo a adulteração do documento original consistido na alteração da data ("onze de Agosto de dois mil e dezasseis" em vez de "onze de Agosto de dois mil e quinze") e na conclusão do 1.° parágrafo da primeira folha "C..) a requerente foi notificada (...) da aprovação do seu pedido" em vez de (...) a requerente foi notificada (...) para no prazo de dez dias, apresentar os documento em falta: (...);
- o documento denominado "certidão n.° …", supostamente emitido pelo S.E.F., querendo fazer crer a II que o pedido para obtenção de "visto gold" estaria a decorrer normalmente, quando tal não correspondia à verdade, porquanto omitiu em relação ao original o fato de existirem diversos documentos em falta. Consistindo a alteração no truncamento da certidão logo abaixo do primeiro parágrafo, apagando todo o restante da certidão;
- o documento denominado "certidão n.° …", supostamente emitido pelo S.E.F., documento não assinado, querendo fazer crer a II que o pedido de obtenção de "visto gold" de YYY tinha sido aprovado, utilizando as expressões "C..) a requerente foi notificada (...) da aprovação do seu pedido", quando tal não corresponde à verdade;
- o documento denominado "factura n.° 4…..", supostamente emitida pelo S.E.F. em nome de XXX, no valor de € 5.147,48, datada de 04.03.2016, querendo fazer crer a II que o pedido para obtenção de "visto gold" já teria sido emitido, quando tal não correspondia à verdade;
226. Por forma a manter a convicção de II que a mesma era proprietária da "Villa ..." e que se encontrava devedora de algumas despesas, a arguida veio a remeter diversos documentos por si forjados ou por alguém a seu mando:
- documento denominado "factura FA …..", datado de 24.08.2015, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "recibo …", datado de 08.10.2015, com logotipo das "Areias .....", entidade que nunca geriu o Lote ... das Areias .....;
- documento denominado "factura FA ….", datado de 26.10.2015, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ….", datado de 25.11.2015, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA …..", datado de 30.12.2015, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ….", datado de 21.01.2016, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "recibo …", datado de 12.02.2016, com logotipo das "Areias .....", entidade que nunca geriu o Lote ... das Areias .....;
- documento denominado "factura FA …..", datado de 26.02.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ….", datado de 29.03.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA …..", datado de 26.04.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ……", datado de 25.05.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA …..", datado de 27.06.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ……", datado de 26.07.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA …..", datado de 26.08.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA …..", datado de 27.09.2016, sem indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ….", datado dc 25.10.2016, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ….", datado de 30.11.2016, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA ….", datado de 27.12.2016, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "factura FA …..", datado de 25.01.2017, sem qualquer indicação de entidade emitente;
- documento denominado "documento único de cobrança — modelo 50", supostamente emitido pelo Serviço de Finanças, com indicação manuscrita "2015", sem qualquer indicação de data, nem referência à natureza do acto facturado, supostamente emitido ao contribuinte "S..... LTD", com o número fiscal ….., com o valor total a pagar de € 212,04 (duzentos e doze euros e quatro cêntimos), este documento é idêntico a outros enviados à lesada, suposta vinheta, valor a pagar e isenta de informação, em que apenas foi alterada a inscrição manuscrita;
- documento denominado "documento único de cobrança — modelo 50", supostamente emitido pelo Serviço de Finanças, com indicação manuscrita "2016", sem qualquer indicação de data, nem referência à natureza do acto facturado, supostamente emitido ao contribuinte "S..... LTD", com o número fiscal …., com o valor total a pagar de € 212,04 (duzentos e doze euros e quatro cêntimos), este documento é idêntico a outros enviados à lesada, suposta vinheta, valor a pagar e isenta de informação, em que apenas foi alterada a inscrição manuscrita;
- documento denominado "documento único de cobrança — modelo 50", supostamente emitido pelo Serviço de Finanças, com indicação manuscrita "2017", sem qualquer indicação de data, nem referência à natureza do acto facturado, supostamente emitido ao contribuinte "S..... LTD", com o número fiscal …., com o valor total a pagar de € 212,04 (duzentos e doze euros e quatro cêntimos), este documento é idêntico a outros enviados à lesada, suposta vinheta, valor a pagar e isenta de informação, em que apenas foi alterada a inscrição manuscrita;
- declaração de rendimentos, IRC, relativamente à empresa "S..... LTD —Sucursal em Portugal", com NIF …, no período de 2015;
- declaração de rendimentos, IRC, relativamente à empresa "S..... LTD — Sucursal em Portugal", com NIF ….., no período de 2016;
- declaração de rendimentos Benefícios Fiscais, IRC, relativamente à empresa "S..... LTD — Sucursal em Portugal", com N1F …., no período de 2015;
227. Ora, não só a "S..... LTD — Sucursal em Portugal" não fez entrega de qualquer declaração junto das Finanças, como o NIF …. é inválido;
228. Por esta via, II sofreu um prejuízo directo na ordem dos € 476.715,51 (quatrocentos e setenta e seis mil setecentos e quinze euros e cinquenta e um cêntimos), montante do qual a arguida se apropriou, sendo que o registo da "Villa ..." pertence à "L.... LTD", representada pela arguida, e não pela II;
229. No início de 2016, e na sequência de contactos estabelecidos com a sua amiga II, HH entrou directamente em contacto com o escritório da sociedade de advogados da arguida AA, com vista à obtenção de título de residência em território nacional;
230. Depois dos contactos iniciais, via e-mail e telefónico, HH e o seu marido ZZZ encontraram-se pessoalmente com a arguida AA, em Abril de 2016, quando esta se deslocou à ....., obtendo assim esclarecimentos adicionais sobre o procedimento de obtenção de "visto gold", na modalidade de investimento na aquisição de imóvel;
231. Nessa ocasião, foi proposto a HH a aquisição da propriedade denominada como ".... Villa", do empreendimento "Areias .....", sito na …., …., em …., descrito na Conservatória do Registo Predial de …, com o número …..;
232. ZZZ veio depois a Portugal visitar a propriedade, tendo sido acompanhado por elementos do escritório de advogados da arguida AA, bem como reunir-se com a arguida no seu escritório;
233. Em Junho de 2016, e na sequência da recepção dos documentos denominados "terms of business" e "care letter", onde é prestada a informação sobre os termos dos serviços prestados pela arguida AA, nomeadamente os honorários e o preço da aquisição do imóvel, de € 510.000,00 (quinhentos e dez mil euros), HH contratou os serviços da arguida AA, que ficou, então, responsável por todo o processo de obtenção do visto junto do S.E.F.;
234. Nestes termos, e presumindo que todo o processo de aquisição do imóvel estava a ser bem conduzido, em 23 de Junho de 2016, HH recebeu uma comunicação com uma primeira factura emitida pela sociedade de advogados "Aidar Carneira Legal", no valor de € 16.890,00 (dezasseis mil oitocentos e noventa euros), relacionado com a aquisição do imóvel e processo de obtenção de visto;
235. Assim, em 30 de Junho de 2016, com vista à liquidação da factura acima referida e sinal de aquisição da ".... Villa", das Areias ....., HH efectuou uma primeira transferência, no valor de € 58.691,74 (cinquenta e oito mil seiscentos e noventa e um euros e setenta e quatro cêntimos), via "ING BELGIUM NV/SA", e creditada na conta da sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd", "BPI" .....151,
236. Em 30 de Junho de 2016, HH e ZZZ procederam ainda à abertura na ..... de uma conta bancária no "Banco Millennium BCP", no sentido de agilizar futuras transferências de fundos para a conta da sociedade de advogados "Aidar C... Legal";
237. Por e-mail, datado de 01.07.2016, a arguida AA informou que o valor da primeira transferência (sinal) havia sido entregue ao banco, conforme combinado, fazendo assim crer que tudo estaria a decorrer conforme planeado;
238. Contudo, a 04.07.2016, HH manifestou junto da arguida AA a sua vontade de desistir do negócio de aquisição do imóvel e procedimento de obtenção do "visto gold";
239. Perante tal facto, a arguida AA informou a família ….HH, sempre na ideia que o contrato promessa de compra e venda (CPCV) já havia sido assinado, o que não correspondia à verdade, que, de acordo com a lei portuguesa, uma vez realizado o CPCV, se o mesmo não fosse cumprido, por razões imputadas ao comprador o depósito que havia sido efectuado seria perdido, pelo que, consequentemente, foram aqueles convencidos a manter o negócio e a efectuar as restantes transferências;
240. Sendo certo que, o departamento imobiliário da sede do "Novo Banco" apenas veio a remeter, posteriormente, em 12 de Setembro de 2016, o CPCV entre o "Novo Banco" e HH;
241. Nestes termos, procedeu HH às seguintes transferências referentes ao remanescente do preço da habitação:
- em 07.07.2016, transferência via "ING BELGIUM NV/SA", creditada na conta da sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd", "BPI" .....151, no valor de € 60.042,00 (sessenta mil e quarenta e dois euros);
- em 15.07.2016, transferência creditada na conta da sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd", "MBCP" ……005, no valor de € 439.050,00 (quatrocentos e trinta e nove mil e cinquenta euros);
- em 18.07.2016, transferência via "ING BELGIUM NV/SA", creditada na conta da sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd", "BPI" .....151, no valor de € 31.147,00 (trinta e um mil cento e quarenta e sete euros);
242. Sucede que, recebidos estes valores, ao invés de os aplicar nos fins contratados, designadamente na aquisição da ".... Villa", das Areias ....., a arguida AA veio a fazê-los seus, utilizando-os para fins próprios, pessoais e profissionais;
243. Não obstante, e de forma a fazer crer que a propriedade havia sido adquirida, a arguida AA forjou diversos documentos, que enviou a HH, nomeadamente:
- cópia da certidão permanente, referente ao prédio urbano sito na ….., Lote …, ……, pertencente à Freguesia de …., e descrita na Conservatória com o número …, no qual consta o nome de "HH" como sujeito activo, sendo que deveria constar "Novo Banco, S.A.", conforme original de fls. 49 a 54 dos autos, enviado pela arguida AA, por e-mail, em 26 de Abril de 2017. Sendo que, o registo constante na certidão permanente forjada é de data anterior, 16.06.2015, ao CPCV, 15.07.2016, e aos pagamentos realizados por HH e marido;
- cópia da caderneta predial urbana referente ao prédio urbano sito na …, Lote …, …., pertencente à Freguesia de ……, e onde consta o nome de HH como titular deveria constar "Novo Banco, S.A.", conforme original, documento enviado pela arguida AA, por correio e por e-mail, em 26 de Abril de 2017;
- documento intitulado "Promissory Purchase and Sale Agreement", redigido em língua inglesa, referente a suposta compra e venda do prédio urbano sito na ......, Lote …, ......, em que constam como partes "Novo Banco" e "HH", datado de 15 de Julho de 2016, e onde inclusivamente consta o carimbo de "CL@C... Legal" no lugar das assinaturas referente ao promitente comprador e promitente vendedor. Documento enviado pela arguida AA, por correio e por e-mail, em 26 de Abril de 2017;
244. Após essa data, a arguida AA prosseguiu nos seus intentos, levando a cabo todo um conjunto de actos destinados a iludir HH de que esta era a proprietária da ".... Villa" das Areias ....., e por forma a continuar a obter da mesma quantias monetárias;
245. Assim, veio a pedir um orçamento para o restauro da habitação à empresa "V….", datado de 21.12.2016, no valor de € 12.003,81 (doze mil e três euros e oitenta e um cêntimos), que enviou para HH como se de uma factura se tratasse;
246. Sendo que, estas obras nunca foram efectuadas, porquanto a habitação sempre foi propriedade do "Novo Banco";
247. Com a criação da "Su.....", supra referida, visava, igualmente, a arguida AA passar a imagem a HH de que o "Lote ..." estava a ser gerido por urna terceira entidade competente, para assim poder cobrar mais quantias a esta;
248. Dessa forma, permitia, igualmente, que a mesma não contactasse outras agências de administração de imóveis, que iriam detectar que o imóvel não lhe pertencia;
249. Por esta via, a arguida AA veio a emitir documentos e diversas facturas, supostamente relacionadas com a gestão do imóvel e com impostos sobre a propriedade, cujos valores não foram, todavia, liquidados por HH, nomeadamente:
- documento intitulado "invoice n.° …..", datado de 24 de Fevereiro de 2017, emitido pela sociedade arguida, no valor de € 4.461,33 (quatro mil quatrocentos e sessenta e um euros e trinta e três cêntimos), referente a supostas despesas relacionadas com a gestão do imóvel e com impostos sobre a propriedade, documento enviado por e-mail em 24.02.2017;
- documento intitulado "factura n.° ….", datado de 31.12.2016, supostamente emitido pela sociedade "Su....., Lda.", no valor de € 1.732,56 (mil setecentos e trinta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), referente à administração da ".... Villa", entre Julho a Dezembro de 2016;
- documento intitulado "factura n.° …., datado de 15.02.2017, supostamente emitido pela sociedade "Su....., Lda.", no valor de € 577,72 (quinhentos e setenta e sete euros e setenta e dois cêntimos), referente à administração da ".... Villa" entre Janeiro a Fevereiro de 2017;
- suposto documento emitido pelo Serviço de Finanças de …., com indicação de valor a pagar de € 212,04 (duzentos e doze euros e quatro cêntimos), sem qualquer identificação de contribuinte ou justificação de cobrança, enviado por e-mail pela arguida AA, em 29.03.2017;
- suposta certidão emitida pelo Serviço de Finanças de ….., com indicação de valor a pagar de € 13,80 (treze euros e oitenta cêntimos), sem qualquer identificação de contribuinte, enviado por e-mail, por SSS, em 08.03.2017;
250. Como forma de tentar fazer crer a HH que o Lote ... era efectivamente da sua propriedade, a arguida inventava também supostas rendas recebidas pelo arrendamento da habitação, nomeadamente, com uma tabela contendo informação de supostos arrendamentos confirmados, e por confirmar, para a ".... Villa" do empreendimento Areias ....., enviado por WWW, por e-mail, em 24 de Janeiro de 2017;
251. Valores que nunca chegaram à posse de HH;
252. HH recebia por e-mail confirmações, fictícias, de reserva do imóvel para os meses de Fevereiro a Abril de 2017;
253. No que concerne ao processo de obtenção de "visto gold", e depois de muitas insistências por parte de HH, no sentido de averiguar o estado do mesmo, em 16 de Maio de 2017, esta recebeu um e-mail remetido por SSS, colaboradora da arguida, referindo que o registo de candidatura ao processo de "visto gold" havia sido submetido, e aprovado, em 10 de Janeiro de 2017, querendo dar assim a entender que o processo estava bem encaminhado;
254. No entanto, apenas tinha sido efectuado o registo de candidatura on-line, sendo que todas as diligências subsequentes ficaram por realizar, designadamente, entrega de requerimento junto do S.E.F., não existindo qualquer processo de "ARI" no S.E.F. relativo a HH;
255. Não obstante, HH foi informada pela arguida AA que, no dia 29 de Setembro de 2017, seriam emitidos os "vistos gold";
256. A arguida veio, igualmente, a forjar documentos referentes a supostas despesas relacionadas com o processo de autorização de residência para actividade de investimento, nomeadamente:
- documento intitulado "invoice n.° ….", datado de 23 de Junho de 2016, emitido pela sociedade arguida "Carneira Legal", no valor de € 16.890,00 (dezasseis mil oitocentos e oitenta euros), onde se enquadra inclusive a taxa de emissão do "visto gold", e honorários referentes à aquisição da propriedade;
- documento intitulado "statement", datado de 12 de Janeiro de 2017, emitido pela sociedade arguida "C... Legal", com descrição dos valores entregues por HH despesas realizadas na sequência dos supostos serviços associados ao processo de autorização de residência para actividade de investimento e compra do imóvel;
257. Através da forma descrita, HH sofreu um prejuízo directo na ordem dos € 588.930,74 (quinhentos e oitenta e oito mil novecentos e trinta euros e setenta e quatro cêntimos), valores dos quais a arguida AA se apropriou;
258. O imóvel descrito foi objecto de escritura de compra e venda, no dia 28.07.2017, sendo a actual proprietária a cidadã de nacionalidade …. AAAA;
259. Com efeito, em meados de Janeiro de 2017, o processo de compra e venda do imóvel em referência havia sido definitivamente cancelado pelos responsáveis do "Novo Banco", em virtude do escritório "Aidar C... Legal" e da arguida AA se recusarem a assinar o CPCV e a efectuar o pagamento inerente do sinal;
260. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, querendo criar a convicção nos ofendidos supra descritos que iria adquirir imóveis em Portugal em nome dos mesmos, bem como solicitar a emissão das correspondentes "ARI" junto do S.E.F. a troco de investimento em Portugal, por forma a fazer suas as quantias que lhe eram transferidas para esse fim, o que logrou;
261. A arguida, ou alguém a seu mando, quis e conseguiu forjar os documentos bancários descritos, certidões permanentes de imóveis, cadernetas prediais, recibos de rendas, documentação do S.E.F. e Finanças descritos, colocando em causa a fidedignidade deste tipo de documentos e obtendo, por essa via, a convicção por parte dos ofendidos que os mesmos eram verdadeiros e emitidos pelas entidades competentes, por forma a não ser detectada e apropriando-se, por esta forma, das quantias descritas;
262. A arguida quis utilizar a sociedade de advogados "C... Legal", para aparentar uma imagem de seriedade jurídica e negocial, logrando convencer os ofendidos a entregar as quantias descritas e a emitir procurações a favor da mesma para prática de actos de compra e venda de imóveis e junto das entidades competentes, nomeadamente, registos, notários, S.E.F., com o intuito de, assim, conseguir, como conseguiu, junto daqueles os valores destinados à aquisição dos imóveis e de serviços jurídicos, que fez seus, sem nunca prestar os actos para os quais havia sido mandatada;
263. Por essa via, obteve um enriquecimento patrimonial ilegítimo, causando nos ofendidos o correspondente prejuízo patrimonial;
264. A arguida AA agiu em nome e no interesse da sociedade arguida "C... Legal", da qual era a responsável efectiva pela gestão e representante legal, bem como no seu próprio interesse, apoderando-se das quantias descritas;
Mais se provou que:
265. A arguida reconheceu, em parte e com muitas reservas, os factos acima descritos e dados como provados, denotando um discurso autocentrado, autocomplacente e desculpabilizante, denotando falta de juízo crítico, indiferença para com os ofendidos e ausência de interiorização do desvalor das suas condutas;
266. A arguida tem vindo a receber acompanhamento médico psiquiátrico, desde 1989 até 1992, e depois desde 2016, até à presente data, tendo tido dois internamentos, em …., no ano de 1990, e em ……, em 2002, tendo sido durante esse hiato em …..;
267. Em Novembro de 1989, foi diagnosticada à arguida, perturbação bipolar II, associada a uma perturbação narcísica da personalidade;
268. Do relatório da perícia médico-legal colegial, em psiquiatria, por unanimidade das três peritas subscritoras, concluiu-se, sem reservas, nem ressalvas, pela imputabilidade da arguida;
269. Do certificado de registo criminal da arguida nada consta;
270. Do relatório social da arguida, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido:
- "no decurso da entrevista a arguida adoptou uma atitude cordata e colaborante, utilizando uni discurso elaborado e coerente, consonante o seu meio sociocultural;
- o processo de socialização decorreu num ambiente familiar estruturado e harmonioso, baseado num modelo educativo cristão/católico, subsistindo forte vinculação entre os elementos do agregado familiar (pais e três filhas, das quais a arguida é a mais velha) e num meio social diferenciado, dispondo a família de uma situação económica privilegiada, fruto da actividade laboral do pai, como …. por conta própria, e de rendimentos associados a bens imóveis adquiridos pela mãe, por herança;
- ingressou na escola primária na idade própria tendo concluído o sexto ano de escolaridade num colégio de religiosas e o ensino secundário na escola pública, com elevado aproveitamento escolar. Posteriormente ingressou na faculdade de Direito tendo obtido a licenciatura aos 23 anos de idade. Concomitantemente beneficiou de aulas particulares de …. e …. em casa. Efectuou o estágio profissional na firma de advocacia "…..", o que lhe permitiu desenvolver funções como "Lawyer Assistant" em diversos escritórios a nível internacional, nomeadamente em …, …., ….. e …., denotando, investimento, empreendedorismo e ambição nesta área;
- em 2003 constituiu como sócia fundadora a firma de advocacia "Pacsa & Carneira, Limited", que entretanto foi absorvida pela sociedade "A...... Advogados", através de uma fusão. Em 2008 criou em sociedade a firma "C... Law, Limited", da qual era sócia majoritária e posteriormente a "CL@C... Legal Ltd," que se fundiu com a "Aidar Advogados", em 2016;
- apesar do investimento e do carácter meritocrático do seu percurso profissional, a arguida registou alguns períodos de interrupção da sua actividade, por problemas de depressão moderada iniciados aos 25 (vinte e cinco) anos, sendo acompanhada em consultas de Psiquiatria desde 1989, por depressão major, associada a um episódio hipomaníaco antecessor. Posteriormente foi-lhe diagnosticada perturbação bipolar tipo II, associada a perturbação narcisica da personalidade, tendo ocorrido períodos de internamentos psiquiátricos, em 1990 numa clínica em … e em 2002, em ….;
- do ponto de vista socioafectivo e emocional, encetou uma união de facto, aos 30 anos de idade, com um cidadão …. com quem coabitou cerca de cinco anos, relação da qual não nasceram filhos;
- a arguida tem pendente para cumprimento em …. uma condenação numa pena de seis anos de prisão, por crime de burla qualificada, existindo no Tribunal da Relação …. um processo de extradição com o n. ° 879/17……;
- no período dos factos constantes dos autos vivia entre Portugal, …. e o …., onde permanecia por períodos, mais ou menos prolongados, em função das necessidades inerentes à sua actividade profissional, na área dos negócios imobiliários, nos designados "vistos gold", bem como no exercício de advocacia no âmbito do direito societário internacional na firma CL@C... Legal, Ltd.;
- aquando da data da prisão, e sempre que se encontrava em Portugal, encontrava-se a residir com o pai, na casa de morada de família, situada numa zona privilegiada da cidade de …., mantendo a actividade no âmbito da firma "Aidar Advogados", criada por si em 2016 em parceria com o escritório principal da firma que se localizava no ….. Actualmente o polo da referida firma de advocacia em Portugal encontra-se extinto desde que foi presa preventivamente;
- a arguida mantinha um estilo de vida centrado em torno da actividade profissional e da família, pai e irmãs, com os quais mantinha forte vinculação e interdependência, não apresentando relações de convívio sociais significativas, fora da esfera familiar. Dispunha de uma situação socioeconómica acima da média, privilegiando um estilo de vida luxuoso, ainda assim, desde a sua prisão passou a depender economicamente da família que lhe tem assegurado todas as suas despesas pessoais;
- a família da arguida dispõe de uma situação económica favorável, sendo que o pai, actualmente com cerca de 87 (oitenta e sete) anos de idade, continua a exercer alguma actividade como ….., apesar de se encontrar reformado e de ter trespassado o seu escritório de ….. A arguida dispõe do apoio da família que a tem apoiado no decurso da atual situação de prisão, mostrando-se solidários e disponíveis para a receberem e apoiarem. Assim, uma vez em meio livre equaciona o futuro em torno da família, pretendendo fixar residência em a casa do pai, que vive sozinho;
- do ponto de vista socioprofissional, afirma-se dissuadida quanto à possibilidade de retomar a actividade que desenvolvia anteriormente, tendo já suspendido a sua inscrição na Ordem dos Advogados, equacionando a eventual possibilidade de se dedicar a um negócio de ….., a partir de casa, experiência que terá ensaiado durante o curto período em que permaneceu em OPHVE. Posteriormente perspectiva ainda diligenciar por trabalho na área social, através de amigos, que dispõem de contactos em várias Organizações Não Governamentais (ONG 's). Encontra-se também a ponderar a oportunidade para requerer a reforma;
- a arguida apresenta-se como uma pessoa diferenciada do ponto de vista académico e socioprofissional, com competências pessoais, cognitivas e sociais diferenciadas, que lhe permitem interpretar a realidade e tomar decisões mais adequadas às circunstâncias com que se depara;
- a arguida foi presa preventivamente à ordem do presente processo em 13.07.2017, e colocada em OPHVE em casa do pai, por despacho de 18.10.2017, contudo, na sequência de um recurso que alterou esta medida de coação, voltou a ser presa, em 24.01.2018, permanecendo recluída desde então, até 06.01.2020;
- a arguida relaciona-se de forma sóbria e reservada com os serviços do Estabelecimento Prisional de ….. e com os pares, não registando qualquer advertência do ponto de vista disciplinar. Actualmente apresenta um humor de tipo depressivo, sendo acompanhada em consultas de psiquiatria, com a sua médica psiquiatra particular;
- a arguida não se revê na íntegra nas circunstâncias criminais que enformam o presente processo, ainda que, paradoxalmente, refira ter ressarcido alguns dos lesados, embora não tivesse apresentado na D.G.RS.P. comprovativo desse facto. Por outro lado, justifica o envolvimento no presente processo com os seus problemas de saúde mental, reconhecendo que se encontrava numa fase de hipomania, que a deixará pouco ciente da intemperança do seu comportamento. Entende que a prisão preventiva está a constituir-se por si só uma punição antecipada, atenta a restrição da sua liberdade, o facto de ter interrompido a sua carreira profissional e o impacto que tem tido para a sua família, quer em termos emocionais quer económicos;
- salienta-se que o processo de socialização da arguida decorreu num contexto socioeconómico favorável, que lhe permitiu desenvolver competências do ponto de vista pessoal, social e profissional compatíveis com as suas expectativas pessoais, sociais, económicas e de realização profissional. Assim, fez um investimento relevante na sua carreira profissional que, em parte, foi prejudicada pelos problemas de saúde mental que se revelaram cerca dos 25 (vinte e cinco) anos e, posteriormente, com o agravamento dos mesmos surgindo um diagnóstico de doença bipolar tipo II, associada a unia perturbação narcísica da personalidade;
- o carácter meritocrático e ascendente do percurso profissional da arguida, o seu nível de especialização, a motivação, os níveis de satisfação da atividade, de vida e de diferenciação económica e social que a mesma lhe proporcionava, influenciaram o seu empreendedorismo, constituindo ao longo deste trajecto diversas empresas na área do exercício da advocacia a nível internacional e dos negócios imobiliários com aparente sucesso, até surgirem os envolvimentos em processos-crime, num dos quais se encontra pendente uma pena de prisão efectiva para cumprir em ....;
- na actualidade, a arguida transmite uma imagem social favorável e relaciona-se com os pares de forma adequada parecendo revelar presentemente um humor mais deprimido, sendo por esse motivo acompanhada do ponto de vista médico e medicamentoso;
- dispõe do apoio do pai e irmãs nesta fase de vida e nessa medida apresenta projectos futuros em torno deste agregado familiar, que se constitui como um importante factor de estabilidade pessoal;
- do ponto de vista laboral reitera a intenção de se afastar da sua área de actividade, revelando uma atitude mais racional face à realidade, pelo que suspendeu a sua inscrição na Ordem dos Advogados, considerando a possibilidade de se vir a dedicar a um negócio de ….. e posteriormente à actividade na área do apoio social ou até mesmo ponderar a reforma. Em caso de condenação, é importante que a arguida se mantenha afastada da actividade profissional e negocia! por conta própria e que dê continuidade ao acompanhamento médico psiquiátrico, imprescindível para a estabilização da sua saúde mental, condição protetora no domínio da sua reinserção social";
Dos pedidos de indemnização cível deduzidos igualmente se provou que:
271. O demandante cível BB transferiu para as arguidas, para pagamento do remanescente do preço de aquisição do citado imóvel, no valor total de € 564.612,00 (quinhentos e sessenta e quatro mil seiscentos e doze euros), o valor de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros), o qual devia ser entregue, pelas arguidas, à sociedade "SG......, S.A.", o que as mesmas não fizeram, para o que as arguidas estavam mandatadas;
272. O demandante cível BB transferiu ainda para as arguidas, a pedido destas, a quantia de € 64.127,00 (sessenta e quatro mil cento e vinte e sete euros), a título de serviços e despesas relacionados com a obtenção do "visto gold", para si e para a sua família, e com a aquisição do descrito imóvel, o que as arguidas não fizeram, apesar de estarem mandatadas para tanto;
273. O comprovativo da realização da transferência mencionada referente ao pagamento do remanescente do preço de aquisição do imóvel era essencial para a concessão do "visto gold", processo que acabou por ser indeferido pelo S.E.F., em 06.04.2017, com fundamento na omissão de junção dos elementos que se encontravam na posse das arguidas, e que estas não juntaram, porquanto não o quiseram;
274. Por diversas vezes, o demandante questionou a arguida AA sobre o estado do processo do "visto gold" e de aquisição do imóvel, ao que a arguida não dava resposta concreta;
275. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo do demandante cível BB, da quantia global de € 578.739,00 (quinhentos e setenta e oito mil setecentos e trinta e nove euros), por conta da qual, as arguidas, até hoje, nada restituíram o demandante;
276. O demandante cível CC transferiu para as arguidas, para pagamento do remanescente do preço de aquisição dos mencionados imóveis, no valor total de € 603.612,00 (seiscentos e três mil seiscentos e doze euros), o montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil seiscentos e doze euros), o qual devia ser entregue, pelas arguidas, à sociedade "SG......, S.A.", o que as mesmas não fizeram, para o que as arguidas estavam mandatadas;
277. A pedido das arguidas, o demandante cível CC transferiu ainda para as arguidas os valores de € 45.938,00 (quarenta e cinco mil novecentos e trinta e oito euros) e de € 26.220,06 (vinte e seis mil duzentos e vinte euros e seis cêntimos), a título de serviços e despesas relacionados com a obtenção do "visto gold", para si e para a sua família, e com a aquisição dos referidos imóveis, o que as arguidas não fizeram, apesar de estarem mandatadas para tanto;
278. A arguida AA afirmou perante o demandante cível que já tinha transferido o valor relativo ao pagamento do remanescente do preço para a "SG......, S.A.", remetendo, em 31.10.2016, um suposto comprovativo de ordem de transferência de fundos, mas que a sociedade "SG......, S.A." nunca recebeu por parte das arguidas;
279. A arguida AA afirmou ainda que a transferência foi efectuada a 02.11.2016, em 08.11.2016 que havia um atraso nas autorizações e ainda que tinha a data valor do dia 18.11.2016, o que não era verdade;
280. O comprovativo da realização dessa transferência era essencial para a concessão de "visto gold", tendo sido o demandante cível notificado pelo S.E.F. de despacho de indeferimento sobre tal pedido, com o fundamento, entre outros elementos, de falta de apresentação de declaração de urna instituição de crédito atestando a transferência internacional e efectiva de capitais para pagamento, a título de sinal no contrato promessa de compra e venda, de valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), e que o demandante já tinha feito para as arguidas;
281. Por ter sido mal instruído tal processo junto do S.E.F. por parte das arguidas, o demandante cível CC desistiu do mesmo, sob pena de ser indeferido e ficar impossibilitado de apresentar um novo requerimento de concessão de "visto gold" no imediato, dado que, o demandante e a sua família já se encontravam a residir em Portugal, suportando o arrendamento de uma casa, em face da expectativa, criada pelas arguidas, no sentido que estava iminente a concessão do "visto gold";
282. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo do demandante cível CC, do montante global de € 625.770,06 (seiscentos e vinte e cinco mil setecentos e setenta euros e seis cêntimos), por conta do qual nada restituíram ao demandante cível, situação que se mantém até à presente data;
283. O demandante cível DD transferiu para as arguidas, em 23.10.2015, a quantia de € 556.618,00 (quinhentos e cinquenta seis mil seiscentos e dezoito euros);
284. Montante que o demandante cível confiou às arguidas, a fim de ser usado em investimento a realizar em Portugal, por conta e no interesse do demandante, com vista à obtenção de autorização de residência, para si e para a sua família, por investimento, denominado de "visto gold";
285. Desse valor as arguidas utilizaram em despesas pessoais e profissionais, ao invés do o usarem nos fins mencionados, o montante de € 277.246,50 (duzentos e setenta e sete mil duzentos e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos);
286. Por conta da não concretização da escritura de compra e venda do acima descrito imóvel, porquanto as arguidas não transferiram para o vendedor o preço total, apesar de o demandante já lhes ter transferido esse valor, o vendedor reteve a quantia de € 72.800,00 (setenta e dois mil e oitocentos euros), a título de comissão do agente de venda e ao acordo de reserva, paga pelo demandante;
287. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo do demandante cível DD, do montante global de € 350.046,50 (trezentos e cinquenta mil e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos), por conta do qual nada restituíram ao demandante cível, situação que se mantém até à presente data;
288. O demandante cível EE transferiu para as arguidas, em 29.12.2015, a quantia de C€1.026.000,00 (um milhão e vinte e seis mil curas), sendo o valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), para prova de investimento e a quantia de € 26.000,00 (vinte e seis mil euros), a título de despesas e serviços relacionados com a obtenção de "visto gold";
289. Montantes que o demandante cível confiou às arguidas, a fim de serem usados em investimento a realizar em Portugal, por conta e no interesse do demandante, com vista à obtenção de autorização de residência, para si e para a sua família, por investimento, denominado de "visto gold";
290. Desse valor as arguidas utilizaram em despesas pessoais e profissionais, ao invés do o usarem nos fins mencionados, o montante de C 633.300,00 (seiscentos e trinta e três mil e trezentos euros);
291. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo do demandante cível EE, do montante global de € 633.300,00 (seiscentos e trinta e três mil e trezentos euros), por conta do qual nada restituíram ao demandante cível, situação que se mantém até à presente data;
292. O demandante cível FF transferiu para as arguidas, em 12 e 13.05.2015, a quantia de € 1.039.993,00 (um milhão e trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), sendo o valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), para prova do investimento e a quantia de € 39.993,00 (trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), a título de despesas e serviços referentes ao processo "visto gold";
293. Montante que o demandante cível confiou às arguidas, a fim de ser usado em investimentos a realizar em Portugal, por conta e no interesse do demandante, com vista à obtenção de autorização de residência, para si e para a sua família, por investimento, denominado de "visto gold";
294. Valor que as arguidas utilizaram em despesas pessoais e profissionais, ao invés do o usarem nos fins mencionados;
295. Por conta das informações falsas prestadas pelas arguidas, no sentido que o valor do investimento do demandante tinha rendido juros, o demandante cível suportou o pagamento do montante de €12.571,00 (doze mil quinhentos e setenta e um euros), a título de impostos e comissões que declarou junto do seu país de origem;
296. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo do demandante cível FF, do montante global de € 1.052.564,00 (um milhão cinquenta e dois mil quinhentos e sessenta e quatro euros), por conta do qual nada restituíram ao demandante cível, situação que se mantém até à presente data;
297. A demandante cível GG transferiu para as arguidas a quantia global de € 598.750,00 (quinhentos e noventa e oito mil setecentos e cinquenta euros), respectivamente, em 25.02.2014, o valor de € 61.150,00 (sessenta e um mil e cinquenta euros) e em 13.06.2014, o montante de € 537.600,00 (quinhentos e trinta e sete mil e seiscentos euros), com o objectivo de ser utilizado na aquisição do imóvel acima descrito, cujo preço de aquisição era de € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), sendo o valor remanescente de € 48.750,00 (quarenta e oito mil setecentos e cinquenta euros) destinado ao pagamento de impostos, registos e despesas com a aquisição, honorários e com o processo de "visto gold"
298. Por motivos imputáveis exclusivamente às arguidas, o contrato promessa de compra e venda do citado imóvel foi declarado definitivamente incumprido, dada a não comparência das arguidas no acto agendado para a realização da escritura pública, para o que estavam notificadas, perdendo assim, e por essa causa, a demandante cível o valor de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) pago por este a título de sinal e entregue à promitente vendedora;
299. A arguida AA afirmou perante a demandante cível que a escritura já tinha sido outorgada, estando na iminência o registo da aquisição, o que a arguida bem sabia não ser verdade, não tendo o montante transferido pela demandante canalizado para esse fim, nem para qualquer outro em seu interesse e em seu benefício;
300. Nesta sequência, a demandante cível apresentou queixa-crime no dia 24.04.2015, e de em 07.05.2015, apresentou participação disciplinar contra a arguida AA junto da Ordem dos Advogados;
301. Em 18.05.2015, as arguidas efectuaram para a demandante cível uma transferência bancária no valor de € 495.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil euros);
302. Ficando assim, por restituir a quantia de € 103.750,00 (cento e três mil setecentos e cinquenta euros);
303. A arguida AA não devolveu qualquer outra quantia invocando que iria exigir o valor do sinal em dobro junto do promitente vendedor e que ia requerer a devolução dos impostos pagos, os quais bem sabia não terem sido pagos, dado que houve cancelamento das notas de liquidação;
304. Por conta do acima descrito, e que não se concretizou, por motivos apenas imputáveis à arguida, a demandante cível deslocou-se, por quatro vezes, a Portugal, em viagem de ...../...., despendeu a demandante cível as seguintes quantias:
- de 03 a 13 de Fevereiro de 2014, de € 2.180,17 (dois mil cento e oitenta euros e dezassete euros), com a viagem e de € 428,00 (quatrocentos e vinte e oito euros), com a estadia;
- de 20 a 28 de Maio de 2014, de € 2.760,43 (dois mil setecentos e sessenta euros e quarenta e três cêntimos), com a viagem e de € 356,95 (trezentos e cinquenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos), com a estadia;
- de 07 a 14 de Fevereiro de 2015, de € 2.207,20 (dois mil duzentos e sete euros e vinte cêntimos), com a viagem e de € 662,95 (seiscentos e sessenta c dois ouros e noventa e cinco cêntimos) e de € 166,00 (cento e sessenta e seis euros), com a estadia;
- de 01 a 11 de Maio de 2015, de € 2.350,49 (dois mil trezentos e cinquenta euros e quarenta e nove cêntimos), com a viagem e de € 1.057,05 (mil e cinquenta e sete euros e cinco cêntimos), com a estadia;
305. Por conta dos pagamentos/transferências mencionados, a demandante cível despendeu a quantia de € 121.547,00 (cento e vinte e um mil quinhentos e quarenta e sete euros), equivalente à conversão das moedas Euros/Dólares de .....;
306. Em virtude, da não restituição das quantias transferidas pela demandante cível para as arguidas, da não concretização da aquisição do acima descrito imóvel e em face da inviabilização da obtenção do "visto gold", do que a demandante cível se viu forçada a desistir desses seus propósitos, aquela sentiu ansiedade, irritabilidade, sofrimento, stress e insónias, especialmente por ter visto violada a confiança que depositou na arguida AA, enquanto sua advogada e representante;
307. As arguidas propuseram à demandante cível HH a aquisição do acima identificado imóvel, a ".... Villa", com o objectivo desta fazer prova de investimento para a concessão de autorização de residência, por investimento em território nacional, "visto gold";
308. Nesta sequência, o marido da assistente, ZZZ, veio a Portugal visitar a propriedade, tendo para o efeito sido acompanhado por elementos da sociedade arguida e reunido pessoalmente com a arguida;
309. A demandante cível contratou, então, os serviços das arguidas, após a recepção, em Junho de 2016, dos documentos identificados como "terms of business" e "care letter", a fim de as arguidas, em nome e em representação da demandante, diligenciarem pela aquisição de tal imóvel, no valor global de € 510.000,00 (quinhentos e dez mil euros) e pelo acompanhamento de todo o processo de obtenção do "visto gold" junto do S.E.F.;
310. Para o efeito, a demandante transferiu, como combinado, para as arguidas, no dia 30.06.2016, a quantia de € 58.691,74 (cinquenta e oito mil seiscentos e noventa e um euros e setenta e quatro cêntimos);
311. Nesse mesmo dia, a conselho das arguidas, a demandante procedeu à abertura de uma conta bancária junto do "Banco Millennium BCP", na ....., no sentido de agilizar futuras transferências de fundos para a conta bancária da sociedade arguida;
312. Para tais fins, a demandante transferiu para as arguidas as quantias de € 60.042,00 (sessenta mil e quarenta e dois euros), de € 439.050,00 (quatrocentos e trinta e nove mil e cinquenta euros) e de € 31.147,00 (trinta e um mil cento e quarenta e sete euros);
313. As arguidas, ao invés de canalizarem tais montantes transferidos pela demandante, para os fins acordados, utilizaram estes valores para fins próprios e pessoais, em prejuízo da demandante cível;
314. Apesar desse desvirtuamento, as arguidas fizeram crer junto da demandante cível que a mesma tinha adquirido o descrito imóvel, forjando e enviando à demandante documentos em que a mesma figurava como proprietária do referido imóvel, como cópia da certidão permanente da descrição predial, cópia da caderneta predial urbana e um documento intitulado "promissory purchase and sale agreement";
315. Mais remeteu a arguida AA, após Abril de 2017, com essa finalidade, à demandante diversos documentos relativos a orçamentos de obras de restauro da habitação, a qual foi sempre propriedade do "Novo Banco", facturas de suposta gestão do imóvel, pagamentos de supostos impostos, confirmações de arrendamentos e supostas rendas;
316. Não tendo as arguidas diligenciado, como acordado, pela aquisição do imóvel, a assistente e sua família não obtiveram o "visto gold", apesar da arguida AA lhe afirmar que esse processo junto do S.E.F. estava a decorrer de acordo com o combinado;
317. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo da demandante cível HH, da quantia global de € 588.930,74 (quinhentos e oitenta e oito mil novecentos e trinta euros e setenta e quatro cêntimos), por conta da qual nada restituíram àquela, situação que se mantém até à presente data;
318. Por conta destas condutas, exclusivamente imputáveis às arguidas, a demandante cível sentiu frustração, revolta, preocupação, desconsolo e desilusão, não só, atendendo aos valores em causa, mas também, por ter visto inviabilizada a obtenção dos "vistos gold" para si e para a sua família, em virtude de as arguidas não terem usado os montantes transferidos para a aquisição do imóvel, impossibilitando que a demandante cível e a sua família pudessem viver de forma permanente em Portugal;
319. A demandante cível II estava interessada na obtenção de um "visto gold", para si e para a sua família, através da aquisição, em Portugal, de um imóvel com valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
320. Para o efeito, contactou QQ que indicou a arguida AA corno advogada especialista nesta área e de acompanhamento para a aquisição do imóvel e do processo de obtenção de autorização de residência por investimento ("visto gold");
321. A arguida AA indicou à demandante, com vista a tais fins, a aquisição do mencionado imóvel, "Villa ...", mas a compra seria efectuada através da compra das acções da sociedade "S...... LTD", com a justificação que tal obstava ao pagamento de valores decorrentes da transferência da propriedade;
322. Mais transmitiu a arguida AA que tal aquisição ia ser efectuada pelo valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), e incluía mobília de luxo, com o objectivo de posteriormente arrendamento, com rentabilidade de cerca de 6% a 8% ao ano do valor inicialmente investido, no que a demandante acreditou e confiou;
323. Nesta sequência, a demandante transferiu para as arguidas, em Março de 2015, à transferência no valor global de € 507.977,51 (quinhentos e sete mil novecentos e setenta e sete euros e cinquenta e um cêntimos);
324. Em Dezembro de 2016, efectuou outra transferência para as arguidas, a pedido destas, no valor de €16.738,00 (dezasseis mil setecentos e trinta e oito euros), com o propósito de ser efectuado o pagamento de despesas relativas aos "vistos gold", seguro de saúde e representação fiscal, o que as arguidas bem sabiam não ter qualquer correspondência com a verdade;
325. Em Abril de 2015, a titularidade das acções da sociedade "S...... LTD", que pertencia ao "Banco Santander Totta" foram adquiridas, em Maio de 2015, pela sociedade "L.... LTD.", a qual é presentada pela arguida AA, pelo valor de € 300,000,00 (trezentos mil euros), sendo que na posse desse contrato a arguida adulterou a data de 15 de Maio de 2015 para 03 de Abril de 2015, mudou o nome do comprador fazendo constar o nome da demandante e mais alterou o valor do mesmo para € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
326. Mais forjou documento visando atestar o registo definitivo da transferência da propriedade, remetendo-o por e-mail para a demandante, fazendo-a acreditar que esta era efectivamente a proprietária de tal imóvel, o que arguida bem sabia não ter correspondência com a realidade;
327. Nesta senda, a arguida AA criou a empresa "Su....., Lda.", afirmando junto da demandante tratar-se de empresa reputada e especializada no mercado, sendo que, e na realidade, tal empresa nunca teve qualquer actividade;
328. Por motivos exclusivamente imputáveis às arguidas, a demandante viu inviabilizada a aquisição de um imóvel que, por sua vez, lhe possibilitasse fazer prova do investimento junto do S.E.F., o que impossibilitou a concessão do "visto gold", o qual veio a ser julgado deserto pelo S.E.F., em 31 de Agosto de 2016;
329. Não obstante, as arguidas estarem cientes de tal, remeteram à demandante diversos documentos, forjados por si, ou por alguém a seu mando, que atestavam que os "vistos gold" tinham sido aprovados, o que as arguidas bem sabiam ser falso;
330. Por motivos imputáveis às arguidas os "vistos gold" nunca foram emitidos;
331. Tal situação causou na demandante sofrimento e angústia, especialmente porquanto pretendia viver, em segurança e de forma permanente em Portugal, na companhia da sua família, marido e filho sobrevivo, visto que o seu filho menor tinha sido assassinado na ....., o que arguida AA sabia;
332. Mais sentiu a demandante cível frustração, revolta, preocupação, desconsolo e desilusão não só em relação ao processo de aquisição do imóvel, mas também em relação à obtenção do "visto gold", para si e para a sua família, oportunidade que se gorou em face da conduta das arguidas;
333. As arguidas, por conta do valor acima descrito e transferido, apoderaram-se, em prejuízo da demandante cível, do valor de € 24.715,51 (vinte e quatro mil setecentos e quinze euros e cinquenta e um cêntimos), o qual devia ter sido canalizado para a obtenção, como acordado, dos "visto gold", nada tendo as arguidas restituído à demandante por conta deste montante;
334. A demandante cível, por sua iniciativa, logrou arrendar tal imóvel, em Março de 2018, pelo valor mensal, a título de renda, no valor de € 1.000,00 (mil euros);
335. Para tanto, visto que era essa a finalidade a ser dada ao imóvel, como acordado com as arguidas, despendeu a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) em obras necessárias e em mobiliário;
336. Os demandantes cíveis JJ e KK transferiram para as arguidas, em 10.02.2014, a quantia de € 52.447,50 (cinquenta e dois mil quatrocentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), correspondendo o valor de € 49.747,50 (quarenta e nove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), ao sinal devido pela celebração do acima descrito contrato-promessa, para aquisição, pelo preço total de € 331.650,00 (trezentos e trinta e um mil seiscentos e cinquenta euros) do imóvel supra identificado, sito na Praça ....., em ...., e o restante montante de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros) correspondia ao valor dos honorários pagos às arguidas para formalização de tal contrato;
337. No âmbito do citado contrato, os demandantes transferiram directamente para a conta bancária da promitente-vendedora, em 26.03.2015, 23.06.2015 e 28.12.2015, referentes aos segundo, terceiro e quarto reforços do sinal, no montante global de € 149.242,50 (cento e quarenta e nove mil duzentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), tendo aquela emitido o competente recibo comprovativo do recebimento desta quantia;
338. Em 26.07.2016, os demandantes, por solicitação das arguidas, transferiram para a conta das arguidas, e por estas indicada, o valor de € 157.870,45 (cento e cinquenta e sete mil oitocentos e setenta euros e quarenta e cinco cêntimos), sendo o montante de € 132.660,00 (cento e trinta e dois mil seiscentos e sessenta euros), por conta do pagamento do remanescente do preço para aquisição do acima mencionado imóvel, o valor de € 24.210,45 (vinte e quatro mil duzentos e dez euros e quarenta e cinco cêntimos), referente ao pagamento de impostos com a transacção (IMT e imposto de selo) e a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de pagamento de emolumentos notariais e despesas com o registo;
339. As arguidas não compareceram, apesar de notificadas, no acto da escritura pública, motivo pelo qual, foi declarado o incumprimento definitivo do citado contrato-promessa, perdendo os demandantes cíveis o negócio e os valores acima descritos transferidos por conta do mesmo;
340. Por conta dos valores transferidos directamente pelos demandantes cíveis à promitente vendedora, esta restituiu, por transferência bancária realizada a 04.05.2018, aos demandantes a quantia global de € 179.091,67 (cento e setenta e nove mil e noventa e um euros e sessenta e sete cêntimos), correspondendo ao valor do sinal e reforços de sinal, deduzidos das comissões dos agentes imobiliários, ficando, assim, os demandantes cíveis prejudicados, nesta sede, no valor de € 19.898,33 (dezanove mil oitocentos e noventa euros e trinta e três cêntimos);
341. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo dos demandantes cíveis, da quantia de € 160.570,45 (cento e sessenta mil quinhentos e setenta euros e quarenta e cinco cêntimos), por conta dos valores para si transferidos, nada tendo restituído aos demandantes, situação que se mantêm até à presente data;
342. Por motivos imputáveis às arguidas, decorrentes das situações acima descritos, sentiram os demandantes atingidos no seu bem-estar pessoal, mental e moral, sofrendo de ansiedade e mal-estar, especialmente por verem a confiança quebrada em que era advogada, em quem tinham confiado os seus interesses, negócios e quantias pecuniárias avultadas.
2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado no acórdão recorrido (transcrição):
Não se provaram, com interesse e pertinência, os seguintes factos:
A) Que o imóvel denominado de "Villa ...", acima melhor descrito, teria sido arrendado pelo valor mensal de € 1.000,00 (mil euros), entre os meses de Junho de 2015 e Março de 2018 e que, por esse modo, tivesse gerado a quantia de € 33.000,00 (trinta e três mil euros), a favor da demandante cível II.
*
Inexistem quaisquer outros factos provados ou por provar com relevância para a decisão de mérito, sendo o demais alegado de natureza jurídica, conclusiva e normativa.
2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):           
O Tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto provada, e não provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente, entre si, de acordo com os princípios da experiência comum, de lógica e razoabilidade, pois, nos termos do Art.° 127.°, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos), assim, alicerçou-se a convicção do Tribunal na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, socorrendo-se, frisa-se, das regras da experiência comum, da lógica e da razoabilidade, baseando-se:
Do conteúdo ínsito às declarações prestadas pelos demandantes cíveis BB, CC, GG, FF, JJ, DD (reproduzidas as suas declarações nos termos do Art.° 356.°, n.° 4, do Código de Processo Penal, tal como consta da competente acta desta sessão da audiência de julgamento, e com observância do formalismo legalmente estatuído), KK, II, EE e HH na sua essência consentâneas entre si, revelando os demandantes conhecimento directo e presencial quanto aos factos relativamente aos quais prestaram as suas declarações, referentes, naturalmente, a cada um deles, à sua situação em concreto e específica, sendo as mesmas dignas da maior credibilidade, não só, porquanto se revelaram intrinsecamente coerentes quando analisadas individualmente, como também, denotaram consistência lógica entre si quando confrontadas entre si, para além do ostensivo respaldo documental, inteiramente corroborante do teor das declarações prestadas pelos demandantes cíveis.
Sendo certo que, e em comum, todos os assistentes e demandantes cíveis descreveram, com rigor, detalhe e congruência, a entrega à pessoa da arguida (pessoa singular) das quantias necessárias ao investimento pretendido, nos montantes, datas e por transferência bancária, como acima dado como provado, o que confirmaram, de forma segura e coerente, frisando a confiança que depositaram na pessoa da arguida AA, assumindo esta a representação e os interesses dos demandantes - assim lhes foi engenhosamente criada essa convicção -, descrevendo o modo de abordagem da arguida AA, as idiossincrasias da sua interacção, o enredo com que ia protelando a concretização/formalização do negócio/investimento e/ou da concessão do processo administrativo dos "vistos gold", as justificações que iam sendo dadas pela arguida para a não concretização do negócio/investimento, a não devolução das quantias entregues, a perda do negócio, a perda dos montantes entregues à arguida e a não concessão da autorização de residência, por falta da demonstração da prova de investimento (excepcionando, nesta última matéria, o que diz respeito aos demandantes JJ e KK, dado que, quanto a estes inexistia a pretensão de obtenção dos "vistos gold").
Com efeito, todos os demandantes descreveram, com naturalidade, franqueza e espontaneidade os factos acima descritos, sem hesitações, sem ambiguidades, nem subterfúgios, de forma consistente e congruente, com alguma emotividade subjacente, o que se afigura perfeitamente compreensível atendendo, por um lado, aos valores objectivamente expressivos em que ficaram lesados, e por outro lado, por terem ficado sem a oportunidade de obterem uma autorização de residência para viver em Portugal - excepto, nesta sede, como já ressalvado, quanto aos demandantes JJ e KK -, onde pretendiam de forma estável e permanente passar a viver e a estudar, na companhia dos respectivos agregados familiares (cônjuges e filhos), e através dessa autorização aceder ao demais espaço intracomunitário.
Das declarações pungentes e vívidas prestadas pelas demandantes II e HH ficou patente o engodo orquestrado e arrastado pela arguida AA, e usando a sociedade arguida, para a concretização de tal desiderato, sendo ostensivo o sofrimento vivenciado pela perda da possibilidade de saírem, com as suas famílias, da ....., e viverem num pais europeu considerado como seguro e pacífico, como é Portugal, que era o que pretendiam, ficando claro que as quantias pecuniárias que transferiram para a arguida correspondiam a economias de uma vida de esforço e de trabalho, não susceptíveis de serem novamente alcançadas, o que salientaram de forma clara e assertiva, aliás, veja-se a dor e a desilusão que a demandante II ainda, presentemente, manifesta, o que, e naturalmente, não toldou o seu discernimento, nem afectou a sua credibilidade.
Ambas enfatizaram que a arguida lhes fez acreditar que eram proprietárias dos imóveis em causa, que os vistos "gold" tinham sido aprovados, que até estavam a receber rendas de arrendamentos dessas propriedades, e por isso eram pagas despesas de manutenção/gestão/condomínio inerentes à propriedade, quando tal não tinha qualquer correspondência com a verdade, tendo-lhes sido enviados documentos que demonstrariam essa propriedade, frisando que confiavam na arguida, a sua advogada, a única pessoa com quem lidavam directamente, até porque os outros colaboradores estavam sempre a mudar, e era com a arguida com quem contrataram, em quem confiaram e cuja imagem de profissionalismo, eficiência, seriedade e probidade lhes tinha sido transmitida, aliás, nem sabem o nome dos demais colaboradores, que, como se provou, eram meros peões, destituídos de qualquer capacidade de decisão ou de comando, subordinados à vontade e às decisões tomadas pela arguida AA.
Bem como, resultou claramente provada a factualidade acima descrita quanto aos demandantes FF, EE e DD (declarações reproduzidas nos termos já aludidos), os quais frisaram a significativa, e irrecuperável, perda monetária que sofreram, sentindo-se particularmente enganados por a arguida ser a sua advogada, por estarem convictos que os montantes transferidos estavam consignados numa "conta de clientes", e que estavam adstritos somente para a utilização acordada e autorizada, sentindo-se ludibriados com os supostos "extractos bancários" com que a arguida os ia enganando, convencidos que os investimentos estavam a render juros, o que narraram num registo simples e escorreito, salientando o demandante EE que a arguida estabelecia uma relação de proximidade com os demandantes, e as suas famílias, transmitindo uma imagem de advogada internacional, de sucesso e de uma mundividência de luxo compatível com os valores que os clientes, como os demandantes, lhes transferiram e por isso, também, lhos confiaram.
Mais resultou das declarações dos demandantes cíveis BB e CC, que não conheciam os demais demandantes, nem entre si, a mesma narrativa relatada pelos demais demandantes, ou seja, o que se passou com estes demandantes é a mesma "história" relatada e vivenciada pelos demais demandantes cíveis, confirmando, com detalhe, coerência e simplicidade os factos acima descritos, e por isso dados como provados, confirmando os valores, as perdas monetárias e os demais aspectos do negócio, salientando que a sua advogada era a arguida AA, do que não têm quaisquer dúvidas, nem revelaram qualquer hesitação, e precisamente por confiaram na arguida é que transferiram na integralidade os valores do preço de aquisição dos imóveis e das demais despesas, como, aliás, pedido pela arguida.
Salientando ainda que, o que lhes ia sendo transmitido pela arguida é os negócios de aquisição tinham sido formalizados e os "vistos gold" estavam a decorrer bem e normalmente, com sucesso, o que a arguida bem sabia não ter qualquer correspondência verdade, tanto mais, que não tinha, como se impunha, transferido para a "S.G.......", promitente vendedora, os valores atinentes aos preços de aquisição das fracções em causa, apesar de já os ter na sua esfera e na conta bancária por si gerida e controlada.
Esclareceram igualmente que, conseguiram chegar a um acordo com a sociedade promotora da venda dos imóveis em causa, na ....., sem qualquer apoio da arguida, que revelou um absoluto desinteresse para com as suas situações - aliás, o demandante CC, entretanto, já estava a viver em Portugal, tendo arrendado um imóvel para o efeito, a fim de o filho, que já estava inscrito na escola, poder começar o ano lectivo na altura regulamentar em Portugal, e portanto, veja-se, a gritante confiança que os demandantes depositavam na arguida e naquilo que esta lhes ia transmitido quando ao suposto sucesso dos processos de "visto gold" — precisando que por a vendedora por conseguir observar, atentas as transferências efectuadas — a clareza dos dígitos e da conta bancária beneficiária assim o ditam -, que os demandantes tinham entregue à arguida, através da conta bancária da sociedade arguida, os valores totais do pagamento integral do preço de aquisição, e esta ao invés de os transferir para a vendedora, fê-los seus, o que bem quis, ainda "inventando" desculpas para protelar a transferência e a realização das respectivas escrituras públicas, afirmando inclusivamente que já tinha entregue os valores à vendedora, por justeza negociai, a vendedora acedeu firmar um acordo com estes demandantes.
Tal acordo consistiu em a vendedora "emprestar" os valores que estavam em falta, mas que tinham sido entregues à arguida, para que o negócio de aquisição dos imóveis se formalizasse e, assim os demandantes pudessem, por motivos totalmente alheios a qualquer das arguidas, fazer a prova junto do S.E.F. dos investimentos imobiliários e, por essa via, obterem a autorização de residência por investimento, vivendo, com a sua família, em território nacional, mas, ambos frisaram que os respectivos prejuízos se mantêm, dado que, continuam por lhes ver ressarcidos os valores que pagaram à arguida, e continua a existir a "dívida" (o prejuízo patrimonial) perante a vendedora.
Das declarações prestadas pela demandante GG resultou claríssima a factualidade acima descrita, e dada como provada, descrevendo-a num tom sereno, coerente e rigoroso, sendo que a mesma não conhecia qualquer outro dos demais demandantes, tal como os demandantes JJ e KK, só se conhecendo entre si, visto serem primos e terem negócios em comum, os quais, por sua vez, e igualmente, descreveram os factos acima dados como provados, com rigor, de forma clara, consistente e assertiva, sendo que, quanto a estes dois demandantes apenas acordaram com a arguida a formalização da aquisição de um negócio de puro investimento imobiliário, ou seja, ao invés dos demais demandantes, não pretendiam qualquer "visto gold", tendo estes demandantes, todavia, salientado a frustração que sentiram por terem sido enganados pela sua "advogada", o que lhes causou particular angústia, especialmente, à demandante GG que viu gorada a oportunidade de fazer prova do investimento para obter o "visto gold", o que lhe gerou incisiva indignação, por estar no estrangeiro, em ....., não dominar a língua portuguesa, nem os procedimentos inerentes à aquisição de imóvel em Portugal e por ter sido ludibriada por quem transmitia uma imagem de pessoa séria, honrada e proba, tanto mais que era a sua "advogada".
Na verdade, todos os demandantes confirmaram o modo de actuação da arguida, as quantias, datas e as "desculpas" que iam sendo dadas pela arguida, sendo patente a existência de um "fio condutor" intrínseco ao esquema arquitectado pela arguida, sedimentado pelos documentos que ia forjando, ou que ia utilizando bem sabendo serem forjados, falsos.
Bem como, nenhuma dúvida subsistiu das declarações prestadas pelos demandantes, no sentido que quem era a mentora, a administradora e a "sua advogada" era a arguida, ainda que, em algumas situações, o seu nome pudesse não constar na procuração, era a arguida AA com quem tinham lidado, era nesta em quem confiavam, era quem conheciam, com quem falavam e comunicavam, e foi para a conta bancária da sociedade advogados gerida exclusivamente por esta (e apenas com o nome de família da arguida) que transferiram os montantes em causa, aliás, os demais intervenientes eram vistos e tidos como meros colaboradores que gravitavam em torno da vontade e das decisões tomadas pela arguida, como inequivocamente se provou em sede de audiência de julgamento.
Aliás, veja-se que a representante perante as autoridades fiscais e tributárias dos assistentes e demandantes é precisamente a arguida, AA, e não qualquer outro colaborador/funcionário como exercendo essas funções (cfr. apenso 5, fls. 140 a 145, informação extraída das bases de dados oficiais da Autoridade Tributária).
Ou seja, os demandantes cíveis têm origens distintas, nacionalidades diferentes, residem em pontos distintos do globo, em continente diferentes, não têm pontes comunicantes entre si, com excepção dos demandantes da ….., FF, DD e EE e os primos JJ e KK, todavia, todos relatam a mesma factualidade, acima descrita e dada como provada, o mesmo modo de actuação, o mesmo estratagema preconizado pela arguida, o mesmo defraudar de confiança e de expectativas, o mesmo género de prejuízos, isto é, todos os demandantes entregaram à arguida AA os valores acima devidamente discriminados, e dados como provados, com os propósitos descritos, e todos ficaram despojados do investimento, do reembolso das quantias e de autorização de residência, salienta-se que tal sucedeu apenas por falta de demonstração da prova de investimento, o que não foi concretizado apenas porquanto a arguida não o quis.
Pois, a prova de investimento encontrava-se na plena disponibilidade da arguida AA, dado que, todas as quantias necessárias para a aquisição do imóvel e/ou para investimento em dinheiro foram entregues pelos demandantes cíveis e assistentes à pessoa da arguida AA, e esta ao invés de as canalizar para o fim devido/acordado, e para o qual lhes tinham sido confiadas essas mesmas quantias, a arguida, ilegitimamente, deu-lhes o destino que bem entendeu e quis, ludibriando os demandantes/assistentes, inventando desculpas para a não realização das escrituras, ou invocando que as escrituras até já tinham sido realizadas, ou que faltavam partes de códigos de acesso a uma conta bancária, que iam "chegando" por fases, o que não tinha qualquer correspondência com a verdade, o que arguida bem sabia e do que estava plenamente consciente.
E, veja-se o grau de confiança que os demandantes/assistentes tinham na pessoa da arguida AA, pois só assim se compreende que os valores — manifesta e objectivamente consideráveis — tivessem sido entregues/transferidos para a pessoa da arguida no seu valor integral, e não apenas aquando da efectiva outorga da escritura pública, o que advinha, precisamente, do manto de respeitabilidade, seriedade e profissionalismo que a arguida promovia, da aparência que pretendia criar de vida faustosa e luxuosa, condizente com sucesso profissional e êxito enquanto advogada, que resulta, desde logo, do próprio local onde se estabelecia em .... (….., cfr. fotogramas de fls. 986 a 987 verso dos autos principais), os motoristas privados, os veículos automóveis de gama alta e luxuosa em que fazia transportar e fez transportar alguns dos demandantes, como o descreveram, os restaurantes objectivamente dispendiosos em que conviveu com os demandantes, criando assim, um circunstancialismo que inspirava confiança, o que era ainda reforçado pelo facto de a arguida ser advogada, estabelecendo um clima de fidúcia com os demandantes, e aliás, era nessa qualidade, e por causa dessa qualidade, que procuraram os serviços da arguida e pretendiam que a mesma zelasse pelos seus interesses e levasse a cabo a concretização dos negócios que acordaram com a arguida, a qual aceitou essas quantias tendo em vista, precisamente, esses negócios.
Com efeito, essa imagem projectada de profissionalismo e gabarito internacional mostra-se também espelhada nas brochuras e o tipo de trabalho levado a cabo pelas arguidas, e na verdade, apenas ressalta e sobressai o nome da arguida AA, como resulta de 684 e 685 dos autos principais, sendo invisíveis os demais colaboradores, que, aliás, estavam em constante rotação e em curtos hiatos de tempo.
E, convenhamos não se revela ser uma actividade legal particularmente desafiante a de se diligenciar pela concretização de uma singela escritura pública de compra e venda de imóvel, especialmente quando a arguida tinha na sua disponibilidade a totalidade do preço e dispunha ainda dos montantes necessários às despesas de contratação (impostos, registos e emolumentos notarias), do que a arguida AA não dispunha era de vontade em concretizar essas escrituras e de fazer prova desses investimentos, porquanto voluntariamente quis dar outro uso essas quantias monetárias, violando a confiança com que as mesmas lhe tinham sido entregues.
Assim como não é, claramente, uma tarefa legal tecnicamente sofisticada a de instruir um processo administrativo de autorização de residência, por investimento, no âmbito dos "vistos Gold", sem olvidar que, a mesma se torna inexequível quando inexiste prova de investimento, sendo que essa inexistência adveio exclusivamente da vontade livre e deliberada da arguida em canalizar essas quantias para os fins egotistas e individuais que bem quis, bem sabendo que prejudicava patrimonialmente os demandantes e ilegitimamente, à custa indevida daqueles, e assim, obtinha enriquecimento injustificado, abusivo e ilícito.
Para a demonstração dos factos acima dados como provados, mais se teve, e igualmente, em consideração, o depoimento prestado pela testemunha QQ, que confirmou a imagem de profissionalismo, rigor e de luxo que a arguida projectava e aquilo que a arguida AA se propunha executar junto de investidores ...., investimentos a realizar em Portugal com a finalidade de obtenção "vistos gold", com palestras, reuniões e brochuras explicativas, criando a convicção de domínio desta matéria, corroborando ainda esta testemunha o modo como os demandantes cíveis de nacionalidade ...... chegaram à arguida e aos investimentos, os quais esta testemunha conhecia, e inclusivamente conhecia, em termos sociais, a demandante II, e portanto, sendo o seu depoimento, neste âmbito, corroborante do declarado por estes demandantes cíveis residentes na ......
Por sua vez, do depoimento prestado pela testemunha BBBB, inspectora S.E.F., extraiu-se a confirmação atinente ao modo de funcionamento, dos documentos, das modalidades e dos procedimentos, na data, atinentes aos "vistos gold", e mais confirmou a falsidade das certidões que davam como aprovados e para serem emitidos os "vistos gold" dos demandantes, nos termos acima descritos. Do depoimento prestado pela testemunha CCCC, funcionária do "Novo Banco", e do antigo "BES", desde 2009, exercendo funções, em concreto, no departamento central de investimentos imobiliários, resultou ostensivo que a arguida AA não tinha poderes de representação por parte do "Novo Banco", proprietário daquela "Villa" do empreendimento "Areias .....", e nunca concomitantemente, no mesmo, acto o vendedor e o comprador estariam representados pela mesma entidade, confirmando que tal negócio não tinha qualquer correspondência com a verdade, do que tem conhecimento directo e presencial, com base nas funções profissionais que exerce, o que descreveu com isenção, segurança e manifesta imparcialidade.
A testemunha VVV, colaborador no período compreendido de 2015/2016 da arguida AA, confirmou o "esquema" subjacente à criação da sociedade "Su….", da qual era o único sócio e gerente, precisando que a sede da mesma era na sua residência, não teve qualquer actividade, e que os valores das supostas rendas que apurou foram com base em "ouvir dizer", sem qualquer investigação séria e de apuramento de dados com substracto. Mais resultou do seu depoimento que o mobiliário de luxo da tal "Villa" não passava de uns móveis do "…" e as obras consistiram numa limpeza com a ajuda de uma senhora da limpeza e um senhor indicados pela arguida AA.
Com efeito, apesar do tom tenso e discurso esquivo revelados por esta testemunha, o que se compreende, visto que a mesma foi confrontada com o ter acedido e permitido que fosse criada artificialmente uma sociedade, em seu nome, que outro propósito não tinha que não fosse o de contribuir para o engodo das duas clientes …., as demandantes cíveis II e HH, a verdade é que, se extrai claramente do seu depoimento que tudo foi obra arquitectada pela arguida AA, sob o controlo, domínio e comando desta, e, na realidade, tais "Villas" nestes períodos de tempo não estiveram arrendadas por quem quer que fosse.
A testemunha DDDD, funcionário do "BES", na data na agência sita na …..., confirma, por um lado, o teor vertido na correspondência via e-mail, constante de fls. 4567 a 4638 dos autos principais, fornecida pelo "BES/Novo Banco" e extraída do servidor oficial do mesmo, e por outro lado, corrobora a falácia que foi o suposto negócio de aquisição da citada "….Villa" pela demandante HH.
Dos depoimentos prestados pelas testemunhas SSS, colaboradora a nível administrativo/logística da arguida, entre 2001 a 2008, e depois de 2016 até Maio/junho de 2017, EEEE, assistente administrativa da arguida entre Janeiro de 2014 e Setembro/Outubro de 2014, FFFF, advogada, a prestar serviços para a arguida, entre Maio de 2017 e Julho de 2017, GGGG, assistente administrativo da arguida cerca de 2 a 3 meses, nos finais de 2015/início de 2016, o que se extrai é o total domínio da arguida relativamente a tudo o que se passava com os clientes, com o escritório, com o pessoal do escritório e o controlo absoluto da sociedade arguida, e aliás, no período em causa, 2014 até Julho de 2017, apenas a arguida é a constante e o denominador comum ao longo deste hiato temporal.
Na verdade, estas testemunhas, com funções distintas e em momentos diferentes, todas confirmam que a arguida era uma pessoa extremamente controladora, era ela quem lidava directamente com os clientes, especialmente os estrangeiros dos "visto gold", era ela quem ordenava os pagamentos, as transferências, os valores a serem pagos, ou não, e, em bom rigor, a "managing partner" era a arguida.
Igualmente se conjugou e ponderou o depoimento prestado pela testemunha XX, colaboradora da arguida, como solicitadora, entre sensivelmente Agosto/Setembro de 2015 até Setembro/Outubro de 2016, que descreveu, com pormenor e exactidão, o modo como a arguida interagia com os clientes, os colaboradores e colegas, referindo a postura quase imperial preconizada pela arguida, no sentido de ter absoluto controlo sobre todos os assuntos relacionados com os clientes, com o acesso às contas bancárias, só a arguida lidava directamente com os clientes, especialmente os de nacionalidade estrangeira, como os assistentes e demandantes (os dos "visto gold" ).
Por outro lado, esta testemunha não ocultou o diferendo que teve com a arguida quanto a valores que, na sua óptica, estavam em dívida, e tal circunstancialismo em nada minou a clareza, a sinceridade e a neutralidade inerente ao seu depoimento.
Na verdade, da leitura dos e-mails de fls. 5039 a 5051 dos autos principais, o que se extrai é o pleno domínio e conhecimento por parte da arguida dos assuntos referentes ao seu escritório e à sua actividade, subscrevendo-os como "managing partner", e o facto de se sentir lesada em valores que, na sua perspectiva, lhe eram devidos, em nada afectaram a credibilidade inerente ao seu registo, até porque se mostra em consonância com o descrito pelas demais testemunhas que trabalharam para a arguida e na sociedade arguida.
Como resultou corroborado pelo depoimento prestado pela testemunha HHHH, colaboradora das arguidas, como advogada, entre Setembro de 2015 a Julho de 2016, relatando a mesma postura de controlo, domínio e capacidade decisória de toda a actividade que existia no escritório por parte da arguida, salientando que era exígua, praticamente circunscrita aos clientes estrangeiros dos "vistos gold", cujos processos, alguns, consultou, corno descreveu, com rigor e assertividade, junto do S.E.F., confirmando que "estavam parados", por falta de junção de documento, mormente a prova de investimento, e corroborou., porquanto detinha conhecimento directo e presencial, que era a arguida AA quem comunicava directamente com estes clientes estrangeiros (os demandantes) e era muito ciosa da exclusividade desses contactos, ainda que se ausentasse para o estrangeiro, tanto mais que a arguida usava e dispunha de ...... e ....., instrumentos que de forma muito básica e intuitiva, mesmo somente na óptica do mero (e mesmo informaticamente ignorante utilizador, como o ensinam as regras da lógica e da experiência comum) utilizador permitem essa comunicação simples e célere, mormente por mensagens e/ou correio electrónico, e note-se mesmo quando alguns e-mails eram remetidos por colaboradores, o endereço electrónico da arguida surge sempre "copiado", ou seja tinha conhecimento, e nada era transmitido sem o conhecimento, determinação e autorização da arguida, como igualmente as testemunhas SSS e XX o asseveraram.
Perspectiva de domínio e controlo absoluto por parte da arguida que foi igualmente transmitido pelas testemunhas IIII, administrativa, cerca de um ano até Julho de 2017, e JJJJ, como advogada, de Setembro de 2015 a Abril de 2016, tendo esta última testemunha confirmando que, em data em que já não exercia quaisquer funções junto e/ou para as arguidas, andava a ser indicada como quem tinha a seu cargo os processos dos demandantes e com os agendamentos das escritura públicas, o que, naturalmente, a deixou estupefacta em face da falsidade dessa informação que estava a ser prestada aos clientes estrangeiros dos "vistos gold" e aos representantes das imobiliárias.
Por seu turno, resultou patente dos depoimentos prestados pelas testemunhas KKKK, colaborador, na área financeira/contabilística, entre 2014/2015 até ao início de 2016 e RRR, que substituiu às funções daquele, no período compreendido entre Dezembro de 2016 e 2017, que as decisões eram tomadas pela arguida e eram-lhe transmitidos todos os valores e fundos existentes nas contas, e na realidade, mesmo quando a arguida se encontrava ausente do escritório, mormente em deslocações ao estrangeiro, esta acompanhava toda a vivência financeira e bancária da sociedade e das contas desta, que aliás, eram controladas e geridas somente pela arguida, que era quem, além do mais, tinha acesso, através do seu telemóvel, aos códigos de acesso que permitiam a movimentação das contas bancárias, como a testemunha SSS também, com rigor e pormenor, o descreveu, tanto mais que era a própria arguida quem lhe transmitia ou reencaminhava esses mesmos códigos de acesso.
A testemunha RRR igualmente confirmou o convívio que a arguida manteve, pessoalmente, com os demandantes DD e EE, com quem conviveu também, corroborando a imagem de luxo, profissionalismo e dinamismo eficiente que a arguida preendia sempre dar.
Por sua vez, dos depoimentos prestados pelas testemunhas LLLL, agente imobiliária que interveio directamente com os demandantes CC e BB nos respectivos negócios referentes à aquisição dos imóveis acima mencionados, e JJJ, director financeiro da "SG......", o qual, por sua vez, interagiu pessoalmente com aqueles dois demandantes cíveis e no âmbito destes negócios, resultou inequivocamente demonstrado, por um lado, que a arguida AA protelava, com desculpas sucessivas, o acto de escritura pública, e por outro lado, a arguida afirmou que já tinham sido feitas para a "SG......" as transferências dos preços relativos a estes dois demandantes cíveis, o que, fez por mais do que uma vez, o que a testemunha JJJ confirmou que, e na verdade, a arguida nunca transferiu para a "SG......" tais valores, tal como o corroborou a testemunha LLLL, sendo que estas duas testemunhas detinham conhecimento directo e presencial quanto a estes factos, os que descreveram de forma rigorosa, detalhada e fundada, para além, do discurso coerente, isento e sereno que mantiveram, sendo os seus depoimentos dignos da maior credibilidade.
Igualmente ficou cristalino, o motivo pelo qual, através dos acordos de empréstimos/financiamentos firmados com os demandantes em causa, a "SG......" veio a tornar exequível a celebração das escrituras públicas relativamente aos imóveis prometidos vender/comprar aos demandantes cíveis BB e CC, como explicado desembargadamente por estas duas testemunhas, pois, por um lado, confirmaram que, efectivamente, os demandantes, promitentes compradores, tinham, atempadamente, transferido para as arguidas, e na sua integralidade, o valor do preço total de aquisição dos imóveis em questão, e por outro lado, a arguida e a sociedade arguida tinham sido recomendadas em ...... como pessoas idóneas para assegurar o interesses dos demandantes cíveis BB e CC, cidadãos de nacionalidade ......, pela empresa "AU......", associada do grupo de MMMM, e a reputação e a honra negociais são particularmente relevantes no mundo de negócios na ..... e em ......, e não pretendiam que a sua imagem, por associação, ficasse manchada pela conduta indecorosa das arguidas, que comprovadamente tinham tido transferidas para a sua conta o montante integral dos preços de aquisição em causa por banda destes demandantes cíveis e, apesar desse indelével grau de confiança, não o tinham transferido, como acordado, e mandatado, para a "SG......" promitente vendedora.
Isto é, a "SG......" e a "AU......" demonstraram maior integridade negocial e idoneidade comercial do que as arguidas, porquanto, apesar de não terem recebido efectivamente o dinheiro da compra/venda, mas mantendo-se (e legitimamente) credoras desses valores, reconheceram que não era objectivamente justo (num patamar de pura moralidade) prejudicar os demandantes CC e BB — e as suas famílias —acedendo, pela via descrita, a verem o negócio realizado e a subsequente obtenção de autorização de residência, por motivos totalmente alheios à vontade e à actuação das arguidas.
Sem olvidar que, se mantêm os prejuízos patrimoniais para os demandantes, pois que transferiram os valores, acima descritos, para as arguidas, que os fizeram abusivamente seus, e continuam devedores perante a sociedade compradora, como estas duas testemunhas isenta e assertivamente relataram, na senda, aliás, do já descrito pelos próprios demandantes.
As testemunhas NNNN e OOOO, motoristas de táxi (serviço de aluguer de transporte de passageiros), privados, confirmaram que a arguida se fazia transportar nestes género de meio de transporte (sempre num veículo demarca conceituada e de alta gama, cujo motorista se veste de forma mais formal, com fato integral e gravata), bem como, fez transportar clientes estrangeiros, da ....., à zona da ....., para verem umas casas, em que estavam interessados em adquirir, o que confirmaram e descreveram em audiência de julgamento, sendo que a testemunha OOOO corroborou que, a sua actividade nesta área se intensificou, precisamente, no período compreendido entre 2014 a 2016.
Do depoimento imparcial, seguro e coerente prestado pela testemunha PPPP, advogada de profissão, extraiu-se precisamente que foi a arguida quem compareceu para assinar o documento constante de fls. 269 a 277 e 278 apenso 2, confirmando com rigor e isenção esta testemunha que esteve e viu pessoalmente a arguida AA, e numa única ocasião, nas citadas circunstâncias de tempo e de lugar e somente para esse fim, tendo sido esta testemunha quem certificou a assinatura presencial da arguida, sendo que o seu depoimento se cingiu ao atestar de um acto e de natureza exclusivamente pública (certificação presencial de assinatura), o que relatou com toda a credibilidade, sem qualquer hesitação, nem ambiguidade.
Por sua vez, a testemunha QQQQ, empreendedor imobiliário de profissão ("Es......."), confirmou integralmente o que a demandante cível GG já tinha declarado, por um lado, que a escritura pública não se realizou porquanto a arguida, apesar de notificada, não compareceu, e por outro lado, o dinheiro do preço total nunca foi transferido para sociedade devedora, o que esta testemunha descreveu com detalhe e com conhecimento directo e presencial relativamente a estes factos, frisando, aliás, que todas as demais fracções do mesmo empreendimento foram vendidas, a maioria a cidadãos de nacionalidade estrangeira, e não houve qualquer problema com esses negócios, apenas com aquele que envolveu a arguida AA.
O que, e por seu turno, a testemunha RRRR, agente imobiliária, neste negócio, relativo à demandante GG, igualmente confirmou.
Do depoimento prestado pela testemunha SSSS, o qual foi colaborador, como advogado, das arguidas, no período de meados de Abril/Maio de 2014 a Setembro de 2014, apenas se extraiu a confirmação das assinaturas de fls. 8 a 12 e folhas 13 e fls. 90/91 dos autos apensos n.° 2862/15….., o que também já não suscitava qualquer dúvida, nem reserva atendendo à singela análise destes documentos, cujo exame igualmente se levou cabo.
Do depoimento prestado pela testemunha TTTT, funcionário da empresa imobiliária envolvida nos citados negócios de compra/venda dos citados imóveis, em que figuravam como promitentes vendedores os demandantes LL e JJ e KK, clara e categoricamente, se extraiu esta factualidade dada como provada, sendo que esta testemunha detinha conhecimento directo e presencial quanto a estes factos, confirmando as reiteradas desculpas dadas pela arguida para não transferir os valores dos preços integrais das aquisições prometidas, as faltas de comparências para os actos de escritura, apesar das notificações e a não realização dos negócios, por motivos imputáveis às arguidas, do que não tem qualquer dúvida, nem relevou qualquer ambiguidade, nem reserva, para além da patente imparcialidade e coerência com que depôs, advindo o seu conhecimento, que é directo e presencial, do exercício neutral das suas funções profissionais.
Do depoimento prestado pela OOO resultou integralmente corroborado o teor imito às declarações prestadas/reproduzidas pelos demandantes EE e DD.
Os esclarecimento prestados pela perita NN, psiquiatra, que acompanha a arguida há vários anos, e que interveio na perícia colegial médico-legal realizada nos autos, nada se extrai que abalasse a unanimidade firmada, de forma precisa e inequívoca, aquando da conclusão pela imputabilidade da arguida, aquando da realização da perícia em causa, cujo rigor técnico-científico que se encontra devidamente circunstanciado, plasmado e fundamentado no texto do citado relatório pericial colegial médico-legal, em psiquiatria, não suscita ao Tribunal qualquer dúvida, nem reserva,
Do depoimento prestado pela testemunha UUUU, médica a exercer medicina geral, familiar e trabalho, apenas se extrai uma visão parcial em relação à pessoa da arguida, visto ser claramente sua médica, confidente e amiga, exorbitando a relação estritamente profissional, mas que, e em bom rigor, do seu depoimento nada se retira, em termos de substrato probatório factual que afaste, além do mais o declarado pelos demandantes, suportado pela prova documental examinada, sendo assim, o seu depoimento inócuo para confirmar, ou infirmar, os factos dados como provados.
Sem condescender que, o que igualmente se ponderou, mas criticamente se dissecou e concatenou com os demais meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, as declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida, as que quis prestar, na observância de um direito que lhe assiste - sem olvidar que é o seu silêncio que não pode ser objecto de qualquer valoração, pois que as declarações prestadas pela arguida, à semelhança dos demais meios de prova, estão sujeitas à análise critica inerente à livre convicção do julgador — por um lado, as mesmas foram destituídas de qualquer substrato que minasse a credibilidade das declarações prestadas pelos demandantes cíveis, e por outro lado, não continham qualquer virtualidade probatória que mitigasse a clareza gritante vertida na prova documental analisada.
Com efeito, as declarações prestadas pela arguida foram sofrendo metamorfoses e alterações substanciais, desde nada é verdade, até à admissão que as quantias foram canalizadas para outros fins, incompreensíveis à luz da descoberta da verdade material, apenas justificadas com uma postura avessa à realização da justiça, de ausência absoluta de interiorização do desvalor das suas condutas, de alheamento às consequências nefastas que as suas decisões comportaram para os demandantes, quer nas suas esferas patrimoniais, quer pessoais/familiares, procurando a arguida alijar a sua responsabilidade, demitindo-se dessa assunção, ora porque os processos estavam sob a égide dos seus mero colaboradores, ora porque os demandantes é que tinham dificuldades de compreensão.
Vejamos.
Aquando da reprodução das suas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (a 12.07.2017, cfr. fls. 1141 a 1154 e 13.07.2017 a fls. 1226 a 1229), e integralmente reproduzidas em sede de audiência de julgamento, logo valoráveis de acordo com a livre convicção do julgador, a arguida assume uma posição de total repúdio dos factos imputados — e acima dados como provados — negando em absoluto a sua prática, rejeitando que os processos administrativos junto do S.E.F. não estivessem devidamente instruídos, frisando que estavam pendentes, em curso e vigentes, nega que as prova de investimento não estivessem devidamente documentadas, reiterando que as escrituras estão marcadas, na iminência de serem realizadas, afirmado igualmente ser mentira que quaisquer documentos tivessem sido forjados ou adulterados.
Veja-se que nesta sede a arguida refere que o documento alusivo a "um extracto" bancário supostamente demonstrativo de fundo/saldo bancário a favor do demandantes/assistente EE é verdadeiro, para depois nas suas declarações em audiência, quando confrontada com a notória falsidade de que tal documento não é um extracto bancário, a arguida já vem afirmar que era apenas um quadro exemplificativo de "juros" e que a aposição da denominação nesse mesmo "papel" de "Millennium BCP", nas suas palavras, foi "uma estupidez", nem sequer admitindo que tal aposição nada tem de "estúpido", porquanto não tem qualquer outra explicação, de acordo as regras da lógica e da experiência comum, que não seja a de precisamente reforçar uma aparência de autenticidade para criar a convicção (falsa) no seu destinatário, o demandante EE, no sentido que aquele documento era verdadeiro e que tinha sido emitido pela entidade bancária em causa, e que "nasce" na sequência das interpelações insistentes daquele demandante, dado o hiato temporal que entretanto já tinha decorrido, a inexplicável falta de acesso a uma conta bancária que supostamente existia e que era por si titulada e a não obtenção nem da escritura pública, nem do "visto Gold".
Aliás, circunstâncias tão simples como o acesso a um extracto de uma conta bancária, por si titulada, como sucedeu com os demandantes FF e EE, não tem outra explicação que não seja a consciência do ardil arquitectado pela arguida, procurando sempre enredar, enganar, ludibriar os demandantes, visto que, o dinheiro já não existia como disponível para os fins para que aqueles tinham entregue à arguida AA.
Na reprodução das declarações prestadas pela arguida, em sede interrogatório judicial complementar, ocorrido, a seu expresso requerimento, em 10.10.2017 - com escrupulosa observância do estatuído nos Arts.° 357.º, n.° 1, alínea b) e 141.°, n.° 4, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, cfr. fls. 1761 a 1764 — cujo conteúdo, à semelhança dos demais meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, se encontra sujeito à livre apreciação da prova, sem olvidar que, o seu teor não valor de índole confessória, mas a sua apreciação, naturalmente, mostra-se subordinada às regras da lógica, da experiência comum e com concatenação crítica quer em termos intrínsecos, quer extrinsecamente, ou seja, quando confrontadas com os demais meios de prova analisados e produzidos em sede de audiência de julgamento.
Ora, da análise, com recurso à livre apreciação da prova, da reprodução destas suas declarações, resulta patente, por um lado, que as quantias em causa, e acima discriminadas, foram efectivamente transferidas pelos aqui assistentes para a conta bancária da arguida, e por outro lado, essas quantias não foram canalizadas, na sua totalidade, para as finalidades subjacentes às transferências, afirmando a arguida estar ciente que tais valores tiveram uma destinação distinta.
Mais resulta desta reprodução que a arguida manifestou a pretensão dos assistentes serem ressarcidos, o que, em termos lógicos, significa que se mantêm valores pendentes de restituição, e que são devidos aos assistentes, no âmbito das citadas transferência efectuadas.
Todavia, essa verbalização de direito ao ressarcimento não se mostra sustentada pela prática de qualquer acto, tanto mais que, a arguida referiu, já em 2017, que iria diligenciar pela venda de um imóvel, sito em ....., e os demandantes, até hoje, não foram ressarcidos dos montantes em questão. Aliás, veja-se a ausência de património disponível (e localizável) em nome das arguidas (cfr. fls. 27, 40, 57 e 63 do apenso de arresto preventivo, apenso E), e, portanto, as declarações da arguida mostram-se destituídas de qualquer subtracto efectivo.
É certo que a arguida frisou também que quanto à assistente II nada se encontra em dívida, porquanto a mesma é a única titular das acções de uma sociedade, a qual, por sua vez, é proprietária do imóvel em causa, pelo que, não compreende a insistência desta assistente no prejuízo apregoado.
E mais uma vez repare-se como uma operação simples, compra e venda de um imóvel, com a totalidade do preço entregue à arguida, se transforma num labirinto intrincado de operações, de "proprietários escondidos/fantasmas", com empresas sediadas em "off-shores", tudo num enredo rebuscado, sinuoso e ardiloso, visando apenas o propósito conseguido da arguida em apoderar-se ilegitimamente de quantias que não lhe pertenciam, obstando a que a prova de investimento fosse concretizada e impossibilitando a obtenção do "visto Gold", o que a arguida sabia, do que estava ciente e procurando, ao invés de assumir as suas condutas, enganar a demandante e assistente, o que é igualmente revelado pela "invenção" de rendas que estariam a ser pagas, supostamente em beneficio da assistentes, e imputando-lhe o pagamento de custos e despesas só objectivamente compreensíveis no âmbito de propriedade, que não existia na esfera patrimonial daquela, visto que, não era, nem é proprietária de tal imóvel.
Na verdade, caso o fosse, caso pudesse do mesmo livremente dispor, não se compreende o motivo pelo qual, a assistente não teria já procurado ressarcir, parte, dos seus prejuízos com a alienação do imóvel.
Tal como não se mostra sustentada, na óptica da arguida, a pretensão da assistente GG, dado que, o insucesso do negócio — aquisição do imóvel — apenas lhe é a si imputável, e além do mais, foi restituído à mesma o valor em causa.
Na verdade, confrontando o conteúdo das declarações prestadas pela arguida ao longo do processo ¬primeiro interrogatório judicial, interrogatório judicial complementar e em audiência — o que se conclui é a patente contradição da própria arguida, de uma negação absoluta, para um compromisso que há valores que não foram canalizados para os fins originários, para um culminar, óbvio em face da prova entretanto produzida e examinada em audiência de julgamento, de reconhecimento que todos os assistentes — com excepção de II, que insiste ser proprietária da fracção, não se compreendendo então o motivo da não concessão do visto Gold" - foram prejudicados, carecem de ressarcimento, mas que tais prejuízos — não prova do investimento, ou não realização da aquisição dos imóveis, e não obtenção do "visto Gold", apenas resultam de uma "má gestão" dos fundos, e arguida, em bom rigor, em momento algum admite a sua responsabilidade, quando mantém a afirmação que "segundo aquilo que me era transmitido", ou seja, a arguida, na sua óptica, nada sabia, nada dominava, mas era o que lhe era transmitido.
Claro que a arguida não pode afirmar que as escrituras públicas foram outorgadas, mas insiste, rebuscadamente, que os "colaboradores" é que geriam os processos e, portanto, a mesma apenas agia de acordo com o que lhe era transmitido.
Estranha-se que tendo sido dado destino distinto aos montantes que lhe foram confiados a arguida nada tenha feito para averiguar junto de "quem lhe transmitia" o que tinha sucedido, para onde foi o dinheiro, até porque era confrontada pelos assistentes/demandantes pela ausência do "visto Gold" e/ou da prova do investimento ou da concretização do negócio acordado.
Estranha-se o alheamento da arguida perante tais interpelações, especialmente porquanto os demandantes lidavam directamente com a arguida, era nesta quem confiavam e foi a esta que entregaram os montantes em causa, não se afigurando minimamente compatível, com as regras da lógica e da experiência comum, que fossem os "advogados menores", ou os colaboradores, que, na maior parte das vezes, apenas lá prestaram os seus serviços durante escassos meses, os mesmos tivessem tido sequer a possibilidade de dar destino a milhões de euros de dinheiro de clientes sem que disso a arguida soubesse, controlasse e dispusesse, especialmente porque o escritório era a arguida, e somente esta tinha o domínio sobre o destino desses valores.
Aliás, a posição da arguida, para além de volátil, antagónica e intrinsecamente destituída de qualquer lógica, razoabilidade e verosimilhança, firmou-se, numa primeira abordagem de pura negação sequer da existência dos factos — acima descritos e dados como provados — como para, em parte, o reconhecimento da sua existência, mas … Mas a responsabilidade era dos advogados que tinham a seu cargo os processos dos clientes, mas a responsabilidade era da assistente, ora da "chefe de escritório", ora do contabilista, ora da responsável do escritório de ....., basicamente de toda e qualquer pessoa, que não a arguida (a cara/sócia/dona do escritório), e numa ainda terceira abordagem tais decisões não lhe são imputáveis, ou seja, ora o domínio era de terceiros, ora a arguida não tem domínio sobre as suas decisões.
Na verdade, tais versões apresentadas pela arguida não têm qualquer correspondência, em termos de substrato probatório, com a demais prova produzida e examinada em audiência de julgamento, tendo sido cabal, cristalina e inequivocamente afastadas pela análise crítica da demais produção/exame da prova, elidindo-se contundentemente a presunção de inocência de que beneficia.
Quanto à questão suscitada pela arguida atinente à eventual imputabilidade diminuída, resulta gritantemente patente do teor vertido no relatório da Perícia Médico-Legal Psiquiatria Colegial, constante de fls. 4742 a 4747, a conclusão unânime, e sem qualquer ressalva, pela imputabilidade da arguida.
Com efeito, consta, além do mais, do teor de tal relatório, salienta-se redigido e assinado por unanimidade, que se dá integralmente por reproduzido que: "Pelo exposto, no caso em concreto, e apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realidade circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial, ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer a nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise. (...) Assim, consideramos que a anomalia psíquica de que padece não interferiria na sua capacidade de se autodeterminar perante a avaliação feita da ilicitude dos actos.
Pelo exposto, a provarem-se os factos pelos quais se encontra acusada, à data dos mesmos, não apuramos evidência de que não estivesse mantida a capacidade de avaliação da ilicitude dos seus actos, bem como a capacidade de autodeterminar perante tal avaliação, pelo que, no nosso entender estão presentes pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE".
Ou seja, do relatório pericial colegial nada resulta que suscite qualquer dúvida quanto à imputabilidade da arguida, afastando-se inclusivamente qualquer diminuição, mesmo que ligeira, que atingisse a sua capacidade para se autodeterminar e de avaliar a ilicitude dos factos e das suas consequências, o que se analisou, ponderou e inequivocamente se concluiu, sem qualquer ressalva, reserva, nem adversativa por qualquer uma das peritas médicas subscritoras de tal meio de prova com carácter pericial, não tendo, por este fundamento, sido abalada a sua ínsita objectividade, clareza e credibilidade com os demais relatórios/declarações médicos que pessoalmente (e parcialmente) assistem a arguida.
Como, aliás, sai o relatório pericial médico legal reforçado quer pelo discurso coerente e coeso da arguida manifestado aquando das declarações reproduzidas e prestadas, quer pelas transcrições advenientes das intercepções telefónicas autorizadas e validadas nos autos.
Por outro lado, aquando da avaliação levada a cabo pelos serviços de Reinserção Social, para efeitos de execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, em sede problemáticas de saúde, apenas se fez menção a um problema dentário, sendo "ainda ponderada a necessidade, por parte da arguida, poder vir a beneficiar de apoio ao nível psicológico,", ou seja, aquando da reclusão da arguida nada se percepcionou com o apregoado estado de impossibilidade em prestar declarações por motivos de saúde (cfr. fls. 1912 a 1915).
E, na nova informação de avaliação para esse fim (cfr. fls. 3403 a 3406), de Outubro de 2018, onde se constatou que "globalmente não apresenta problemas de saúde. Coloca-se a eventual necessidade da arguida poder ter que se deslocar a um consultório de medicina dentária, e salientam-se as necessidades de acompanhamento psiquiátrico, não se descartando a possibilidade das consultas se realizarem no domicílio."
Aliás, veja-se que a não comparência por motivos de saúde ("se encontra doente ... por período pelo menos 30 dias") já vinha sendo invocada nos autos desde Junho de 2017 (cfr. atestado a fls. 846 a 847 dos autos apensos n.° 2862/15….), sendo que essa doença não obstou a que a arguida fosse ouvida e prestasse declarações, como o fez e foi reproduzido em audiência de julgado, em sede de primeiro interrogatório judicial no dia 13.07.2017, sem olvidar que o tal atestado médico que atesta essa impossibilidade é datado de 27.06.2017, e assinada por UUUU, a mesma médica que subscreve a 02.07.2020 a impossibilidade de arguida comparecer nas sessões da audiência de julgamento designadas para os dias 03.07.2020 e 10.07.2020, por motivos de "doença natural" (cfr. certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 5815, datado de 02.07.2020, por 12 dias).
E essa impossibilidade de comparecer continua a ser aventada em 14.07.2020, e por mais 30 (trinta) dias, desta feita, já se consignando haver autorização para sair sendo baixa psiquiátrica (cfr. certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 5928).
Sendo que a arguida, por requerimento entrado em juízo a 23.06.2020, tinha informado "que pretende prestar declarações" (cfr. fls. 5719 a 5720), e cerca de 9 (nove) dias volvidos veio comunicar a impossibilidade de comparecer, por motivos de saúde, que já eram invocados, e atestado pela mesma médica, três anos antes, em Junho de 2020 (cfr. elenco de patologias elencados no atestado de doença, datado de 02.07.2020, a fls. 5815 verso).
Ou seja, essa "impossibilidade" a que a arguida se apegou já se verifica há três anos, e quando lhe é subjectivamente conveniente.
Por outro lado, do relatório médico de fls. 5816 a 5816 verso, datado de 30.06.2020, resulta demonstrada a falta de vontade da arguida em efectivamente prestar declarações, veja-se o constante desse relatório "por motivo de ter uma inquirição no próximo dia 3 de Julho e não se sentir capaz", ou seja, é uma declaração subjectiva, sendo certo que, se expressa, nesse mesmo relatório médico, como necessária uma intervenção não inferior a um mês.
Sem olvidar que, as declarações que arguida prestou em sede de audiência de julgamento se revelaram intrinsecamente coerentes com as suas pretensões, não denotando qualquer vestígio de discurso pobre, de bloqueio de ideias, nem de pensamento desorganizado, antes pelo contrário, as respostas eram congruentes, lógicas e condizentes com o que era perguntado, para além do discurso articulado e consistente, sendo que, tal fluidez discursiva apenas era constrangida pelas próprias declarações da arguida ao ir afirmando que não estava capaz, quando era notória a existência dessa capacidade de articulação quer de pensamento, quer de discurso, basta atentar, além do mais, o tom vocal que ia subindo ou descendendo consoante o seu interesse na resposta a dar.
Ou seja, a postura declarativa da arguida era nitidamente fruto da sua vontade, da sua necessidade de controlar a narrativa, e não advinha de qualquer falta de capacidade.
Do teor de fls. 5885 a 5886 (relatório psicológico de avaliação da personalidade, datado de 07.07.2020), consta que a arguida "revela uma manifesta incapacidade de controlar os impulsos, pouca tolerância a críticas e à frustração" (...)"Trata-se duma doente com uma perturbação da personalidade em que predominam os traços de excessiva grandiosidade, défice de controle dos impulsos e instabilidade emocional."
O que, por um lado, foi categoricamente contrariado, desde logo, pelo depoimento prestado pela testemunha VVVV que exacerbou a postura de humildade, de sobriedade, quase casta, e de dedicação ao serviço aos outros e à comunidade, especialmente em termos de integração em grupos de reflexão e de pensamento, e por outro lado, tais traços de personalidade da arguida em nada afectam a sua capacidade plena de se autodeterminar, até o agravam, porquanto a motivação da resolução criminosa da arguida prende-se precisamente com a satisfação egotista das suas necessidades, estando bem ciente que tal enriquecimento advém do empobrecimento ilegítimo de terceiros, o que lhe foi indiferente.
A perturbação da personalidade aduzida, e aliás dada como provada, em nada bule, nem interfere com a capacidade de arguida avaliar as consequências das condutas, determinando-se de acordo com essa avaliação, não padecendo de qualquer anomalia psíquica que inquine a avaliação da ilicitude dos seus actos, como, aliás, o enfatizaram as testemunhas WWWW, XXXX e YYYY, as quais, no período de tempo sob colação, privavam com a pessoa da arguida, especialmente em contexto profissional, laboral ou associativo, atendendo às funções de liderança que estas testemunhas descreveram que a arguida exercia.
Do teor do relatório médico de fls. 5906 a 5907, datado de 09.07.2020, o que se nota, mais uma vez, é a antinomia entre o aí escrito e a realidade directamente percepcionada pelos demais que interagiam no quotidiano pessoal, social e profissional com a arguida. Veja-se que consta deste "relatório" que "Ficou saliente em todas as observações psiquiátricas, feitas que ao longo da sua história clínica, que se verificou uma interacção entre a perturbação afectiva e os traços caracteriais da personalidade acentuando o seu défice de juizo crítico, a impossibilidade em controlar os Impulsos para acção e a consciência dos actos cometidos entre 2014 a 2017" o que resulta de uma observação, ainda que médica, mas subjectivamente alicerçada na verbalização da arguida, concretizada em 09 de Julho de 2020, que se encontra nos antípodas do comportamento ostentado pela arguida entre 2014 a 2017, como resultou dos depoimentos prestados, desde logo, pelas testemunhas supra mencionadas.
E, portanto, tal prova de índole documental não denota sustentação objectivável que permita sequer afastar o teor do relatório da perícia colegial médico-legal que inequivocamente concluiu pela imputabilidade da arguida.
Para além de tais provas documentais serem contraditadas pelos depoimentos das testemunhas, mormente, VVVV, WWWW, ZZZZ, YYYY e XXXX.
A mesma ilação se extrai da declaração médica de fls. 3094 onde se menciona que a arguida tem uma situação clínica "há cerca de 29 anos que se tem caracterizado episódios depressivo graves que alternaram com episódios hipomaníacos de exaltação do humor e hiperactividade com desinibição comportamental e comportamentos excessivos", e o mesmo atinente às declarações médicas de fls. 3095 (subscrita pela testemunha UUUU), de fls. 3456 a 3457 (datada de 22 e 23 de Outubro de 2018), subscrita por NN e pela testemunha UUUU a declaração de fls. 3772/3773, datada de 11.03.2019, cujo teor se ponderou, e nada afasta a conclusão de imputabilidade apurada em sede de perícia médico-legal colegial em psiquiatria, como tal perturbação já se verifica há décadas e nunca tal interferiu com as capacidade decisórias e profissionais da arguida, como manifestamente se demonstrou.
Por outro lado, consta de fls. 1157 a 1160 e 1312 /1313 dos autos principais a confirmação da existência do mandado de detenção europeu (processo n.° 879/17…..), ou seja, sem qualquer dúvida que as autoridades britânicas emitiram tal mandado de detenção europeu, embora não tenha sido executado, conforme decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A falta de fundos das contas bancárias resulta igualmente de fls. 1161 a 1166, bem como de fls. 1476/1777 e extracto a fls. 2038 a 2076, desde 10.02.2014 a 31.05.2017, o que manifestamente demonstra que a arguida utilizou os fundos que foram transferidos, e acima descritos, os quais não foram usados para os fins acordados e já nem sequer estavam nas contas de forma a puderem ser restituídos aos demandantes.
Em relação aos factos dados como provados referentes aos ofendidos e demandantes cíveis JJ e KK, para além dos meios de prova já acima elencados e analisados, mais se examinou e ponderou a prova documental constante dos autos apensos n.° 970/17……:
- fls. 25 a 26 (tradução certificada a fls. 181 a 182), resulta a identificação do imóvel (2.° andar, unidade …), da promitente vendedora ("H.....") e os promitentes compradores, estes aqui assistentes/demandantes, sendo o preço global da aquisição no valor de € 331.650,00 (trezentos e trinta e um mil seiscentos e cinquenta euros) e d recibo referente ao pagamento por estes àquela, a título de sinal, no valor de € 49.747,50 (quarenta e nove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos);
- fls. 27 a 36 (tradução certificada a fls. 183 a 192), contrato promessa de compra e venda, sendo manifesto que o preço não é de € 49.747,50, dado que, se assim fosse não se compreenderia os montantes (reforços) devidamente discriminados nas alíneas b) a e) da denominada cláusula dois, tanto mais que expressamente se refere que a mesma quantia que seria o "suposto preço do ponto 1 da cláusula dois" corresponde a 15% do preço (cfr. alínea b), tradução fls. 184, afigurando-se, por demais evidente, a falta de rigor aquando da elaboração destes contratos, manifestamente "pré-formatados", atentos os espaços em branco (sublinhados) para preenchimento manual, com elementos de identificação, aliás se fosse o preço final não se compreenderiam os valores das transferências efectuadas, veja-se a adenda do contrato promessa, com o valor do preço rectificado (tradução certificada a fls. 220 a 223);
- fls. 37 (tradução certificada a fls. 196/197), claramente resulta a transferência para beneficiária, aqui arguida, "C... Legal", a 10.02.2014, no valor de € 52.477,50, referente à aquisição do imóvel (unidade …, … do edifício …, o mesmo identificado no citado contrato promessa e recibo, de onde conta o preço correcto, que é coincidente com o somatório dos montantes nas alíneas da referida cláusula dois), concatenado com o teor de fls. 82 em que a titular da conta beneficiária desse valor transferido por estes assistentes é da sociedade arguida;
- fls. 38 a 63, 65 a 69, 71 a 74, 76 a 82, 84 a 91, 94 a 117 e 131 a 142 (tradução certificada e fls. 198 a 376), sendo ostensivo que o valor transferido, correspondente a 40% do preço de venda, para as arguidas não foi entregue aos promitentes vendedores, sendo que a arguida transmitiu aos assistentes que o tinha sido;
- fls. 64, 70 e 75, respectivamente, as transferências, a 26.03.2015, 23.06.2015 e 28.12.2015, cada um delas, no valor de € 49.747,50, com o mesmo objectivo atinente à aquisição do imóvel em questão, sendo estas transferências efectuadas directamente à sociedade "H.....", a promitente vendedora;
- fls. 83, transferência destes assistentes para conta bancária titulada em nome da sociedade arguida, no dia 26.07.2016, no valor de € 157.870,45 (cfr. igualmente extracto bancário de fls. 2032 dos autos principais), conjugado com a análise objectiva dos extractos constantes dos apensos bancários B e D, e respectiva análise bancária constante do apenso 13;
- fls. 92 a 93, consta a procuração, datada de 22.07.2016;
- fls. 118 a 130, resulta inequívoco que a escritura pública não se realizou por ausência dos compradores (aqui assistentes) e dos seus representantes.
Assim, quanto à factualidade dada como provada quanto aos demandantes cíveis JJ e KK teve-se em consideração as suas próprias declarações, precisas, claras e intrinsecamente congruentes quer entre si, quer quando analisadas individualmente, conjugadas com o depoimento da testemunha TTTT, como já explanado, funcionário da imobiliária envolvida na compra/venda do imóvel em causa, que detinha conhecimento directo e presencial quanto aos factos, confirmando que a arguida não transferiu o remanescente do preço, e que por esse motivo não se realizou a escritura, ficando a promitente vendedora com as quantias já pagas por conta das comissões dos agentes da venda, em face do incumprimento culposo imputável à arguida, pois que, notificada para tanto não comparecia para a outorga da escritura.
E a inequívoca transferência para a esfera das arguidas, no valor de € 157.870,45, consta claramente de fls. 83 dos autos apensos n.° 970/17….., por parte dos demandantes e que a promitente vendedora não recebeu (cfr. igualmente fls. 118 a 123 e 124 a 130 destes autos apensos), dado que, a arguida não efectuou a transferência, apoderando-se de tal montante, frustrando o negócio em prejuízo dos demandantes.
Relativamente aos factos dados como provados referentes ao demandante/assistente CC, para além das suas declarações, e dos demais meios de prova já escalpelizados, igualmente se teve em consideração:
- dos autos principais conta a fls. 2561 a 2564 escritura de compra e venda do imóvel em causa, a 11.12.2017, onde consta a expressa menção a parte do preço ser paga aquando da indemnização pela arguida (cfr. igualmente acordo de fls. 2572 a 2579 e fls. 2615 a 2616), constando de fls. 2565 a 2566 inscrita a propriedade a favor do assistente (apresentação de 20.12.2017), tendo já autorização de residência (cfr. fls. 2567 a 2571), como salientado por motivos alheios à vontade das arguidas ou dos montantes de que estas se apoderaram, mantendo-se o prejuízo patrimonial do demandante cível, como cabalmente esclarecido pelos depoimentos prestados pelas testemunhas JJJ e LLLL;
- fls. 2597 verso a 2601, consta o citado contrato promessa.
Ponderou-se igualmente a prova documental constante dos autos apensos n.° 6825/17….:
- fls. 27 a 46 (contrato promessa de compra e venda, datado de 07.08.2015) e fls. 47 a 50 (alteração, datada de 23.03.2016);
- fls. 52 a 56, procuração, datada de 07.08.2015, deste assistente constituindo a arguida AA para os fins acima descritos (fls. 58 a 62, 64 a 69 e 71 a 76, procurações igualmente a favor da arguida referente a KKK, mulher do assistente e os dois filhos menores destes);
- fls. 78, resulta cristalinamente demonstrada a transferência do assistente CC para a sociedade arguida, a 15.09.2015, no valor de € 553.612,00 (cfr. tradução a fls. 79), a fls. 81, transferência para a sociedade arguida, no valor de e 45.200,00, a 09.11.2015 (cfr. tradução a fls. 82) e a fls. 84 consta demonstrada a transferência para a conta bancária titulada em nome da sociedade arguida, no valor de € 26.214,08 (vinte e seis mil duzentos e catorze euros e oito cêntimos), a 07.01.2016 (cfr. fls. 86 recibo emitido pela sociedade arguida em nome do assistente, com nota discriminativa dos serviços e despesas, cfr. tradução a fls. 87);
- fls. 89 (cfr. tradução a fls. 90), infere-se a vontade expressa do assistente em ser realizada a escritura (cfr. data da correspondência electrónica a 19.08.2016), fls. 92/93, mensagem enviada do telemóvel da arguida, em 13.09.2016, sendo patente o ardil e o contínuo engano do assistente, o arrastar das desculpas propaladas pela arguida (cfr. tradução a fls. 94/95), cfr. igualmente fls. 97, 100 a 102, 107, 110/111, 115 a 120, 128 a 138, 152, 155, 163, 166 a 188, 213 a 215, 220 a 222, 227 a 235 (traduções a fls. 98, 103 a 105, 108, 112/113, 121 a 126, 139 a 150, 153, 156, 164, 189 a 211, 216 a 218, 223 a 224, 236 a 245);
- fls. 158 a 161, infere-se a "transferência" como sendo para a promitente vendedora ("S.G......."), por ordem da sociedade arguida, em representação do assistente, para pagamento do imóvel, na quantia de € 553.612,00, com a data aposta de 25.10.2016, mas como rapidamente se constada inexiste a efectiva execução dessa ordem, dado que não foi assinada pela instituição bancária, sendo demonstrativo do plano arquitectado pela arguida AA, procurando manter o engodo que o preço já tinha sido transferido para a "S.G......." (veja-se que o assistente transferiu esse valor para as arguidas no dia 15.09.2015, e volvido mais de um ano, a arguida arrastava ainda o ardiloso engano);
- fls. 379 a 391, a ausência de saldos bancários, demonstrativo que a arguida deu destino às quantias transferidas pelos assistentes (concatenado com o apenso bancário 13 e o relatório de análise bancária constante do apenso 13).
Do apenso 11 A consta certidão emitida pelo S.E.F. referente ao processo individual de estrangeiro do assistente CC, mostrando-se assinado pela própria arguida o requerimento inicial, a 03.12.2015, de concessão da autorização de residência por investimento, com os documentos que o instruíam, com a procuração a favor da arguida, a arguida assina sempre os requerimentos e quando o não faz autoriza expressamente tal circunstância (cfr. fls. 68 deste apenso), de fls. 113 a 116 infere-se o projecto de indeferimento por falta de prova de investimento, datado de 31.03.2017, (revogação da procuração a fls. 129/132), constando os familiares do apenso 11 13.
No que concerne aos factos referentes ao assistente BB, ponderou-se igualmente o teor da prova documental constante dos autos apensos n.° 7595/17…..:
- fls. 18 a 40 consta o mencionado contrato promessa de compra e venda, datado de 12.05.2015;
- fls. 41 a 44 infere-se claramente a procuração referida, constando a arguida como bastante procuradora, com a expressa menção à sua qualidade de advogada, datada de 12.05.2015, para em nome e representação do assistente levar a cabo os fins mencionados e de fls. 45 a 49 e 50 a 55 e 56 a 60, constam as procurações relativas à mulher e filhas daquele;
- fls. 61, infere-se a transferência deste assistente para a conta bancária titulada em nome da sociedade arguida, no valor de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros);
- fls. 62, resulta claramente a conta beneficiária da sociedade arguida do montante de € 64.127,00 (sessenta e quatro mil cento e vinte e sete euros), deste assistente, em 26.06.2015 (cfr. fls. 63/64 recibo emitido pela sociedade arguida, nesse valor, com discriminação dos serviços prestados);
- fls. 65 a 72 (cfr. tradução a fls. 73 a 81), sendo patente nestas mensagens de correio electrónica o alimentar do esquema ardiloso, cfr. e-mail de 05.08.2016, em que a arguida afirma ser iminente a emissão do visto gold (cfr. fls. 82 a 83, com apregoar de escritura pública marcada para Janeiro de 2017), continuando, em Março de 2017 (cfr. fls. 86 a 87), a transferência por ser efectivada, apesar de ter sido transferida pelo assistente para a arguida, em Junho de 2015, o valor integral do preço para a aquisição do imóvel e assim ser demonstrada a prova de investimento para o "visto gold" (cfr. fls. 99 a 103).
Quanto ao processo individual de estrangeiro, os documentos em causa constam do apenso 9 A, cfr. fls. 196 falta a prova do investimento, fls. 198 a 206 notificação à arguida do projecto de indeferimento por esse motivo (familiares a documentação consta do apenso 9 B), resultando inequivocamente demonstrado que o fundamento do projecto de indeferimento era a falta da prova de investimento, sendo esse valor já tinha sido integralmente transferido para as arguidas e não se realizava a escritura pública por motivos exclusivamente imputáveis à arguida AA.
No que diz respeito aos factos acima dados como provados relativos à assistente GG, para além das suas declarações, as mesmas foram integralmente corroboradas pelos depoimentos assertivos, isentos e coerentes prestados pelas testemunhas QQQQ (representante da sociedade "Es.......") e RRRR (angariadora imobiliária), o que se concatenou com o exame da prova documental constante dos autos apensos n.° 2862/15……:
- fls. 8 a 20, consta o teor do contrato promessa de compra e venda (sendo promitente vendedora "Es......., S.A."), datado de 18,03.2014;
- fls. 21, resulta a clara demonstração da factualidade dada como provada atinente aos serviços assumidos pelas arguidas perante esta assistente, devidamente discriminados e o valor pago àquelas (€ 103.726,24, em 08.07.2014);
- fls. 22, infere-se a declaração de recebimento da quantia aí descrita, por conta do preço de aquisição do imóvel em causa, pela assistente e entregue às arguidas, em 08.07.2014 (€ 495.000,00), sendo que manifestamente resulta de fls. 23 a 25 que em 25.02.2015, apesar de a assistente ter entregue às arguidas o valor integra do preço, essa quantia não foi entregue à promitente vendedora, sendo esse o motivo da não outorga escritura, condizente com a informação registral, dado que a propriedade de tal imóvel não se encontrava registada a favor da assistente (cfr. fls. 29 a 34), com registo de promessa de venda a favor de terceiro (cfr. fls. 38 a 39);
- fls. 59 a 69, procurações (traduções certificadas) demonstrando os fins pretendidos pela assistente;
- fls. 70 e 71, resultam as transferências da assistente para a sociedade arguida, por conta dos fins referidos (25.02.2014, no valor de € 61.150,00 e 13.06.2014, no valor de € 537.600,00), cfr. igualmente extractos bancários de fls. 544 a 554, sendo que a pessoa autorizada a movimentar essa conta do BPI é o pai da arguida, e naturalmente, como se provou, era a arguida AA que controlava, acedia e geria exclusivamente essa conta bancária;
- fls. 72 a 86, correspondência (tradução certificada) demonstra o engano, a trama que vai sendo urdida pela arguida, com justificações incompreensíveis considerando que a assistente lhe tinha entregue o valor total do preço e ainda os valores referentes às despesas, reforçando a convicção do Tribunal no sentido que, a escritura pública não se concretizou porque a arguida AA assim não o pretendeu, e tal advém somente da circunstância de se ter apoderado dessas quantias monetárias, em prejuízo nítido da assistente (cfr. igualmente correspondência da própria promitente vendedora, fls. 87 a 89 e fls. 90 a 96) e fls. 97 a 124 e fls. 139 a 144, traduções certificadas, aliás veja-se que a arguida refere à assistente, em 25.02.2015, que as escrituras já foram feitas, o pagamento já foi efectuado, sendo que o cheque de fls. 125 nunca foi dado a pagamento e recebido pela promitente vendedora);
- fls. 126 a 138, resulta o forjar da requisição de registo de tal imóvel a favor da assistente, mencionando-se a escritura pública, o que não tinha qualquer correspondência com a verdade, como a arguida bem sabia, e tanto assim é que pressionada pela queixa crime apresentada e participação concretizada junto da Ordem dos Advogados fez a citada transferência, no valor de € 495.000,00;
Acresce ainda que, a denúncia da assistente GG é judicialmente apresentada a 27.04.2015 (fls. autos apensos n.° 2862/15……), sendo que a entregue às arguidas da quantia de € 495.000,00 já tinha sido entregue a 08.07.2014, e ainda assim, a arguida AA persiste na sua conduta, apesar de estar ciente destes factos.
Bem como já após a instauração desse processo apenso, em 18.05.2015 (cfr. fls. 292), a arguida transfere para a assistente a quantia de € 495.000,00 (que supostamente tinha pago à promitente vendedora a 23.02.2015, cfr. cheque de fls. 125), cfr correspondência de fls. 171 a 175 (tradução certificada).
E em 24.06.2015, a arguida transferiu para a assistente a quantia de e 37.707,87 (cfr. fls. 293).
E repare-se que o demandante FF transfere para a conta da sociedade arguida a quantia de € 834.486,92 (oitocentos e trinta e quatro mil quatrocentos e oitenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), no dia 13.05.2015, e cinco dias volvidos, a 18.05.2015, são transferidos dessa mesma conta bancária € 495.000,00 para a demandante GG (cfr. igualmente extracto bancário da conta do "BPI", a fls. 467 dos autos principais, conjugado ainda com o apenso bancário B e relatório de análise bancária constante do apenso 13).
Conta essa que a apenas a arguida AA dominava, tanto mais que o representante autorizado era o seu pai, não sendo minimamente lógico, nem verosímil, que os fundos existentes nessa conta fossem utilizados por qualquer outra pessoa, que não a arguida, especialmente atendendo aos valores expressivamente elevados que eram movimentados e num hiato temporal tão curto.
Ora, quem assegurava a representação bancária da sociedade arguida "CL C... Legal, Ltd", e para onde foram transferidas as quantias acima mencionadas (conta bancária do "BPI" ......151) era o pai da arguida, SS (cfr. igualmente informação prestada pelo próprio banco "BPI", a fls. 479 dos autos principais), e a arguida era a única pessoa com interacção próxima com aquele, tanto mais que, ainda hoje, reside com o seu pai.
Nem se vislumbra plausível que tendo a conta da sociedade arguida a sua representação apenas assegurada pela assinatura do pai da arguida, esta abdicasse do controlo e fiscalização sobre a mesma, quando a mesma nem abdicava do controlo da duração das pausas de almoço ou para café/cigarro, ou as horas de entrada e saída dos seus colaboradores.
Sendo que o parecer constante de fls. 294 a 318 é perfeitamente inócuo para o infirmar destes meios de prova, sem olvidar que, não se mostra essa pretensão coadunável com o anterior apregoar pela arguida que a escritura já tinha sido outorgada, que o preço já tinha sido pago e que já tinha sido requerido registo da propriedade a favor da assistente com base em escritura de compra e venda (e o mesmo se aplica quanto à petição inicial de fls. 346 a 364).
Aliás, tais documentos mostram-se em total antinomia com o que a arguida ia asseverando perante a assistente, e inclusivamente com a queixa apresentada contra a testemunha QQQQ (cfr. despachos de arquivamento e de não pronúncia a fls. 485 a 498 dos citados autos apensos).
De fls. 37 do apenso 1, consta registo informático extraído do sistema oficial do S.E.F. (SIRES —sistema de residentes), de onde claramente se extrai que a 27.01.2016 foi proferido despacho de deserção quanto ao pedido de autorização de residência da assistente GG, tendo sido o processo remetido para arquivo a 16.06.2016.
Do apenso 12 resulta certidão referente do processo individual de estrangeiro procuração certificada a tradução pela arguida (substabelecimento desta), proposta de arquivamento, por falta de junção de documentos, para o que havia sido notificada, por deserção, sendo a proposta de 15.01.2016, com despacho de 27.01.2016, notificado na pessoa da testemunha de SSSS (colaborador da arguida), cfr. fls. 99 a 104.
Dos autos principais, e-mail traduzido de 19.05.2015, a fls. 3284 a 3288, participação junto do Conselho de Deontologia de … da Ordem dos Advogados, a 27.04.2015, a fls. 3289 a 3290
No que concerne à factualidade referente à assistente LL, além dos depoimentos acima já apreciados e ponderados, conjugou-se ainda a análise crítica:
- dos autos principais fls. 1822 a 1825 reconhecimento presencial da assinatura exarado pela própria arguida, a 21 de Maio de 2014, apesar da procuração de fls. 1851 a 1852 não constar o nome da arguida, o envolvimento era directamente com a "managing partner" da sociedade arguida, ou seja, a arguida;
- processo n.° 969/17….., incorporado nos autos apensos n.° 2862/I5….., teve-se em consideração o exame da prova documental constantes destes autos apensos:
- fls. 592 a 593, recibos emitidos pela sociedade arguida, cfr. igualmente a fls. 1800 e 1801 dos autos principais, (€ 38.750,97 e € 43.402,50, em 24.03.2014 e 30.05.2014), cfr. traduções certificadas a fls. 698 a 705, de onde claramente se infere que os pagamentos se reportam a honorários, ao primeiro sinal da propriedade do apartamento …, …;
- fls. 626, consta evidente o pagamento da assistente, na qualidade de promitente compradora, à "H.....", da segunda prestação para pagamento da unidade …, …, em 23.03.2015, no valor de € 40.702,90, igualmente a fls. 1834 dos autos principais);
- fls.643 a 644, a procuração para os fins acima mencionados;
- fls. 645 (e igualmente a fls. 1853 dos autos principais), transferência desta assistente para a sociedade arguida, a 19.07.2016, no valor de € 129.348,55 (cfr. fls. 545, ficha de assinaturas, o pai da arguida é quem tem poderes para movimentar essa conta);
- fls. 649 (cfr. fls. 1857 dos autos principais), notificação da data e local para a celebração da escritura pública e a não comparência certificada a fls. 652 a 884 (cfr. igualmente fls. 1860 a 1872 dos autos principais);
- fls. 691 a 697, fls. 706 a 731, fls. 743 a 756, fls. 771 a 774, 781 a 784, contrato de compra e venda/adenda e recibos de pagamentos (traduções certificadas);
- fls. 732 a 742, 757 a 770, 775 a 780 e 785 a 819 a correspondência (traduções certificadas) atinente ao esquema adoptado pela arguida ludibriando e mantendo esse engano, assim obtendo enriquecimento à custado prejuízo patrimonial da assistente (cfr. igualmente apenso 13, relatório de análise bancária, e apenso bancário B)
Relativamente à factualidade referente à demandante II teve-se igualmente em ponderação, e conjugação com a demais prova produzida e examinada:
- as transferências mencionadas extraem-se dos extractos constantes dos apensos bancários B e F, conjugado com o relatório de análise bancário constante do apenso 13, para além da clareza extraída das declarações prestadas pela demandante;
- fls. 715 dos autos principais, resulta claramente a inexistência de quaisquer contas bancárias junto do banco "Santader Totta" em nome da sociedade arguida e da "S......";
- do apenso 1: fls. 3 a 23, extrai-se que que a "directora" da sociedade "S......, Ltd" é a assistente, mas figura como "secretary" a pessoa da arguida, sendo esta a "director" da sociedade "L.... LTD." e a fls. 65/66 consta a arguida como representante designada (matrícula).
De. fls. 44 do apenso 1, consta registo informático extraído do sistema oficial do S.E.F. (SIRES —sistema de residentes), de onde claramente se extrai que a 13.09.2016 foi proferido despacho de extinção do procedimento por deserção quanto ao pedido de autorização de residência desta assistente, tendo sido o processo remetido para arquivo a 24.09.2016 (quanto aos familiares resulta a mesma causa de extinção, como cristalinamente consta de fls. 45 a 46);
Ou seja, a sociedade "L......." é que é a titular das acções da sociedade "S......", (cfr. fls. 2485 a 2493), mas é a arguida quem é a detentora da sociedade "L......." (cfr. fls. 2494 a 2495 e 2496 a 2501), o que objectiva e claramente obsta, por um lado, que a demandante possa livremente dispor do imóvel, e por outro lado, e mais relevante para o fim pretendido e subjacente à motivação de tal investimento, impede (como de facto impediu) que a demandante conseguisse junto S.E.F. fazer prova dessa propriedade, logo não conseguindo, por motivos exclusivamente imputáveis à arguida AA, cumprir o requisito legal para a concessão do "visto gold", de demonstrar a aquisição de um imóvel, sito em território nacional, no valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), e tanto mais que o tal contrato da transferência das acções para a "L......." era, na realidade, de € 300.000,00 (trezentos mil euros), o que a arguida adulterou.
Do apenso 2 a fls. 225 a 243, facturas referentes a quotas condomínio e fls. 244 a 251 (6212,04) documentos únicos de cobrança da AT, de fls. 288 a 292, cópia escritura de compra pela "S......" do Lote ..., datada de 17.04.2009, registo a fls. 293 a 294 e 351/352, aquisição registada a favor daquela sociedade a 21.04.2009, fls. 296 a 297, sede no domicílio profissional da arguida (comprovativo de cartão de empresa electrónico, da conservatória do registo comercial), fls. 298 a 343, documentação comercial demonstrativa no sentido que administradora daquela é a sociedade "L.......", a qual é representada pela arguida (cfr. fls. 330), fls. 412 a 413, recibos emitidos pela "Su…., Lda.".
Aliás, junto da Autoridade Tributária é a arguida quem figura como gestora de negócios da "S........", cfr. apenso 5 anexo 01 (Base de dados da AT).
Do apenso 3: fls. 5 a 22 consta o pedido de concessão de "ARI", 01.07.2015, de fls. 23 a 26, procuração a favor da arguida, fls. 33 notificação para junção de documentos, fls. 34, recibo de pagamento do pedido, fls. 35 a 47, documentos que instruíram o pedido, fls. 48 subscrito pela arguida, datado de 17.09.2015, para consulta processo junto do S.E.F., fls. 94 a 97 notificação da deserção do pedido, 31.08.2016, fls. 98 a 284, reclamação, assinada pela própria arguida, entrada a 10.102016, consta estar ciente que não foi entregue prova do investimento, fls. 286 decisão de extinção de procedimento, datada de 31.10.2016, notificação a fls. 287 a 289.
Do apenso 4, fls. 150 a 155, consta o valor de supostas rendas, documento emitido pela sociedade arguida (timbre), fls. 163/164 recibo emitido pela sociedade arguida (€ 27.807,03), fls. 167 recibo (62.091,00), sendo que as "despesas" que a arguida procurou imputar à assistente como sendo referentes à manutenção e melhoramento da "Villa ..." são manifestamente contrariadas pelos fotogramas (obtidas no local a 11.07.2017) de fls. 997 a 998 verso, sendo patente que nem sequer o jardim foi limpo).
Sem descurar que, os documentos juntos a fls. 5753 a 5747 verso (cfr. tradução a fls. 5799 a 5808), em nada alteram a circunstância de a assistente II não ser efectivamente a proprietária da Villa ..., sendo certo que, a dissolução operou por força exógena à vontade pessoal de quem quer fosse.
Em relação à factualidade relativa à demandante HH, para além dos demais meios de prova já acima devidamente fundamentados:
Dos autos principais:
- ponderou-se o teor de fls. 451 a 454, fls. 455 a 458 (a obtenção da minuta, conjugado com fls.357 a 369 verso, o que espelha o modo se obteve essa minuta), fls. 459 a 461, corroborado pelo depoimento seguro, isento e coerente, prestado pela testemunha CCCC, funcionária do "Novo Banco", a qual explicou o modo como as propostas são inseridas, processadas e analisadas no sistema interno do banco ("easy flow");
- fls. 799, consta recibo emitido peta sociedade arguida, no valor de C 16.890,00, datado de 23.06.2016 (onde se infere alusão ao SEF e GV) e datada de 29.06.2016 mostra-se devidamente documentada a fls. 801 (e cfr. também fls. 823), a transferência da assistente para a sociedade arguida, aí expressamente identificada (cfr. fls. 803/805) e novas transferências de 07.07.2016 (cfr. fls. 821), a 15.07.2016 (cfr. fls. 822);
- fls. 830 a 832, o suposto contrato em que surge corno promitente vendedor o "Novo Banco", o que foi categoricamente afastado pelo depoimento da testemunha CCCC, colaboradora no departamento central de aquisições do "Novo Banco", a qual frisou que o "Novo Banco" não foi representado pela sociedade arguida, e muito menos figuraria a mesma entidade a representar concomitantemente o promitente vendedor e o promitente comprador (cfr. fls. 832 verso);
- fls. 859 a 863, documentos que a assistente confirma ter recebido, remetidos pela arguida, como declarado pela demandante cível HH, o que descreveu com naturalidade e sinceridade, nem podia, aliás, ter tido acesso a tais documentos, caso não tivessem sido, como foram, remetidos pela arguida, e a quem interessava que assim fosse;
- fls. 876, 910, 934/935 relativos a despesas que a assistente tinha que suportar relativas ao Lote ... (cfr. igualmente recibo emitido pela sociedade arguida, datado de 24.02.2017, a fls. 888 e fls.  903 e 909 facturas emitida pela "Su...."), e de fls. 878 a 880 e 947/948 as "supostas rendas" que recebia.
Na verdade, a tal empresa "Su...." visou apenas a criação de aparência de que uma sociedade tinha a seu cargo a gestão, a preservação, a melhoria e a manutenção de tal imóvel, o que foi confirmado pelo depoimento prestado pela testemunha VVV, sendo patente o seu constrangimento em abordar estes eventos, frisando que a sede da sociedade era na sua residência, e em bom rigor, não era exercida qualquer actividade por conta daquela sociedade "Su....", o que é reforçado igualmente pelo teor de fls. 1003 a 1004, dado que, nada se interesse foi encontrado aquando da realização da busca (cfr. igualmente fls. 1014 a 1021, 1029, fls. 1039 a factura da reparação da piscina é de € 1.680,00 (cfr. fls. 1044 e 1053) e a acta de fls. 1077 (quota vale C 1,00).
Mais se teve em consideração o conteúdo da correspondência electrónica a fls. 181 a 186, devidamente traduzida a fls. 2440 a 2442, e de fls.806, 824, 864, 866 a 872, 877, 881, 898, 900/901, 904, 913 a 929, 930, 943, 936, 938 a 941, 942, 945, 949, deviamente traduzidas a fls. 2453 verso a 2466, que confirma claramente a "história" enganosa que a arguida ia arquitectando, como descrito pela demandante HH;
A fls. 2648 a 2651 dos autos principais consta certidão do registo predial da ".... Villa", constando já registada a aquisição, por compra, apresentação …, de 28.07.2017, a favor de terceira pessoa "AAAA", inexistindo assim qualquer entrave à realização de um negócio translativo da propriedade;
- do apenso 2:
- de fls. 98 a 100 (igualmente constante de fls. 826/827 dos autos principais), certidão da Conservatória do Registo Predial, emitida a 11.01.2017, relativa ao "Lote ..." , sendo patente que a propriedade se encontra inscrita a favor do "Novo Banco, S.A." (oriunda, por dação em cumprimento do então "Banco Espírito Santo, S.A.", registada a 31.08.2011 (sem registos pendentes), constatando-se a desconformidade com o documento constante de fls. 101 a 104, de onde se fez constar a aquisição por esta assistente, supostamente por aquisição a 16.06.2015, em que figura como sujeito passivo "Banco Espírito Santo, S.A." (quando nessa data já havia sido "resolvido" e com transferência de património para o "Novo Banco, S.A."), aliás a menção falsa aposta a fls. 102, em que se pretendeu fazer crer a inscrição do registo de propriedade a favor da assistente HH é um decalque da verdade operação de registo ocorrida às 15 horas, 22 minutos e 53 segundos do dia 16.06.2015, em que 1284 prédios, por aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal foram transferidas do sujeito passivo "Banco Espírito Santo, S.A." para o "Novo Banco, S.A." (cfr. fls. 99 deste apenso 2).
Para além da falsidade de fls. 102 supostamente regista a favor desta assistente a aquisição de 1284 prédios, resultando indubitavelmente demonstrada a fabricação falsa e forjada deste documento, que outro propósito não tinha a não ser de falsear a suposta propriedade a favor desta assistente, e o mesmo se extrai da mera análise do documento de fls. 105 a 106 deste mesmo apenso 2, constante também de fls. 828 dos autos principais (suposta caderneta predial urbana relativa a este Lote ..., em que surge como titular esta assistente, dada como residente no Lote ... do mesmo empreendimento, e como entidade menciona-se o "Banco de Portugal", confrontando-se com a genuína informação constante da caderneta predial de fls. 196/197).
- de fls. 107/108 surge precisamente corno representante fiscal da assistente a pessoa da arguida, e não qualquer outro colaborador, o que reforça a relação de confiança que existia (cfr. igualmente fls. 829 dos autos principais).
- de fls. 109 a 114 (tradução certificada a fls. 115);
- de fls. 178, recibo emitido pela sociedade arguida (E 16.890,00);
- de fls. 195, descrição dos valores (depósitos a 02, 08, 15 e 19.07.2016 (total € 588.930,14);
- de fls. 203 a 206, candidatura de autorização "ARI";
- de fls. 207 a 209, supostas certidões de aprovação do pedido, de onde consta a entidade
emissora como sendo o S.E.F.;
- de fls. 210 requisição de transferência bancária (€ 64.000,00), conjugados com os apensos bancários B, I, L e N e relatório de análise bancária constante do apenso 13;
- de fls. 211 a 213, recibos emitidos pelo S.E.F., datados de 04.03.2016;
No que concerne aos factos atinentes ao assistente EE, teve-se ainda em confrontação o exame do seguinte acervo probatório:
Desde logo, a clareza e assertividade inerentes ao seu relato permitiram ao Tribunal formar convicção indubitável, no sentido que o conteúdo das suas declarações corresponde à realidade por si vivenciada e presenciada, e por isso foram os factos acima descritos dados como provados, concatenando as mesmas com análise conjugada e crítica da seguinte prova documental, constante dos autos principais, a qual, por sua vez, corrobora as declarações prestadas pelo assistente EE:
- fls. 316, factura datada de 22.08.2016, emitida por "C... Legal", em nome de EE, no total de € 8.800,00 (oito mil e oitocentos euros);
- fls. 317, assinatura aposta da arguida AA, referente a EE, constando a menção expressa ao valor de € 1.000.000,00, com juros no total de E 20.841,57 (vinte mil oitocentos e quarenta e um euros e cinquenta cêntimos) a 22.08.2016, e como existindo € 587.300,00 (quinhentos e oitenta e sete mil e trezentos euros), nessa mesma data e reportada à conta "BPI Premium Client", n.° ........001 (conjugado com a análise dos apensos bancários B, D el e apenso 13, relatório de análise bancária);
- fls. 328 — extracto com indicação "Millennium BCP", movimentos, datas, valores e saldo, com o nome de EE, e a 01.05.2017 consta como saldo € 348.986,66 (trezentos e quarenta e oito mil novecentos e oitenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), constando igualmente com movimento a 31.01.2017 por transferência de "CL C... Legal Ltd" o valor de € 346.000,00 (trezentos e quarenta e seis mil euros), ou seja, criando a aparência de ter sido retirado ao valor inicial de um milhão euros o valor do preço do imóvel € 654.000,00 (seiscentos e cinquenta e quatro mil euros), como se o mesmo tivesse sido pago e em 31.01.2017 sobre o valor remanescente e que, segundo tal documento de fls. 328, foi tendo juros. Tal documento supostamente oriundo do "Millennium BCP" não tinha outra virtualidade que não fosse a de fazer crer ao seu destinatário, este assistente, a "existência" de uma conta numa instituição bancária nacional, pois só assim se compreende que lá se mostre aposta a denominação bancária, e num lugar destacado, e na verdade, nunca existiu junto deste banco qualquer conta bancária em nome do assistente EE que tivesse tido tais montantes, como cristalinamente resulta da informação prestada pelo próprio banco "Milennium BCP", cfr. fls. 714.
Ou seja, a arguida declarou que tal conta bancária existia, mas, a verdade é que, a instituição bancaria (e o documento que a corporiza) flagrantemente contrariam a versão preconizada pela arguida. É certo que também resulta desse documento de fls. 714 que houve uma conta bancária com o nome deste assistente, aberta a pedido da sociedade arguida, mas que a mesma nunca registou qualquer movimento e foi encerrada porquanto o assistente nunca se deslocou para formalizar a abertura, apesar de o assistente, como frisou, por diversas vezes ter insistido junto da arguida para ter acesso a conta;
- fls. 355/356, certidão emitida pelo S.E.F., da qual se infere, além do mais, que a 19.02.2026 estava a falta a apresentação do documento comprovativo de investimento em território nacional, do qual a arguida foi notificada, e tanto o foi que a 30.06.2016 juntou outros documentos, mas não a prova de investimento, sendo que, o assistente em 29.12.2015 já tinha transferido a quantia integral para a conta da sociedade da arguida gerida exclusivamente pela arguida, pelo que, o único motivo pelo qual, em 30 de Junho de 2016, a arguida não juntou junto do processo do "visto gold" a prova de investimento, é precisamente por se ter ilegitimamente apoderado desse valor (€ 1.000.000,00) ao invés de o aplicar, como lhe tinha sido confiado e se comprometeu a executar, na aquisição do mencionado imóvel;
- o teor das mensagens electrónicas de fls. 309 a 339, devidamente traduzidas a fls. 2442 verso a 2245, demonstrativas de forma patente do declarado pelo demandante quanto às desculpas e o esquema arquitectado ardilosamente pela arguida, com o único fito de manter o demandante sob o engano engendrado pela arguida, a fim de enriquecer indevidamente à custa do empobrecimento patrimonial do demandante cível;
- fls. 5261 e 5262 a 5264, resulta demonstrada a transferência no valor de € 1.026.000,00 (um milhão e vinte e seis mil euros) para a conta bancária da sociedade arguida;
- fls. 4940 resulta claramente a reserva do apartamento 2G, para além da testemunha OOO categoricamente o ter confirmado, datada de 14.12.2015 e a transferência de € 20.000,00 (vinte mil euros), consta de fls. 4942, da sociedade arguida, pelo assistente EE, na sequência da citada reserva, e referente à mesma (como consta do documento), e efectuada a 12.01.2016.
De fls. 59 do apenso I, consta registo informático extraído do sistema oficial do S.E.F. (SIRES —sistema de residentes), de onde claramente se extrai que a 24.01.2017 foi proferido despacho de deserção quanto ao pedido de autorização de residência deste assistente.
Veja-se a relação de confiança (cfr. fls. 41 verso e 46 verso do apenso 6), apenso 6 fls. 62 (recibo emitido pela sociedade arguida e fls. 62 verso, suposta nota discriminativa referente a juros, datada de 22.08.2016 (cfr. também fls. 69 deste apenso 6, reportada a Dezembro de 2016 e fls. 81, 28.02.2017), fl. 80 e 80 verso com o timbre do "Millennium BCP", extracto de 01.01.2017 a 31.001.2017, com saldo E 346.000,00, fls. 96/97 tentativas em acederá tal conta (07.06.2017), fls. 112 a 114 alusão a netos, que a arguida não tem,
Da análise do apenso 4 resulta ainda inequivocamente a demonstração cabal e contundente dos factos acima dados como provados, como infere do exame:
- de fls. 4 a 8 contrato promessa entre o "Novo Banco" e a assistente HH (cfr. fls. 8 a arguida é concomitantemente a promitente vendedora e a compradora), fls. 9 a 56 (contratos referentes ao Lote …), fls. 57 a 60 (errónea inscrição registral), fls. 61/62 caderneta forjada (enviada pela arguida à assistente);
- de fls. pagamentos 82 a 90 para a sociedade arguida;
- fls. 140 a 144 recibo despesas condomínio e gestão (E 4.461,33).
E do apenso 8 — certidão do S.E.F. do processo individual de estrangeiro, procuração a favor da arguida, deserção por não junção de documentos em falta, com as notificações á arguida, a reclamação subscrita por aquela, entrada no SEF a 15.02.2017, estando a arguida ciente da não aquisição do imóvel (cfr. documento junto como n.° 8, é o contrato promessa)
Relativamente aos factos referentes ao assistente DD, concatenados com os demais meios de prova, mais se analisou e se ponderou:
Desde logo, teve-se em consideração o teor das suas declarações constantes do auto de inquirição de fls. 1484 a 1492, datado de 04.09.2017, reproduzidas integralmente em sede de audiência de julgamento (cfr. fls. 4161 a 4166, nos termos do Art.° 356.°, n.° 4, do Código de Processo Penal), concatenado com a análise da prova documental:
- dos autos principais, a fls. 1510 e de fls. 1613 constam recibos emitidos pela sociedade arguida, respectivamente nos valores de € 3.406,50 e e 430,50) e de fls. 1632 infere-se igualmente a existência de um recibo emitido pela sociedade arguida, no valor de € 67.766,50 (tendo aposto as alusões a SEF e GV);
- fls.1660 a 1663 ficha e assinaturas da conta no "Millennium BCP", em nome do assistente, conjugado com o teor de fls. 2902 a 2904 (abertura a conta junto do "Millennium" ocorreu a 15.03.2017, inexistindo movimentos até 29.12.2017) e extractos bancários a fls. 2908 a 2916, verificando-se que o saldo da mesma foi sempre o mesmo (€ 4.000,00, só sendo debitado o valor referente a despesas de manutenção de conta de residente no exterior, sendo o saldo após 18.08.2017 de € 0,00), concatenado com a análise dos apensos bancários B, D, Eel e o apenso 13, relatório de análise bancária;
- fls. 2905 infere-se claramente que a representante fiscal junto da Autoridade Tributária e Aduaneira é a pessoa da arguida, e não qualquer outro seu colaborador e/ou funcionário, o que, aliás, se mostra destituído de qualquer verosimilhança, dado que só a arguida AA contactava com o demandante e foi nela em que foram confiados os interesses, os negócios e os valores pecuniários transferidos e dos quais aquela se apoderou;
De fls. 61 do apenso 1, consta registo informático extraído do sistema oficial do S.E.F. (SIRES —sistema de residentes), de onde claramente se extrai que a 24.01.2017 foi proferido despacho de deserção quanto ao pedido de autorização de residência deste assistente.
Do apenso 10 consta a certidão emitida pelo S.E.F., atinente ao seu processo individual de estrangeiro, mostrando-se o requerimento inicial assinado pela própria arguida, em 05.04.2016, com procuração a seu favor, notificação à arguida da proposta de extinção do procedimento por deserção e despacho de declaração de deserção, de 19.01.2017 (cfr. fls. 46 a 52 deste apenso), reclamação assinada pela própria arguida, entrada a 15.02.2017 (cfr. fls. 53 a 80, juntando como documento aquisição o contrato promessa).
O teor das mensagens electrónicas de fls. 1543, 1580, 1586, 1592 a 1600, 1602 a 1605, 1618 a 1620, 1655 a 1656, 1658 a 1659, devidamente traduzidas a fls. 2466 verso a 2470, de onde extrai o engodo com que a arguida ia ludibriando o demandante, e o modo astucioso com que o a criando e assim determinando as transferência em causa, em prejuízo daquele e em beneficio indevido da arguida, usando para tanto a sociedade arguida, até para dar o reforço da credibilidade da sua estratégia, dando a aparência de se tratar de uma "conta cliente" e destinada somente a esse propósito.
Quanto aos factos relativos ao assistente FF, para além da demais prova já elencada, mais se teve em consideração:
- dos autos principais: fls. 463 a 464, certidão emitida pelo S.E.F., de onde se extrai, por um lado, que o processo de pedido de concessão de autorização de residência para investimento, na modalidade de transferência de capitais, no montante igual ou superior a um milhão de euros, foi apresentado a 08.06.2015, e por outro lado, que a 09 de Março de 2017 não estavam reunidas as condições para a concessão, sendo que a transferência de € 1.000.000,00 já tinha sido efectuada pelo assistente para a arguida em Maio de 2015, como igualmente se constata do extracto bancário da conta bancária do "BPI" (......151), constante de fls. 466 a 477, e atente-se o destino que foi sendo dado a tal valor, que não foi canalizado para uma conta em nome do assistente, a fim de fazer prova do investimento na modalidade pretendida, como tinha sido apresentado o pedido junto do S.E.F.;
- de fls. 502 (cfr. também fls. 537) consta um documento totalmente fabricado, dado que tal conta não existe, nem existia tal saldo bancário, em nome do assistente, a 31.05.2017, tanto mais que em Março de 2017, a arguida foi notificada pelo S.E.F. da ausência de prova do investimento (cfr. fls. 463), e caso efectivamente existisse tal saldo bancário a favor do assistente numa conta do "Millennium BCP" fácil e rapidamente se teria feito tal prova, como se constata igualmente pelo teor da informação de fls. 1450, emitida pelo "Millennium BCP".
Tal como é falso o documento supostamente emitido pelo "Millennium BCP", com o nome do assistente, a fls. 536 (a fls. 543 e 562), a corrobora tal ilação veja-se o auto de transcrição de conversações de 08.06.2017, devidamente transcrito a fls. 719 a 721, e atente-se ao modo denotativo de desprezo e de desinteresse pelas pessoas dos assistentes, FF e "II" (II).
Sem olvidar que, a linha de conversação mantida espelha a lucidez de espírito e a frieza decisória em "proteger" o estratagema, e aliás, veja-se a confiança que a arguida tem em si, nas suas qualidades e capacidades, dado que, o seu interlocutor salienta - no seguimento da conversa atinente à pressão que o assistente FF vinha fazendo para ter acesso à conta e "à prova do juro dele"-, "Isso vai rebentar. Mais cedo ou mais tarde, isso vai rebentar", e a arguida responde "Sim... Pode ser que entretanto se consiga resolver, não é?" (intercepções telefónicas judicialmente determinadas, prorrogadas e validadas, cfr. despachos de fls. 272/274, 400, 422, 702,1256 e 1359 dos autos principais).
Para além de categoricamente demonstrar que a arguida não só sabia de tudo, como era quem controlava, dominava, geria e decidia todos os assuntos ligados com os assistentes e com os fundos que lhe tinham confiado e transferido, pelo que, a pretensa fragilidade que a arguida pretende fazer crer é afastada pela sua própria voz (cfr. igualmente autos de transcrição de intercepções telefónicas a fls.722 a 740 dos autos principais).
Aliás, atente-se que aquando da realização da busca à residência da arguida foram apreendidos documentos referentes às contas bancárias em causa (como talões de consultas de saldos bancários), pelo que, se mostra totalmente afastada a aventada versão de desconhecimento, bem como foram apreendidos na sua casa, a sua residência pessoal, um telemóvel da marca "…." e um tablet da marca "…." precisamente de onde era remetida a correspondência electrónica com os assistentes (cfr. fls. 964 a 966 dos autos principais). Tal como é falso o teor constante da "certidão" de fls. 505, visto que não havia qualquer emissão de documentos junto da Direcção Regional do S.E.F., em nome do assistente, a partir de 31.07.2017, nem a favor dos seus familiares (cfr. fls. 506 a 509), aliás tais supostas certidões nem se encontram assinadas, e foram traduzidas precisamente para manter o logro perante o assistente (cfr. fls. 510 a 514);
- fls. 669 a 681 extraem-se, sem qualquer margem para dúvida, as transferências por parte do assistente para a conta bancária da sociedade arguida, gerida pela arguida, patenteando-se os elementos numéricos atinentes às datas e os montantes;
- o teor das mensagens electrónicas a fls. 490 a 688, devidamente traduzidas a fls. 2445 a 2453 verso, patentemente demonstrado o engodo e o conhecimento absoluto da arguida e que só a arguida podia saber e somente esta interagia com os demandantes;
- do apenso 7 — fls. I a 36, pedido de concessão de ARI (documentos), a fls. 9 procuração a favor da arguida (fins pretendidos), fls. 90 a 98 indeferimento por não demonstração do investimento e notificação à arguida (cfr. fls. 102/103 e certidão atinente ao reagrupamento familiar, certidão do S.E.F. n.°s …, …, …, …, apenso 7), veja-se que é a arguida quem assina os requerimentos que vão sendo entregues.
Por outro lado, depoimento prestado pela testemunha AAAAA não mereceu qualquer credibilidade, em face da ausência de consistência factual, não tendo qualquer virtualidade probatória, em termos de substracto factual, para afastar aquilo que, nomeadamente, a assistente II, com rigor, propriedade e minúcia, declarou em sede de audiência de julgamento.
Acresce ainda que, esta testemunha salientou que as informações plasmadas na "Companies House", algo similar ao registo comercial, se alicerçam nas declarações elaboradas e prestadas pelos próprios interessados, ainda com carácter de comunicação obrigatória, sem qualquer corroboração factual quanto aquilo que é (foi) declarado.
Pois, como se infere de fls. 2974 a 2982 (também fls. 3088 a 3993) dos autos principais, a assistente II é a directora da sociedade "S...... LTD), sendo a secretária a arguida (cfr. fls. 2982 a 14.12.2015, transferência das acções para a sociedade "L…."), cfr. tradução a fls. 3126 a 3149. As testemunhas BBBBB, CCCCC e DDDDD nada denotaram possuir que infirmasse a demonstração dos factos, dado que, estas testemunhas (aquelas duas primeiras advogados e esta última designer, mas todas com relações de amizade com a arguida, para além das interacções profissionais) nada sabiam quanto aos factos, apenas resultando reforçada a clareza de espírito da arguida, a sua capacidade decisória lúcida, coerente e organizada e o seu gosto pela opulência e pelos objectos luxuosos, como frisou a testemunha, de forma vivida, a testemunha DDDDD, a qual teve a ser cargo os trabalhos de decoração dos escritórios da arguida na …., primeiramente no ….° piso e posteriormente no último piso da …., a arguida não se satisfazia com mobiliário simples, tipo "….".
Veja-se as despesas (locais e montantes) despendidos no estrangeiro (..... e .....), como consta da informação prestada pelo "BPI" a fls. 2275.
Dos depoimentos prestados pelas testemunhas WWWW, XXXX, VVVV, ZZZZ e YYYY nada se extrai que infirme (ou que confirme) a factualidade dada como provada, dado que, estas testemunhas não tinham qualquer conhecimento nem directo, nem presencial, nem a qualquer título, relativamente a estes factos, desconhecendo-os em absoluto, visto que os contactos que tiveram com a arguida não gravitaram em torno destes factos, conhecendo-a num contexto socioprofissional, bem como no âmbito da União Internacional dos Advogados ou do Centro Português de Estudos, em ....., sendo que, o conhecimento no que à testemunha VVVV se reporta se circunscreve à vida paroquial e da comunidade religiosa.
Todavia, o que se extrai dos depoimentos destas testemunhas, e que conviviam, nos contextos citados, com, a arguida em momentos contemporâneos com as datas dos factos acima devidamente elencados e dados como provados, é que a arguida assumia posições, exercia funções e tinha cargos de relevo e elevada exigência e, para tanto a mesma mostrava-se dotada da plenitude das suas faculdades quer mentais, quer profissionais, quer sociais, sendo denotando competência, eficiência, profissionalismo e adequação esmerada, o que reforça a convicção do Tribunal, no sentido que a arguida não padecia de qualquer tolhimento que afectasse a sua autodeterminação e a sua capacidade de avaliação da ilicitude ou da licitude das suas decisões, estando bem capaz de avaliar as consequências daí advenientes.
Pois, dos depoimentos destas testemunhas resulta que a arguida gozava de uma imagem de seriedade, dedicação, brio e probidade, quer no seio das suas relações pessoais, associativas, quer de carácter mais pessoal/social/paroquial, o que, em nada bule, com a circunstância de a arguida, quanto a estes onze assistentes, seus clientes, ter actuado nos moldes descritos, tanto mais, que nenhuma destas testemunhas interagiu com a arguida quer como cliente, quer no domínio do exercício estrito da advocacia na época destes factos.
Pelo que, a aparência de pessoa diminuída que a arguida pretende, endoprocessualmente, fazer crer é manifesta e ostensivamente incompatível com o relatado por estas testemunhas, frisando a sagacidade de espírito e de raciocínio que a mesma revelava.
Com efeito, essa imagem que a arguida cultivava e de que beneficiava é que lhe permitiu angariar clientes, como os assistentes, com disponibilidade económica para efectuar transferências nos montantes descritos - objectiva e indubitavelmente expressivos -, e num hiato temporal muito curto.
Aliás, a própria arguida afirma ter praticado actos - como ter sido dado um destino distinto daquele que motivou as transferências pelos clientes -, dos quais estas testemunhas distanciariam a própria arguida, logo o relato destas testemunhas é intrinsecamente inócuo para infirmar (ou confirmar) a demonstração dos factos imputados à arguida.
Sem olvidar que, estas testemunhas enfatizaram a coerência comportamental preconizada pela arguida, em momentos contemporâneos com a prática destes factos, o acerto na execução das tarefas e cargos que assumia, denotando, nesses aspectos, em relação aos quais detinham conhecimento directo e presencial, a arguida pleno domínio sobre as suas acções, revelando total compreensão quer da realidade circundante, quer da ilicitude/licitude das suas condutas, aliás, só assim se compreende o louvor, subjacente aos seus depoimentos, ao seu profissionalismo, capacidades de organização e de trabalho, não se tendo apercebido de qualquer fragilidade cognitiva ou debilidade psíquica que pudesse comprometer a sua inteligibilidade, a sua percepção e a sua capacidade de se autoavaliar e de se determinar, sem qualquer mitigação, nem diminuição, em conformidade com essa avaliação.
Veja-se que a testemunha VVVV, sacerdote na paróquia, na data dos factos, frequentada assiduamente pela arguida, salientou, inclusivamente, a excepcional clareza de espírito e de raciocínio e de compreensão que a arguida sempre denotava.
Com efeito, as decisões voluntariamente tomadas pela arguida são fruto da vontade livre e autodeterminada, e não porquanto a mesma tivesse a sua imputabilidade sequer diminuída, aliás, estas suas decisões são logicamente compatíveis com os seus egotistas interesses e autocentradas motivações, dado que, a arguida pretendia manter uma vida faustosa e de luxo (cfr. casa em ....., com as viagens e despesas inerentes, escritório em ...., no ….° piso da ….., ser conduzida em serviço privado de táxi), e na falta de liquidez imediata dispôs, quando não o podia fazer, dos valores transferidos por clientes, os aqui assistentes, dando-lhes o destino que bem quis, ao invés de serem tais valores aplicados na concretização das escrituras de compra e venda dos imóveis em causa, e através de existência/concretização desses investimentos/negócios permitir que os assistentes preenchessem os requisitos legais para obtenção dos "vistos gold", propósito do negócio de aquisição das propriedades em questão.
Dos depoimentos prestados pelas testemunhas RR e EEEEE nada se extraiu, em termos de substrato probatório, dado que o conhecimento daquela primeira testemunha se atem a obras que executou no escritório da arguida, piso ….° da ….., em .... — embora se corrobore a pretensão da arguida em manter hábitos e estilos de vida não compatíveis com o fluxo que pudesse provir de lucros ou rendimentos seus — e aquela segunda testemunha, com funções de assistente administrativa num período curo (Janeiro/Julho de 2017) nada sabia quanto ao estado em que se podiam, ou não, encontrar os processos dos assistentes, nada sabia quanto aos pagamentos dos clientes, e inclusivamente relatou aspectos que nenhuma outra testemunha referiu, o que afectou a sua credibilidade, no sentido que havia um telefone específico só para as operações bancárias, o que não só não tem qualquer lógica, como está em antinomia com o relatado pelas demais testemunhas que trabalharam ou prestaram serviços no escritório das arguidas, aliás esta testemunha denotou uma postura tensa, esquiva e incongruente, sem descurar que, é profundamente exíguo o seu conhecimento directo e presencial quanto aos factos.
Igualmente se concatenou criticamente tais meios probatórios com a análise da seguinte prova de índole documental, constante dos autos principais, de:
- fls. 11 a 11 verso, certidão permanente da sociedade comercial "S...... LTD —Sucursal em Portugal", constando do registo ser a arguida a representante da sociedade (data de deliberação de 10.12.2015), pessoa colectiva n.° …..;
- fls. 49 a 54, certidão relativa ao prédio urbano …, Lote ..., (Conservatória do Registo Predial de ....., freguesia .....), número de matriz …, constando-se a existência da inscrição da aquisição desse imóvel, pela apresentação … de 16.06.2009, pela "S…..LTD", pessoa colectiva n.° …., último adquirente "Banco Espírito Santo", por dação em cumprimento de FFFFF;
- fls. 55 a 57, certidão referente ao Lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o número …, freguesia ....., número de matriz …, constando a inscrição, a título de aquisição, por compra, a favor da "S...... LTD", através da apresentação …, de 14.04.2009, pessoa colectiva n.° …..;
- de fls. 5890/5891 resulta a identificação da sociedade arguida, resultando a mesma como inscrita, nada constando quanto à sua dissolução.
No que se refere ao dolo, o mesmo baseia-se na matéria de facto provada e nas regras da experiência comum, e nos factos objectivos dados como provados, que atentos tais meios de prova permitem concluir que, ao agir da forma descrita a arguida não podia deixar que ao elaborar e/ou mandar elaborar e ao utilizar tais documentos, acima descritos, estava a apor nos mesmos factos juridicamente relevantes, que bem sabia não terem qualquer correspondência com a verdade, e mais sabia que ao actuar da forma ardilosa que criou, determinava os ofendidos/demandantes/assistentes a proceder aos pagamentos respectivos, obtendo assim um beneficio ilegítimo em prejuízo patrimonial daqueles, o que quis e conseguiu e do que a arguida estava plenamente ciente, usando a sociedade arguida, como gerente da mesma, para a concretização desses fins.
No que se reporta à ausência de condenações sofridas, teve-se em consideração o teor dos respectivos certificados de registo criminal das arguidas, documentos autênticos, constantes de fls. 5923 e 5924 dos autos.
O relatório social consta de fls. 4005 a 4011, sendo tido em consideração o seu conteúdo, quanto ao enquadramento vivencial da arguida e à sua situação pessoal, social, profissional e familiar.
Os factos atinentes aos pedidos de indemnização cível dados corno provados, advêm, por um lado, da análise dos documentos, acima devidamente escalpelizados, que demonstram inequivocamente as transferências realizadas pelos demandantes para as contas bancárias das arguidas, conjugadas com a não concretização dos negócios/investimentos e não obtenção dos "vistos gold", concatenados com a não restituição por parte das arguidas, nos valores acima descritos, em prejuízo nítido e directo dos demandantes, e por outro lado, teve-se em consideração as declarações dos demandantes cíveis, cuja clareza, espontaneidade e segurança não suscita qualquer sombra de dúvida quanto à veracidade dos factos que relataram, com rigor e detalhe.
Quanto às despesas com viagens e estadias, bem como despesas de conversão alegadas pela demandante cível GG, as suas declarações, também neste domínio, mostram-se igualmente sustentadas pela análise da prova documental de fls. 136 a 199 dos autos apensos n.° 2862/15…. (documentos discriminativos das despesas com as viagens e estadias e respectivas datas) e fls. 3291 a 3312 mostram-se documentadas as despesas de conversão das moedas em causa.
Os factos não provados advêm da ausência cabal de prova da sua demonstração, sem olvidar que, por se tratarem de factos alusivos ao pedido de indemnização cível deduzido nos autos, o ónus da prova impendia sobre quem se arroga do direito, não se tendo provado que efectivamente naquele período de tempo a demandante cível II teria arrendado aquele imóvel e pelo preço da renda mensal como alegado, motivo pelo qual, se deram tais factos como não provados, sendo que essa não demonstração em nada se prende com a falta de credibilidade das suas declarações.
***          
3. Apreciando
Passamos, agora, a apreciar as questões colocadas nos recursos, seguindo uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras, começando, naturalmente, pelos recursos dos despachos interlocutórios.
3.1. Dos recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA
A) Recurso do despacho de 9/03/2020
Em 11/02/2020, a arguida AA, invocando o disposto no artigo 158.º, n.º1, al. b), do C.P.P., requereu a realização de nova perícia, a executar por psicólogo, a fim de:
a) ser analisada a sua personalidade e apurar se padece de perturbação narcísica da personalidade e, em caso afirmativo, em que medida;
b) caso se conclua pela verificação de perturbação de personalidade da arguida, de que modo é que a mesma influi na sua capacidade de discernimento e, consequentemente, se se pode considerar existir, in casu, imputabilidade diminuída da mesma (cfr. fls. 5137 e seguintes, 18.º volume).
O Ministério Público (fls. 5144 e seguintes), GG (fls. 5191-5192), HH e II (fls. 5217 e seguintes), CC e BB (fls. 5235) pronunciaram-se no sentido do indeferimento do requerido.
A arguida-sociedade, por sua vez, manifestou-se a favor do deferimento.
Em 9/03/2020, foi proferida decisão subscrita pelos três juízes do tribunal colectivo, com o seguinte teor:
«A arguida AA, aquando da apresentação da sua contestação, requereu a realização de perícia colegial, de índole médico-legal, a qual foi deferida e realizada (cfr. relatório pericial constante de fls. 4741 a 4747).
Nesse seu requerimento, a arguida pretendeu, e desde logo, que fosse aferida da existência de "doença essa que impedia a arguida, à data da prática dos factos, de avaliar a licitude e ilicitude da sua conduta e de pautar a sua actuação de acordo com essa avaliação" (cfr. artigo 31.°, da contestação), e mais invocou logo que "estamos, claramente, perante um caso de inimputabilidade diminuída (art. 20.º, n.º 2, do Código Penal), com fundamento numa patologia despistada e descrita, que evidencia que, ao tempo da prática dos factos aqui em apreço, a arguida não dominava os seus efeitos, não valoriza devidamente as suas consequências e não vislumbrava a respectiva gravidade" (cfr. artigo 34.°, da contestação).
Mais aduziu que "dos relatórios médico-psiquiátricos já juntos aos autos e do ora junto, decorre detectada à arguida a patologia perturbação bipolar II, associada a uma perturbação narcísica da personalidade (ICD 10 classificação internacional, a doença - F30.1 e F60.8) ", cfr. artigo 27,°, do mencionado requerimento, e concluiu que, "em síntese, considera a arguida que a patologia detectada é idónea a sustentar um juízo de inimputabilidade, ou, pelo menos, imputabilidade diminuída, o que, a demonstrar-se, conduzirá a uma diminuição da sua culpa, se não mesmo ao seu afastamento" (cfr. artigo 41.°, da contestação).
Ou seja, ao invés do agora suscitado pela arguida, foi considerado aquando da realização da perícia colegial, quer a inimputabilidade, quer a imputabilidade, quer a imputabilidade diminuída, como se mostra, aliás, reflectido nos "quesitos" elencados na contestação e meios de prova apresentados pela arguida, os quais foram admitidos nos precisos termos em que a arguida os formulou e, consequentemente, constituíram o objecto da perícia médico-legal realizada nos autos.
Pretende agora a arguida a realização de nova perícia, nos termos do Art. 158.°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Alicerça a sua pretensão nos esclarecimentos prestados por NN, médica psiquiatra, que interveio na perícia colegial realizada, enquanto perita indicada pela arguida.
Advoga a arguida que a Ex.ma Sra. Perita declarou não ter sido efectuada uma análise da personalidade da ora arguida, e que a mensuração da perturbação narcísica passa por uma avaliação psicológica.
Exercido o contraditório, em súmula, os demais sujeitos processuais pugnaram pelo indeferimento da pretensão da arguida, com excepção da sociedade arguida, que manifesta total concordância à realização de nova perícia.
Ora, ponderando os interesses conflituantes, afigura-se não assistir razão à arguida.
Vejamos.
Dos esclarecimentos prestados pela mencionada Ex.ma Sra. Perita nada se extrai que ponha em crise as conclusões cristalizadas no relatório da perícia médico-legal psiquiátrica, em clínica forense, cujo conteúdo reitera e confirma.
Na realidade, esses seus "esclarecimentos" consubstanciam posições teóricas e substancialmente académicas, embora intelectualmente estimulantes, não têm qualquer reflexo no juízo médico-legal, em sede de direito penal, sendo supérfluas e inócuas para a apreciação da "inirnputabilidade em razão de anomalia psíquica" ou "para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída" (cfr. Art." 20.°, n." 2, do Código Penal), aliás, a Ex.ma Sra. Perita, aquando dos esclarecimentos prestados, foi categórica em afirmar que não tinha qualquer dúvida, nem reserva nas conclusões alcançadas, por unanimidade.
Com efeito, da mera análise formal do relatório pericial junto aos autos, resulta, e desde logo, de forma ostensiva, por um lado, que as três peritas discutiram todas as questões que constituíam o objecto da perícia, e por outro lado, que as três peritas, por unanimidade, aprovaram as conclusões a que chegaram.
Do teor substantivo do citado relatório é cristalina a ausência de qualquer dúvida que tivesse ficado por dissipar, é patente a inexistência de qualquer discordância, clivagem ou discrepância técnica que tivesse permanecido, e mais é manifesto que nenhuma das três peritas sentiu qualquer necessidade de ser realizado qualquer outro exame ou análise suplementar.
Na verdade, o conteúdo espelhado no relatório colegial pericial médico-legal é claro, unívoco e manifestamente concludente, citando: "Pelo exposto, a provarem-se os factos pelos quais se encontra acusada, à data dos mesmos não apurámos evidência de que não estivesse mantida a capacidade de avaliação da ilicitude dos seus actos, bem como a capacidade de se auto-determinar perante tal avaliação, pelo que, no nosso entender, estão presentes pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE."
Mais se ponderou, aquando da realização da perícia, ao invés do pugnado pela arguida, da eventual diminuição da imputabilidade, veja-se e citando-se: "Pelo exposto, no caso em concreto, e apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realizada circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise."
Ou seja, as questões que a arguida pretende ver esclarecidas com a nova perícia requerida, já foram analisadas, ponderadas e discutidas, e concludentemente afastadas, porquanto se concluiu, sem ambiguidades, sem evasivas e sem quaisquer hesitações, pela imputabilidade, ponderando-se, e afastando-se, por unanimidade, a imputabilidade diminuída.
Dissecado o teor vertido no relatório pericial não se vislumbra a existência de qualquer omissão nem contradição, nem obscuridade, que objectivamente justifique uma nova perícia, e atendendo a esse mesmo conteúdo, a realização de tal "nova perícia" seria uma diligência redundante, inútil e manifestamente dilatória, dado que, o que se pretenderia aferir, da eventual existência de imputabilidade diminuída da mesma, já foi avaliado, ponderado e afastada.
Face ao supra exposto, indefere-se a requerida nova perícia.
Notifique.»          
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 151.º do C.P.P., a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
O artigo 159.º refere-se às periciais médico-legais e forenses, que incluem a perícia psiquiátrica destinada a apurar se o arguido sofre de anomalia psíquica capaz de justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída.
Estabelece o artigo 20.º do Código Penal:
«Artigo 20.º
Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica
1 - É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
2 - Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída.
3 - A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas pode constituir índice da situação prevista no número anterior.
4 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo agente com intenção de praticar o facto.»
O mencionado artigo 20.º faz derivar a inimputabilidade, no seu n.º 1, da dupla condição de o agente ser portador de anomalia psíquica, e ainda de, no momento da prática do facto, ser incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
Quanto àquela, que Figueiredo Dias apelida de “conexão biopsicológica” (Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2.ª edição, sobretudo pág. 574 e segs.), entende-se que o conceito de anomalia psíquica é mais vasto do que o de “doença mental”, abrangendo “todo e qualquer transtorno ocorrido ao inteiro nível do psíquico, adquirido ou congénito”. Além do mais, o autor inclui as chamadas psicopatias, as neuroses e as anomalias sexuais,  como “desvios de natureza psíquica relativamente ao «normal» que se não baseiem em uma «doença» ou «enfermidade corpórea»”, apresentando-se: as psicopatias como “peculiaridades do carácter devidas à própria disposição natural, e que afetam de forma sensível, a capacidade de levar uma vida social ou de comunicação normal”; as neuroses como “anomalias de comportamento adquiridas, que se apresentam como reacções anómalas episódicas e são, as mais das vezes, susceptíveis de tratamento”; às anomalias do instinto sexual pertencem, por sua vez, “tanto os ditos «desvios sexuais», como o grau anormalmente elevado (hipersexualidade) ou diminuído (hipo-sexualidade) da actividadae sexual”.
O autor que referimos acrescenta depois que a enorme extensão do campo de todas estas anomalias – psicopatias e outras - e a ambiguidade, afinal, do conceito de normalidade, impõem uma “fortíssima restrição”. Esta realizar-se-á através da ideia de que temos que estar perante um desvio ou distúrbio “graves” ou “muito graves”, equiparáveis “nos seus efeitos sobre o decurso da vida psíquica, a verdadeiras psicoses”. Nestas últimas, se incluem, por exemplo, a esquizofrenia ou a loucura maníaco-depressiva.
Quanto ao segundo elemento, apelidado de “conexão normativo-compreensiva” – que o agente, no momento da prática do factos, seja incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação -, entende o referido autor que aquela formulação deve ser reconduzida à “destruição pela anomalia psíquica das conexões reais e objectivas de sentido entre o agente e o facto, de tal modo e em tal grau que torne impossível a compreensão do facto como facto do agente”, caso em que estar-se-á perante um inimputável.
Diz-se no acórdão do S.T.J., 30-03-2017, Processo 199/15.1PEOER.L1.S1 (disponível in www.dgsi.pt, como outros que venham a ser citados sem diversa indicação):
«Entendemos que, por um lado, o juízo de inimputabilidade não pode deixar de pressupor que o agente não pôde agir de outra maneira na situação. É a nossa lei que claramente o impõe.
Para ser considerado inimputável o agente tem que atuar como pessoa completamente não livre, do ponto de vista intelectivo, volitivo ou de ambos.
Ora, para se chegar a esta conclusão, ou à inversa, sempre teremos que recorrer a factos concludentes que uma experiência empírica da vida nos revela. Aliás, este "senso comum" não pode deixar de ser valorado e transposto normativamente, porque é ele que subjaz e é generalizadamente aceite em todo o relacionamento social. A comunidade só funciona porque tem na base a possibilidade de responsabilização dos seus membros, de tal modo que a liberdade (enquanto poder agir de outra maneira), como característica do humano, deve ser pressuposto de toda a política social e portanto criminal, sem necessidade de prova científica ou demonstração filosófica.
Mas, por outro lado, e consequentemente, o comportamento do inimputável deve constituir, para o julgador, um desafio à compreensão. Compreensão que se mostrará impossibilitada quando se revela uma falta absoluta de sentido na atuação do agente, a falta de "apreensão da conexão objetiva de sentido entre a pessoa e o seu facto" (ibidem).   
Dir-se-ia, nesta linha de raciocínio, que perante uma personalidade "bad" se censura porque se entende. Face a uma personalidade "mad", a total incompreensibilidade da atuação do agente abre caminho à não censura.
O art. 20º citado, no seu nº 2, contempla as situações em que, havendo anomalia psíquica que tem que ser grave, não acidental e com efeitos que o agente não domina, mas sem que por isso possa ser censurado, o agente apresente uma capacidade de avaliação e determinação "sensivelmente diminuída" no momento da prática do facto. Assim, surge como postulado incontornável do legislador a possibilidade de quantificação das capacidades. Não se é, ou não é livre, quando se atua, ponto final. A lei pressupõe que o agente pode ser mais ou menos livre quando atua.
 O sistema monista pelo qual o legislador resolveu enveredar leva a que, em tais casos, o julgador possa considerar o agente inimputável, sujeitando-o a uma medida de segurança, ou então manter o juízo de imputabilidade, traduzindo na medida da pena a consideração de um grau diminuído de culpa, e mesmo assim, não necessariamente
Para formular um juízo de inimputabilidade que iniba a condenação pela prática de um crime torna-se necessário o que se designa como «condensação ou precipitação» da anomalia psíquica «naquela conduta» apelidando-se aquele juízo de «relacional ou referencial» a implicar um «triângulo probatório cujos lados são: o facto, a anomalia psíquica e o nexo que os junta numa mesma unidade de sentido» (Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de Ininputáveis e «in dubio pro reo»”, p. 125).
No que concerne à imputabilidade diminuída, diz-se no acórdão do S.T.J., de 27-01-2010 (Proc. n.º 401/07.JELSB.L1.S1 - 5.ª Secção), que pressupõe e exige a existência de uma anomalia ou alteração psíquica (substrato biopsicológico) que afecte o sujeito e interfira na sua capacidade para avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída (efeito psicológico ou normativo).
Trata-se do entendimento tradicional em que a imputabilidade diminuída é reconhecida como cobrindo as situações em que o agente está fortemente limitado na sua capacidade de avaliação da ilicitude do acto e de determinação de acordo com essa avaliação, sem que tal capacidade esteja completamente eliminada. Tradicionalmente, a diminuição dessa capacidade determinaria a diminuição da culpa, o que por sua vez obrigaria à atenuação da pena.
Esta concepção da imputabilidade diminuída, fundada na diminuição da culpa, não tem, porém, correspondência na lei penal, não sendo perfilhada por Figueiredo Dias.
É nos n.ºs 2 e 3 do artigo 20.º, do Código Penal, que a lei trata das situações em que a capacidade de avaliação e autodeterminação do agente se encontra “sensivelmente diminuída”: o n.º 2 prevê a extensão da inimputabilidade aos casos em que o agente, “por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída”, enquanto o n.º 3 acrescenta que a comprovada insensibilidade do agente às sanções penais pode constituir índice da situação prevista no n.º 2.
Estes dois preceitos preveem casos em que, apesar de o agente não se encontrar destituído de capacidade de avaliação, a gravidade da situação permite assimilá-la à de autêntica inimputabilidade (a do n.º 1). Trata-se de situações de imputabilidade duvidosa, expressão utilizada por Figueiredo Dias (ob. cit., p. 584) ou de imputabilidade atenuada, na expressão de Cristina Costa Coelho.
 Verdadeiramente, ao permitir a integração dessas situações na inimputabilidade, a lei admite uma inimputabilidade fictícia, uma vez que a situação não é de total carência de capacidade de avaliação e determinação. Entendeu, porém, o legislador que, nos casos mais graves, o tribunal deve poder optar (“pode ser declarado inimputável…”) entre a decisão de imputabilidade ou de inimputabilidade, ou seja, entre a aplicação de uma pena ou antes de uma medida de segurança, conforme faça ou não sentido censurar eticamente a conduta do agente (n.º 2), ou tentar (ainda) influenciar a sua conduta futura mediante a aplicação de uma pena (n.º 3) (Figuiredo Dias, ob. cit., p. 587).
Ou seja: os casos de “diminuição sensível da capacidade de avaliação” podem ser tratados como de inimputabilidade ou antes de imputabilidade (diminuída), de acordo com o juízo que o tribunal faça sobre os pressupostos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 20.º do Código Penal.
Como se refere no acórdão do S.T.J., de 03-07-2014, processo 354/12.6GASXL.L1.S1, no caso de o tribunal considerar o agente imputável, estaremos então perante um caso de imputabilidade diminuída, mas o legislador não determina nem sequer prevê a atenuação da pena, como se imporia caso a imputabilidade diminuída se fundasse numa presumida diminuição da culpa.
É que “na determinação do grau de culpa na imputabilidade diminuída há que levar em conta as qualidades pessoais do agente, reflectidas no facto; quando estas se revelarem especialmente desvaliosas do ponto de vista do direito, estaremos perante uma culpa agravada, a que corresponderá uma pena necessariamente mais grave”.
É neste sentido que se pronuncia Figueiredo Dias (ob. cit., p. 585), e bem assim o S.T.J. nos acórdãos de 19/03/2009, proc. 09P0315, de 27/1/2010, proc. 401/07.3JELSB.L1.S1, de 13/4/2011, proc. 693/09.3JABRG.P2.S1 - mesmo em caso de comprovada imputabilidade diminuída, o agente que padece de anomalia psíquica, pode não ser reconduzido a uma situação de atenuação da pena, mas antes incorrer na sua agravação, nos casos em que as qualidades pessoais do agente, que fundamentam o facto, se revelem particularmente desvaliosas e censuráveis.
Mais concretamente quanto às questões colocadas pelas perturbações de personalidade e a afectação da capacidade de querer, trata-se de matéria objecto de debate teórico, em que se sublinha a ambivalência das caracteristícas extremadas da personalidade - «maneira de ser» - e o seu reflexo na mensuração da responsabilidade, entendendo-se que a figura da “anomalia psíquica” não abrange habitualmente estas situações de anomalia de carácter, que não se apresentam, em regra (fora os casos, que se discutem, de perturbações graves do tipo perturbação paranóide da personalidade ou perturbações esquizóide e esquizotípica da personalidade),  com gravidade e consistência susceptíveis de anular ou tornar ineficiente a capacidade de auto-determinação racional no momento do crime.
É por isso que encontramos casos na nossa jurisprudência em que, apresentando os agentes uma personalidade («maneira de ser») com traços de tipo borderline e narcísicos, ou “perturbação da personalidade denominada de perturbação anti-social”, nem por isso foram considerados inimputáveis ou sequer com imputabilidade diminuída, não se podendo dizer que, no momento da prática dos factos, eram incapazes de avaliá-los e de se determinar de acordo com essa avaliação, ou que tivessem essa capacidade ou possibilidade de determinação “sensivelmente diminuída”. Pode até verificar-se que na perturbação da personalidade do agente se exteriorizem «qualidades de carácter que relevam, também, do ponto de vista ético-jurídico, que fazem parte da total personalidade ética que fundamenta o facto, e que, nesta medida, devem ser valoradas como culpa do agente e conduzem (enquanto particularmente desvaliosas) à sua agravação» (Figueiredo Dias, in "Liberdade, Culpa, Direito Penal", 1983, pág. 199).
In casu, a arguida AA, aquando da apresentação da sua contestação (a fls.3762 e seguintes, 13.º volume), requereu a realização de perícia médico-legal, nos seguintes termos:
«A Arguida, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 151 a 160 – A do CPP vem requerer a realização de perícia médico-legal colegial, nos termos e fundamentos seguintes:
i. A arguida pretende ser sujeita a perícia médico-legal colegial com vista a confirmar a patologia de que padece – Perturbação Bipolar II, associada a uma Perturbação Narcísica da Personalidade (ICD 19 classificação internacional a doença – F30.1 e F60.8) e, em caso afirmativo;
ii. Se tal patologia afeta a sua capacidade de autodeterminação e que efeitos poderá ter tido, em concreto, em casos com a fisionomia dos aqui em julgamento
Com a contestação foi junto um “relatório médico-psiquiátrico” (fls. 3773-3773), subscrito por NN, psiquiatra que acompanha a arguida desde 1989 e que veio a integrar o colégio de três peritas que procedeu à requerida perícia médico-legal, que foi deferida por despacho de 2/07/2019 (fls. 3790) e encaminhada ao INML.
O “relatório de perícia médico-legal psiquiatria” encontra-se a fls. 4742-4747, volume 16.º.
A junta médica de psiquiatria teve lugar na Delegação Sul do INML-CF, em 29/08/2019, sendo o relatório respectivo datado de 9/12/2019.
Consta do ponto VII., intitulado “Discussão e conclusões”:
«De acordo com a avaliação clínica realizada, e com os dados documentais disponíveis, somos de opinião que a arguida apresenta sintomatologia compatível com o diagnóstico de Perturbação Afectiva Bipolar tipo II (CID-1: F 31, OMS, 1992), associada a Perturbação da Personalidade com características Narcísicas (CID – 10: F 60.8, OMS, 1992).
A Perturbação Afectiva Bipolar caracteriza-se por acessos depressivos em que domina a tristeza, e episódios (hipo)maníacos em que o humor se encontra eufórico ou exaltado/irritável, com aumento de todos os processos vitais. Podem ainda surgir sintomas psicóticos (i.e. delírios e/ou alucinações), o que não parece ser o caso em concreto. No caso em apreço predominarão os períodos depressivos, havendo alguns períodos de euforia, motivo pelo qual terá sido aventado o diagnóstico de Perturbação Afectiva Bipolar tipo lI.
Ainda que não tenha sido possível concluir, com rigor, a data de início dos sintomas psiquiátricos, foi possível confirmar que tal patologia seria prévia à data dos factos, uma vez que o 1.º internamento psiquiátrico teve lugar em 1990, e que se trata de uma patologia crónica, que veio a motivar acompanhamento psiquiátrico pelo menos desde o ano 1989.
Relativamente às perturbações de personalidade, estas não configuram habitualmente anomalias psíquicas no sentido de "doenças mentais", não sendo, portanto, consideradas anomalias psíquicas graves. Trata-se sobretudo de traços excessivos e disfuncionais da Maneira de Ser do individuo, ou seja, são antes disfunções de "carácter". No caso em apreço, identificam-se traços narcísicos muito vincados, o que poderá ter contribuído marcadamente para os comportamentos ao longo da sua vida.
Relativamente aos factos em apreço, ficamos na dúvida se a sua conduta foi independente da sua vontade e gerada por factores psicopatológicos que a arguida tivesse dificuldade em dominar e/ou controlar, fruto de descompensação da sua Doença Bipolar. De facto, não é habitual que num individuo com Perturbação Afectiva Bipolar tipo II persista um estado de hipomania durante pelo menos 3 anos consecutivos, que justificasse os factos descritos na acusação, i.e. de 2014 a 2017. Acresce que a arguida relata que em 2016 procurou de novo a Prof. NN, porque se encontraria numa fase depressiva (e não numa fase de euforia, em que a adesão ao tratamento é habitualmente menor). Para além disso, nas fases depressivas os indivíduos tomam-se mais disfuncionais, como foi objectivado na actualidade, mas com maior juízo critico, ou seja, com maior capacidade de avaliação da situação clínica e do impacto negativo dos sintomas, excepto quando o quadro é de tal forma grave e em que surgem sintomas psicóticos, o que não parece ter sido o caso.
Mas independentemente da patologia de que padece, e do estado clínico em que se pudesse encontrar à data dos factos, i.e. de 2014 a 2017, o que é certo é que a arguida negou todos os factos pelos quais se encontra acusada. Nesse sentido, não é possível estabelecer uma relação entre eventuais sintomas psiquiátricos que apresentasse e os factos descritos na acusação, já que fornecesse uma explicação para ter levado a cabo os mesmos, que não parece emanar da doença bipolar. Acresce que não se apuraram sintomas abnormes, nomeadamente ideias de intensidade deliróide/delirante, que pudessem de alguma forma enviesar a leitura da realidade e/ou a sua capacidade de avaliar o que era (e não era) lícito. Durante todo esse período manteve-se a trabalhar, contactando clientes, quer no país, quer no estrangeiro, não tendo o seu comportamento sido de tal forma "anormal" que pudesse suscitar algumas dúvidas aos colaboradores, mas sobretudo aos clientes, que lhe terão confiado avultadas somas de dinheiro, o que indicia comportamento adequado e sensação de credibilidade.
Assim, somos levados a crer que, independentemente da doença mental de que padece, os factos constantes na acusação - mas que a arguida nega - poderão ter sido mais influenciados pela sua personalidade, i.e. "Maneira de Ser", do que por sintomas psiquiátricos abnormes decorrentes da sua doença bipolar. Ainda assim, admitida a existência da referida perturbação, esclarece-se que tendo importância académica e psiquiátrica, não se reveste de interesse médico-legal para a (in)imputabilidade, uma vez que não releva para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, nem para a alteração da consciência da ilicitude. Os traços característicos e vulnerabilidade da sua "Maneira de Ser" ou eventual perturbação relevam, sim, para a prognose da sua perigosidade independente de processo psicopatológico, e sociabilízação, melhor desenvolvidos em avaliação sobre a Personalidade / "Maneira de Ser", que incide sobre as questões da culpa, censurabilidade, e perversidade do acto, matéria em relação à qual, em rigor, não compete ao perito psiquiatra exprimir opinião.
Acresce que relativamente à possível Perturbação da Personalidade, enquanto Maneira de Ser disfuncional ou socialmente inadaptativa, ainda que a figura da anomalia-psiquica a que faz referência o artigo 20.º n.º 1 tenha um carácter amplo e impreciso, não abrange habitualmente estas situações. Aliás, como preconiza Carlota Pizarro de Almeida, "ela contemplará apenas as anomalias psíquicas e já não as de carácter"
Importará ainda discutir se, a provarem-se os factos pelos quais se encontra indiciada, esteve presente impulso irresistivel que a própria não tenha podido de alguma forma dominar. Se bem que se confirme a existência de impulsividade enquanto traço na "Maneira de Ser" da arguida - e em rigor não possa nunca ser excluída alguma natural impulsividade -, existem indícios que se opõem à sua relevância para os actos praticados, que implicavam algum grau de controle comportamental.
Queremos com isto dizer que, mais do que a existência de uma patologia especifica e classificável, será também relevante para a análise pretendida a caracterização dos estados psicológicos e da sua tradução comportamental, do que única e exclusivamente o seu enquadramento numa patologia subjacente. Assim sendo, de acordo com a avaliação clínica realizada e consulta das partes processuais disponibilizadas, não se apurou evidência que os factos constantes na acusação - e que a arguida nega - tivessem sido levados a cabo no contexto de descompensação de anomalia psíquica (grave) de que é portadora.
Pelo exposto, no caso em concreto, e apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realidade circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise. Com efeito, a própria arguida admite que tinha conhecimento do carácter errado dos seus actos, que nega de forma veemente, tendo fornecido uma explicação relativamente lógica para os mesmos. De facto, segundo a arguida, os seus actos terão sido levados cabo num contexto de planeamento em que, por factores alheios à sua vontade e da responsabilidade terceiros, viu não serem repostos os montantes que, entretanto e alegadamente, teria gasto "por conta". Tal explicação fornecida na actualidade, em que não se encontra em fase hipomaníaca, não é a favor da existência de impulsividade que a arguida não pudesse controlar, à data dos mesmos.
Importa ainda perceber se a anomalia psíquica impediria a arguida de se autodeterminar perante a avaliação feita do que é, e não é lícito. Quanto a esta vertente, não é possível explicar que a anomalia psíquica per se pudesse, de alguma forma, atingir intrinsecamente a capacidade da arguida se comportar, ou se quisermos, a sua capacidade para agir de uma outra maneira, por força de factores abnormes independentes de si e que a própria não controlava à data dos factos. Quer isto dizer que à data dos factos tal não condicionaria a destruição da conexão objectiva do sentido do seu comportamento, de tal modo que o comportamento pudesse ser causalmente explicado, mas não espiritualmente compreendido e imputado à "Maneira de Ser" (prévia) da arguida. Assim, consideramos que a anomalia psíquica de que padece não interferiria na sua capacidade de se auto-determinar perante a avaliação feita da ilicitude dos actos.
Pelo exposto, a provaram-se os factos pelos quais se encontra acusada, à data dos mesmos não apurámos evidência de que não estivesse mantida a capacidade de avaliação da ilicitude dos seus actos, bem como a capacidade de se auto-determinar perante tal avaliação, pelo que no nosso entender estão presentes pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE.
Admitida que foi a imputabilidade, a perigosidade dependerá mais de factores sociojurídicos do que clínico-psiquiátricos, constituindo, pois, matéria de apreciação essencialmente judicial, subtraída à perícia psiquiátrica, nos termos do artigo 91.º do Código Penal. Dito isto, e se bem que o aspecto clinico-psiquiátrico da personalidade não releve para pressupostos médico-legais de imputabilidade - já que, como se explicou atrás, não é susceptível, por si só, de produzir alteração de consciência de significação ou diminuição de capacidade de avaliação - sempre importará, perante a intensidade de vivência dos afectos, percepção de si, e características do funcionamento interpessoal, para a prognose de perigosidade – ainda que independente de causas patológicas -, já que tais característivas ou tipo de personalidade revelam-nos também a tendência daquela Pessoa em agir,  ou sentir.
Os elementos ou factores aí referidos deverão, pois, ser ponderados conjuntamente com os factores sócio-jurídicos em sede de decisão.
(…).»
Para além do exame directo da arguida, consideração dos antecedentes pessoais e familiares, a “junta médica da especialidade” contou com o chamado “exame indirecto”, integrado por diversas peças, entre as quais, para além da acusação e da contestação, o “relatório médico-psiquiátrico” junto aos autos com a contestação e três declarações médicas – relatório e declarações subscritos pela Dr.ª NN, psiquiatra que há muito acompanha a arguida e que, como já se disse, integrou o colégio de peritas e subscreve o relatório pericial.
 Analisado o relatório pericial, verificamos que o mesmo responde à primeira questão que a arguida pretendia fosse respondida quando, ao deduzir contestação, requereu a realização de perícia médico-legal: confirmar que padece de Perturbação Bipolar II, associada a uma Perturbação Narcísica da Personalidade.
Realmente, o relatório refere que a arguida “apresenta sintomatologia compatível com o diagnóstico de Perturbação Afectiva Bipolar tipo II (CID-1: F 31, OMS, 1992), associada a Perturbação da Personalidade com características Narcísicas (CID – 10: F 60.8, OMS, 1992)”, esclarecendo:
«A Perturbação Afectiva Bipolar caracteriza-se por acessos depressivos em que domina a tristeza, e episódios (hipo)maníacos em que o humor se encontra eufórico ou exaltado/irritável, com aumento de todos os processos vitais. Podem ainda surgir sintomas psicóticos (i.e. delírios e/ou alucinações), o que não parece ser o caso em concreto. No caso em apreço predominarão os períodos depressivos, havendo alguns períodos de euforia, motivo pelo qual terá sido aventado o diagnóstico de Perturbação Afectiva Bipolar tipo lI.
Ainda que não tenha sido possível concluir, com rigor, a data de início dos sintomas psiquiátricos, foi possível confirmar que tal patologia seria prévia à data dos factos, uma vez que o 1.º internamento psiquiátrico teve lugar em 1990, e que se trata de uma patologia crónica, que veio a motivar acompanhamento psiquiátrico pelo menos desde o ano 1989
Quer isto dizer que, com referência à Classificação Internacional de Doenças, estabelecida pela Organização Mundial de Saúde, a perícia médico-legal aceitou o diagnóstico de “perturbação afectiva bipolar tipo II”, associada a “perturbação da personalidade com características narcísicas”.
No que concerne à “perturbação afectiva bipolar tipo II”, se recorrermos ao Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders da “American Psychiatric Association” – normalmente designado de DSM -, na sua 5.ª edição, verificamos que se caracteriza por um curso clínico de episódios de humor recorrentes, consistindo em um ou mais episódios “depressivos maiores” e pelo menos um” episódio hipomaníaco”. O episódio depressivo maior deve ter duração de, pelo menos. duas semanas, e o hipomaníaco, de, no mínimo, quatro dias, para que sejam satisfeitos os critérios diagnósticos estabelecidos no DSM -5. Entre os episódios de humor, muitas pessoas com transtorno bipolar tipo II têm um nível totalmente funcional, embora se admita que pelo menos 15% continuem a ter alguma disfunção entre os episódios.
Quanto à perturbação / transtorno de personalidade, seguindo o mesmo DSM – 5, para que se verifique tem de tratar-se de um padrão persistente de pensamento, sentimento e comportamento que é relativamente estável ao longo do tempo e que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, começa na adolescência ou no início da fase adulta e leva a sofrimento ou prejuízo.
A “perturbação da personalidade com características narcísicas” é integrada no grupo B dos transtornos da personalidade, na DSM -5, constituindo característica essencial do transtorno da personalidade narcisista um padrão difuso de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, assinalando a DSM diversos critérios de diagnóstico do transtorno.
Regressando ao relatório pericial, este refere que, relativamente às perturbações de personalidade, estas não configuram habitualmente anomalias psíquicas no sentido de "doenças mentais", não sendo, portanto, consideradas anomalias psíquicas graves. Trata-se sobretudo de traços excessivos e disfuncionais da Maneira de Ser do individuo, ou seja, são antes disfunções de "carácter". No caso em apreço, “identificam-se traços narcísicos muito vincados, o que poderá ter contribuído marcadamente para os comportamentos ao longo da sua vida.”
Respondida a primeira questão, pretendia-se com a perícia, também, saber se a condição da arguida “afecta a sua capacidade de autodeterminação e que efeitos poderá ter tido, em concreto, em casos com a fisionomia dos aqui em julgamento.”
Muito embora, aparentemente, o relatório formule a dúvida sobre “se a sua conduta foi independente da sua vontade e gerada por factores psicopatológicos que a arguida tivesse dificuldade em dominar e/ou controlar, fruto de descompensação da sua Doença Bipolar”, certo é que, a nosso ver, trata-se da formulação de uma dúvida hipotética que logo a seguir o relatório resolve no sentido de afastar a inimputabilidade e mesmo a imputabilidade diminuída.
Assinala o relatório não ser habitual que num individuo com perturbação afectiva bipolar tipo II persista um estado de hipomania durante pelo menos 3 anos consecutivos, que justificasse os factos descritos na acusação, i.e. de 2014 a 2017, o que se percebe porquanto, nessa perturbação, prevalecem os episódios de depressão com períodos ocasionais de euforia que não chegam a constituir episódios maníacos (razão de falar-se em hipomania).
Por outro lado, assinala-se que a arguida “relata que em 2016 procurou de novo a Prof. NN, porque se encontraria numa fase depressiva (e não numa fase de euforia, em que a adesão ao tratamento é habitualmente menor). Para além disso, nas fases depressivas os indivíduos tomam-se mais disfuncionais, como foi objectivado na actualidade, mas com maior juízo critico, ou seja, com maior capacidade de avaliação da situação clínica e do impacto negativo dos sintomas, excepto quando o quadro é de tal forma grave e em que surgem sintomas psicóticos, o que não parece ter sido o caso.
Seguidamente, o relatório dá conta de não ser possível estabelecer uma relação entre eventuais sintomas psiquiátricos que apresentasse e os factos descritos na acusação, não identificando uma relação entre a doença bipolar e tais factos, assinalando que “não se apuraram sintomas abnormes, nomeadamente ideias de intensidade deliróide/delirante, que pudessem de alguma forma enviesar a leitura da realidade e/ou a sua capacidade de avaliar o que era (e não era) lícito. Durante todo esse período manteve-se a trabalhar, contactando clientes, quer no país, quer no estrangeiro, não tendo o seu comportamento sido de tal forma "anormal" que pudesse suscitar algumas dúvidas aos colaboradores, mas sobretudo aos clientes, que lhe terão confiado avultadas somas de dinheiro, o que indicia comportamento adequado e sensação de credibilidade”.
Admitindo que os factos constantes na acusação “poderão ter sido mais influenciados pela sua personalidade, i.e. "Maneira de Ser", do que por sintomas psiquiátricos abnormes decorrentes da sua doença bipolar”, o relatório pericial, relativamente à perturbação de personalidade, diz:
«(…) esclarece-se que tendo importância académica e psiquiátrica, não se reveste de interesse médico-legal para a (in)imputabilidade, uma vez que não releva para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, nem para a alteração da consciência da ilicitude. Os traços característicos e vulnerabilidade da sua "Maneira de Ser" ou eventual perturbação relevam, sim, para a prognose da sua perigosidade independente de processo psicopatológico, e sociabilização, melhor desenvolvidos em avaliação sobre a Personalidade / "Maneira de Ser", que incide sobre as questões da culpa, censurabilidade, e perversidade do acto, matéria em relação à qual, em rigor, não compete ao perito psiquiatra exprimir opinião
Discutindo a questão de saber se esteve presente “impulso irresistível” que a arguida “não tenha podido de alguma forma dominar”, o relatório pericial, confirmando a existência de impulsividade enquanto traço na “Maneira de Ser” da arguida – “e em rigor não possa nunca ser excluída alguma natural impulsividade” -, ressalta a existência de indícios que se opõem à sua relevância para os actos praticados, que implicavam algum grau de controlo comportamental.
Lê-se no relatório:
«Queremos com isto dizer que, mais do que a existência de uma patologia especifica e classificável, será também relevante para a análise pretendida a caracterização dos estados psicológicos e da sua tradução comportamental, do que única e exclusivamente o seu enquadramento numa patologia subjacente. Assim sendo, de acordo com a avaliação clínica realizada e consulta das partes processuais disponibilizadas, não se apurou evidência de que os factos constantes na acusação - e que a arguida nega - tivessem sido levados a cabo no contexto de descompensação de anomalia psíquica (grave) de que é portadora
Por conseguinte, reconhecendo-se o diagnóstico de perturbação afectiva bipolar tipo II, e bem assim a perturbação de personalidade narcisista como “Maneira de Ser” da arguida – anomalia de carácter -, o relatório pericial não identifica conexão de relevância entre esta e os factos, nem que estes tenham sido praticados no contexto de descompensação daquela perturbação afectiva bipolar tipo II.
É assim que se conclui (itálico nosso):
«Pelo exposto, no caso em concreto, e apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realidade circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise. Com efeito, a própria arguida admite que tinha conhecimento do carácter errado dos seus actos, que nega de forma veemente, tendo fornecido uma explicação relativamente lógica para os mesmos. De facto, segundo a arguida, os seus actos terão sido levados cabo num contexto de planeamento em que, por factores alheios à sua vontade e da responsabilidade terceiros, viu não serem repostos os montantes que, entretanto e alegadamente, teria gasto "por conta". Tal explicação fornecida na actualidade, em que não se encontra em fase hipomaníaca, não é a favor da existência de impulsividade que a arguida não pudesse controlar, à data dos mesmos.
Importa ainda perceber se a anomalia psíquica impediria a arguida de se autodeterminar perante a avaliação feita do que é, e não é lícito. Quanto a esta vertente, não é possível explicar que a anomalia psíquica per se pudesse, de alguma forma, atingir intrinsecamente a capacidade da arguida se comportar, ou se quisermos, a sua capacidade para agir de uma outra maneira, por força de factores abnormes independentes de si e que a própria não controlava à data dos factos. Quer isto dizer que à data dos factos tal não condicionaria a destruição da conexão objectiva do sentido do seu comportamento, de tal modo que o comportamento pudesse ser causalmente explicado, mas não espiritualmente compreendido e imputado à "Maneira de Ser" (prévia) da arguida. Assim, consideramos que a anomalia psíquica de que padece não interferiria na sua capacidade de se auto-determinar perante a avaliação feita da ilicitude dos actos.
Pelo exposto, a provarem-se os factos pelos quais se encontra acusada, à data dos mesmos não apurámos evidência de que não estivesse mantida a capacidade de avaliação da ilicitude dos seus actos, bem como a capacidade de se auto-determinar perante tal avaliação, pelo que no nosso entender estão presentes pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE.»
Admitida a imputabilidade, “a perigosidade dependerá mais de factores sociojurídicos do que clínico-psiquiátricos. constituindo, pois, matéria de apreciação essencialmente judicial, subtraída à perícia psiguiátrica”, sendo que as características da personalidade não relevarão para a imputabilidade, mas para a prognose de perigosidade.
Foi perante este relatório de perícia médico-legal que a arguida/ora recorrente requereu, em 11/02/2020, invocando o disposto no artigo 158.º, n.º1, al. b), do C.P.P., a realização de nova perícia, sustentando a sua necessidade para “apuramento do seu verdadeiro estado de saúde mental, a fim de suprir a inexata avaliação psiquiátrica a que foi sujeita, nomeadamente quanto ao grau de perturbação de personalidade que não decorre dos resultados da primeira perícia”.
Estabelece o artigo 158.º do C.P.P.:
«Esclarecimentos e nova perícia
1 - Em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade, que:
a) Os peritos sejam convocados para prestarem esclarecimentos complementares, devendo ser-lhes comunicados o dia, a hora e o local em que se efectivará a diligência; ou
b) Seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outro ou outros peritos.
2 - Os peritos dos estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais são ouvidos por teleconferência a partir do seu local de trabalho, sempre que tal seja tecnicamente possível, sendo tão-só necessária a notificação do dia e da hora a que se procederá à sua audição
Como refere Maria do Carmo da Silva Dias (Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas questões ligadas à prova pericial, Revista do CEJ, III, 2005, 169-225), “a renovação da perícia anterior, apesar de ser feita por outros peritos, não deixa de ser uma «repetição da já realizada», funcionando quase como uma «revisão» ou aperfeiçoamento da perícia anterior.
Sendo a primeira perícia deficiente, a opção por uma ou outra das soluções deverá depender do tipo de vícios que apresenta (se os vícios forem relevantes, essenciais, deverá optar-se pela nova perícia, caso contrário poderá recorrer-se à renovação da perícia anterior). Também pode suceder que, em face dos resultados da anterior perícia, seja necessário proceder a uma nova perícia que vai «recaiar sobre objecto diferente (pessoa ou coisa) ou sobre aspectos distintos dos considerados na perícia anterior». Conclui-se que neste caso essa nova perícia funciona como primeira perícia e não como forma de corrigir a anterior.
Os mecanismos referidos no artigo 158.º foram criados para permitir corrigir «imperfeições» (vícios) da primeira perícia e não para autorizar a realização de novas perícias sobre objecto diferente, já que, pela regra geral do artigo 151.º do CPP, há sempre possibilidade de fazer uma perícia (necessariamente nova perícia) sobre objecto diferente ou questões diferentes de outra perícia que já tivesse sido feita e constasse do processo.”
Ora, não se identificam quaisquer omissões, contradições ou obscuridades no relatório da perícia médico-psiquiátrica.
Como já se disse, o relatório confirma o diagnóstico de Perturbação Bipolar II, associada a uma Perturbação Narcísica da Personalidade.
No que concerne às consequências desse estado, designadamente, da perturbação de personalidade, no plano da capacidade de discernimento e da eventual imputabilidade diminuída, não corrresponde à realidade pretender-se que o relatório pericial é omisso, contraditório ou obscuro.
Realmente, como já se viu, o relatório pericial menciona que, apesar da presença dos quadros descritos e das referidas anomalias “não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise.”
Quanto à capacidade da arguida se determinar perante a avaliação feita do que é e não é lícito, o relatório conclui que “a anomalia psíquica de que padece não interferiria na sua capacidade de se auto-determinar perante a avaliação feita da ilicitude dos actos.”
Por outro lado, o relatório pericial, referindo-se à perturbação de personalidade, atesta que a mesma não releva “para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, nem para a alteração da consciência da ilicitude”.
Se partirmos do entendimento tradicional da imputabilidade diminuída, que pressupõe e exige a existência de uma anomalia ou alteração psíquica (substrato biopsicológico) que afecte o sujeito e interfira na sua capacidade para avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída (efeito psicológico ou normativo), sem que tal capacidade esteja completamente eliminada, temos como manifesto que o relatório pericial afasta esse quadro, pois nem sequer admite a existência de diminuição sensível da capacidade de avaliação e determinação.
A questão da “personalidade” da arguida é remetida não para o plano da imputabilidade (diminuída ou não)-inimputabilidade, mas antes para o da prognose da sua perigosidade, a ser ponderada pelo tribunal com o concurso das diversas provas.
Verifica-se, pois, que o relatório pericial em apreço resulta da discussão mantida pelo colégio de peritas médicas quanto às questões objecto da perícia – peritas que, por unanimidade, sem que tenham sido expressas quaisquer reservas, aprovaram as conclusões dele constantes.
Se da discussão do colégio de peritas médicas tivessem surgido quaisquer discordâncias técnicas relativas à avaliação efectuada, as mesmas certamente seriam plasmadas no relatório pericial; por outro lado, se os elementos disponíveis não habilitassem o colégio de peritas a pronunciarem-se cabalmente sobre as questões que lhes haviam sido colocadas, temos como seguro que não deixariam de assinalar tal circunstância, com eventual sugestão de realização de exames complementares, o que não ocorreu.
 Assim, a nosso ver, o relatório pericial teve em consideração todas as questões que, na sua contestação, a arguida manifestou interesse em ver esclarecidas, apresentando-se claro nas conclusões, em particular quando conclui que a perturbação da personalidade que afecta a arguida não releva para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, e, finalmente, “apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise.”  Extrai-se, assim, que dúvidas não tiveram as peritas sobre a capacidade de avaliação por parte da arguida sobre as consequências e a punibilidade da sua conduta, nem sobre a sua capacidade de autodeterminação.
O requerimento de 11/02/2020, em que a arguida AA, invocando o disposto no artigo 158.º, n.º1, al. b), do C.P.P., requereu a realização de nova perícia, alicerçou a sua pretensão nos esclarecimentos prestados por NN, médica psiquiatra, que, como já se disse, interveio na perícia colegial realizada, enquanto perita indicada pela arguida, tendo subscrito o “relatório médico-psiquiátrico” (fls. 3773-3773) que acompanhou a contestação. Pretende-se, essencialmente, extrair das declarações prestadas a conclusão de que, aquando da realização da perícia, não teria sido equacionada /debatida a hipótese da imputabilidade diminuída, e que, embora tenha sido possível despistar a perturbação narcísica, seria necessária nova perícia para a sua mensuração.
Não se percebe como sustentar, com fundamento, que a questão da imputabilidade diminuída não foi sequer equacionada na perícia realizada, em função da perturbação narcísica, como anomalia de carácter, quando no relatório pericial se diz, expressamente, admitindo-se a referida perturbação de personalidade, que a mesma “não se reveste de interesse médico-legal para a (in)imputabilidade, uma vez que não releva para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, nem para a alteração da consciência da ilicitude”, afirmando-se no mesmo relatório que as perturbações de personalidade “não configuram habitualmente anomalias psíquicas no sentido de "doenças mentais", não sendo, portanto, consideradas anomalias psíquicas graves. Trata-se sobretudo de traços excessivos e disfuncionais da Maneira de Ser do indivíduo, ou seja, são antes disfunções de "carácter"”.
Procedeu-se à audição da gravação das declarações prestadas em audiência de julgamento pela referida perita.
A Ex.ma perita começou por prestar esclarecimentos sobre as diferenças entre os estados maníacos e hipomaníacos, indicando genericamente as características da doença bipolar tipo II, em termos similares aos descritos no relatório pericial e no DSM.
Esclareceu que, durante a perícia, foi colhida a história clínica da examinanda, analisando-se os seus “dados longitudinais” (ao longo do tempo) e fazendo-se a análise “da narrativa que a pessoa faz sobre si própria”.
Fizeram-se dois diagnósticos: o da doença bipolar tipo II e o da existência de uma perturbação narcísica da personalidade.
A Ex.ma perita, em consonância com o teor do relatório pericial, disse que do interrogatório clínico efectuado à arguida não resulta a existência de episódios hipomaníacos que tenham tido impacto nos comportamentos em causa nos autos. Disse que, muitas vezes, a seguir a episódios hipomaníacos, vem um episódio depressivo em que as pessoas se culpabilizam das coisas que fizeram durante o episódio anterior. “Geralmente, quando há estes episódios (hipomaníacos), as pessoas à volta apercebem-se de que a pessoa não está bem, que está a fazer coisas disparatas, irrealistas, e nós perguntámos se as pessoas à volta lhe disseram para se ir tratar ou para ir pedir ajuda, e ela disse que não. Das duas uma: ou ela estava tão isolada que fazia tudo sem que as pessoas se apercebessem, pode acontecer, ou de facto as pessoas não se aperceberam.”
Este segmento dos esclarecimentos refere-se à passagem do relatório pericial em que se sublinha não ser habitual que num individuo com Perturbação Afectiva Bipolar tipo II persista um estado de hipomania durante pelo menos 3 anos consecutivos, que pudesse justificar os factos descritos na acusação, i.e. de 2014 a 2017, assinalando-se que a arguida “relata que em 2016 procurou de novo a Prof. NN, porque se encontraria numa fase depressiva (e não numa fase de euforia, em que a adesão ao tratamento é habitualmente menor). Para além disso, nas fases depressivas os indivíduos tomam-se mais disfuncionais, como foi objectivado na actualidade, mas com maior juízo critico, ou seja, com maior capacidade de avaliação da situação clínica e do impacto negativo dos sintomas, excepto quando o quadro é de tal forma grave e em que surgem sintomas psicóticos, o que não parece ter sido o caso.
Quer isto dizer que a Ex.ma perita confirmou o relatório quanto a não ser possível estabelecer uma relação entre eventuais sintomas psiquiátricos que a arguida apresentasse e os factos descritos na acusação, não identificando uma relação entre a doença bipolar e tais factos.
Quanto à perturbação da personalidade, que foi avaliada clinicamente, a Ex.ma perita disse, referindo-se à arguida, “o seu narcisismo foi de tal maneira visível na perícia, a sua necessidade de mostrar que era uma pessoa normalíssima, de mostrar que era uma pessoa com valores extremíssimos, foi de tal maneira evidente, que nós concluímos que a perturbação da personalidade se tinha sobreposto à doença bipolar e tinha criado aquele quadro de impunidade, por que ela achava-se de uma grande impunidade (…)”.
Acrescentou que “a personalidade não é critério para a imputabilidade” e que as perturbações de personalidade “não são doenças mentais graves”.
É certo que a Ex.ma perita, que afirmou ter sido o relatório consensual entre os membros do colégio de peritas, disse, quanto à questão da imputabilidade diminuída, “acho que isso não foi discutido”, e que seria possível fazer a mensuração por psicólogo da dita perturbação de personalidade.
Porém, concordamos com o tribunal recorrido quando refere que, dos esclarecimentos prestados, nada se extrai que ponha em crise as conclusões cristalizadas no relatório da perícia médico-legal psiquiátrica, em clínica forense.
Realmente, aquando dos esclarecimentos prestados, a Ex.ma perita expressou não ter qualquer reserva quanto ao relatório pericial, unânime nas suas conclusões.
Ora, ainda que a Ex.ma perita diga “acho que isso não foi discutido”, o relatório, como já se disse supra, apresenta-se claro nas conclusões apresentadas, em particular quando conclui que a perturbação da personalidade que afecta a arguida não releva para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, nem para a alteração da consciência da ilicitude, e que “apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realidade circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise”, do que se extrai que dúvidas não tiveram as peritas sobre a capacidade de avaliação por parte da arguida sobre as consequências e a punibilidade da sua conduta, nem sobre a sua capacidade de autodeterminação.
Não se pode afirmar, por conseguinte, como faz a recorrente, que o relatório não poderia contemplar a imputabilidade diminuída e, por isso mesmo, não o fez.
É patente a inexistência de qualquer discordância ou discrepância técnica que tivesse permanecido, sendo igualmente manifesto que nenhuma das três peritas sentiu qualquer necessidade de ser realizado qualquer outro exame ou análise suplementar.
A perícia médico-legal psiquiátrica pode ter a participação de especialistas em psicologia (artigo 159.º, n.º 6), pelo que, a título complementar, pode ter lugar tal participação na sequência da solicitação de exames complementares de psicologia forense pelos médicos psiquiatras que têm a seu cargo a realização de perícias psiquiátricas.
Não foi o que aconteceu, in casu, pois nada foi solicitado pelas peritas, sendo que questão da “personalidade” da arguida foi remetida não para o plano da imputabilidade (diminuída ou não)-inimputabilidade, mas antes para o da prognose da sua perigosidade.
É por isso que se diz no relatório pericial que, admitida a imputabilidade, “a perigosidade dependerá mais de factores sócio-jurídicos do que clínico-psiquiátricos, constituindo, pois, matéria de apreciação essencialmente judicial” e que, “se bem que o aspecto-clínico psiquiátrico da personalidade não releve para pressupostos médico-legais de imputabilidade – já que, como se explicou atrás, não é susceptível, por si só, de produzir alteração da consciência de significação ou diminuição de capacidade de avaliação”, sempre importará “para a prognose de perigosidade”.
Neste quadro, a perícia médico-legal de psiquiatria a que foi sujeita a arguida teve em consideração todas as questões que, na sua contestação, a arguida manifestou interesse em ver esclarecidas, não suscitando dúvidas, pelo que não se justificava a realização de nova perícia sobre a matéria da imputabilidade (diminuída ou não) / inimputabilidade.
Atente-se que a perícia psiquiátrica, a que se reporta o artigo 159.º do C.P.P., sobretudo os seus n.ºs 6 e 7, tem em vista, precisamente, apurar se o arguido sofre de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade (artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal) ou de imputabilidade diminuída (artigo 351.º, n.º 2, do C.P.P.).
Tal perícia teve lugar, conforme já descrito.
A decisão recorrida teve como objecto requerimento de realização de nova perícia (por psicólogo), ao abrigo do disposto no artigo 158.º, n.º1, al. b), do C.P.P., destinada a responder a duas questões a que o supra referido relatório pericial já havia respondido: apurar se a arguida padece de perturbação narcísica da personalidade e, em caso afirmativo, em que medida; saber de que modo é que a mesma perturbação influiu na sua capacidade de discernimento e, consequentemente, se se pode considerar existir, in casu, imputabilidade diminuída da mesma.
Poderia ter sido requerida, ou ser ordenada pelo tribunal, nos termos do artigo 160.º, n.º1, do C.P.P., uma perícia à personalidade da arguida, não para efeito de determinação da sua imputabilidade (diminuída ou não) /inimputabilidade, mas antes para efeito de avaliação da personalidade e da perigosidade da arguida – perícia sobre as suas características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização.
Esta perícia sobre a personalidade, nas palavras de Rute Agulhas e Alexandra Anciães (Casos Práticos em Psicologia Forense. Enquadramento Legal e Avaliação Pericial, 2014, p. 35), “constitui um instrumento de apoio técnico aos tribunais, de natureza psico-sócio-jurídica (…) Ao contrário do que é requerido numa perícia psiquiátrica … não tem como objetivo a avaliação psicológica, com vista ao estabelecimento de um diagnóstico, mas antes a compreensão do funcionamento do sujeito, e perceber, à luz desse funcionamento, a motivação subjacente para os factos alegadamente praticados.”
Assinala António Latas (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 2019, p. 475), que a relevância da perícia sobre a personalidade para a decisão encontramo-la associada à perigosidade que se reporta à verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a aplicação ao agente de uma medida de segurança, tanto privativa, como não privativa da liberdade, sendo difícil conceber perícia sobre a personalidade que tenha por finalidade processual outras dimensões da questão da culpa, “apesar de constatarmos, conforme chama a atenção Pinto de Albuquerque (…) que o «CPP distingue-se neste ponto claramente do CPP italiano que proibiu este tipo de perícia, salvo para efeito de execução de pena ou medida de segurança» (…), referindo Taruffo (2008, p. 286) que «A desconfiança na validade científica das provas de caráter psicológico e criminológico é uma das razões que explicam a proibição prevista (…)»”.
Como refere o mesmo autor (ob cit., p. 476-477), não pode sequer entender-se que, perante perícia sobre a personalidade realizada em função de qualquer das finalidades processuais exemplificativamente enunciadas no artigo 160.º, ou no artigo 131.º, n.º3, “o tribunal se encontrasse confrontado com juízo técnico-científico que pudesse presumir-se subtraído à livre apreciação do julgador, nos termos do artigo 163.º, o mesmo se dizendo quanto à questão da perigosidade, matéria que não é sequer reivindicada para o objeto respetivo pela psicologia ou psiquiatria forenses”.
Ora, a nova perícia requerida pela arguida, incidindo sobre questões já colocadas na primeira perícia e visando responder à questão da imputabilidade /imputabilidade diminuída, não corresponde aos objectivos que presidem à perícia sobre a personalidade a que se reporta o artigo 160.º do C.P.P., não respeitantes à determinação da imputabilidade /imputabilidade diminuída, mas antes às características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como ao grau de socialização da pessoa objecto da perícia, enquanto instrumento de apoio técnico aos tribunais, de natureza psico-sócio-jurídica.
Em conclusão: não resultando do relatório pericial qualquer omissão, contradição ou obscuridade que tornasse necessária a realização de nova perícia, afigura-se-nos não merecer qualquer censura o despacho recorrido, dado que, o que se pretenderia aferir pela realização daquela - da eventual existência de imputabilidade diminuída -, já tinha sido avaliado, ponderado e afastado na competente perícia psiquiátrica, não se verificando, diversamente do que alega a recorrente, a preterição de diligência indispensável à descoberta da verdade, razão por que o recurso em apreço não merece provimento.
B) Recurso do despacho de 5/05/2020
Dias após o despacho de 9/03/2020, veio a arguida requerer, ao abrigo do disposto no artigo 158.º, n.º 1, al b), do C.P.P., a renovação da perícia por entender resultarem do relatório pericial “dúvidas sobre as conclusões proferidas a final” e ser o mesmo ambíguo.
Critica-se a metodologia seguida – uma entrevista “com duração de escassas horas” e a “análise dos teores de relatórios médicos por si juntos aos autos de médicas com especialidades diferentes que a acompanharam em momentos distintos da vida” -, alegando-se que “as examinadoras não tiveram em seu poder toda a informação necessária à elaboração cabal do relatório”.
O tribunal recorrido veio a proferir a seguinte decisão, de que a arguida recorre:
«Requerimento de 27.03.2020 (referência 25941478):
Mostra-se esgotado o poder jurisdicional quanto ao requerido, uma vez que, tal questão foi já objecto de apreciação, por decisão datada de 09.03.2020, inexistindo qualquer fundamento que razoavelmente justifique a realização de nova perícia, pelo que, se mantém, e se renova, o já decidido quanto à clareza e assertividade do relatório pericial colegial constante dos autos, cuja ausência absoluta de ambiguidades, obscuridades, hesitações e/ou contradições afasta a necessidade de realização de nova perícia, não se vislumbrando que a repetição de diligências seja necessária, nem adequada, para a realização da justiça, para a boa decisão da causa e para descoberta da verdade material, aliás, impõe-se o indeferimento de diligências supérfluas, redundantes e desnecessárias.
Notifique.»
Assinala a recorrente que o despacho recorrido encerra em si mesmo uma contradição, pois, muito embora diga mostrar-se esgotado o poder jurisdicional, não deixa de consignar mais adiante que se renova o já decidido.
Certo é, porém, que o despacho recorrido apreciou e decidiu o pedido constante do requerimento em causa, como a arguida/recorrente reconhece ao dizer “sempre cumpria ao Tribunal a quo decidir sobre o predito requerimento (…) – como aliás decidiu (…)”.
Desta vez, a arguida não requer a realização de nova perícia, mas sim a renovação da perícia já realizada, voltando a invocar o artigo 158.º, n.º 1, al b), do C.P.P.
O despacho de 9/03/2020 indeferiu, como vimos, a realização de nova perícia (por psicólogo), por entender que o que se pretenderia aferir pela sua realização - da eventual existência de imputabilidade diminuída -, já tinha sido avaliado, ponderado e afastado, não resultando do “relatório de perícia médico-legal - psiquiatria” qualquer omissão, contradição ou obscuridade que a tornasse necessária.
Agora, trata-se, formalmente, não de uma nova perícia, mas da renovação da perícia anterior, nos termos do disposto no artigo 158, n. º 1, al. b), do C.P.P., a executar por colégio de peritos distintos dos que elaboraram o “relatório de perícia médico-legal psiquiatria”, a fls. 4742-4747, volume 16.º.
A propósito da análise do recurso do despacho de 9/03/2020, já se adiantaram algumas reflexões que importa renovar quanto ao recurso agora em apreço.
O que se disse acerca do recurso do despacho de 9/03/2020, em síntese, é que à pretendida nova perícia propunha-se um objecto – questão da imputabilidade /imputabilidade diminuída – já elucidado na perícia médico-legal de psiquiatria, pois a perícia psiquiátrica, a que se reporta o artigo 159.º do C.P.P., sobretudo os seus n.ºs 6 e 7, tem em vista, precisamente, apurar se o arguido sofre de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída, razão por que o tribunal recorrido indeferiu a sua realização, por se traduzir em diligência desnecessária para a descoberta da verdade e realização da justiça.
Como é evidente, a argumentação expendida, no sentido de que o relatório de perícia médico-legal de psiquiatria não enferma de omissão, contradição ou obscuridade que justificasse a realização da pretendida nova perícia, serve, outrossim, para afastar a requerida renovação da perícia.
Como refere Maria do Carmo da Silva Dias (Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas questões ligadas à prova pericial, Revista do CEJ, III, 2005, 169-225):
 “(…) a renovação da perícia anterior, apesar de ser feita por outros peritos, não deixa de ser uma «repetição da já realizada», funcionando quase como uma «revisão» ou aperfeiçoamento da perícia anterior.
Sendo a primeira perícia deficiente, a opção por uma ou outra das soluções deverá depender do tipo de vícios que apresenta (se os vícios forem relevantes, essenciais, deverá optar-se pela nova perícia, caso contrário poderá recorrer-se à renovação da perícia anterior). Também pode suceder que, em face dos resultados da anterior perícia, seja necessário proceder a uma nova perícia que vai «recaiar sobre objecto diferente (pessoa ou coisa) ou sobre aspectos distintos dos considerados na perícia anterior». Conclui-se que neste caso essa nova perícia funciona como primeira perícia e não como forma de corrigir a anterior.
Os mecanismos referidos no artigo 158.º foram criados para permitir corrigir «imperfeições» (vícios) da primeira perícia e não para autorizar a realização de novas perícias sobre objecto diferente, já que, pela regra geral do artigo 151.º do CPP, há sempre possibilidade de fazer uma perícia (necessariamente nova perícia) sobre objecto diferente ou questões diferentes de outra perícia que já tivesse sido feita e constasse do processo.”
Pode acontecer que um relatório pericial seja manifestamente deficiente ou contenha contradições manifestas. Caso sejam notórias as deficiências do relatório pericial, mesmo sem necessidade de previamente pedir esclarecimentos aos peritos, “deve a autoridade judiciária competente solicitar nova perícia ou, se for caso disso, solicitar a renovação da perícia anterior, a qual ficará a cargo de outro ou outros peritos” (Código de Processo Penal Comentado, Juízes Conselheiros dos S.T.J., 2016 - 2.ª ed. Revista, p. 620).
Diversamente de uma nova perícia, que envolve um exame pericial novo, a renovação da perícia anterior, apesar de ser feita por outros peritos, não deixa de ser uma repetição da já realizada, funcionando como uma “revisão” ou aperfeiçoamento da perícia anterior. Sendo a primeira perícia deficiente, a opção por uma ou outras das soluções deverá depender do tipo de vícios que apresenta: se os vícios forem relevantes, essenciais, deverá optar-se pela nova perícia; caso contrário poderá recorrer-se à renovação da perícia anterior (António Latas, ob. cit., p. 455).
A posição assumida pela recorrente de que o método e técnicas utilizadas pelas peritas para a realização da perícia médico-psiquiátrica se mostram insuficientes para fazer uma apreciação cabal do seu histórico patológico e das repercussões comportamentais no cometimento dos factos, carece de razão, não possuindo a recorrente os conhecimentos técnicos e científicos necessários para se pronunciar sobre a questão de forma fundamentada.
Para além do exame directo da arguida, consideração dos antecedentes pessoais e familiares, a “junta médica da especialidade” contou com o “exame indirecto”, integrado por diversas peças, entre as quais, para além da acusação e da contestação, o “relatório médico-psiquiátrico” junto aos autos com a contestação e três declarações médicas – relatório e declarações subscritos pela Dr.ª NN, psiquiatra que há muito acompanha a arguida e que, como já se disse, integrou o colégio de peritos e subscreve o relatório pericial.
As peritas médicas que realizaram a perícia e subscreveram o respectivo relatório, com experiência profissional reconhecida para procederem a perícias médico-legais como a realizada – o que a recorrente não coloca em causa -, fizeram a sua avaliação de modo colegial, tendo retirado as conclusões constantes do relatório pericial, por unanimidade, com base na entrevista realizada e nos elementos clínicos apreciados, avaliação essa tendo em conta os especiais conhecimentos técnicos e científicos de que estão dotadas.
Como já se mencionou, se da discussão do colégio de peritas médicas tivessem surgidos quaisquer discordâncias relativamente às premissas técnicas e à avaliação efectuada, as mesmas ficariam plasmadas no relatório, com eventual sugestão de realização de exames suplementares, o que não se verificou.
Uma das peritas médicas que integrou o colégio, NN, era médica pessoal da arguida há vários anos - que acompanha, como psiquiatra, desde 1989 -, conhecendo bem, por conseguinte, o seu quadro clínico e personalidade, não tendo requerido a sua escusa por eventual falta de condições para realizar a perícia, nem tendo suscitado qualquer reserva ou manifestado discordância relativamente às premissas técnicas e metodológicas da avaliação pericial e às conclusões formuladas.
Tendo em vista que do colégio de peritas fazia parte a médica pessoal da arguida durante um período prolongado de tempo e desde 1989, não se vislumbra como sustentar que esta não estaria a par do historial clínico da arguida.
Nas declarações / esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento, esclareceu que, durante a perícia, foi colhida a história clínica da examinanda, analisando-se os seus “dados longitudinais” (ao longo do tempo) e fazendo-se a análise “da narrativa que a pessoa faz sobre si própria”, o que indicou como sendo a metodologia adequada ao tipo de perícia em causa.
A perícia médico legal de psiquiatria em questão foi acompanhada pelo mandatário da arguida (cfr. fls. 4743, 16.º volume), tendo o seu relatório sido elaborado de forma a contemplar as questões formuladas na contestação apresentada pela arguida.
A perícia confirmou o diagnóstico de Perturbação Bipolar II, associada a uma Perturbação Narcísica da Personalidade.
 Pronunciou-se no sentido de que, apesar da presença dos quadros descritos e das referidas anomalias “não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise.”
Quanto à capacidade da arguida se determinar perante a avaliação feita do que é e não é lícito, o relatório conclui que “a anomalia psíquica de que padece não interferiria na sua capacidade de se auto-determinar perante a avaliação feita da ilicitude dos actos.”
Por outro lado, o relatório pericial, referindo-se à perturbação de personalidade, atesta que a mesma não releva “para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, nem para a alteração da consciência da ilicitude”, remetendo a questão da “personalidade” não para o plano da imputabilidade (diminuída ou não)-inimputabilidade, mas antes para o da prognose da sua perigosidade, de natureza judicial, a ser ponderada pelo tribunal com o concurso das diversas provas.
Diversamente do que alega a recorrente, o relatório pericial apresenta-se, como se afirma na resposta do Ministério Público, claro, completo e preciso nas conclusões apresentadas, entendendo-se que os elementos clínicos referenciados pela recorrente, não infirmam o seu teor.
Não se vislumbra fundamento para que se diga que as peritas “não tiveram em seu poder toda a informação necessária” e que “a recolha da informação transmitida pela arguida não foi devidamente acolhida pelas examinadoras na discussão e conclusões vertidas a final”, não bastando a junção de um relatório médico divergente para colocar em crise a fidedignidade e competência técnico-científica da perícia realizada cujas conclusões foram assumidas e aprovadas por unanimidade pelo colégio de peritas médicas.
Como já se disse supra, a Ex.ma perita indicada pela arguida/recorrente afirmou ter sido o relatório consensual entre os membros de colégio de peritos, referindo, quanto à questão da imputabilidade diminuída, “acho que isso não foi discutido”.
Porém, aquando dos esclarecimentos prestados, a Ex.ma perita expressou não ter qualquer reserva quanto ao relatório pericial, unânime nas suas conclusões.
Ora, ainda que a Ex.ma perita tenha dito “acho que isso não foi discutido”, o relatório apresenta-se claro nas conclusões apresentadas, em particular quando conclui que a perturbação da personalidade que afecta a arguida não releva para a diminuição da capacidade de avaliação e determinação, quando e para os factos, nem para a alteração da consciência da ilicitude, e que “apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realidade circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer em nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise”, do que se extrai que dúvidas não tiveram as peritas sobre a capacidade de avaliação por parte da arguida sobre as consequências e a punibilidade da sua conduta, nem sobre a sua capacidade de autodeterminação.
É patente a inexistência de qualquer discordância ou discrepância técnica que tivesse permanecido, sendo igualmente manifesto que nenhuma das três peritas sentiu qualquer necessidade de ser realizado qualquer outro exame ou análise suplementar, remetendo-se a questão da “personalidade” da arguida não para o plano da imputabilidade (diminuída ou não)-inimputabilidade, mas antes para o da prognose da sua perigosidade.
Por isso se diz no relatório pericial que, admitida a imputabilidade, “a perigosidade dependerá mais de factores sócio-jurídicos do que clínico-psiquiátricos, constituindo, pois, matéria de apreciação essencialmente judicial”, salientando-se que a questão da personalidade não releva para os pressupostos médico-legais de imputabilidade, já que não é susceptível, por si só, “de produzir alteração da consciência de significação ou diminuição de capacidade de avaliação”.
Em suma, do mesmo modo que se viu que a perícia médico-legal de psiquiatria a que foi sujeita a arguida teve em consideração todas as questões que, na sua contestação, a mesma manifestou interesse em ver esclarecidas, não suscitando dúvidas, pelo que não se justificava a realização de nova perícia sobre a matéria da imputabilidade (diminuída ou não) / inimputabilidade, também se constata que não se justificava a renovação da perícia, não assistindo razão à recorrente quando argumenta que existem contradições no relatório pericial médico-legal, ou sequer quando sugere que os documentos clínicos juntos aos autos relativos à condição de que a recorrente padece colocam em crise as conclusões constantes do aludido relatório pericial, inexistindo, por isso, motivo que abale a sua objectividade, clareza e credibilidade.
Não há razão para questionar a capacidade técnica das peritas que realizaram a perício médico-legal psiquiátrica, não se vislumbra que o relatório respectivo parta de pressupostos incorrectos, contenha quaisquer contradições ou suscite dúvidas
Não merece, assim, qualquer censura o despacho recorrido por não haver justificação para que fosse ordenada a realização de perícia – de nova perícia ou de renovação da realizada, razão por que o recurso não merece provimento.
Não deixamos de assinalar que a questão da imputabilidade /imputabilidade diminuída voltou a ser objecto de análise no acórdão recorrido, face à prova produzida, lendo-se o seguinte:
«Quanto à questão suscitada pela arguida atinente à eventual imputabilidade diminuída, resulta gritantemente patente do teor vertido no relatório da Perícia Médico-Legal Psiquiatria Colegial, constante de fls. 4742 a 4747, a conclusão unânime, e sem qualquer ressalva, pela imputabilidade da arguida.
Com efeito, consta, além do mais, do teor de tal relatório, salienta-se redigido e assinado por unanimidade, que se dá integralmente por reproduzido que: "Pelo exposto, no caso em concreto, e apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realidade circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial, ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer a nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise. (1..) Assim, consideramos que a anomalia psíquica de que padece não interferiria na sua capacidade de se autodeterminar perante a avaliação feita da ilicitude dos actos.
Pelo exposto, a provarem-se os factos pelos quais se encontra acusada, à data dos mesmos, não apuramos evidência de que não estivesse mantida a capacidade de avaliação da ilicitude dos seus actos, bem como a capacidade de autodeterminar perante tal avaliação, pelo que, no nosso entender estão presentes pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE".
Ou seja, do relatório pericial colegial nada resulta que suscite qualquer dúvida quanto à imputabilidade da arguida, afastando-se inclusivamente qualquer diminuição, mesmo que ligeira, que atingisse a sua capacidade para se autodeterminar e de avaliar a ilicitude dos factos e das suas consequências, o que se analisou, ponderou e inequivocamente se concluiu, sem qualquer ressalva, reserva, nem adversativa por qualquer uma das peritas médicas subscritoras de tal meio de prova com carácter pericial, não tendo, por este fundamento, sido abalada a sua ínsita objectividade, clareza e credibilidade com os demais relatórios/declarações médicos que pessoalmente (e parcialmente) assistem a arguida.
Como, aliás, sai o relatório pericial médico legal reforçado quer pelo discurso coerente e coeso da arguida manifestado aquando das declarações reproduzidas e prestadas, quer pelas transcrições advenientes das intercepções telefónicas autorizadas e validadas nos autos.
Por outro lado, aquando da avaliação levada a cabo pelos serviços de Reinserção Social, para efeitos de execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, em sede problemáticas de saúde, apenas se fez menção a um problema dentário, sendo "ainda ponderada a necessidade, por parte da arguida, poder vir a beneficiar de apoio ao nível psicológico,", ou seja, aquando da reclusão da arguida nada se percepcionou com o apregoado estado de impossibilidade em prestar declarações por motivos de saúde (cfr. fls. 1912 a 1915).
E, na nova informação de avaliação para esse fim (cfr. fls. 3403 a 3406), de Outubro de 2018, onde se constatou que "globalmente não apresenta problemas de saúde. Coloca-se a eventual necessidade da arguida poder ter que se deslocar a um consultório de medicina dentária, e salientam-se as necessidades de acompanhamento psiquiátrico, não se descartando a possibilidade das consultas se realizarem no domicílio."
Aliás, veja-se que a não comparência por motivos de saúde ("se encontra doente ... por período pelo menos 30 dias") já vinha sendo invocada nos autos desde Junho de 2017 (cfr. atestado a fls. 846 a 847 dos autos apensos n.° 2862/15….), sendo que essa doença não obstou a que a arguida fosse ouvida e prestasse declarações, como o fez e foi reproduzido em audiência de julgado, em sede de primeiro interrogatório judicial no dia 13.07.2017, sem olvidar que o tal atestado médico que atesta essa impossibilidade é datado de 27.06.2017, e assinada por UUUU, a mesma médica que subscreve a 02.07.2020 a impossibilidade de arguida comparecer nas sessões da audiência de julgamento designadas para os dias 03.07.2020 e 10.07.2020, por motivos de "doença natural" (cfr. certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 5815, datado de 02.07.2020, por 12 dias).
E essa impossibilidade de comparecer continua a ser aventada em 14.07.2020, e por mais 30 (trinta) dias, desta feita, já se consignando haver autorização para sair sendo baixa psiquiátrica (cfr. certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 5928).
Sendo que a arguida, por requerimento entrado em juízo a 23.06.2020, tinha informado "que pretende prestar declarações" (cfr. fls. 5719 a 5720), e cerca de 9 (nove) dias volvidos veio comunicar a impossibilidade de comparecer, por motivos de saúde, que já eram invocados, e atestado pela mesma médica, três anos antes, em Junho de 2020 (cfr. elenco de patologias elencados no atestado de doença, datado de 02.07.2020, a fls. 5815 verso).
Ou seja, essa "impossibilidade" a que a arguida se apegou já se verifica há três anos, e quando lhe é subjectivamente conveniente.
Por outro lado, do relatório médico de fls. 5816 a 5816 verso, datado de 30.06.2020, resulta demonstrada a falta de vontade da arguida em efectivamente prestar declarações, veja-se o constante desse relatório "por motivo de ter uma inquirição no próximo dia 3 de Julho e não se sentir capaz", ou seja, é uma declaração subjectiva, sendo certo que, se expressa, nesse mesmo relatório médico, como necessária uma intervenção não inferior a um mês.
Sem olvidar que, as declarações que arguida prestou em sede de audiência de julgamento se revelaram intrinsecamente coerentes com as suas pretensões, não denotando qualquer vestígio de discurso pobre, de bloqueio de ideias, nem de pensamento desorganizado, antes pelo contrário, as respostas eram congruentes, lógicas e condizentes com o que era perguntado, para além do discurso articulado e consistente, sendo que, tal fluidez discursiva apenas era constrangida pelas próprias declarações da arguida ao ir afirmando que não estava capaz, quando era notória a existência dessa capacidade de articulação quer de pensamento, quer de discurso, basta atentar, além do mais, o tom vocal que ia subindo ou descendendo consoante o seu interesse na resposta a dar.
Ou seja, a postura declarativa da arguida era nitidamente fruto da sua vontade, da sua necessidade de controlar a narrativa, e não advinha de qualquer falta de capacidade.
Do teor de fls. 5885 a 5886 (relatório psicológico de avaliação da personalidade, datado de 07.07.2020), consta que a arguida "revela uma manifesta incapacidade de controlar os impulsos, pouca tolerância a críticas e à frustração" (...)"Trata-se duma doente com uma perturbação da personalidade em que predominam os traços de excessiva grandiosidade, défice de controle dos impulsos e instabilidade emocional."
O que, por um lado, foi categoricamente contrariado, desde logo, pelo depoimento prestado pela testemunha VVVV que exacerbou a postura de humildade, de sobriedade, quase casta, e de dedicação ao serviço aos outros e à comunidade, especialmente em termos de integração em grupos de reflexão e de pensamento, e por outro lado, tais traços de personalidade da arguida em nada afectam a sua capacidade plena de se autodeterminar, até o agravam, porquanto a motivação da resolução criminosa da arguida prende-se precisamente com a satisfação egotista das suas necessidades, estando bem ciente que tal enriquecimento advém do empobrecimento ilegítimo de terceiros, o que lhe foi indiferente.
A perturbação da personalidade aduzida, e aliás dada como provada, em nada bule, nem interfere com a capacidade de arguida avaliar as consequências das condutas, determinando-se de acordo com essa avaliação, não padecendo de qualquer anomalia psíquica que inquine a avaliação da ilicitude dos seus actos, como, aliás, o enfatizaram as testemunhas WWWW, XXXX e YYYY, as quais, no período de tempo sob colação, privavam com a pessoa da arguida, especialmente em contexto profissional, laboral ou associativo, atendendo às funções de liderança que estas testemunhas descreveram que a arguida exercia.
Do teor do relatório médico de fls. 5906 a 5907, datado de 09.07.2020, o que se nota, mais uma vez, é a antinomia entre o aí escrito e a realidade directamente percepcionada pelos demais que interagiam no quotidiano pessoal, social e profissional com a arguida. Veja-se que consta deste "relatório" que "Ficou saliente em todas as observações psiquiátricas, feitas que ao longo da sua história clínica, que se verificou uma interacção entre a perturbação afectiva e os traços caracteriais da personalidade acentuando o seu défice de juizo critico, a impossibilidade em controlar os Impulsos para acção e a consciência dos actos cometidos entre 2014 a 2017",  o que resulta de uma observação, ainda que médica, mas subjectivamente alicerçada na verbalização da arguida, concretizada em 09 de Julho de 2020, que se encontra nos antípodas do comportamento ostentado pela arguida entre 2014 a 2017, como resultou dos depoimentos prestados, desde logo, pelas testemunhas supra mencionadas.
E, portanto, tal prova de índole documental não denota sustentação objectivável que permita sequer afastar o teor do relatório da perícia colegial médico-legal que inequivocamente concluiu pela imputabilidade da arguida.
Para além de tais provas documentais serem contraditadas pelos depoimentos das testemunhas, mormente, VVVV, WWWW, ZZZZ, YYYY e XXXX.
A mesma ilação se extrai da declaração médica de fls. 3094 onde se menciona que a arguida tem uma situação clínica "há cerca de 29 anos que se tem caracterizado episódios depressivo graves que alternaram com episódios hipomaníacos de exaltação do humor e hiperactividade com desinibição comportamental e comportamentos excessivos", e o mesmo atinente às declarações médicas de fls. 3095 (subscrita pela testemunha UUUU), de fls. 3456 a 3457 (datada de 22 e 23 de Outubro de 2018), subscrita por NN e pela testemunha UUUU a declaração de fls. 3772/3773, datada de 11.03.2019, cujo teor se ponderou, e nada afasta a conclusão de imputabilidade apurada em sede de perícia médico-legal colegial em psiquiatria, como tal perturbação já se verifica há décadas e nunca tal interferiu com as capacidade decisórias e profissionais da arguida, como manifestamente se demonstrou.»
Quer isto dizer que o tribunal a quo não deixou de retomar a questão em sede de acórdão, após a realização da audiência de julgamento, com base na valoração global da prova, não lhe suscitando quaisquer dúvidas a matéria da imputabilidade da arguida.
C) Recursos dos despachos de 03/07 e 15/07/2020
A 1.ª sessão da audiência de julgamento teve lugar no dia 20 de Setembro de 2019, estando presente a arguida – então em prisão preventiva -, que, após a sua identificação, não quis, no exercício de direito que lhe é conferido, prestar declarações sobre os factos imputados.
Atente-se que a arguida, invocando o artigo 334.º, n.º2, do C.P.P., já havia requerido fosse autorizado o seu não comparecimento na referida data, “considerando-se, representada, para todos os efeitos posssíveis pelos seus mandatários, nos termos do art. 334.º, n.º4, do CPP”, alegando, para o efeito, o seu “estado clínico de ansiedade e depressivo que se tem vindo a agravar” e que a sua presença em audiência de julgamento “irá agravar ainda mais o estado clínico da mesma, temendo-se, no decurso da mesma, pela ocorrência repentina, inesperada de crises de ansiedade aguda (…)”, tendo sido apresentado atestado médido, datado de 18 de Setembro de 2019 (cfr. fls. 3997-4000, 14.º volume).
Esse atestado refere um “estado clínico com ansiedade e depressão” e “crises de ansiedade paroxística”.
Quer isto dizer que a arguida requereu, ao abrigo do artigo 334.º, n.º 2, do C.P.P. – expressamente invocado - que a audiência tivesse lugar na sua ausência.
Tendo sido indeferida a realização da audiência na ausência da arguida, por despacho de 19 de Setembro de 2019 (cfr. fls. 4004, 14.º volume), certo é que no dia seguinte, em que teve lugar a 1.ª sessão da audiência de julgamento, foi dispensada, “atentos os motivos invocados” (no mencionado requerimento), a presença da arguida nas duas sessões designadas para o dia 27 de Setembro e nas duas sessões designadas para 4 de Outubro, sem prejuízo de logo se ressalvar a possibilidade de a arguida, querendo, manifestar o seu propósito de estar presente, ficando consignado que teria de comparecer na fase das alegações (fls. 4023 e gravação áudio).
Na sessão da parte da tarde de 4 de Outubro, pelo mandatário da arguida voltou a ser requerido que a continuação da audiência de julgamento prosseguisse sem a presença daquela, com base no estado de saúde da mesma e o transtorno decorrente das deslocações e permanência prolongada no tribunal, o que obteve deferimento, sendo dispensada a comparência da arguida nas sessões dos dias 11, 18 e 25 de Outubro, nos termos dos artigos 333.º e 334.º, n.º 4, do C.P.P. (cfr. fls. 4114).
Na sessão da tarde de 25 de Outubro, o mandatário da arguida requereu um prazo de dois dias para se pronunciar acerca da pretensão da arguida de ser dispensada de comparecer nas próximas sessões da audiência, o que foi deferido, assinalando o tribunal que, findo o período de dois dias e nada sendo dito, dever-se-ia providenciar pela presença da arguida na sessão de 8 de Novembro (cfr. fls. 4221, 15.º volume).
Para além das datas já designadas de 8, 22 e 29 de Novembro, foram designados os dias 6, 13 e 20 de Dezembro, manhãs e tardes, para continuação da audiência de julgamento.
No dia 28 de Outubro, foi apresentado pelo mandatário da arguida requerimento dando conta de que a mesma não pretendia a manutenção da “prerrogativa” de a audiência, nos termos do disposto no artigo 334.º, n.º 2, do C.P.P., se realizar na sua ausência (cfr. fls. 4224).
Assim, no dia 8 de Novembro a arguida, então presa preventivamente, esteve presente na audiência de julgamento, onde não prestou declarações, mas logo no dia 11 de Novembro foi apresentado novo requerimento, com invocação do artigo 334.º, n.º 2, do C.P.P., em que, uma vez mais com base em motivos idênticos aos anteriormente invocados – remete-se, aliás, para a mencionada declaração médica, datada de 18 de Setembro, referente a um “estado clínico com ansiedade e depressão” e “crises de ansiedade paroxística” -, se requereu que a audiência de julgamento prosseguisse sem a presença da arguida, considerando-se esta representada, para todos os efeitos possíveis, pelos seus mandatários, nos termos do artigo 334.º, n.º4, do C.P.P. (fls. 4270-4271, 15.º volume).
Por despacho de 12 de Novembro, decidiu-se:
«Atentos os motivos invocados, e na senda do já anteriormente consignado, nos termos previstos no Art. 334.º, n.º2, do Código de Processo Penal, defere-se o requerido pela arguida, dispensando-se a sua presença nas próximas sessões da audiência de julgamento já agendadas (com excepção das sessões que sejam adstritas à fase de alegações), sendo a arguida representada, para todos os efeitos possíveis, na pessoa do seu ilustre defensor, não se afigurando, além do mais aduzido, a sua presença absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material, sem prejuízo do estatuído no disposto no n.º 3 do citado preceito.
(…).»
Sucederam-se as diversas sessões da audiência de julgamento já designadas até ao dia 20 de Dezembro, data em que se designou o dia 10 de Janeiro para a continuação (fls. 4786, 17.º volume), em que a arguida continuou a não comparecer por ter sido dispensada pelas razões supra aduzidas.
O mesmo aconteceu nas sessões dos dias 24 de Janeiro, 31 de Janeiro, 21 de Fevereiro, 28 de Fevereiro, 6 de Março e 26 de Junho (após diversas datas dadas sem efeito).
Nesta última data foram designados os dias 3 de Julho e 10 de Julho, consignando-se que a arguida AA, por si e na qualidade de legal representante da sociedade-arguida, deveria estar presente (cfr. fls.5765, volume 20.º) – isto pressupondo-se que seriam as últimas sessões.
Veio a arguida, então, requerer o adiamento das sessões da audiência de julgamento designadas para os dias 3 e 10 de Julho de 2020, invocando “motivos de saúde”, juntando um “certificado de incapacidade temporária para o trabalho”, do qual consta, como período de incapacidade, o de 2 de Julho a 13 de Julho (cfr. fls. 5814-5815), “atestado de doença” no sentido de que a arguida apresentava “medo de infecção por Covid-19”, “sensação de ansiedade /nervosismo /tensão” e “sintomas de depressão”. Juntou, igualmente, “relatório médico” que refere um quadro depressivo e ansioso com dificuldades emocionais e cognitivas (cfr. fls. 5816), no qual se menciona ser necessário eventual ajuste psicofarmacológico ou acompanhamento psicológico, a exigir uma intervenção não inferior a 1 mês.
Os autos foram conclusos no dia 3 de Julho, decidindo-se aguardar pela hora designada para a audiência.
Na hora designada, foi retomada a audiência de julgamento, pronunciando-se o Ministério Público e os assistentes contrariamente ao requerido adiamento, uma vez que a arguida teve tempo suficiente e bastante, ao longo das numerosas sessões da audiência de julgamento, desde Setembro de 2019, para prestar as suas declarações, bem como face à imprevisibilidade do estado de ansiedade invocado que a estaria a impedir de comparecer em tribunal.
Na sequência, o mandatário da arguida requereu a notificação dos clínicos subscritores das declarações médicas juntas para atestarem a duração previsível do estado de ansiedade sofrido pela arguida.
Foi, então, proferido despacho que, considerando justificada a falta da arguida, indeferiu o requerido adiamento, “uma vez que, ao longo das numerosas sessões da audiência, a arguida nunca manifestou a sua vontade de estar presente e de prestar declarações, nem invocou qualquer tipo de estado de saúde, incompatível com a presença da mesma em Tribunal, apenas se limitou a usar de um direito que lhe assiste, ao abrigo do disposto no art. 343.º, n.º1, do Código de Processo Penal, realçando que a falta de presença do arguido, mesmo quando justificada, não é motivo de adiamento da audiência de julgamento, não sendo a sua presença absolutamente imprescindível, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 333.º, nºs 1, 2 e 3 do supra mencionado diploma legal”.
Ficou consignado na acta o seguinte:
«- relativamente à requerida notificação dos médicos subscritores dos atestados juntos, para virem aos autos informar qual a duração previsível do estado de ansiedade da arguida, que a impedia de comparecer em Tribunal para prestar as suas declarações, indeferiu o mesmo, uma vez que nos documentos em crise estava expressamente indicado que a arguida podia ausentar-se do seu domicílio em horas compatíveis com o agendamento da audiência, bem como se reputa um mês como período necessário de avaliação, para além dos 12 dias do certificado de incapacidade, pelo que, afigura-se ao douto Tribunal que nada, para além da invocada ansiedade relacionada com a comparência em Tribunal, impedia a arguida de comparecer para prestar as suas declarações;
- (…) tendo em conta que os direitos da arguida foram assegurados com plenitude e em qualquer momento da audiência de julgamento, face à situação verificada em que, a única razão de impedimento de prosseguimento dos autos e da realização da justiça, era a falta de predisposição da arguida e a ansiedade sentida pela mesma, relacionada com a comparência em Tribunal, impunha-se ao douto Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ponderar e assegurar a defesa de todos os interesses envolvidos e, antes do mais, a cabal realização da justiça; (…).
Mais se designou para a continuação da audiência de julgamento, para além da data já anteriormente designada, a saber, dia 10 de Julho, também o dia 15 de Julho, pelas 15h00, realçando-se que “o prosseguimento da audiência na ausência da arguida em nada leva ou proscreve o direito da mesma a prestar declarações, querendo, uma vez que tal poderá ter lugar até ao encerramento da audiência de julgamento”.
Prosseguiu a audiência com reprodução das declarações prestadas pela arguida, em sede de interrogatório complementar de 10/10/2017, como havia requerido.
Na sequência, o ilustre mandatário da arguida pediu a palavra e arguiu a irregularidade do despacho que mandou prosseguir a audiência, requerendo que o mesmo fosse dado sem efeito e que fosse determinado o adiamento da audiência de julgamento por forma a que a arguida “possa prestar as suas declarações quando estiver em condições para tal e sempre antes da fase das alegações, mais enfatizando o teor do vertido na declarações médicas juntas aos autos; tudo com base no disposto nos artigos 61.º, n.º1, al. b), 341.º, al. a), 343.º, n.º1, 345.º, n.º1, 360.º, n.º1, 361.º, n.º1, do Código de Processo Penal e 18.º, n.º1, 20.º, n.º1 e 32.º, n.ºs 1, 2 e 6 da Constituição da República Portuguesa”.
O requerimento em questão foi secundado pelo defensor da sociedade/arguida.
Ouvidos os demais presentes, que se opuseram, ficou consignado em acta o seguinte, como súmula de despacho:
«- no atinente à invocada irregularidade do despacho proferido, o requerido no sentido de ser dado sem efeito o mesmo, foi indeferido, por não se afigurar ao douto Tribunal haver fundamentos legais para tal;
- realçou que, desde o início da audiência do julgamento, em 20 de Setembro de 2019, em momento algum, a arguida foi impedida de exercer qualquer um dos direitos que lhe assistem, enfatizando que, foi sempre a arguida a requerer, reiteradamente, que fosse dispensada de estar presente nas audiência de julgamento, por tal direito lhe assistir e não por qualquer outra razão, motivo pelo qual a suscitada violação dos direitos à defesa da arguida, não podia ter outro acolhimento, a não ser o de cabal afastamento, por falta de fundamento legal e factual;
- realçou que a alteração da ordem da produção da prova estipulada no art. 341.º do Código do Processo Penal, resultou a pedido da própria arguida, visto ter sido esta quem expressamente abdicou dessa ordem, pelo que não se vislumbra, também neste aspecto, qualquer violação de direitos da arguida a salientar;
- enfatizou que a realização da justiça não poderia, em momento algum, ser deixada à mercê da verificação da predisposição da arguida para comparecer em Tribunal, nem à espera, ad aeternum, para que o estado se saúde da mesma o permita, situações para as quais, a própria lei processual penal contém as soluções legais, nomeadamente através da aplicação do disposto no n.º 2 do art. 334.º da mesma, quando se mostre a impossibilidade de comparência por motivo de saúde, a lei não determina a suspensão, nem o adiamento da audiência;
- no tocante à invocada violação de normas da Constituição da República Portuguesa, tal não poderia merecer acolhimento por parte do douto Tribunal, uma vez que, em momento algum da presente audiência de julgamento, se verificou a violação do disposto no n.º 1 do art. 18° do supra mencionado diploma legal, enfatizando que, o adiamento da audiência, sem qualquer data previsível para a sua conclusão, nunca poderia ser uma opção acolhida por este douto Tribunal, tendo em conta o direito constitucional que assiste à arguida, além do mais, nos termos e para os efeito da disposto no art. 32°, n.ºs 1 e 2 do citado diploma legal;
- realçou que a arguida poderá, querendo, prestar as suas declarações até ao encerramento da audiência, conforme estipulado na lei processual penal;
- explanou que o Tribunal, em qualquer momento da audiência, procurou a realização da justiça em obediências dos princípios norteadores da Constituição da República Portuguesa e da lei processual penal, quanto a todos os intervenientes processuais, motivo pelo qual, para além do já supra exposto, a tese da defesa, afirmando haver violação dos normativos legais, por si referidos, não poderia ter qualquer acolhimento por este douto Tribunal, -
-tudo como se encontra gravado através do sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 17:18:41 horas e a duração total de 00:12:16 horas
Deste despacho recorre a arguida AA.
Vejamos.
Constituem direitos do arguido, nos termos do artigo 61.º, n.º 1, al. a) e b), estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito e ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
O artigo 332.º determina:
«1 - É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.º 1 e 2 do artigo 334.º.
(…).»
O artigo 333.º, que se refere à falta do arguido notificado para a audiência, preceitua:
 «1 - Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência.
2 - Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.º 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º6 do artigo 117.º
3 - No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312.º.
(…)»
Finalmente, estabelece o artigo 334.º:
«Audiência na ausência do arguido em casos especiais e de notificação edital
1 - Se ao caso couber processo sumaríssimo mas o procedimento tiver sido reenviado para a forma comum e se o arguido não puder ser notificado do despacho que designa dia para a audiência ou faltar a esta injustificadamente, o tribunal pode determinar que a audiência tenha lugar na ausência do arguido.
2 - Sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.
3 - Nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2, se o tribunal vier a considerar absolutamente indispensável a presença do arguido, ordena-a, interrompendo ou adiando a audiência, se isso for necessário.
4 - Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.
5 - Em caso de conexão de processos, os arguidos presentes e ausentes são julgados conjuntamente, salvo se o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos.
6 - Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.
7 - Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.
8 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º»
Como se alcança da descrição supra, a arguida de há muito – mais concretamente, desde antes da 1.ª sessão da audiência de julgamento - que invoca o seu estado de depressão e ansiedade como razão justificativa para a não comparência nas diversas sessões da audiência de julgamento que se prolongaram por vários meses.
Quando requereu, ao abrigo do artigo 334.º, n.º2, do C.P.P., o seu não comparecimento na 1.ª data designada, logo alegou o seu “estado clínico de ansiedade e depressivo que se tem vindo a agravar” e que a sua presença em audiência de julgamento “irá agravar ainda mais o estado clínico da mesma, temendo-se, no decurso da mesma, pela ocorrência repentina, inesperada de crises de ansiedade aguda (…)”, tendo sido apresentado atestado médido, datado de 18 de Setembro de 2019 (cfr. fls. 3997-4000, 14.º volume), referindo um “estado clínico com ansiedade e depressão” e “crises de ansiedade paroxística”.
Ainda que tenha sido indeferida a requerida realização da audiência na ausência da arguida, por despacho de 19 de Setembro de 2019 (cfr. fls. 4004, 14.º volume), certo é que, como já se disse, no dia seguinte, em que teve lugar a 1.ª sessão da audiência de julgamento, foi dispensada, “atentos os motivos invocados” (no mencionado requerimento), a presença da arguida nas duas sessões designadas para o dia 27 de Setembro e nas duas sessões designadas para 4 de Outubro, sem prejuízo de logo se ressalvar a possibilidade de a arguida, querendo, manifestar o seu propósito de estar presente, consignando-se que teria de comparecer na fase das alegações (fls. 4023 e gravação audio).
Veja-se que a arguida, no dia 28 de Outubro de 2019, apresentou através do seu mandatário requerimento dando conta de que não pretendia a manutenção da “prerrogativa” de a audiência se realizar na sua ausência (cfr. fls. 4224), mas logo no dia 11 de Novembro apresentou novo requerimento, com invocação do artigo 334.º, n.º2, do C.P.P., em que, remetendo para a declaração médica datada de 18 de Setembro, voltou a requerer que a audiência de julgamento prosseguisse sem a sua presença, considerando-se representada, para todos os efeitos possíveis, pelos seus mandatários, nos termos do artigo 334.º, n.º4, do C.P.P. (fls. 4270-4271, 15.º volume).
Quer isto dizer que desde o início do julgamento que a arguida invoca as mesmas razões para justificar a impossibilidade da sua presença em audiência: o seu estado depressivo e ansioso que será potenciado pela perspectiva, que lhe é penosa, de ter de comparecer em tribunal.
O tribunal indeferiu a requerida notificação dos médicos subscritores dos atestados juntos, para virem aos autos informar qual a duração previsível do estado de ansiedade da arguida, que a impedia de comparecer em tribunal para prestar as suas declarações, uma vez que nos documentos em causa estava expressamente indicado que a arguida podia ausentar-se do seu domicílio em horas compatíveis com o agendamento da audiência, bem como se reputa um mês como período necessário de avaliação, para além dos 12 dias do certificado de incapacidade.
Ora, que razões tinha o tribunal para supor que, passado o período de um mês tido como necessário à avaliação, a situação de invocada ansiedade relacionada com a comparência em tribunal, que se mantinha desde pelo menos Setembro do ano anterior, não se manteria?
O adiamento da audiência, sem qualquer data previsível para a sua conclusão, nunca poderia ser uma opção a acolher.
O direito assegurado à arguida de prestar declarações em qualquer fase do julgamento, incluindo em sede de últimas declarações, não significa que o tribunal e os demais sujeitos processuais ficassem na absoluta dependência da evolução dos estados anímicos daquela, da sua ansiedade e depressão, para mais quando aparentam prolongar-se por vários meses (e até anos) e nenhuma garantia havia, por mínima que fosse, de que em prazo razoável, a arguida estaria finalmente nas melhores condições para, ultrapassado o seu estado ansioso, comparecer em julgamento e prestar as suas declarações.
A falta da arguida, ainda que justificada, não é motivo de adiamento da audiência, desde que a sua presença não seja absolutamente imprescindível.
E ainda que o tribunal tenha decidido que a arguida, dispensada de comparecer nas outras sessões da audiência de julgamento, deveria ser notificada para comparecer nas últimas, em que seriam produzidas as alegações, não significa que tivesse de ficar na contingência de adiar sine die a continuação da audiência de julgamento até que a arguida estivesse nas melhores condições de prestar declarações.
Esteve sempre assegurada a possibilidade de a arguida prestar declarações em qualquer fase da audiência de julgamento, até ao encerramento da mesma, inclusivamente findas as alegações.
Realmente, após as alegações a lei concede uma última possibilidade ao arguido de intervir no contraditório, atribuindo-lhe o direito de dizer o que tiver por conveniente em sua defesa (artigo 360, n.º1, do C.P.P.), direito que o arguido pode utilizar tenha ou não prestado anteriormente declarações, tanto mais que o arguido, como estabelece o n.º1 do artigo 343.º, “tem o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo”, sendo certo que a audiência só se tem por encerrada com o encerramento da fase de discussão, que só tem lugar, justamente, como se estabelece no n.º2 do artigo 360.º, depois das últimas declarações do arguido.
Admite-se, por isso, que em sede de últimas declarações o arguido poderá, caso ainda o não tenha feito, confessar os factos, confissão que o tribunal deverá valorar e apreciar e, sendo caso disso, levar em consideração na fixação da matéria de facto, visto que a circunstância de a lei textuar no n.º1 do artigo 360.º que as declarações do arguido se destinam à sua defesa, não significa que o tribunal as não possa valorar e apreciar para fim diverso (Código de Processo Penal Comentado, Juízes Conselheiros dos S.T.J., 2016 - 2.ª ed. Revista, p. 1091).
Afigura-se-nos, mesmo, haver casos em que justificar-se-á a reabertura da produção de prova, finda a qual terá lugar de novo a produção de alegações e a última declaração do arguido.
In casu, nunca esteve em causa o direito de a arguida/ora recorrente prestar declarações, mas antes saber se o tribunal devia enveredar por uma via de adiamento/protelamento da audiência com base em razões que são as mesmas que vêm sendo invocadas desde há vários meses (e, bem vistas as coisas, até anos) e que, aparentemente, a arguida, apesar de acompanhamento médico, não terá conseguido ultrapassar.
Não vislumbramos, pois, que o despacho recorrido (de 3 de Julho) que determinou o prosseguimento da audiência e designou para a sua continuação, para além da data já anteriormente designada, a saber, dia 10 de Julho, também o dia 15 de Julho, pelas 15h00, realçando que “o prosseguimento da audiência na ausência da arguida em nada leva ou proscreve o direito da mesma a prestar declarações, querendo, uma vez que tal poderá ter lugar até ao encerramento da audiência de julgamento”, enferme de qualquer vício, designadamente, da alegada irregularidade.
Posto isto, prosseguiu a audiência com reprodução das declarações prestadas pela arguida, em sede de interrogatório complementar de 10/10/2017, como a mesma havia requerido.
No dia 10 de Julho de 2020 teve lugar a continuação da audiência de julgamento, a que faltou a arguida, tendo sido dada como justificada a sua falta.
No decurso da audiência, deferiu-se a requerida reprodução das declarações que a arguida prestara no seu primeiro interrogatório e, após a dita reprodução, foi dada a palavra para alegações ao Ministério Público, alegando, de seguida, o Dr. GGGGG e a Dr.ª HHHHH, sendo interrompida a audiência para prosseguir na data já designada.
No dia 14 de Julho, foi apresentada prorrogação do “certificado de incapacidade temporária para o trabalho” da arguida, com data de início de 14 de Julho e termo em 12 de Agosto (cfr. fls. 5928).
Ainda assim, na data designada de 15 de Julho, compareceu finalmente a arguida AA em tribunal, tendo a mesma prestado declarações durante cerca de 20 minutos.
Na sequência, ficou consignado na acta:
«Acto contínuo, foi concedida a palavra para esclarecimentos ao Ilustre Mandatário da arguida AA que, na suas instâncias, em súmula, tomou a posição de não pedir esclarecimentos à arguida, tendo formalizado um requerimento de suspensão/adiamento da audiência de julgamento, fundamentando-se, legalmente, com o estatuído nos artigos 328° do Código do Processo Penal e 32°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, e, factualmente, com o estado de saúde da arguida, que considerava visivelmente debilitada, tendo sido afirmado pela própria não se sentir capaz de prestar esclarecimentos às instâncias do seu Ilustre Advogado, neste momento; mais requereu, o Excelentíssimo Advogado, que fosse notificada, por parte do douto Tribunal, a médica responsável pelo acompanhamento clínico da arguida, Dr.a IIIII, para vir aos autos informar da duração previsível deste estado de saúde da arguida, bem como a possibilidade, ou não, de recuperação, a fim de a mesma poder continuar de prestar esclarecimentos nos presentes, nas instâncias do seu Ilustre Mandatário, - como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 16:17:52 horas e termo pelas 16:20:32 horas.
 De seguida, a Mm.a Juiz Presidente concedeu a palavra, sucessivamente, à Digna Magistrada do Ministério Público e aos demais Excelentíssimos Advogados presentes que, no uso da mesma, tomaram as seguintes posições:
- pela Digna Magistrada do Ministério Publico, em súmula, foi pleiteado pelo indeferimento do requerido, com os fundamentos, já, oportunamente, invocados nas anteriores sessões de audiência de julgamento, no uso do contraditório aos idênticos requerimentos, apresentados nos autos por parte da arguida;
- pelo Excelentíssimo Advogado Dr. JJJJJ foi dito, em súmula, subscrever na íntegra a posição assumida pela Digna Procuradora da República, salientando que se encontra em causa a realização da justiça e ainda, enfatizando o dever do Tribunal, que lhe é imposto pelo disposto no art. 340°, als. b), c) e d) do Código do Processo Penal, de afastar os requerimentos probatórios com carácter meramente dilatório, carácter esse que, no seu entender, reveste o ora requerido pela arguida AA;
- pelo Ilustre Advogado dos assistentes/demandantes CC e BB, em súmula, foi declarado subscrever na íntegra as posições ora assumidas pela Digna Procuradora da República e pelo Ilustre Advogado Dr. JJJJJ;
- pelo Excelentíssimo Advogado Dr. KKKKK foi dito, em súmula, subscrever na íntegra as posições ora assumidas pela Digna Procuradora da República e pelo Ilustre Advogado Dr. JJJJJ, salientando a notoriedade do carácter dilatório do comportamento processual da defesa da arguida AA, mais comunicando que, há pouco tempo, o próprio visualizou a arguida a circular desapoiada, sozinha e de manifesta boa saúde na via pública, nomeadamente, a entrar na Igreja …., pelo que a ora invocada debilidade e indisposição lhe veio a causar bastante estranheza;
- pela Ilustre Advogada Dr.ª HHHHH foi declarado subscrever na íntegra as posições manifestadas pela Digna Procuradora da República e pelos Excelentíssimos Mandatários dos demais assistentes;
- pela Ilustre Advogada da sociedade arguida, em súmula, foi dito subscrever na íntegra o requerido pela arguida AA, -
- tudo como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 16:21 :27 horas e termo pelas 16:23:59 horas.
Após, quando eram 16 horas e 24 minutos, pela arguida AA foi solicitado que lhe fosse concedido, pela Mm.ª Juiz Presidente, que se retirasse da sala de audiências, o que lhe foi concedido, considerando-se justificada a falta, face ao teor do documento clínico apresentado, após o que, pela Mm.ª Juiz Presidente, foi declarada interrompida a audiência (bem como a sua gravação), para deliberação do Tribunal Colectivo.
Quando eram 16 horas e 29 minutos, pela Mm.ª Juiz Presidente foi declarada reaberta a audiência, tendo prosseguido a sua gravação, após o que, por deliberação do Tribunal Colectivo, a Mm." Juiz Presidente proferiu despacho que, em súmula:
- relativamente à requerida suspensão/adiamento da audiência de julgamento, apesar desta matéria já ter sido objecto de apreciação e decisão, na sequência de anteriores requerimentos da arguida AA nesse sentido, e se indeferiu o requerido, uma vez que nada de novo foi trazido aos presentes, nem nada de novo foi invocado pela defesa da referida arguida, não tendo sido carreados novos factos ou fundamentos, que pudessem justificar uma decisão, por parte do Tribunal, distinta daquela que já foi proferida nos presentes aquando dos anteriores requerimentos da arguida para adiamento da audiência de julgamento sine die com base no alegado precário estado de saúde da mesma, impondo-se, em bom rigor, apenas renovar esses despachos anteriores;
- salienta o Tribunal a estranheza causada pela súbita recusa da arguida de continuar a prestar declarações e esclarecimentos, aquando das instâncias para tal concedidas ao seu Ilustre Mandatário, uma vez que, até aquele momento, prestou as suas declarações de forma clara, evidenciando discernimento, inteligência e elevada capacidade de raciocínio;
- enfatizou o facto de que a postura verbal e intelectual da arguida AA, demonstrada aquando da prestação das suas declarações na presente sessão da audiência de julgamento, difere absolutamente da sua postura corporal e da invocada debilidade e indisposição;
- na senda do que já foi determinado a respeito do agora novamente requerido, reforçou que os direitos da arguida foram assegurados com plenitude em qualquer momento da audiência de julgamento e que, em momento algum, a mesma foi impedida de exercer qualquer um dos direitos que lhe assistem, enfatizando que, foi sempre a arguida a requerer, reiteradamente, que fosse dispensada de estar presente nas sessões de audiência de julgamento, por tal direito lhe assistir e não por qualquer outra razão, inclusive tendo sido sempre a própria arguida a dar azo à alteração da ordem da produção da prova estipulada no art. 341° do Código do Processo Penal, porquanto, legitimamente, não quis então prestar declarações;
- relembrou que sempre foi considerado, por este Tribunal, que a presença da arguida não era, nem é, indispensável para o apuramentos dos factos e para a boa decisão da causa, nem para a descoberta da verdade material, o que e novamente se reitera;
- salientou que, tendo em conta que, em momento algum, a arguida foi impedida de exercer qualquer um dos direitos que lhe assistem, a realização da justiça não poderia, ser deixada a mercê da verificação da predisposição e da vontade da arguida para dar continuidade das suas declarações, tendo em conta que a invocada, pela própria, dificuldade de prestar esclarecimentos nas instâncias do seu Ilustre Advogado difere manifestamente do que, até ao momento, foi percepcionado pelo Tribunal em sala de audiências;
- perante a postura assumida pela arguida, no sentido de declarar não se sentir capaz de prestar declarações, apesar de até ao momento o ter conseguido fazer, aquando das instâncias do seu Ilustre Advogado, salientou que a solução legal do art. 334°, n.º 2 do Código do Processo Penal para impossibilidade física não prevê a suspensão/adiamento da audiência, e assegura assim a garantia, também constitucionalmente exigida, da realização da justiça perante situações e comportamentos que visem suspender ad aeternum a mesma;
- no tangente à requerida diligência probatória de notificação da clínica que acompanha o estado de saúde da arguida, AA, indeferiu o requerido, por falta de fundamento legal e factual, conforme já determinado e amplamente explanado e fundamentado no douto despacho proferido em acta de audiência de julgamento havida no dia 3 de Julho de 2020, que se renova, aquando da apresentação por essa arguida de requerimentos de idêntico teor;
- face à recusa da arguida de continuar a prestar declarações e esclarecimentos, abdicando, desta forma, desse seu direito, determinou que se desse continuidade às doutas alegações, -
-, tudo como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 16:29:09 horas e termo pelas 16:37:52 horas.
(…)
Seguidamente, pelo Excelentíssimo Advogado da arguida AA foi pedida a palavra que, tendo-lhe sido concedida pela Mrn." Juiz Presidente veio, em súmula, arguir a irregularidade do despacho ora proferido, salientando que a arguida continua a desejar prestar declarações, não neste momento, mas sim, em momento posterior, não sabendo precisar quando, tendo em conta o estado de saúde da arguida sua constituinte, fundamentando-se com o disposto nos artigos 61°, n.º 1, al. b), 341°, al. a), 343°, n.º 1, 345°, n.º 1, 360°, n.º 1, 361°, n.º 1 do Código do Processo Penal e 18°, n.º 1, 20°, n.º 1 e 32°, n.ºs 1, 2 e 6 da Constituição da República Portuguesa e alegando a proscrição do direito da arguida de prestar declarações, pelo que se lhe afigurava que o acto de continuar a audiência de julgamento é uma acto inválido - como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 16:02:20 horas e termo pelas 16:42:01 horas.
Acto contínuo, uma vez que a arguida se encontrava do lado de fora da sala de audiência, não tendo abandonado o recinto do Tribunal, foi a mesma convidada para a sala de audiências, para prestar, querendo, esclarecimentos nas instâncias do seu Ilustre Advogado, ao que a mesma declarou, em súmula, não se sentir capaz para tal neste momento, mas que, nas palavras da própria, há de querer prestar esclarecimentos nas instâncias do seu Ilustre Advogado, não sabendo precisar quando, devido ao seu estado de saúde - como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 16:42:09 horas e termo pelas 16:45:58 horas.
De seguida, pela Mm." Juiz Presidente foi concedida a palavra, sucessivamente, à Digníssima Magistrada do Ministério Pública e aos demais Ilustres Advogados presentes, tendo-se pronunciado nos termos seguintes:
- pela Digníssima Procuradora da Republica, em súmula, foi salientado que o requerimento ora apresentado pela defesa da arguida AA vai ao encontro do que já foi anteriormente requerido, nada de novo tendo sido trazido ou invocado, pelo que o Ministério Público mantém a sua posição a esse respeito, exarada e fundamentada em acta de audiência de julgamento do dia 3 de Julho de 2020;
- pelo Ilustre Advogado Dr. JJJJJ foi dito, em súmula, não se lhe afigurar existir nenhuma irregularidade no despacho ora proferido, enfatizando o facto de que, nesta audiência de julgamento, já foram reproduzidas as declarações da arguida, prestadas em sede de primeiro interrogatório, bem como em sede de interrogatório complementar que, conjugadas com as prestadas nesta sessão da audiência de julgamento, deixaram bem clara a posição da arguida quanto aos factos que lhe são imputados; mais salientou, o Excelentíssimo Advogado, que as declarações da arguida são meio de prova equivalente a qualquer outro, não sendo um direito absoluto, não devendo, assim, obstaculizar ad aeternum a realização da justiça; mais acrescentou ainda, que a posição assumida pela arguida e demonstrada nas suas palavras "hei de querer prestar declarações" não poderia ser a condição absoluta para a realização da justiça, não devendo esta posição particular da mesma prevalecer sobre todo e qualquer outro interesse ou direito no presente litígio;
- pelo Excelentíssimo Advogado, Dr. GGGGG, em súmula, foi dito subscrever na íntegra as posições assumidas pela Digna Procuradora da República e pelo Ilustre Mandatário Dr. JJJJJ, não havendo nenhuma irregularidade a observar no despacho ora proferido;
- pelo Ilustre Advogado, Dr. KKKKK, em súmula, foi dito subscrever na íntegra as posições vertidas nos autos pela Digna Procuradora da República e pelos Ilustres Advogados dos assistentes, que já usaram da palavra, não se lhe afigurando qualquer tipo de irregularidade no despacho proferido, mais acrescentando que a postura processual da defesa da arguida AA com o seu, no seu entender, notório carácter dilatório, estava, nas suas palavras, a "roçar o caricato";
- pela Ilustre Advogada, Dr." HHHHH, em súmula, foi dito subscrever na íntegra as posições vertidas nos autos pela Digna Procuradora da República e pelos demais Ilustres Advogados dos assistentes, salientando que nada de irregular se lhe afigura existir no douto despacho proferido;
- pela Ilustre Advogada da sociedade arguida, em súmula, foi dito subscrever na íntegra a posição assumida pela defesa da arguida AA, -
- tudo como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 16:45:56 horas e termo pelas 16:49:39 horas.
Após, por deliberação do Tribunal Colectivo, a Mm.ª Juiz Presidente proferiu despacho que, em súmula:
- no atinente à invocada irregularidade/nulidade do despacho proferido, o requerido, no sentido de ser dado sem efeito o mesmo, foi indeferido, por não se afigurar ao douto Tribunal haver fundamentos legais para tal;
- realçou que, desde o início da audiência do julgamento, em 20 de Setembro de 2019, em momento algum, a arguida foi impedida de exercer qualquer um dos direitos que lhe assistem, enfatizando que, foi sempre a arguida a requerer, reiteradamente, que fosse dispensada de estar presente nas audiência de julgamento, por tal direito lhe assistir e não por qualquer outra razão, motivo pelo qual a suscitada violação dos direitos à defesa da arguida, não podia ter outro acolhimento, a não ser o de cabal afastamento, por falta de fundamento legal e factual;
- realçou que não se vislumbra qualquer violação de direitos da arguida a salientar, uma vez que a prestação ou não de esclarecimentos por parte da arguida nas instâncias do seu Ilustre Advogado, nunca poderia depender da agenda pessoal da mesma, da sua vontade ou disponibilidade, nem a realização da justiça poderia ficar suspensa ad aetemum e dependente da verificação da predisposição da arguida para tal, salientando que a presença da arguida não é absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material;
- relembrou que a própria lei processual penal resolve este tipo de questões através das imposições normativas do art. 334°, n.º 2, encontrando-se o Tribunal vinculado, em qualquer momento da audiência, ao dever de atender ao supremo interesse da realização da justiça e ao cumprimento dos princípios norteadores estabelecidos na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos seus artigos 18°, n.º 2 e 32°, n.º 2, entre outros,
- tudo como se encontra gravado através do sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 16:49:40 horas e a duração total de 16:54: 19 horas.
(…) pela arguida AA foi solicitado para se retirar da sala de audiências para ficar a aguardar o fim da audiência nas cadeiras que se encontram do lado de fora da sala, alegando para tal que as mesmas são mais confortáveis do que as existentes dentro da sala e que o ar é mais respirável, o que, na falta de qualquer oposição para tal por parte dos demais intervenientes processuais presentes, lhe foi deferido pela Mm.ª Juiz Presidente - como encontra gravado através do sistema "H@bilus Média Siudio", com início pelas 17:03: 12 horas e termo pelas 17:03:34 horas.
(…)
Findas as doutas alegações, a arguida AA foi reiteradamente convocada para entrar na sala de audiências, uma vez que se encontrava sentada nas cadeiras existentes no exterior da sala, a fim de, querendo, prestar as suas últimas declarações, ao que a mesma não acedeu, após o que a Mm.ª Juiz Presidente proferiu despacho que, em súmula:
- designou para a leitura do douto acórdão o dia 02 de Setembro de 2020, pelas 14:00 horas, data obtida após concertação de agendas com todos os Ilustres Mandatários presentes;
- determinou que, face a recusa da arguida de entrar na sala de audiências, fosse a mesma notificada da data designada para a leitura do acórdão através de nota de citação, a elaborar de imediato após o fim da audiência;
(…)
Também do referido despacho que indeferiu a arguição de nova irregularidade interpõe recurso a arguida.
Para melhor compreensão procedeu-se à audição da gravação das declarações prestadas pela arguida na sessão da audiência de julgamento, de 15 de Julho de 2020.
A arguida, efectivamente, compareceu e prestou declarações, de forma pausada, as quais, denunciando alguma emoção, se mostram coerentes, claras e organizadas.
Começou por dizer que precisava de enquadrar “a razão de ser da minha estadia aqui hoje”, referindo ter-lhe sido negado o direito de prestar declarações antes do final da produção de prova, ao que a Mm.ª Juíza lhe disse que não lhe havia sido negado qualquer direito.
Seguidamente, disse ser “importante explicar por que estou aqui hoje, em relação às minhas declarações quero começar por pedir desculpa, mas penso que esse é um ponto prévio – pedir desculpa aos assistentes, aos queixosos, pedir desculpa porque nada daquilo que aconteceu eu queria que tivessse acontecido… porque tudo o que se passou e que criou sofrimento, criou desgosto, criou desapossamento financeiro e económico, eu não queria que tivesse acontecido. E lutei, lutei até à minha última gota de sangue para que assim não fosse”.
Questionada sobre o pedido de desculpas que acabara de fazer, esclareceu: “Estou a pedir desculpas pelo desapossamento que lhes causei (aos queixosos). Não causei intencionalmente, não queria de maneira nenhuma que o que aconteceu acontecesse.” “Os meus erros de cálculo, os meus erros de avaliação levaram estas pessoas a ficar desapossadas e em sofrimento”.
Questionada pela Mm.ª Juíza Presidente sobre o destino das quantias avultadas em causa, a arguida respondeu: “Foram gastas”, esclarecendo que “uma parte delas terão sido gastas nos contratos a que estávamos vinculados e outras foram gastas em despesas de escritório. Pelo menos era assim que me era transmitido”.
Perguntada pela Mm.ª Juíza Presidente sobre se os queixosos não lhe transmitiam que os contratos não estavam a ser cumpridos, que o dinheiro não estava a ser restituído, respondeu: “Era. E era uma luta contra o tempo para tentar resolver”, para “encontrar os valores, para fechar as posições negativas. Trabalhei, esforcei-me, matei-me dia e noite para cobrir as posições que estavam negativas e acomodar os desejos e ter um cliente muito feliz em vez de um cliente recalcitrante”. “Fiz tudo o que era capaz em termos de forças e de esforço”.
Perguntada sobre se o que lhe é imputado na pronúncia corresponde à verdade, respondeu: “Na forma como está, não” e “nunca será verdade que eu montei um plano para sacar dinheiro às pessoas, para as enganar”.
Questionada pela Mm.ª Juíza Presidente sobre se as quantias em questão foram ou não transferidas, respondeu: “Foram”.
Questionada se é verdade que nenhum dos candidatos a visto gold em causa no processo o obteve, apesar das transferências, respondeu que os vistos “estavam em evolução” e que “aguardavam documentos.”
Perguntada sobre a razão por que os documentos que seriam a prova dos investimentos não chegavam, a arguida respondeu: “Porque o dinheiro se gastou. Isso é verdade”.
Perguntada sobre se sabia que o dinheiro havia sido gasto, disse: “Eu sabia quando me era comunicado que já não havia dinheiro”.
Perguntada sobre quem é que gastava o dinheiro, respondeu: “Era a firma
Sobre quem mandava na firma, disse: “A firma tinha uma estrutura”, que nem sempre era ela a decidir e que a decisão “era tomada na base da informação dada”.
Quanto ao que aparentava ser a falsificação de um extracto de conta do Millenium BCP, disse: “Eu não identifiquei isso como um extracto – o que foi pedido foi um cálculo dos juros vencidos com base na entrega daquele valor”, admitindo que, na altura, já não tinha a quantia entregue pelo cliente. “Aquele documento para mim é um documento word de cálculo de juros de um valor que era devido ao cliente em cima de um montante que ele me tinha entregue”.
Perguntada sobre a razão de tal documento conter o logotipo do Millenium BCP e de o cliente o ter interpretado com sendo o extracto de conta bancária, respondeu que a circunstância de constar o dito logotipo foi “uma estupidez” e que “não estou na cabeça do cliente” e “sei quais foram as intenções que presidiram à elaboração daquele documento”.
É a partir deste momento que a arguida começa a dizer já não ser capaz de prestar mais declarações, mas “tenho muita coisa para dizer”.
Realmente, como disse o tribunal recorrido, foi concedida a palavra para esclarecimentos ao mandatário da arguida AA que requereu a suspensão/adiamento da audiência de julgamento, com base no estado de saúde da arguida, que considerava visivelmente debilitada, tendo sido afirmado pela própria não se sentir capaz de prestar mais esclarecimentos.
O tribunal a quo assinalou a sua estranheza pela súbita recusa de a arguida em continuar a prestar declarações e esclarecimentos, aquando das instâncias para tal concedidas ao seu Ilustre Mandatário, “uma vez que, até aquele momento, prestou as suas declarações de forma clara, evidenciando discernimento, inteligência e elevada capacidade de raciocínio”, sublinhando o facto de que a postura verbal e intelectual da arguida AA, demonstrada aquando da prestação das suas declarações na sessão da audiência de julgamento, “difere absolutamente da sua postura corporal e da invocada debilidade e indisposição”.
Dir-se-ia, dizemos nós, que quando as perguntas de tornaram mais incómodas, a arguida deixou de “poder” prestar declarações.
Como já se referiu supra, de há muito que a arguida /ora recorrente invoca o seu estado clínico de ansiedade e depressão para justificar a sua não comparência em julgamento.
Não tinha o tribunal nenhuma razão para supor que, mediante a suspensão/adiamento das últimas declarações da arguida, não se sabe por quanto tempo, achar-se-ia a arguida, finalmente, nas melhores condições para estar em audiência, ou se, perante questões mais difíceis ou incómodas, não voltaria a invocar o seu estado de saúde para não responder, por aumento da sua condição ansiosa.
Como expressou o tribunal recorrido, em momento algum a arguida foi impedida de exercer qualquer um dos direitos que lhe assistem e a realização da justiça não poderia ser deixada à mercê da verificação da predisposição psicológica e da vontade da arguida para dar continuidade às suas declarações, de acordo com as variações do seu estado de ansiedade, “tendo em conta que a invocada, pela própria, dificuldade de prestar esclarecimentos nas instâncias do seu Ilustre Advogado difere manifestamente do que, até ao momento, foi percepcionado pelo Tribunal em sala de audiências”.
Nem mesmo no caso de impossibilidade física do arguido se deslocar ao tribunal, posto que não seja considerada absolutamente indispensável a sua presença – e, no caso, o tribunal considerou não ser -, a solução legal prevê a suspensão/adiamento da audiência, assegurando-se assim “a garantia, também constitucionalmente exigida, da realização da justiça perante situações e comportamentos que visem suspender ad aeternum a mesma”.
No caso vertente, foi permitido à arguida que saísse da sala de audiências, após o que, passado algum tempo, foi a mesma convidada a regressar à sala de audiências, para prestar, querendo, esclarecimentos a instâncias do seu advogado, ao que a mesma declarou não se sentir capaz para tal nesse momento,” mas que há de querer prestar esclarecimentos, não sabendo precisar quando, devido ao seu estado de saúde”.
Voltou, alguns minutos depois, a ser convidada a entrar e a prestar últimas declarações, ao que a mesma não acedeu, conforme ficou consignado na acta.
Na audiência de julgamento, haviam sido reproduzidas as declarações da arguida, prestadas em sede de primeiro interrogatório, bem como em sede de interrogatório complementar.
 O direito de prestar declarações não constitui um direito absoluto, a ser exercido de forma a obstaculizar ad aeternum a realização da justiça, sendo que a posição assumida pela arguida, no sentido de que “hei de querer” prestar declarações – quando, não se sabe, atento o historial da arguida - não pode servir de suporte à desconsideração dos legítimos interesses dos restantes sujeitos processuais.
Entendemos, assim, que o despacho recorrido de 15 de Julho, tal como o de 3 de Julho, não enferma de qualquer vício de irregularidade ou de nulidade, sanável ou insanável, não viola o artigo 61.º, n.º1, al. b), do C.P.P., nem os artigos 32.º, n.ºs 1, 2, 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, e 11.º, n.º1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nem quaisquer outras das disposições legais invocadas pela arguida/recorrente.
Por outro lado, no circunstancialismo supra descrito, em que a arguida vem, ao longo de meses (e até anos), invocando o seu estado de saúde em termos idênticos – depressão e ansiedade – para não comparecer em tribunal, afigura-se-nos que o tribunal recorrido, ao decidir não adiar ou suspender a audiência para que a arguida continuasse a prestar as suas últimas declarações quando viesse a sentir que já o podia fazer – até pela evidência de que a arguida as prestou enquanto as quis prestar -, não fez qualquer interpretação normativa dos artigos 61.º. al. b), 328.º e 333, n.º2, contrária aos artigos 18.º, n.º2 e 32.º, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Saliente-se, a este propósito, o que veio a ser consignado no acórdão recorrido (sublinhado nosso):
«Aliás, veja-se que a não comparência por motivos de saúde ("se encontra doente ... por período pelo menos 30 dias") já vinha sendo invocada nos autos desde Junho de 2017 (cfr. atestado a fls. 846 a 847 dos autos apensos n.° 2862/15….), sendo que essa doença não obstou a que a arguida fosse ouvida e prestasse declarações, como o fez e foi reproduzido em audiência de julgado, em sede de primeiro interrogatório judicial no dia 13.07.2017, sem olvidar que o tal atestado médico que atesta essa impossibilidade é datado de 27.06.2017, e assinada por UUUU, a mesma médica que subscreve a 02.07.2020 a impossibilidade de arguida comparecer nas sessões da audiência de julgamento designadas para os dias 03.07.2020 e 10.07.2020, por motivos de "doença natural" (cfr. certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 5815, datado de 02.07.2020, por 12 dias).
E essa impossibilidade de comparecer continua a ser aventada em 14.07.2020, e por mais 30 (trinta) dias, desta feita, já se consignando haver autorização para sair sendo baixa psiquiátrica (cfr. certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 5928).
Sendo que a arguida, por requerimento entrado em juízo a 23.06.2020, tinha informado "que pretende prestar declarações" (cfr. fls. 5719 a 5720), e cerca de 9 (nove) dias volvidos veio comunicar a impossibilidade de comparecer, por motivos de saúde, que já eram invocados, e atestado pela mesma médica, três anos antes, em Junho de 2020 (cfr. elenco de patologias elencados no atestado de doença, datado de 02.07.2020, a fls. 5815 verso).
Ou seja, essa "impossibilidade" a que a arguida se apegou já se verifica há três anos, e quando lhe é subjectivamente conveniente.
Por outro lado, do relatório médico de fls. 5816 a 5816 verso, datado de 30.06.2020, resulta demonstrada a falta de vontade da arguida em efectivamente prestar declarações, veja-se o constante desse relatório "por motivo de ter uma inquirição no próximo dia 3 de Julho e não se sentir capaz", ou seja, é uma declaração subjectiva, sendo certo que, se expressa, nesse mesmo relatório médico, como necessária uma intervenção não inferior a um mês.
Sem olvidar que, as declarações que arguida prestou em sede de audiência de julgamento se revelaram intrinsecamente coerentes com as suas pretensões, não denotando qualquer vestígio de discurso pobre, de bloqueio de ideias, nem de pensamento desorganizado, antes pelo contrário, as respostas eram congruentes, lógicas e condizentes com o que era perguntado, para além do discurso articulado e consistente, sendo que, tal fluidez discursiva apenas era constrangida pelas próprias declarações da arguida ao ir afirmando que não estava capaz, quando era notória a existência dessa capacidade de articulação quer de pensamento, quer de discurso, basta atentar, além do mais, o tom vocal que ia subindo ou descendendo consoante o seu interesse na resposta a dar.
Ou seja, a postura declarativa da arguida era nitidamente fruto da sua vontade, da sua necessidade de controlar a narrativa, e não advinha de qualquer falta de capacidade.»
Ou seja: estamos perante invocação recorrente de um estado de doença ao longo de três anos.
Termos em que os recursos interlocutórios interpostos pela arguida devem ser todos não providos.
3.2. Do recurso interlocutório interpostos pela arguida - sociedade
No dia 8 de Julho de 2020, a arguida “C... Legal, Ltd.”, alegando que o tribunal necessitaria de informações actualizadas “quanto ao estado da sociedade arguida para apreciar da sua responsabilidade criminal nos presentes autos”, requereu se apurasse “se teve lugar, ou não, procedimento administrativo de liquidação e, em caso afirmativo, se foi já objecto de registo”.
Em 9 de Julho de 2020, foi decidido que se oficiasse ao RNPC e à Ordem dos Advogados, no sentido requerido, solicitando-se urgência nas respostas.
Na sessão de julgamento do dia seguinte, ficou consignado na acta o seguinte:
«De seguida, pela Ilustre Advogada da sociedade arguida foi pedida a palavra que, tendo-lhe sido concedida, pela Mm.ª Juiz Presidente, no uso da mesma requereu, em súmula, face ao teor do resultado das pesquisas efectuadas na sequência do por si requerido, por se lhe afigurar essencial para o apuramento da eventual responsabilização penal da sociedade arguida, bem como da sua capacidade jurídica, fossem oficiadas as competentes autoridades de Inglaterra, onde a sociedade arguida se encontra sediada, a fim de se apurar da precisa situação jurídica de tal sociedade, fundamentando-se devidamente para o efeito, invocando o disposto no art. 340°, n.º 1 do Código do Processo Penal.
 Após, no uso da palavra que lhe foi concedida para esse efeito pela Mm.ª Juiz Presidente, pelo Excelentíssimo Advogado da arguida AA, em súmula, foi dito subscrever na íntegra o requerido pela sociedade arguida, afirmando que a sua constituinte, legal representante da sociedade em crise, desconhece o estado jurídico e registral da mesma, - -, tudo como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 10:02:20 horas e termo pelas 10:05:58 horas.
Nesta sequência, pela Mm.ª Juiz Presidente foi concedida a palavra, sucessivamente, à Digníssima Magistrada do Ministério Pública e aos Ilustres Advogados dos assistentes, tendo-se pronunciado nos termos seguintes:
- pela Digníssima Procuradora da Republica foi pleiteado, em súmula, pelo indeferimento do requerido, por carecer de fundamento, realçando ainda a estranheza inerente a um requerimento de diligências probatórias nesta fase do processado, uma vez que tais diligências poderiam ter sido requeridas em momento próprio para tal, em todo caso, anterior à presente data, tendo em conta que a audiência de julgamento decorre desde o dia 20 de Setembro de 2019;
- pelos Excelentíssimos Advogados dos assistentes, em súmula, foi declarado subscreverem na íntegra a posição ora assumida pela Digna Procuradora da República, -
-, tudo como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 10:05:59 horas e termo pelas 10:07:38 horas.
*
Após, por deliberação do Tribunal Colectivo, a Mm.ª Juiz Presidente proferiu despacho que, em súmula, indeferiu o requerido pela sociedade arguida, por falta de fundamento legal e factual, uma vez que, face às informações vertidas nos autos quanto a sociedade arguida, nada indica que a mesma esteja dissolvida, extinta ou privada de capacidade jurídica, realçando o caracter dilatório de tal requerimento, uma vez que tal diligência poderia e deveria ter sido requerida em momento próprio do processado legal, mais enfatizando que, sendo do interesse unicamente da própria a sociedade arguida, em qualquer momento poderia a mesma ter apurado da sua precisa situação jurídica e registral, podendo ainda vir a fazê-lo, querendo, sem prejuízo de tal circunstancialismo ser ponderado, se for caso para tal, em sede própria, nomeadamente, apreciado em questão prévia ao douto acórdão, -
- tudo como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 10:07:39 horas e termo pelas 10:09:07 horas.»
É deste despacho que a arguida-sociedade interpôs recurso.
Sustenta a recorrente que o tribunal a quo, ao indeferir a diligência requerida, violou o disposto nos artigos 340.º, n.º 1 e 323.º, al. a) e b) do C.P.P., por ter omitido uma diligência que se revela indispensável para o apuramento da matéria de facto e para a boa decisão da causa.
Estabelece o artigo 340.º do C.P.Penal:
«1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.»
A alínea a) do n.º 4 resulta da redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.
A procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal.
A lei atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, o que constitui a consagração, no nosso sistema, do princípio da investigação ou da oficialidade.
O C.P.P. estabelece no artigo 340.º os princípios gerais em matéria de produção de prova na audiência, encontrando-se vários critérios de admissibilidade de prova dispersos noutros preceitos do mesmo diploma, com recurso a expressões como, entre outras, essencial, indispensável, necessário, previsivelmente necessário, absolutamente necessário, útil.
Discute-se, por vezes, se o poder conferido pelo artigo 340.º do C.P.P. é um poder discricionário ou, pelo contrário, é sindicável, questionando-se se é recorrível a decisão de indeferimento de um requerimento de prova apresentado, na fase de julgamento, ao abrigo do preceituado no artigo 340.º do C.P.P.
Lê-se, por exemplo, no acórdão da Relação de Guimarães, de 27/04/2009, processo 12/03.2TAFAF.G1 (em www.dgsi.pt, como outros que venham a ser citados sem diferente indicação):
O exercício do poder de apreciação do condicionalismo legal inscrito no n.º1 do artigo 340º do Código de Processo Penal, isto é, o juízo de necessidade ou desnecessidade da diligência de prova requerida parece-nos insindicável por via de recurso directo: a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade acarreta, antes, uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120.º, n.º2, alínea d), do CPP, a arguir “antes que o acto esteja terminado” (art. 120.º, n.º3, al. a), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr. art. 410.º, n.º3 do CPP).
Contudo, se o poder conferido pela norma do n.º 1 do artigo 340.º for actuado, em sentido negativo ou positivo, fora do condicionalismo legal, isolando outro para fundamentar a decisão respectiva, então aí, na medida em que há violação da lei, a opção tomada pelo tribunal é já susceptível de recurso (cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 4 de Dezembro de 1996, BMJ n.º 462, pág. 286 e de 9 de Outubro de 2003, proc.º n.º 1670/03-5ª, in SASTJ n.º74, 170 e o Ac. da Rel. de Lisboa de 16-12-2004, proc.º n.º 8971-4ª, rel. Ana Brito, in www.pgdlisboa.pt).”
Ainda relativamente ao meio de reacção ao indeferimento de produção de meios de prova em sede de audiência de julgamento, disse a Relação de Coimbra, em acórdão de 1/02/2012 (Processo 416/10.4JACBR.C1):
 “A violação do art. 340.º, n.º 1 do C. Processo Penal e por via dela, a violação do princípio da investigação, na sequência do indeferimento da renovação de prova pericial, só pode originar uma nulidade sanável, a enquadrar na alínea d), do n.º 2, do art. 120.º do C. Processo Penal, e sujeita ao regime de arguição previsto no n.º 3 do mesmo artigo. Tendo o arguido e a sua defensora estado presentes na audiência de julgamento em que foi proferida a decisão e não tendo reagido até ao termo da mesma arguindo o vício, nem tendo recorrido atempadamente da decisão, sanou-se o vício o que, juntamente com o caso julgado formal entretanto verificado, impede que no recurso interposto do acórdão condenatório se conheça do acerto do ali decidido.”
O que se extrai é haver o entendimento de que o indeferimento de requerimento de produção de meios de prova apresentado em audiência, se essenciais para a descoberta da verdade, faz incorrer na nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do C.P.P., a arguir no prazo legal, não sendo susceptível de recurso directo.
Não é esse o nosso entendimento.
Como defende o Conselheiro Oliveira Mendes (Comentário ao Código de Processo Penal, Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, 2016, 2.ª edição, p. 1049), entendemos que a decisão do tribunal de produção ou não produção de prova, “obviamente que é recorrível, designadamente com o fundamento de que foi proferida fora das condições legais, posto que a sua irrecorribilidade não está prevista - art. 399.º.”
A omissão de produção de meio de prova necessário, no sentido de essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, constitui nulidade relativa, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º, dependente de arguição.
Se a produção do meio de prova não tiver sido requerida, o interessado na sua produção – que o tribunal deveria ter ordenado oficiosamente - deve arguir a nulidade até ao encerramento da audiência, nos termos do artigo 120.º, n.º 3, alínea a), sob pena de sanação. No caso de não obter deferimento, cabe recurso da decisão.
Porém, se a produção do meio de prova tiver sido requerida e o tribunal indeferir por despacho tal requerimento, a impugnação deve ser feira por via de interposição de recurso desse despacho, não havendo razão para impor ao interessado a prévia arguição de vício.
É o que defende o Conselheiro Oliveira Mendes (ob. cit.) e o que é sustentado no acórdão da Relação de Coimbra, de 7/10/2015 (Processo 174/13.0GAVZL.C1), onde podemos ler:
1. O despacho que no decurso da audiência de discussão e julgamento indefere, na sequência de requerimento só então apresentado, expressa ou implicitamente a coberto do artigo 340.º do CPP, a audição, na qualidade de testemunha, de uma pessoa é sindicável por via de recurso – pois que corresponde ao exercício de um poder vinculado, que não discricionário, não se mostrando legalmente excluída a respetiva recorribilidade, colhendo, assim, aplicação o princípio geral enunciado no artigo 399.º do CPP - e não já por intermédio da arguição da nulidade do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP;
2. Se o sujeito processual interessado, na sequência de tal despacho de indeferimento, do mesmo nunca recorre, limitando-se a arguir a respetiva nulidade [artigo 120º, n.º 2, alínea d) do CPP], deixando-o transitar, por via do caso julgado, entretanto formado, fica o tribunal de recurso impedido de o sindicar; (…).”
No caso vertente, entendemos ser inquestionável que a impugnação devia ser feita – como foi - por via de interposição de recurso do despacho proferido, não havendo que colocar a questão da necessidade/ desnecessidade da prévia arguição de vício.
Posto isto, nos termos previstos no artigo 11.º do Código Penal, as pessoas colectivas podem ser responsabilizadas criminalmente,
Para tanto será necessário que (n.º 2 daquele artigo 11.º):
- que se trate de uma pessoa colectiva ou entidade equiparada, com excepção do Estado, de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público;
- que esteja em causa um dos crimes indicados no artigo 11.º, n.º 2
- que esse crime tenha sido cometido em nome e no interesse da pessoa colectiva, mas sendo necessário que o agente seja pessoa que nela ocupe uma posição de liderança; ou que o agente aja sob a autoridade da pessoa que ocupa uma posição de liderança na pessoa colectiva em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhe incumbe.
Estão em causa, na expressão do referido n.º 1 do artigo 11.º, não apenas as pessoas colectivas, mas também as entidades equiparadas, ou seja, as sociedades civis e as associações de facto (artigo 11.º, n.º 5, do Código Penal), sendo certo que encontramos na legislação avulsa designações diversas para estas entidades equiparadas.
A imputabilidade penal, ou seja, a admissibilidade de responsabilização criminal, não pressupõe a personalidade jurídica dos entes colectivos e o âmbito da admissão da responsabilidade criminal das entidades equiparadas pode variar conforme o diploma que consagra a sua responsabilização (ver Germano Marques da Silva, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Editorial Verbo, 2009, p. 201), havendo que recordar, por exemplo, a este propósito, a vexata quaestio sobre a personalidade jurídica das sociedades civis.
É sabido que a morte das pessoas físicas é causa extintiva da responsabilidade criminal e, consequentemente, do procedimento, nos termos dos artigos 127.º e 128.º, do Código Penal.
Não assim no que respeita às pessoas colectivas e equiparadas.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 127.º do Código Penal dispõe, expressamente, que «no caso de extinção de pessoa colectiva ou entidade equiparada, o respectivo património responde pelas multas e indemnizações em que aquela for condenada».
Quer isto dizer que a responsabilidade penal não se extingue pela dissolução da pessoa colectiva ou entidade equiparada, que pode estar morta, ou seja, dissolvida, e continuar no processo, “viva”, a intervir na qualidade de arguida.
É assim, por exemplo, que no tocante às sociedades comerciais, tem-se entendido que apenas o registo da sua dissolução e do encerramento da liquidação as fazem extinguir, correspondendo tais factos à “morte” da sociedade.
Como já se mencionou, o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, devendo indeferir os requerimentos de prova “quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis” e, ainda, se for notório que:
- as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
- as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
- o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
- o requerimento tem finalidade meramente dilatória.
Pois bem: o princípio da investigação oficiosa no processo penal, conferido ao tribunal pelos artigos 323.°, al. a) e 340.°, n.º 1, do C.P.P., , tem os seus limites na lei e está condicionado pela necessidade, dado que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa – descoberta da verdade e boa decisão da causa - devem ser produzidos.
Trata-se de afloramento do princípio da necessidade como critério simultaneamente justificativo e delimitador.
No caso em apreço, verifica-se que a sociedade/recorrente aguardou pela aproximação do fim da audiência – faltavam as alegações orais -, iniciada em Setembro do ano anterior, após uma larga série de sessões de julgamento, para requerer a obtenção de informação junto das “competentes autoridades de ....” sobre a sua situação jurídica - da própria sociedade-arguida, entenda-se -, o que não pode deixar de causar estranheza, sem que a recorrente tivesse, anteriormente, requerido tal diligência ou, sequer, diligenciado, por sua iniciativa, pela obtenção de tais elementos.
Como se assinala na resposta do Ministério Público, a questão em apreço era identificável desde o início do julgamento, e não tendo a recorrente suscitado tal questão em momento anterior, só o efetuando quando se encontrava esgotada a produção de prova - produzida durante vários meses -, numa data em que o tribunal já designara a data seguinte para alegações orais, “torna-se notório o carácter dilatório da diligência requerida”.
Como entendeu o despacho recorrido, face às informações vertidas nos autos, nada indicava que a sociedade arguida estivesse “dissolvida, extinta ou privada de capacidade jurídica”, sendo que o mero facto de a arguida AA ter declarado, em interrogatório judicial que foi reproduzido em audiência de julgamento, que as sociedades que detinha estavam todas encerradas e fechadas, não constitui fundamento, de per si, para que o tribunal tivesse de fazer outras indagações para além das que realizou, nem tinha o tribunal de forçosamente reconhecer credibilidade a tais declarações.
A arguida-sociedade teve todo o tempo para, autonomamente, diligenciar pelo apuramento da sua situação jurídica, o que optou por não fazer, sendo verdadeiramente incompreensível a dúvida hamletiana suscitada pela arguida quanto à sua própria existência ou inexistência.
O tribunal a quo determinou que se oficiasse ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas e à Ordem dos Advogados com vista à obtenção de informações acerca do estado da sociedade arguida.
 Não foi obtida informação no sentido da verificação de qualquer liquidação (ou encerramento da liquidação), dissolução ou extinção da dita sociedade.
A única coisa que se extrai é que, caso quisesse e pudesse, a arguida AA não lograria exercer a advocacia através da sociedade-arguida por esta não se encontrar presentemente registada no Conselho Geral da Ordem, mas de tal facto não se retira a “morte” da mesma.
Assim, não se vislumbra que não constando qualquer registo relativo ao encerramento da liquidação em relação à sociedade arguida, se tenha de concluir no sentido pretendido pela mesma.
Por conseguinte, conclui-se, como concluiu o tribunal recorrido, que a diligência requerida era desnecessária, nada indicando que a arguida, ora recorrente, “esteja dissolvida, extinta ou privada de capacidade jurídica”, traduzindo-se o requerimento em questão, na fase processual em que foi formulado, num acto dilatório, pelo que o seu indeferimento pelo tribunal recorrido não incorreu em qualquer violação dos artigos 340.º, n.º1 e 323.º, al. a) e b), do C.P.P., ou quaisquer outros, razão por que o recurso não merece provimento.
***
3. 3. Dos recursos principais
A) Recurso interposto pela arguida AA
As questões colocadas pela arguida/recorrente são:
- Do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P.;
- do vício da contradição insanável previsto no artigo 410.º, n.º 1, al. b), do C.P.P.;
- do erro de julgamento da matéria de facto;
- da qualificação jurídico-criminal dos factos;
- da unidade ou pluralidade de ilícitos criminais – violação do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal;
- da medida concreta das penas, parcelares e única;
- das indemnizações civis;
- da declaração de perda.
3.3.1. A arguida / recorrente discorda da decisão sobre a matéria de facto, invocando a existência de vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do C.P.P.: erro notório e contradição insanável entre factos provados.
Além disso, alega que se verificou erro de julgamento da matéria de facto, invocando a prova produzida.
Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
 No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.
Quer isto dizer que enquanto os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, de 29 de Outubro de 2008, Processo 07P1016 e de 20 de Novembro de 2008, Processo 08P3269).
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, do C.P. Penal:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido:
«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Assim, o ónus processual de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, previsto na alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., apresenta uma configuração alternativa, conforme a acta da audiência de julgamento contenha ou não a referência do início e do termo de cada declaração gravada, nos seguintes termos:
- se a acta contiver essa referência, a indicação das concretas passagens em que se funda a impugnação faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º (n.º 4 do artigo 412.º do C.P.P.);
– se a acta não contiver essa referência, basta a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens/excertos” dos meios de prova oral gravados  (acórdão da Relação de Évora, de 28/05/2013, processo 94/08.0GGODM.E1).
Em síntese: para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens). Importa não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente.
A existência das referidas duas formas de sindicar a decisão de facto não quer dizer que quem pretenda recorrer tenha de optar por uma via de impugnação em detrimento da outra, pois podem coexistir, no mesmo recurso, a invocação dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º e a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, de acordo com o artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, podendo também existir uma sem a outra.
É o que faz a recorrente arguida/recorrente AA, argumentando nas duas frentes.
Tem-se entendido que, havendo invocação de vícios decisórios do artigo 410.º, n.º 2 e, em simultâneo, impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, o conhecimento desta deve ter precedência se, por essa via, puderem ser supridos os vícios decisórios concretamente invocados.
Porém, considerando a forma como a recorrente coloca as questões a decidir, começaremos pelos vícios decisórios.
3.3.1.1. Sustenta a recorrente que o tribunal recorrido incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova no que concerne aos factos provados sobre os pontos 1, 2, 3, 260 e 262.
Todos os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, reportam-se à decisão sobre a matéria de facto – são vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Explicitando: trata-se vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação terá de, necessariamente, como resulta do preceito, ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma.
O vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do n.º2 do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994).
Esclarece o acórdão do S.T.J., de 29/10/2015, Proc. n.º 230/10.7JAAVR.P1.S1, que o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão lógica seria a contrária, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova.
As regras da experiência são critérios gerais, índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, que servem para produzir prova de primeira aparência, baseadas na experiência de vida, argumentos que ajudam a explicar o caso particular como instância daquilo que é normal acontecer, já se sabendo, porém, que o caso particular pode ficar fora do caso típico (cfr. Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III, p.1002 e, particularmente, 1011).
Também o Juiz Conselheiro Santos Cabral, em Prova Indiciária e as novas formas de criminalidade, Julgar n.º 17, sustenta:
«As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou a reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização.
Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes, a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa, ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 10/07/2018 (processo 26/16.2GESRT.C1):
«O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
Na lição do Prof. Germano Marques da Silva, regras da experiência comum, “são generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que geralmente ocorre. Tem origem na observação de factos, que rotineiramente se repetem e que permite a formulação de uma outra máxima (regra) que se pretende aplicável nas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas. Esta máxima faz parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade.”. In " Curso de Processo Penal", Verbo, 2011, Vol. II, pág.188.
Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Existe, designadamente, “... quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. - Cf. Conselheiros Leal-Henriques e Simas Santos, obra citada, 2.º Vol., pág. 740 e, no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º, pág.182 ) e acórdão da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).
Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Este erro na apreciação da prova tem de ser ostensivo, que não escapa ao homem com uma cultura média.
Dito de outro modo, o requisito da notoriedade do erro afere-se pela circunstância de não passar despercebido ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente Cf. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). »
Os pontos de facto provados em que a recorrente localiza, inicialmente, o vício do erro notório, são os seguintes:
«1. A arguida AA, a partir de 2014 até 2017, ciente da possibilidade de obtenção de autorização de residência, através do investimento de cidadãos estrangeiros da quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), designado comummente por "visto gold", elaborou um plano, utilizando a sociedade de advogados "CL@C... Legal", da qual era legal representante, que consistia em promover os seus serviços jurídicos, bem como a aquisição de propriedades imobiliárias, junto dos mesmos;
2. Como parte do plano, obtidas as quantias monetárias referentes aos imóveis, a arguida, ao invés de efectuar as correspondentes escrituras de compra e venda, para as quais era mandatada, vinha a fazê-las suas, forjando informações do S.E.F. (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis, criando aos investidores a convicção da aquisição dos mesmos e do regular andamento do processo junto do S.E.F., por forma a não ser detectada;
3. Como forma de divulgação da sua suposta actividade de intermediação na aquisição de propriedades e prestação de serviços jurídicos na obtenção de vistos "GOLD", a arguida fazia publicidade na "internet”, efectuava acordos de cooperação com agências e angariadores imobiliários e deslocava-se a diversos países onde contactava com possíveis clientes, nomeadamente, na ..... e .....;
260. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, querendo criar a convicção nos ofendidos supra descritos que iria adquirir imóveis em Portugal em nome dos mesmos, bem como solicitar a emissão das correspondentes "ARI" junto do S.E.F. a troco de investimento em Portugal, por forma a fazer suas as quantias que lhe eram transferidas para esse fim, o que logrou;
262. A arguida quis utilizar a sociedade de advogados "C... Legal", para aparentar uma imagem de seriedade jurídica e negocial, logrando convencer os ofendidos a entregar as quantias descritas e a emitir procurações a favor da mesma para prática de actos de compra e venda de imóveis e junto das entidades competentes, nomeadamente, registos, notários, S.E.F., com o intuito de, assim, conseguir, como conseguiu, junto daqueles os valores destinados à aquisição dos imóveis e de serviços jurídicos, que fez seus, sem nunca prestar os actos para os quais havia sido mandatada;
 (…)»
Diz a recorrente que nem todos os ofendidos que a procuraram pretendiam a obtenção de Visto Gold ou a mandataram para esse efeito, referindo, em concreto, a ofendida LL e os ofendidos JJ e KK, com referência aos pontos de facto provados 67, 78 e 80.
Por outro lado, argumenta com a circunstância de a arguida ter começado a desenvolver a sua actividade profissional de advogada logo após a conclusão do curso de Direito, aos 23 anos de idade, pelo que, à data do início dos factos imputados, já contava com mais de 30 anos de prática e experiência na advocacia.
Tendo a arguida/recorrente acordos de parceria com “reputadas entidades internacionais”, extrai que “em conformidade com as regras da experiência comum, não podemos senão concluir que a Recorrente só conseguiria fazer parcerias com estas entidades se o seu trabalho profissional fosse realmente meritório e competente, não se acreditando que as entidades em causa recomendassem aos seus clientes um advogado ou um escritório de advogados sem créditos firmados e provas dadas, ou que recomendassem um advogado ou escritório de advogados desconhecido e incerto (por muito que se publicitasse na internet…)!”.
Além disso, diz a recorrente que, no período em causa, teve outros clientes estrangeiros para além dos ofendidos, cujos negócios concluiu.
Analisado o acórdão recorrido, verifica-se que, diversamente do alegado pela arguida/recorrente, consta da matéria de facto provada, mais concretamente do ponto de facto provado n.º 65, que LL, de nacionalidade ....., mas residente em ....., «pretendia obter o "visto gold" em Portugal, tendo-se dirigido à agência imobiliária "E.....", em ....., com vista a adquirir um imóvel».
Foi no prosseguimento desse propósito que LL veio a mandatar a sociedade "C... Legal", na pessoa da sua sócia gerente, a arguida AA, para acompanhamento jurídico de todo o processo de aquisição do imóvel, vindo a verificar-se, conforme factualidade dada como provada, que a solicitação da arguida, que a informou que iria ser realizada a escritura do imóvel, e para pagamento do remanescente do preço da fracção e despesas da mesma, em 19.07.2016, veio LL a transferir para a conta supra identificada, o valor de € 129.348,55 (cento e vinte e nove mil trezentos e quarenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos).
Conforme transmitido pela arguida, estes valores seriam destinados ao pagamento do remanescente do preço, no valor de € 108.540,00 (cento e oito mil quinhentos e quarenta euros), de € 19.808,55 (dezanove mil oitocentos e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de IMT e de e 2.000,00 (dois mil euros), a título de emolumentos notariais.
Sucede que, na data designada para a escritura, nem a arguida, nem ninguém a seu mando veio a comparecer, nem compareceu sucessivamente nos reagendamentos efectuados, em 22.11.2016, 05.12.2016 e 06.12.2016.
Não veio, igualmente, a ser pago nem o remanescente do valor, nem o IMT, tendo a arguida feito suas as quantias em causa que dissipou, no espaço de uma semana, em despesas várias, quer profissionais, quer pessoais.
Relativamente aos ofendidos JJ e KK, cidadãos naturais de ....., a factualidade provada refere o propósito de aquisição de imobiliário em território nacional, que veio a traduzir-se na decisão de adquirir a fracção autónoma designada pela letra "AV", no prédio urbano sito na Praça ....., n.°s … a …, "Edificio ......", «podendo obter visto gold que seria permitido pela aquisição»,  conforme se diz no ponto de facto provado 79, segmento final.
Não se diz, porém, que estes ofendidos pretendessem, efectivamente, obter o “Visto Gold”, o que está em consonância com a motivação da decisão de facto que assinala, a dado passo (sublinhado a negrito nosso):
« (…) todos os assistentes e demandantes cíveis descreveram, com rigor, detalhe e congruência, a entrega à pessoa da arguida (pessoa singular) das quantias necessárias ao investimento pretendido, nos montantes, datas e por transferência bancária, como acima dado como provado, o que confirmaram, de forma segura e coerente, frisando a confiança que depositaram na pessoa da arguida AA, assumindo esta a representação e os interesses dos demandantes - assim lhes foi engenhosamente criada essa convicção -, descrevendo o modo de abordagem da arguida AA, as idiossincrasias da sua interacção, o enredo com que ia protelando a concretização/formalização do negócio/investimento e/ou da concessão do processo administrativo dos "vistos gold", as justificações que iam sendo dadas pela arguida para a não concretização do negócio/investimento, a não devolução das quantias entregues, a perda do negócio, a perda dos montantes entregues à arguida e a não concessão da autorização de residência, por falta da demonstração da prova de investimento (excepcionando, nesta última matéria, o que diz respeito aos demandantes JJ e KK, dado que, quanto a estes inexistia a pretensão de obtenção dos "vistos gold").»
Logo de seguida:
«Com efeito, todos os demandantes descreveram, com naturalidade, franqueza e espontaneidade os factos acima descritos, sem hesitações, sem ambiguidades, nem subterfúgios, de forma consistente e congruente, com alguma emotividade subjacente, o que se afigura perfeitamente compreensível atendendo, por um lado, aos valores objectivamente expressivos em que ficaram lesados, e por outro lado, por terem ficado sem a oportunidade de obterem uma autorização de residência para viver em Portugal - excepto, nesta sede, como já ressalvado, quanto aos demandantes JJ e KK -, onde pretendiam de forma estável e permanente passar a viver e a estudar, na companhia dos respectivos agregados familiares (cônjuges e filhos), e através dessa autorização aceder ao demais espaço intracomunitário
Quer isto dizer que, relativamente à ofendida LL, está dado como provado que pretendia obter o “Visto Gold” em Portugal, enquanto que, no respeitante aos ofendidos  JJ e KK, o acórdão recorrido é claro, na motivação, ao assinalar que não tinham essa pretensão, ainda que se diga, no ponto de facto provado, que a aquisição que pretendiam efectuar os habilitava à obtenção desse visto.
Não vislumbramos onde se evidencia o erro notório identificado pela recorrente, nem quais tenham sido as regras de experência desconsideradas pelo tribunal recorrido na fixação dos referidos factos provados.
Da circunstância de o ponto de facto provado n.º 1 referir os “Vistos Gold” no que concerne ao plano da arguida para angariar clientes estrangeiros, não se extrai que não pudessem existir clientes da mesma arguida que tivessem contratado os seus serviços, tendo em conta a sua reputação no âmbito da actividade de concessão dos referidos “Vistos”, em ordem, num primeiro momento, à aquisição de imóveis.
O programa “Vistos Gold” foi criado como mecanismo de atracção de investimento estrangeiro em Portugal, ligado à autorização de residência no país.
Existindo uma estreita ligação entre a concessão de “Vistos Gold” e a actividade de aquisição de imóveis em Portugal, é natural que aqueles dos ofendidos que apenas pretendiam adquirir imóveis – como aconteceu com os mencionados JJ e KK -tivessem escolhido a arguida para acompanhar o processo de aquisição, tendo em conta a reputação desta num sector que lidava com esse tipo de operações. 
Aliás, se nem todos os ofendidos que procuraram os serviços da arguida para a aquisição de imóveis pretendiam a obtenção de “Visto Gold”, também nem todos os que pretendiam a obtenção desse “Visto” visavam fazê-lo através da aquisição de um imóvel em Portugal.
Veja-se, a esse propósito, o caso do assistente FF, que pretendendo a obtenção do visto "Gold" e de cidadania portuguesa, optou por investir na modalidade de depósito bancário, para posteriormente negociar acções na Bolsa de Valores de ..., tendo vindo a efectuar transferências para a conta do "BPI" n.° ......151, no valor total de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), dividido em três parcelas (factos provados n.ºs 28 e seguintes).
Também o assistente EE, sem prejuízo de pretender adquirir uma fracção no empreendimento “The......”, sito no Bairro ….., em ...., optou pela via de investimento por transferência em numerário de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), conforme resulta provado nos pontos de facto n.ºs 7 e 8.
A ênfase dada à angariação de clientela promovida pela arguida com base no programa de “Vistos Gold” não significa que todos os clientes que a procuravam tivessem esse objectivo, nem que a única via de investimento escolhida para a obtenção de “visto” fosse no imobiliário.
Como é evidente, a circunstância de se fazer menção, no facto provado n.º 260, à emissão das correspondentes “ARI” junto do S.E.F. a troco de investimento em Portugal, tem de ser entendida como reportando-se às situações em que os ofendidos procuraram a arguida não só para a aquisição de imóveis em Portugal, mas também para a obtenção de “Visto Gold”.
Como já se disse, não se vê onde se evidencie o vício do erro notório invocado pela recorrente, nem quais tenham sido as regras de experiência desconsideradas pelo tribunal.
Alega a arguida/recorrente que o facto de ter resultado provado que tinha parcerias com algumas agências imobiliárias demonstraria que era uma profissional competente.
A circunstância de a arguida/recorrente ter começado a desenvolver a sua vida profissional de advogada logo após a conclusão do curso de Direito – tendo, pois, larga experiência na profissão - e de lhe ser reconhecido, no relatório social a que se reporta o ponto de facto provado 270, o “investimento” e “carácter meritocrático do seu percurso profissional”, e bem assim de ter estabelecido parcerias/contactos com diversas entidades internacionais, como aconteceu com agências imobiliárias e escritórios de advogados, que, por sua vez, a indicaram a clientes, não significa que o tribunal não pudesse concluir, como concluiu, em termos fácticos, que a arguida, ciente da possibilidade de obtenção de autorização de residência, através do investimento de cidadãos estrangeiros da quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), elaborou um plano, utilizando a sociedade de advogados de que era legal representante, que consistia em promover os seus serviços jurídicos, bem como a aquisição de propriedades imobiliárias, junto dos mesmos.
Como não se vê onde radica o apontado “erro notório” no facto de o tribunal a quo ter dado como provado que, como parte do plano, “obtidas as quantias monetárias referentes aos imóveis, a arguida, ao invés de efectuar as correspondentes escrituras de compra e venda, para as quais era mandatada, vinha a fazê-las suas, forjando informações do S.E.F. (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis, criando aos investidores a convicção da aquisição dos mesmos e do regular andamento do processo junto do S.E.F., por forma a não ser detectada”.
Atente-se que o acórdão recorrido reconhece que a arguida «efectuava acordos de cooperação com agências e angariadores imobiliários e deslocava-se a diversos países onde contactava com possíveis clientes, nomeadamente, na ..... e .....”, como forma de divulgação da sua suposta actividade de intermediação na aquisição de propriedades e prestação de serviços jurídicos na obtenção de vistos "GOLD"».
A ideia de que a arguida, por ter conseguido efectuar parcerias com agências e angariadores imobiliários e ser uma advogada experiente, não poderia desenvolver “esquemas” criminosos como o que foi dado como provado nos autos e de que, o juízo do tribunal recorrido seria, por isso, com toda a evidência e ostensivamente, contrário à lógica mais elementar e às regras da experiência comum – o que teria de ocorrer para verificar-se o invocado vício do erro notório – carece de qualquer fundamento.
A experiência ensina que a aparente respeitabilidade dos negócios e até prestígio dos seus promotores e responsáveis não significa que não possam envolver-se em formas mais ou menos sofisticadas de criminalidade, pois é sabido que mesmo nos meios mais prestigiosos, aparentemente respeitáveis e confiáveis no meio social e dos negócios, podem ser – e são, em alguns casos - desenvolvidas actividades criminosas, sob a aparência de uma imagem de aparente seriedade.
Quanto à objecção da recorrente no sentido de que “das regras da experiência comum  (…) não é crível que, mesmo no período compreendido entre 2014 e 2017, a Recorrente só tivesse tidos como clientes (…) os ofendidos nestes autos”, certo é que do acórdão recorrido não se extrai que outros clientes a arguida tivesse no período em causa e, no pressuposto de que foi esse o resultado da prova produzida em julgamento, não se vê onde esteja evidenciada, no texto do acórdão recorrido, a verificação de erro notório, na acepção acima descrita.
O facto do ponto 179 – de que parte das quantias de DD foram destinadas ao pagamento de € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) à "P......, S.A.", referente ao remanescente do preço de um imóvel adquirido por um cliente, UUU, para efeitos de celebração de escritura pública, bem como para fazer face a despesas pessoais e profissionais – não nos diz, necessariamente, o contrário (se não se trata de cliente e de negócio angariado antes de 2014).
Mesmo que, por hipótese, a arguida tivesse tido outros clientes, não vemos que daí se devesse extrair qualquer consequência em relação ao que foi concretamente dado como provado no que concerne aos ofendidos nos presentes autos e ao esquema criminoso gizado e executado.
Argumenta a arguida com o facto de, relativamente a alguns dos ofendidos, ter celebrado os contratos promessa de compra e venda dos imóveis e dado início aos "competentes" processos de obtenção de “Visto Gold”, o que deporia no sentido da inexistência de qualquer plano, da sua parte, com vista a enganar os ofendidos.
Porém, a circunstância de a arguida, relativamente a alguns dos ofendidos, ter celebrado os contratos promessa de compra e venda dos imóveis, efectuado alguns pagamentos e até ter dado início aos processos de obtenção de “Visto Gold” – a  arguida invoca, a este propósito, os pontos de facto provados 12, 21, 41, 51, 69, 70, 76, 82, 84, 96, 118, 150, 169, 181, 201, 216 e 235 -, não comporta, necessariamente, que o tribunal a quo não pudesse dar como provado, como efectivamente deu, o plano criminoso nos termos que constam do acórdão recorrido.
O que se extrai do acórdão recorrido é que, dentro da criação/manutenção de um clima de confiança com os ofendidos, a arguida não se apropriou, de imediato, da totalidade das quantias que lhe foram transmitidas e deu sequência  alguns procedimentos, sendo que, se tivesse procedido de outra forma, mais fácil e rapidamente seria descoberta e não lhe teriam sido confiadas tão largas quantias.
De outro modo, extrai-se que o tribunal entendeu que a iniciação de processos para obtenção de “Visto Gold” e a pontual celebração de contratos-promessa não evidenciam qualquer intenção pretérita da arguida em satisfazer o pretendido pelos ofendidos, mas antes constituiram esquemas, dentro do plano criminoso, para os manter num estado de erro.
A nosso ver, não se detecta qualquer incompatibilidade lógica resultante no texto do acórdão recorrido relativo à decisão de facto - factualidade provada e respectiva fundamentação -, não se vislumbrando que a versão vertida nos factos dados como provados pelo tribunal a quo seja logicamente inaceitável, manifestamente errada, impossível de ter acontecido ou violadora das regras da experiência comum.
O que se extrai, diversamente, é a divergência da arguida /recorrente em relação à valoração da prova efectuada pelo tribunal, no quadro do princípio da livre apreciação, matéria que, sendo possível sindicar, não encontra amparo na invocação dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, reservada, como já se disse, à evidenciação pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, como seja a prova produzida.
Não há, assim, razão para concluir que o acórdão recorrido incorreu em erro notório ao fixar os pontos de factos provados 1, 2, 3, 260 e 262, nem para, consequentemente, alterar a sua redacção nos termos propostos pela arguida/recorrente como forma de pretendida sanação desse invocado – mas inexistente  - vício decisório.
Alega a recorrente que o vício do erro notório afecta, igualmente, os pontos de facto provados 201 e 203, que têm a seguinte redacção:
«201. Estas acções vieram depois a ser adquiridas pela "L.... LTD, representada pela arguida AA, através de processo de aquisição que teve início em 15 de Maio de 2015, com a celebração de um CPCV ("Purchase and sale agreement"), com o "Banco Santander Totta" , para a compra e venda da totalidade das acções, no valor total de € 300.000,000 (trezentos mil euros);
203. A arguida AA, na posse do CPCV "purchase and sale agreement) celebrado entre a "L.... LTD" e o "Banco Santander Totta", para que a compra e venda da totalidade das acções da "S..... LTD", no valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros), celebrado em 15 de Maio de 2015, adulterou o mesmo, alterando a data para 03 de Abril de 2015, mudando o nome do comprador da "L......." para II, e mudando o valor do preço, para 500.000,00 (quinhentos mil euros), bem como elaborou um documento supostamente datado de Junho de 2015, atestando o registo definitivo da transferência da propriedade, e remeteu-os por e-mail, para a lesada, fazendo-a acreditar de que esta era efectivamente a titular da Villa ....»
Argumenta a arguida/recorrente que um “CPCV” (contrato de promessa de compra e venda) não é um “purchase and sale agreement”, pelo que não tem a virtualidade de transmitir a propriedade do bem (ou bens) prometidos vender, pelo que dúvida não haverá de que com aquele contrato celebrado com o Banco Santander Totta, a titularidade das acções da S........ se transmitiu para a respectiva adquirente.
É conhecida a existência de diferenças no plano dos contratos entre os sistemas de  common law e os de civil law.
Os contratos na língua inglesa, qualquer que seja o seu tipo, são diferentes, tanto na estrutura como no conteúdo, dos contratos em português, escritos no quadro de uma cultura e de um sistema jurídico diferente.
Assim, por exemplo, as letters of intent, cartas de intenção na tradução do termo anglo-saxónico, constituem uma categoria usual e genérica de acordos preliminares que podem comportar os mais diversos conteúdos, existindo variações terminológicas das mesmas consoante as diversas modalidades e tipos de acordos que se pretende inserir na formação de negócios jurídicos, pelo que a diversidade terminológica da sua designação, a variedade do seu conteúdo e até a dificuldade de aferição da sua relevância jurídica dificultam a tarefa da sua definição e determinação da respectiva natureza.
O contrato-promessa, como tal, é escassamente utilizado nos países de common law.
As diferenças de sistemas e de terminologia traduzem-se em dificuldades de tradução jurídica dos contratos redigidos numa língua noutra língua.
Por vezes, o termo contrato-promessa surge traduzido em inglês como “preliminary purchase agreement”, “preliminary contract”, mas também como “sale agreement contract” em contraposição a “final sale contract”, sendo os contratos de compra e venda “purchase and sale contracts”.
No caso, referem-se os mencionados pontos de facto provados a um contrato, denominando “purchase en sale agreement” (fls. 2485-2493, 9.º volume), celebrado com data de 15 de Maio de 2015, entre o Banco Santander Torra, S.A., e L.... LTD, relativo à venda das acções representativas do capital da sociedade S….LIMITED, a que se segue um documento denominado “deed of transfer of beneficial interest”, datado de Junho de 2015 (fls. 2494 e 2495).
Importa enquadrar os pontos de facto indicados pela arguida.
O tribunal recorrido deu como provado que, em meados de 2014, II veio a interessar-se na obtenção de um "visto gold", através da aquisição de um imóvel em território nacional de valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros).
Veio a ser-lhe recomendada a aquisição do imóvel designado por Villa ..., do empreendimento turístico Areias ....., correspondente ao prédio inscrito sob o número … da freguesia de …., ….., de valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), como sendo o indicado para efeitos de obtenção do título de residência ao abrigo do "ARI".
Sobre a habitação em referência — Villa ... das Areias ..... -, a arguida explicou a II que a aquisição ia ser feita através da compra das acções da "S...... LTD".
A dada altura, a referida II acedeu fazer transferências para o que julgava ser uma "trust account" ou conta "escrow" (conta garantia) em ordem à aquisição da mencionada habitação no imediato, mas na realidade efectuou transferências para a conta "BPI", em nome de "CL C... Legal", com o número .....001.
Ora, deu-se como provado que o imóvel em questão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ....., freguesia de ....., com o número …, era, desde 22.04.2009, propriedade da sociedade de direito ....  "S...... LTD", com o NIPC …, com sede em …., …., verificando-se que, em Abril de 2015, a titularidade das acções dessa sociedade pertencia ao "Banco Santander Totta".
Estas acções vieram depois a ser adquiridas pela "L.... LTD”, que era representada pela arguida/ora recorrente, referindo-se no ponto de facto provado n.º 201 que a aquisição fez-se através do processo que teve início em 15 de Maio de 2015, com a celebração do contrato já mencionado  com o "Banco Santander Totta", para a compra e venda da totalidade das acções, no valor total de € 300.000,000 (trezentos mil euros).
A arguida, na posse do "purchase and sale agreement” celebrado entre a "L.... LTD" e o "Banco Santander Totta", adulterou o mesmo, «alterando a data para 03 de Abril de 2015, mudando o nome do comprador da "L......." para II, e mudando o valor do preço, para 500.000,00 (quinhentos mil euros), bem como elaborou um documento supostamente datado de Junho de 2015, atestando o registo definitivo da transferência da propriedade, e remeteu-os por e-mail, para a lesada, fazendo-a acreditar de que esta era efectivamente a titular da Villa ....»
Sintetizando, o tribunal deu como provado que a arguida fez crer à ofendida II que esta era a proprietária do imóvel em questão, alimentando essa convicção mediante diversos expedientes, como ocorreu com a informação de que conhecia as pessoas  indicadas para colocar a propriedade em excelentes condições e que a administração e arrendamento da propriedade iria ser efectuada por uma empresa de nome "Su.....", que se demonstrou ter sido criada pela própria arguida, em 05 de Outubro de 2015, com o capital social de € 1,00 (um euro), nunca tendo tido qualquer actividade, isto para além da apresentação de folhas de excel, de facturas pretensamente emitidas pela "Su.....", para justificar, dessa forma, o não pagamento de rendas à ofendida, e bem assim de diversos documentos “por si forjados ou por alguém a seu mando”.
Veja-se, ainda, que nos pontos de facto provados 325 e 326 reitera-se que, em Abril de 2015, a titularidade das acções da sociedade "S...... LTD", que pertencia ao "Banco Santander Totta" foram adquiridas, em Maio de 2015, pela sociedade "L.... LTD.", a qual é presentada pela arguida AA, pelo valor de € 300,000,00 (trezentos mil euros), sendo que na posse desse contrato a arguida adulterou a data de 15 de Maio de 2015 para 03 de Abril de 2015, mudou o nome do comprador fazendo constar o nome da demandante e mais alterou o valor do mesmo para € 500.000,00 (quinhentos mil euros). Mais forjou documento visando atestar o registo definitivo da transferência da propriedade, remetendo-o por e-mail para a demandante, fazendo-a acreditar que esta era efectivamente a proprietária de tal imóvel, o que arguida bem sabia não ter correspondência com a realidade;
Em suma: em função dos factos dados como provados, independemente da indicação que se fez do “purchase and sale agreement tribunal” como CPCV, certo é que a mencionada II – com base no texto da decisão de facto constante do acórdão recorrido, repete-se – ficou privada da titularidade do imóvel em questão, mercê da aquisição da totalidade das acções da sociedade "S...... LTD" – proprietária do imóvel - pela referida sociedade "L.... LTD.", sendo que o ponto de facto provado n.º 325 refere-se a uma aquisição e não a uma promessa de compra e venda.
Além do mais, diz-se na motivação da decisão de facto:
«Das declarações pungentes e vívidas prestadas pelas demandantes II e HH ficou patente o engodo orquestrado e arrastado pela arguida AA, e usando a sociedade arguida, para a concretização de tal desiderato, sendo ostensivo o sofrimento vivenciado pela perda da possibilidade de saírem, com as suas famílias, da ....., e viverem num pais europeu considerado como seguro e pacífico, como é Portugal, que era o que pretendiam, ficando claro que as quantias pecuniárias que transferiram para a arguida correspondiam a economias de uma vida de esforço e de trabalho, não susceptíveis de serem novamente alcançadas, o que salientaram de forma clara e assertiva, aliás, veja-se a dor e a desilusão que a demandante II ainda, presentemente, manifesta, o que, e naturalmente, não toldou o seu discernimento, nem afectou a sua credibilidade.
Ambas enfatizaram que a arguida lhes fez acreditar que eram proprietárias dos imóveis em causa, que os vistos "gold" tinham sido aprovados, que até estavam a receber rendas de arrendamentos dessas propriedades, e por isso eram pagas despesas de manutenção/gestão/condomínio inerentes à propriedade, quando tal não tinha qualquer correspondência com a verdade, tendo-lhes sido enviados documentos que demonstrariam essa propriedade, frisando que confiavam na arguida, a sua advogada, a única pessoa com quem lidavam directamente, até porque os outros colaboradores estavam sempre a mudar, e era com a arguida com quem contrataram, em quem confiaram e cuja imagem de profissionalismo, eficiência, seriedade e probidade lhes tinha sido transmitida, aliás, nem sabem o nome dos demais colaboradores, que, como se provou, eram meros peões, destituídos de qualquer capacidade de decisão ou de comando, subordinados à vontade e às decisões tomadas pela arguida AA.»
Mais adiante, diz-se:
«Relativamente à factualidade referente à demandante II teve-se igualmente em ponderação, e conjugação com a demais prova produzida e examinada:
- as transferências mencionadas extraem-se dos extractos constantes dos apensos bancários B e F, conjugado com o relatório de análise bancário constante do apenso 13, para além da clareza extraída das declarações prestadas pela demandante;
- fls. 715 dos autos principais, resulta claramente a inexistência de quaisquer contas bancárias junto do banco "Santader Totta" em nome da sociedade arguida e da "S......";
- do apenso 1: fls. 3 a 23, extrai-se que que a "directora" da sociedade "S......, Ltd" é a assistente, mas figura como "secretary" a pessoa da arguida, sendo esta a "director" da sociedade "L.... LTD." e a fls. 65/66 consta a arguida como representante designada (matrícula).
De. fls. 44 do apenso 1, consta registo informático extraído do sistema oficial do S.E.F. (SIRES —sistema de residentes), de onde claramente se extrai que a 13.09.2016 foi proferido despacho de extinção do procedimento por deserção quanto ao pedido de autorização de residência desta assistente, tendo sido o processo remetido para arquivo a 24.09.2016 (quanto aos familiares resulta a mesma causa de extinção, como cristalinamente consta de fls. 45 a 46);
Ou seja, a sociedade "L......." é que é a titular das acções da sociedade "S......", (cfr. fls. 2485 a 2493), mas é a arguida quem é a detentora da sociedade "L......." (cfr. fls. 2494 a 2495 e 2496 a 2501), o que objectiva e claramente obsta, por um lado, que a demandante possa livremente dispor do imóvel, e por outro lado, e mais relevante para o fim pretendido e subjacente à motivação de tal investimento, impede (como de facto impediu) que a demandante conseguisse junto S.E.F. fazer prova dessa propriedade, logo não conseguindo, por motivos exclusivamente imputáveis à arguida AA, cumprir o requisito legal para a concessão do "visto gold", de demonstrar a aquisição de um imóvel, sito em território nacional, no valor igual ou superior a E 500.000,00 (quinhentos mil euros), e tanto mais que o tal contrato da transferência das acções para a "L......." era, na realidade, de € 300.000,00 (trezentos mil euros), o que a arguida adulterou.
Do apenso 2 a fls. 225 a 243, facturas referentes a quotas condomínio e fls. 244 a 251 (6212,04) documentos únicos de cobrança da AT, de fls. 288 a 292, cópia escritura de compra pela "S........" do Lote ..., datada de 17.04.2009, registo a fls. 293 a 294 e 351/352, aquisição registada a favor daquela sociedade a 21.04.2009, fls. 296 a 297, sede no domicílio profissional da arguida (comprovativo de cartão de empresa electrónico, da conservatória do registo comercial), fls. 298 a 343, documentação comercial demonstrativa no sentido que administradora daquela é a sociedade "L.......", a qual é representada pela arguida (cfr. fls. 330), fls. 412 a 413, recibos emitidos pela "Su...., Lda.".
Aliás, junto da Autoridade Tributária é a arguida quem figura como gestora de negócios da "S........", cfr. apenso 5 anexo 01 (Base de dados da AT).
Do apenso 3: fls. 5 a 22 consta o pedido de concessão de "ARI", 01.07.2015, de fls. 23 a 26, procuração a favor da arguida, fls. 33 notificação para junção de documentos, fls. 34, recibo de pagamento do pedido, fls. 35 a 47, documentos que instruíram o pedido, fls. 48 subscrito pela arguida, datado de 17.09.2015, para consulta processo junto do S.E.F., fls. 94 a 97 notificação da deserção do pedido, 31.08.2016, fls. 98 a 284, reclamação, assinada pela própria arguida, entrada a 10.102016, consta estar ciente que não foi entregue prova do investimento, fls. 286 decisão de extinção de procedimento, datada de 31.10.2016, notificação a fls. 287 a 289.
Do apenso 4, fls. 150 a 155, consta o valor de supostas rendas, documento emitido pela sociedade arguida (timbre), fls. 163/164 recibo emitido pela sociedade arguida (€ 27.807,03), fls. 167 recibo (62.091,00), sendo que as "despesas" que a arguida procurou imputar à assistente como sendo referentes à manutenção e melhoramento da "Villa ..." são manifestamente contrariadas pelos fotogramas (obtidas no local a 11.07.2017) de fls. 997 a 998 verso, sendo patente que nem sequer o jardim foi limpo).
Sem descurar que, os documentos juntos a fls. 5753 a 5747 verso (cfr. tradução a fls. 5799 a 5808), em nada alteram a circunstância de a assistente II não ser efectivamente a proprietária da Villa ..., sendo certo que, a dissolução operou por força exógena à vontade pessoal de quem quer fosse.»
Neste contexto, em que o que importa é saber se a ofendida/assistente II se tornou proprietária da Villa ..., é irrelevante que os pontos de facto provados assinalados pela arguida contenham a menção (que se traduz numa qualificação jurídica) a um “CPCV”, sendo certo que se diz no ponto de facto n.º 201 que as acções da "S..... LTD" “vieram a ser adquiridas pela L.... LTD”, mas não se diz que essas acções tenham sido depois por acção da arguida legalmente transferidas para a ofendida/assistente.
Conclui-se não se descortinar a existência do apontado erro notório na apreciação da prova.
Alega a arguida/ recorrente que a decisão de facto enferma, também, do vício de contradição insanável.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pp. 71 a 73).
A nosso ver, quando o artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do C.P.P., fala em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, não se está a referir à contradição entre matéria de facto assente como provada e a errada subsunção ao direito que depois foi feita desses factos, mas antes à contradição entre a fundamentação da convicção e a decisão dada ao caso em termos de matéria de facto assente como provada e não provada, pois estamos no domínio dos vícios da decisão de facto.
Dito de outro modo, o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão está presente quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação (de facto) justifica decisão (de facto) contrária ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal (cfr. ac. do STJ de 13/10/1999, CJACSTJ 1999, Ano VII, tomo III, págs. 186/187 e acórdão do mesmo Tribunal de 03/07/2002, Proc. nº 1748/02-5ª).
Identifica a arguida/recorrente tal vício decisório na relação entre o segmento do ponto de facto provado n.º 2 referente a serem forjadas informações do S.E.F., cadernetas prediais e certidões permanentes de imóveis, por um lado, e os pontos de factos 16, 35, 40, 225, 226, 261, por outro, acrescendo a menção a página 104 do acórdão recorrido, onde se escreve, em sede de fundamentação, que a arguida “elaborou e/ou mandou elaborar, usou e deteve os documentos acima descritos (…)”.
Concretizando, a contradição reside, segundo a recorrente, no facto de se dizer no ponto de facto provado n.º 2 que, como parte do plano, obtidas as quantias monetárias referentes aos imóveis, “a arguida, ao invés de efectuar as correspondentes escrituras de compra e venda, para as quais era mandatada, vinha a fazê-las suas, forjando informações do S.E.F. (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis, criando aos investidores a convicção da aquisição dos mesmos e do regular andamento do processo junto do S.E.F., por forma a não ser detectada”, enquanto em função dos mencionados pontos de factos 16, 35, 40, 225, 226, 261, e bem assim da motivação da decisão de facto, se extrai que o tribunal não logrou apurar se teria sido a arguida,  ou antes alguém a seu mando, a forjar as informações, cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis.
Entendemos que não existe qualquer contradição, muito menos “insanável”, entendendo-se como “insanável” a que não seja logicamente ultrapassável.
Realmente, os pontos de facto provados 1 a 3 estabelecem o quadro geral do plano criminoso da arguida, que é depois concretizado factualmente nos pontos de facto subsequentes.
É por isso que, no âmbito desse quadro introdutório, surgem os factos – ainda o seu quadro geral – que se reportam ao crime de falsificação de documento, correspondente ao facto de a arguida/recorrente ser responsável pela falsificação de informações e de documentos, como cadernetas prediais e certidões permanentes de imóveis, no quadro do plano criminoso que foi por si gizado.
Seguidamente, na concretização desse quadro geral introdutório, o acórdão recorrido indica, tendo por referência os factos que configuram a prática de crimes de falsificação de documento, as especificidades de cada uma das condutas da arguida, do que resulta a menção, nos pontos de facto acima indicados, à circunstância de serem documentos forjados, pela arguida ou por alguém a seu mando.
Entendido o ponto de facto n.º 2 deste modo, não vislumbramos nenhum vício de contradição insanável, nos termos alegados pela arguida/recorrente, que mais não é, salvo o devido respeito, do que uma minudência, pois é evidente que da conjugação daquele ponto de facto com os demais sempre resulta a sua compatibilização lógica por via de se considerar que o plano abarcava a falsificação de documentos, efectuada pela arguida ou por alguém a seu mando, sendo esses documentos usados, depois, pela arguida, desse modo tornada responsável pelas falsificações.
Na perspectiva do plano criminoso da responsabilidade da arguida, é irrelevante se as falsificações foram efectuadas pela mão da arguida ou por alguém a mando desta, sendo que, nos termos da factualidade dada como provada, foi sempre a arguida quem usou os documentos forjados em ordem a prosseguir os seus objectivos.
A recorrente identifica também o mesmo vício da contradição insanável entre os factos dados como provados 202 e 39.
No ponto de facto 202 deu-se como provado que, para a liquidação do valor de aquisição pela "L.... LTD” da totalidade das acções da sociedade "S........ LIMITED", que pertencia ao "Banco Santander Totta",  no valor total de € 300.000,000 (trezentos mil euros), foram utilizadas as quantias que haviam sido recebidas de FF.
Por sua vez, o ponto de facto provado 39 tem o seguinte teor,  referindo-se à data de 28 de Fevereiro dee 2017 (mencionada no ponto de facto 38):
«39. No entanto, nessa data, a arguida AA já havia dissipado todos os fundos transferidos por FF, no valor de € 1.039.991,00 (um milhão trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), em despesas pessoais e profissionais, em proveito próprio, do seguinte modo:
- transferência para GG, no valor de € 495.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil euros);
- transferência registada, em 14.05.2015, à ordem de "Unicredit SPA Bank" (…, ….), no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);
- transferência para "V......., Lda." — RR, no valor de € 14.000,00 (catorze mil euros);
- 5 (cinco) transferências efectuadas para o "National Westminster Bank PLC", com destino à conta IBAN ......294, no valor de € 124.400,00 (cento e vinte e quatro mil euros);
- transferência para "Stevens+Bolton, HSBC Bank", ....., no valor de € 10.000,00 (dez mil euros);
- transferência Dr. SS, BPI, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros);
- levantamento multibanco, incluindo os efectuados no estrangeiro, no valor de € 6.698,08 (seis mil seiscentos e noventa e oito euros e oito cêntimos);
- pagamentos electrónicos de compras, no valor de € 14.450,54 (catorze mil quatrocentos c cinquenta euros e cinquenta e quatro cêntimos);
- pagamento de serviços e outros débitos, no valor de € 16.412,31 (dezasseis mil quatrocentos e doze euros e trinta e um cêntimos);
- bem como outras saídas para destino não identificado, no valor de € 94.013,87 (noventa e quatro mil e treze euros e oitenta e sete cêntimos), nomeadamente:
- 36 (trinta e seis) transferências, no valor de € 64.013,87 (sessenta e quatro mil e treze euros e oitenta e sete cêntimos);
- emissão de um cheque, no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros);
- constituição de depósito a prazo, no valor de € 3.000,00 (três mil euros);
- despesas e encargos bancários, no valor de € 1.819,95 (mil oitocentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos);»
Na perspectiva da arguida/recorrente, seria contraditório – contradição insanável - dar simultaneamente como provado em 202 que o valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros) utilizado para aquisição de ações era proveniente das quantias entregues à arguida pelo assistente FF, e, ao mesmo tempo, não se fazer qualquer referência a essa operação no facto provado n.º 39, onde se descreve o destino dado pela arguida às quantias pertencentes ao mesmo FF.
A nosso ver, a arguida carece de razão, não existindo qualquer incompatibilidade lógica que resulte do texto da decisão (factos provados e respectiva fundamentação).
Diversamente do que se refere no recurso, o assistente FF não transferiu para a arguida apenas € 1.000.000,00 (um milhão de euros), mas sim € 1.039.993,00 (um milhão trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), conforme resulta da conjugação da factualidade dada como provada em 29, 39 e 42.
Veja-se que no ponto de facto provado 29 diz-se que o referido FF veio a efectuar transferências para a conta do "BPI" n.° ......151, titulada pela sociedade de advogados "Aidar C... Legal", no valor total de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), dividido em três parcelas: de € 834.486,92 (oitocentos e trinta e quatro mil quatrocentos e oitenta e seis euros e noventa e dois cêntimos) e de 165.513,08 (cento e sessenta e cinco mil quinhentos e treze euros e oito cêntimos), efectuadas no dia 13.05.2015, acrescido de taxas adicionais solicitadas, e no valor de € 39.993,00 (trinta e nove mil novecentos e noventa e três euros), em 12.05.2015.
A redacção não será a mais feliz, pois fala-se em 1.000.000,00 (um milhão de euros), dividido em três parcelas, mas facilmente se compreende, até pela conjugação com o ponto de facto 42, que o valor de um milhão de euros corresponde às duas primeiras parcelas, sendo a terceira correspondente a “taxas adicionais solicitadas” pela arguida.
Para além disso, ao assistente FF pertenciam ainda as quantias a título de juros vencidos à taxa de juro de 5% sobre o valor do investimento de um milhão de euros.
Ora, a nosso ver, quando se refere, no facto provado n.º 202, que a arguida se serviu das quantias depositadas pelo assistente FF para liquidar a compra de acções no valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros), não se quer dizer que a totalidade desse montante foi satisfeito com as quantias transferidas pelo mesmo, mas antes que a arguida usou montantes transferidos pelo dito assistente para, ilicitamente, liquidar outra operação.
Não se verifica, por isso, qualquer contradição insanável na fundamentação factual do acórdão recorrido também por referência aos mencionados pontos de facto provados.
Finalmente, invoca a arguida/recorrente a existência do vício decisório da contradição insanável entre parte do facto provado 228 e o que se deu como provado em 199, alegando-se que tal contradição também se verifica com o que se escreveu a páginas 87 e 98 do acórdão recorrido.
Mais identifica a existência de contradição entre o segmento inicial do facto 228 e o que foi dado como provado em 197 e 198, 214, 201, 203 e 334.
Vejamos.
No ponto de facto 199 dá-se como provado que o imóvel em questão - Villa ... das Areias ..... -, descrito na Conservatória do Registo Predial de ....., freguesia de ....., com o número …., era, desde 22.04.2009, propriedade da sociedade de direito ....  "S...... LTD", com o NIPC ....., com sede em ….., …...
Por sua vez, no ponto de facto 228 refere-se que «II sofreu um prejuízo directo na ordem dos € 476.715,51 (quatrocentos e setenta e seis mil setecentos e quinze euros e cinquenta e um cêntimos), montante do qual a arguida se apropriou, sendo que o registo da "Villa ..." pertence à "L.... LTD", representada pela arguida, e não pela II.»
Na página 87 do acórdão recorrido refere-se a aquisição do imóvel pela "S...... LTD", sendo que, na página 98, menciona-se, uma vez mais, a inscrição do imóvel em questão, por compra, a favor da dita sociedade.
Relativamente à questão do registo da “Villa ...”, como pertencente à "S........ LIMITED", é certo que a fundamentação da decisão de facto assim afirma e que o ponto de facto n.º 199, como já se mencionou, diz que o imóvel em questão era, desde 22.04.2009, propriedade da dita sociedade de direito .... , com sede em ….., …..
Diz-se “era” e não “é”.
“Era” por referência ao tempo em que foi recomendada a aquisição desse imóvel a II - aquisição a ser feita através da compra das acções da "S...... LTD", proprietária do mesmo.
Não vemos, por conseguinte, onde esteja a contradição insanável assinalada pela arguida/recorrente.
No que toca à questão do prejuízo directo na ordem dos € 476.715,51, este valor resulta, em função do que se extrai da decisão recorrida, da soma dos valores transferidos mencionado nos pontos de facto provados 197 e 198, à qual o tribunal recorrido subtraiu o valor das transferências efectuadas a favor da assistente, referidas no facto 214 (uma vez efectuada a conversão do valor em libras para euros).
É certo, porém, que no ponto de facto provado 334 diz-se que a demandante cível, II, por sua iniciativa, logrou arrendar o imóvel em questão, em Março de 2018, pelo valor mensal, a título de renda, de € 1.000,00 (mil euros), o que não pode deixar de significar que, a partir de determinado momento, esse imóvel passou a estar na sua disponibilidade, pois se assim não fosse não poderia ter efectuado o arrendamente do mesmo a terceiro.
Conforme já se assinalou supra, a arguida/recorrente AA, argumenta em duas frentes: a dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, e a da impugnação ampla da decisão de facto.
Tem-se entendido que, havendo invocação de vícios decisórios do artigo 410.º, n.º 2 e, em simultâneo, impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, o conhecimento desta deve ter precedência se, por essa via, puderem ser supridos os vícios decisórios concretamente invocados.
Sendo certo que, para a generalidade dos vícios invocados, entendemos, considerando a forma como a recorrente coloca as questões a decidir, começar pelo conhecimento dos vícios decisórios, julgamos que, quanto à matéria agora em análise, relativa à assistente II, tendo sido também deduzida especificamente impugnação ampla, devemos remeter a apreciação para momento posterior – o da impugnação da decisão de facto com base na alegação de erro de julgamento -, por dessa forma melhor se esclarecer a matéria em apreço e se ultrapassarem, sendo caso disso, dificuldades de compreensão dos factos pertinentes.
O mesmo se faz relativamente ao vício da contradição insanável que a arguida/recorrente invoca em simultâneo com a alegação da existência de erro de julgamento – impugnação ampla - a propósito dos prejuízos sofridos pelos ofendidos/demandantes BB e CC.
3.3.1.2. Como já se disse, a arguida/recorrente invoca a existência de erro de julgamento de facto, apoiando-se, para o efeito, na prova produzida.
Diz-se no recurso que os factos relativos aos prejuízos sofridos pelos assistentes/demandantes BB e CC – factos 124, 275, 157 e 282 – “não se coadunam com a prova produzida”, em especial a prova resultante das declarações prestadas por tais ofendidos.
E isto porque, segundo alega a recorrente, “resulta de forma claríssima das declarações deste ofendido” [referindo-se a BB] “que o mesmo logrou tornar-se proprietário do imóvel que pretendia comprar, sem que tivesse tido de despender mais um cêntimo sequer do que os montantes que havia transferido para a arguida!”.
O mesmo se alega quanto a CC.
Vejamos.
Relativamente a BB, deu-se como provado que o mesmo decidiu efectuar investimento imobiliário em Portugal, para, no âmbito do mesmo, obter autorização de residência em território nacional, para si e para a sua mulher ZZ, e bem assim para as suas duas filhas, AAA e BBB.
Na execução do determinado, celebrou com a "SG......", representada pela "Au......", um contrato promessa de compra e venda, para a compra de uma fracção autónoma localizada no Piso 3, Letra C, do Bloco A, Lote …, no Alto ....., Lote ...., do empreendimento "Casas ......", sito na ....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...., freguesia do …, sob o n.° … e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, pelo valor de 564.612,00 (quinhentos e sessenta e quatro mil seiscentos e doze euros).
A título de sinal e principio de pagamento, na data da assinatura do contrato, entregou a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sendo que o remanescente do preço, no montante de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros), seria pago na escritura de compra e venda.
Conforme acordado no CPCV, a escritura pública de compra e venda realizar-se-ia no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da concessão a favor do ofendido de uma autorização de residência, ao abrigo da Lei n.° 29/2012, de 09 de Agosto e do despacho n.° 11820-A/2012, de 03 de Setembro, tal como alterado pelo despacho n.° 1661-A/2013, de 28 de Janeiro.
No dia 12 de Maio de 2015, BB outorgou uma procuração, mediante a qual constituiu seus bastantes procuradores a arguida AA e os seus colaboradores CCC, DDD, EEE, advogados e FFF (paralegal), da sociedade de advogados "CL@C... Legal, Ltd.", com escritório na Avenida ….., …., para que, em seu nome, em conjunto ou separadamente, entre outras coisas, representassem o lesado na aquisição da fracção prometida comprar à "SG......" e para que, perante o S.E.F., executassem todos os actos necessários à obtenção ou renovação de autorização de residência para a actividade de investimento, ou obtivessem qualquer outro visto ou autorização de residência.
No dia 03 de Junho de 2015, ZZ, a mulher de BB, outorgou uma procuração de teor idêntico à do seu marido e, em conjunto com este, outorgaram uma procuração em representação da sua filha menor, conferindo os mesmos poderes aos mesmos mandatários.
No dia 13 de Julho de 2015, a filha dos mesmos, BBB, outorgou uma procuração de teor idêntico à dos pais.
Em Junho de 2015, a pedido da arguida AA, BB ordenou a transferência do montante de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros) da conta n.° .....078, de que era titular para a conta do "Banco BPI" ......151, titulada pela sociedade arguida CL@C... Legal, Ltd..
O montante transferido era destinado e correspondia ao valor remanescente a pagar por BB à "SG......" no âmbito do CPCV.
Conforme transmitido pela arguida AA, seria necessária esta transferência para uma conta bancária em Portugal, para efeitos do processo de obtenção da autorização de residência, e bem assim para cumprimento do CPCV e celebração da escritura pública de compra e venda;
No entanto, tal não se veio a verificar, porquanto a arguida fez suas, de imediato, as referidas quantias, que transferiu para despesas próprias e outras contas bancárias.
Nomeadamente, em 24.06.2015, para "HSBC Bank, PLC”, ......:
- para a conta IBAN ......000, cujo documento de suporte apresenta, como referência, a entidade "CL C... Legal", o valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros);
- para a conta IBAN ......157, cujo documento de suporte apresenta, igualmente como referência, a entidade "CL C... Legal", o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros).
Na mesma data, 24.06.2015, efectuou uma transferência de € 37.707,87 (trinta e sete mil setecentos e sete euros e oitenta e sete cêntimos) para a conta de GG no "BPI", IBAN ......188, conforme supra descrito e para ressarcir a mesma, após denúncias por si efectuadas.
Estes os factos provados 97 a 112, no essencial.
No ponto de facto provado n.º 113 diz-se que, apesar de ter feito seus os valores transferidos por BB e ter inviabilizado a verificação dos requisitos para obtenção de "vistos gold", bem como a celebração de qualquer escritura pública, a arguida informou o mesmo que a transferência dos fundos para a "SG......", para efeitos de celebração de escritura pública, seria depois ordenada por ela.
E no ponto de facto 114 acrescenta-se que, a solicitação da arguida, além do montante de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros), supra referido, BB transferiu ainda para mesma conta do "Banco BPI", com o IBAN ......151, o montante de € 64.127,00 (sessenta e quatro mil cento e vinte e sete euros), que a mesma transmitiu falsamente ser referente a despesas relacionadas com a obtenção da autorização de residência e aquisição da fracção.
Considerando que havia sido estabelecido no CPCV que a celebração da escritura pública estava dependente da atribuição dos "vistos gold" e, porquanto em 2015 e 2016, o S.E.F. teve um atraso amplamente divulgado na atribuição dos mesmos, estes atrasos que se foram verificando não eram levados em conta pela "SG......" (ponto de facto 115), sendo certo que, sempre que a arguida AA era questionada sobre a obtenção dos títulos de residência, esta referia de forma genérica que a documentação tinha ido entregue no S.E.F., que estava toda conforme, e que era apenas uma questão de tempo até à aprovação dos mesmos (ponto de facto 116).
Diz-se nos pontos de facto 271 a 275:
«271. O demandante cível BB transferiu para as arguidas, para pagamento do remanescente do preço de aquisição do citado imóvel, no valor total de € 564.612,00 (quinhentos e sessenta e quatro mil seiscentos e doze euros), o valor de € 514.612,00 (quinhentos e catorze mil seiscentos e doze euros), o qual devia ser entregue, pelas arguidas, à sociedade "SG......, S.A.", o que as mesmas não fizeram, para o que as arguidas estavam mandatadas;
272. O demandante cível BB transferiu ainda para as arguidas, a pedido destas, a quantia de € 64.127,00 (sessenta e quatro mil cento e vinte e sete euros), a título de serviços e despesas relacionados com a obtenção do "visto gold", para si e para a sua família, e com a aquisição do descrito imóvel, o que as arguidas não fizeram, apesar de estarem mandatadas para tanto;
273. O comprovativo da realização da transferência mencionada referente ao pagamento do remanescente do preço de aquisição do imóvel era essencial para a concessão do "visto gold", processo que acabou por ser indeferido pelo S.E.F., em 06.04.2017, com fundamento na omissão de junção dos elementos que se encontravam na posse das arguidas, e que estas não juntaram, porquanto não o quiseram;
274. Por diversas vezes, o demandante questionou a arguida AA sobre o estado do processo do "visto gold" e de aquisição do imóvel, ao que a arguida não dava resposta concreta;
275. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo do demandante cível BB, da quantia global de € 578.739,00 (quinhentos e setenta e oito mil setecentos e trinta e nove euros), por conta da qual, as arguidas, até hoje, nada restituíram o demandante
O valor de que as arguidas se apoderaram, em prejuízo de BB, referido no ponto de facto 275, corresponde à soma dos valores das transferência por aquele efectuadas e referidas nos factos 105 e 114, e bem assim uma vez mais mencionadas nos factos 271 e 273.
Por sua vez, no que concerne a CC, deu-se como provado, nos pontos de facto 125 e seguintes, que o mesmo,  encontrando-se interessado em vir morar para Portugal, e tendo conhecimento de que havia essa possibilidade através da aquisição de um "visto gold", através da realização de investimento em território nacional, veio a dirigir-se à “ST......, S.A.” ("ST.....") que, entre outras actividades, é também promotora de imóveis, e que trabalhava directamente com um escritório de advogados de .......
Junto deste escritório contratualizou um serviço único que englobava a realização de um investimento em imobiliário que o habilitasse a candidatar ao "visto gold", e todas as diligências necessárias junto do S.E.F. para esse efeito.
Uma vez que havia a necessidade de praticar actos jurídicos em território nacional, foi-lhe indicado o escritório de advogados da arguida AA, como sendo a entidade que iria acompanhar todo o processo legal de aquisição de propriedade e obtenção dos "vistos gold".
Por essa via e, após lhe terem sido exibidas plantas de imóveis, veio a decidir adquirir as fracções autónomas localizadas no piso 4, letra B, do bloco B, Lote … e no piso 5, letra B, do bloco B, Lote …, respectivamente, no Alto ....., Lote .... do empreendimento "Casas ......", sito na ....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...., freguesia do ….., sob o n.° … e inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo …, pelo preço global de € 603.612,00 (seiscentos e três mil seiscentos e doze euros).
Em 07 de Agosto de 2015, em ......, celebrou com a "SG......", então representada pela sociedade "Au......", um CPCV das referidas fracções, sendo que € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de sinal, foram entregues nesse acto à "SG......".
Conforme acordado no CPCV, o remanescente do preço, no montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil seiscentos e doze euros), seria pago até 30 de Outubro de 2015, sendo que a escritura pública de compra e venda realizar-se-ia no prazo de 60 (sessenta) dias contados da concessão a favor de CC de uma autorização de residência, ao abrigo da Lei n.° 29/2012, de 09 de Agosto e do despacho n.° 11820-A/2012, de 03 de Setembro, tal como alterado pelo despacho n.° 166I-A/2013 de 28 de Janeiro.
A 07 de Agosto de 2015, CC e a sua mulher GGG, e nome dos seus filhos menores HHH e III, assinaram procuração em nome da sociedade arguida "CL@C... Legal", para aquisição dos imóveis em referência e para tratar de todo o processo de obtenção de "vistos gold" junto do S.E.F. para CC e restantes três elementos da família.
Por indicação da arguida AA, no dia 15 de Setembro de 2015, CC transferiu o montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil seiscentos e doze euros) da conta n.° .....078 de que é titular, para conta da sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd." "BPI" .....151, tendo-lhe sido transmitido e julgando tratar-se de uma conta do tipo "escrow", específica para a aquisição das fracções em referência.
O montante transferido correspondia ao valor remanescente a pagar por CC à "SG......", no âmbito do CPCV, o qual, conforme transmitido pela arguida, era necessário transferir para uma conta bancária em Portugal, para efeitos do processo de obtenção de autorização de residência, e bem assim para cumprimento do CPCV e celebração da escritura pública de compra e venda.
Todavia, ao invés de utilizar o montante transferido para os fins referidos, e porque na data da entrada deste valor na conta, o saldo existente era de apenas € 2,90 (dois euros e noventa cêntimos), a arguida AA usou esta verba para o pagamento de despesas diversas.
Além do montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil e seiscentos e doze euros), em 09 de Novembro de 2015, mais uma vez, por solicitação da arguida AA, CC transferiu, ainda, para a conta do "Banco BP1", com o IBAN ......151, de que é titular a sociedade arguida "CL@C... Legal, Ltd.", o montante de € 45.938,00 (quarenta e cinco mil novecentos e trinta e oito euros).
E em 08 de Janeiro de 2016, igualmente, a pedido da arguida AA, CC transferiu para a conta do "Banco BPI", com o IBAN ......151, de que é titular sociedade arguida CL@C... Legal, Ltd., o montante de C 26.220,06 (vinte e seis mil duzentos e vinte euros e seis cêntimos).
Conforme falsamente transmitido pela arguida AA, tais montantes destinavam-se a suportar os serviços e despesas relacionados com a obtenção da autorização de residência e aquisição das fracções, tendo por essa via, emitido uma factura em que atestava falsamente o destino desses valores.
Em Janeiro de 2016, CC deslocou-se a Portugal acompanhado com a família, a fim de visitar os imóveis e proceder à recolha dos dados biométricos junto do S.E.F., tendo sido acompanhado por uma advogada do escritório da arguida AA.
No entanto, decorrido mais de um ano desde a outorga da procuração à "C... Legal" e da transferência dos fundos, CC e a sua família ainda não tinham o processo de autorização de residência concluído, nem tão pouco tinham celebrado o contrato definitivo de compra e venda das fracções identificadas no CPCV.
Pelo que, decidiram efectuar a escritura, tendo em meados de Agosto de 2016, dado instruções expressas à arguida AA, no sentido de se fazer a escritura pública de compra e venda das fracções prometidas comprar no âmbito do CPCV;
Não obstante, quando interpelada por CC, ou pelos representantes da "SG......", a arguida AA protelava as datas, afirmando existirem problemas, imprevistos, ou referia moradas de notário inexistentes; por outras vezes, referia ter já efectuado a transferência para a "SG......".
Em 31 de Outubro de 2016, a arguida AA remeteu a CC um e-mail, afirmando que encaminhava, em anexo, a prova da transferência dos fundos para a "SG......", mas o documento em causa, era apenas um formulário de transferência de fundos do "Banco BPI", que se encontrava preenchido à mão, identificando correctamente o número de IBAN dado pela "SG......", o montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três mil seiscentos e doze euros) a transferir, o ordenador "CL@C... Legal, Ltd.", e a data do suposto preenchimento do formulário, que era 25 de Outubro de 2016.
Porque os fundos não chegavam à "SG......", em 15 de Novembro de 2016, CC solicitou à arguida AA que o acompanhasse ao banco para, em conjunto, tentarem definitivamente clarificar a situação da transferência, mas esta recusou-se a fazê-lo, afirmando que a transferência, afinal, tinha a data-valor de sexta-feira, dia 18 de Novembro, o que permitiria resolver todos os assuntos pendentes na semana seguinte.
Chegado o dia 18 de Novembro, o dinheiro não entrou na conta da "SG......" e a arguida AA continuava a não remeter o comprovativo da transferência;
No dia 23 de Novembro de 2016, CC enviou para a arguida AA uma carta registada com assunto "Promissor), Agreement with SGRC", sumariando o que se estava a passar, e interpelando a arguida para que:
a) Transferisse o montante de € 553.612,00 (quinhentos e cinquenta e três euros seiscentos e doze euros) para a "SG......";
b) Agendasse a escritura pública de compra e venda nos termos do CPCV em data não posterior a 09 de Dezembro de 2016, notificando a "SG......" para o efeito; e
c) Realizasse todos e quaisquer actos necessários para a execução da escritura publica, incluindo os relativos ao pagamento do IMT e Imposto de Selo;
Os actos referidos deveriam ser realizados no prazo de 3 dias úteis e a arguida era ainda interpelada para remeter ao ofendido e a JJJ, da "SG......", comprovativos de que esses actos tinham sido realizados;
Não obstante, a arguida AA não efectuou a escritura pública ou devolveu as quantias, fazendo-as suas.
Em Janeiro de 2017, CC mudou de advogado, tendo estes apresentado novo requerimento. Todavia, não conseguiram fazer prova do investimento realizado porquanto detectaram que a transferência de fundos foi feita para uma conta bancária da sociedade de advogados de AA e não para uma conta titulada pelo requerente de "ARI" ou para o promitente vendedor;
Na sequência dos factos elencados no essencial, dá-se como provado, no ponto de facto 157:
«Pela forma descrita, CC sofreu um prejuízo de E 625.770,06 (seiscentos e vinte e cinco mil setecentos e setenta euros), montantes dos quais a arguida AA se apropriou;»
Finalmente, nos pontos de facto provados 280 a 282 diz-se:
«280. O comprovativo da realização dessa transferência era essencial para a concessão de "visto gold", tendo sido o demandante cível notificado pelo S.E.F. de despacho de indeferimento sobre tal pedido, com o fundamento, entre outros elementos, de falta de apresentação de declaração de uma instituição de crédito atestando a transferência internacional e efectiva de capitais para pagamento, a título de sinal no contrato promessa de compra e venda, de valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), e que o demandante já tinha feito para as arguidas;
281. Por ter sido mal instruído tal processo junto do S.E.F. por parte das arguidas, o demandante cível CC desistiu do mesmo, sob pena de ser indeferido e ficar impossibilitado de apresentar um novo requerimento de concessão de "visto gold" no imediato, dado que, o demandante e a sua família já se encontravam a residir em Portugal, suportando o arrendamento de uma casa, em face da expectativa, criada pelas arguidas, no sentido que estava iminente a concessão do "visto gold";
282. As arguidas apoderaram-se, em prejuízo do demandante cível CC, do montante global de € 625.770,06 (seiscentos e vinte e cinco mil setecentos e setenta euros e seis cêntimos), por conta do qual nada restituíram ao demandante cível, situação que se mantém até à presente data; (…)»
O valor de que as arguidas se apoderaram, em prejuízo de CC, referido no ponto de facto 282 corresponde à soma dos valores das transferência por aquele efectuadas e referidas nos factos 133, 136 e 137, também mencionadas nos factos 276 e 277.
O que a arguida/recorrente sustenta é que, com base nas declarações prestadas por BB e CC, o tribunal recorrido deveria ter concluído no sentido de não terem sofrido qualquer prejuízo patrimonial no que concerne ao valor dos imóveis que quiseram comprar, por resultar desses depoimentos que, efectivamente, lograram obter a propriedade dos mesmos sem terem de pagar qualquer outra quantia.
Por isso, sustenta a arguida que o prejuízo de BB é de apenas € 64.127,00 e o de CC cifra-se em € 72.158,06, sendo esses os valores de que as arguidas se apropriaram (valores transferidos por conta dos processos dos “vistos gold”).
Procedeu-se à audição das declarações prestadas em audiência de julgamento por BB e CC, dificultadas, no caso do primeiro, por serem tomadas à distância e, em ambos os casos, por não falarem português e ser necessário, por isso, o recurso a intérprete (cuja fluência no português oral denota algumas limitações).
Ainda assim, constata-se que os referidos assistentes/demandantes confirmaram a matéria factual que lhes concerne, alegando, quanto aos imóveis que pretendiam adquirir, que estão presentemente registados a seu favor.
Foi o que disse BB, afirmando que a casa está em seu nome, por via de um acordo que realizou com a "SG......", ficando acordado que teria de transferir para a "SG......" o valor do preço quando o recebesse das arguidas: se receber indemnização o dinheiro é para entregar à "SG......".
Por sua vez, CC disse ter efectuado uma negociação com a imobiliária de ......, para que “passasse a casa” para ele, tendo o demandante a responsabilidade de recuperar o valor para o entregar à imobiliária.
Lê-se na motivação da decisão de facto:
«Mais resultou das declarações dos demandantes cíveis BB e CC, que não conheciam os demais demandantes, nem entre si, a mesma narrativa relatada pelos demais demandantes, ou seja, o que se passou com estes demandantes é a mesma "história" relatada e vivenciada pelos demais demandantes cíveis, confirmando, com detalhe, coerência e simplicidade os factos acima descritos, e por isso dados como provados, confirmando os valores, as perdas monetárias e os demais aspectos do negócio, salientando que a sua advogada era a arguida AA, do que não têm quaisquer dúvidas, nem revelaram qualquer hesitação, e precisamente por confiaram na arguida é que transferiram na integralidade os valores do preço de aquisição dos imóveis e das demais despesas, como, aliás, pedido pela arguida.
Salientando ainda que, o que lhes ia sendo transmitido pela arguida é os negócios de aquisição tinham sido formalizados e os "vistos gold" estavam a decorrer bem e normalmente, com sucesso, o que a arguida bem sabia não ter qualquer correspondência verdade, tanto mais, que não tinha, como se impunha, transferido para a "S.G.......", promitente vendedora, os valores atinentes aos preços de aquisição das fracções em causa, apesar de já os ter na sua esfera e na conta bancária por si gerida e controlada.
Esclareceram igualmente que, conseguiram chegar a um acordo com a sociedade promotora da venda dos imóveis em causa, na ....., sem qualquer apoio da arguida, que revelou um absoluto desinteresse para com as suas situações - aliás, o demandante CC, entretanto, já estava a viver em Portugal, tendo arrendado um imóvel para o efeito, a fim de o filho, que já estava inscrito na escola, poder começar o ano lectivo na altura regulamentar em Portugal, e portanto, veja-se, a gritante confiança que os demandantes depositavam na arguida e naquilo que esta lhes ia transmitido quando ao suposto sucesso dos processos de "visto gold" — precisando que por a vendedora por conseguir observar, atentas as transferências efectuadas — a clareza dos dígitos e da conta bancária beneficiária assim o ditam -, que os demandantes tinham entregue à arguida, através da conta bancária da sociedade arguida, os valores totais do pagamento integral do preço de aquisição, e esta ao invés de os transferir para a vendedora, fê-los seus, o que bem quis, ainda "inventando" desculpas para protelar a transferência e a realização das respectivas escrituras públicas, afirmando inclusivamente que já tinha entregue os valores à vendedora, por justeza negociai, a vendedora acedeu firmar um acordo com estes demandantes.
Tal acordo consistiu em a vendedora "emprestar" os valores que estavam em falta, mas que tinham sido entregues à arguida, para que o negócio de aquisição dos imóveis se formalizasse e, assim os demandantes pudessem, por motivos totalmente alheios a qualquer das arguidas, fazer a prova junto do S.E.F. dos investimentos imobiliários e, por essa via, obterem a autorização de residência por investimento, vivendo, com a sua família, em território nacional, mas, ambos frisaram que os respectivos prejuízos se mantêm, dado que, continuam por lhes ver ressarcidos os valores que pagaram à arguida, e continua a existir a "dívida" (o prejuízo patrimonial) perante a vendedora.»       
Os demandantes não referiram, propriamente, a existência de “empréstimo” por parte da vendedora – não utilizaram essa expressão -, mas percebe-se facilmente que o tribunal recorrido tomou em consideração a conjugação das declarações prestadas por BB e CC com a demais prova pessoal e documental.
Realmente, lê-se na motivação da decisão de facto:
«Por sua vez, dos depoimentos prestados pelas testemunhas LLLL, agente imobiliária que interveio directamente com os demandantes CC e BB nos respectivos negócios referentes à aquisição dos imóveis acima mencionados, e JJJ, director financeiro da "SG......", o qual, por sua vez, interagiu pessoalmente com aqueles dois demandantes cíveis e no âmbito destes negócios, resultou inequivocamente demonstrado, por um lado, que a arguida AA protelava, com desculpas sucessivas, o acto de escritura pública, e por outro lado, a arguida afirmou que já tinham sido feitas para a "SG......" as transferências dos preços relativos a estes dois demandantes cíveis, o que, fez por mais do que uma vez, o que a testemunha JJJ confirmou que, e na verdade, a arguida nunca transferiu para a "SG......" tais valores, tal como o corroborou a testemunha LLLL, sendo que estas duas testemunhas detinham conhecimento directo e presencial quanto a estes factos, os que descreveram de forma rigorosa, detalhada e fundada, para além, do discurso coerente, isento e sereno que mantiveram, sendo os seus depoimentos dignos da maior credibilidade.
Igualmente ficou cristalino, o motivo pelo qual, através dos acordos de empréstimos/financiamentos firmados com os demandantes em causa, a "SG......" veio a tornar exequível a celebração das escrituras públicas relativamente aos imóveis prometidos vender/comprar aos demandantes cíveis BB e CC, como explicado desembargadamente por estas duas testemunhas, pois, por um lado, confirmaram que, efectivamente, os demandantes, promitentes compradores, tinham, atempadamente, transferido para as arguidas, e na sua integralidade, o valor do preço total de aquisição dos imóveis em questão, e por outro lado, a arguida e a sociedade arguida tinham sido recomendadas em ...... como pessoas idóneas para assegurar o interesses dos demandantes cíveis BB e CC, cidadãos de nacionalidade ......, pela empresa "AU......", associada do grupo de MMMM, e a reputação e a honra negocial são particularmente relevantes no mundo de negócios na ..... e em ......, e não pretendiam que a sua imagem, por associação, ficasse manchada pela conduta indecorosa das arguidas, que comprovadamente tinham tido transferidas para a sua conta o montante integral dos preços de aquisição em causa por banda destes demandantes cíveis e, apesar desse indelével grau de confiança, não o tinham transferido, como acordado, e mandatado, para a "SG......" promitente vendedora.
Isto é, a "SG......" e a "AU......" demonstraram maior integridade negocial e idoneidade comercial do que as arguidas, porquanto, apesar de não terem recebido efectivamente o dinheiro da compra/venda, mas mantendo-se (e legitimamente) credoras desses valores, reconheceram que não era objectivamente justo (num patamar de pura moralidade) prejudicar os demandantes CC e BB — e as suas famílias —acedendo, pela via descrita, a verem o negócio realizado e a subsequente obtenção de autorização de residência, por motivos totalmente alheios à vontade e à actuação das arguidas.
Sem olvidar que, se mantêm os prejuízos patrimoniais para os demandantes, pois que transferiram os valores, acima descritos, para as arguidas, que os fizeram abusivamente seus, e continuam devedores perante a sociedade compradora, como estas duas testemunhas isenta e assertivamente relataram, na senda, aliás, do já descrito pelos próprios demandantes
Noutro passo, referindo-se a CC:
«- dos autos principais conta a fls. 2561 a 2564 escritura de compra e venda do imóvel em causa, a 11.12.2017, onde consta a expressa menção a parte do preço ser paga aquando da indemnização pela arguida (cfr. igualmente acordo de fls. 2572 a 2579 e fls. 2615 a 2616), constando de fls. 2565 a 2566 inscrita a propriedade a favor do assistente (apresentação de 20.12.2017), tendo já autorização de residência (cfr. fls. 2567 a 2571), como salientado por motivos alheios à vontade das arguidas ou dos montantes de que estas se apoderaram, mantendo-se o prejuízo patrimonial do demandante cível, como cabalmente esclarecido pelos depoimentos prestados pelas testemunhas JJJ e LLLL;(…)».
Compreende-se o que aconteceu e foi corroborado pelas provas indicadas na motivação.
Em ambos os casos, tratava-se da compra de imóveis à "SG......", representada pela sociedade "AU......", associada do grupo MMMM.
A arguida protelava, com desculpas sucessivas, o acto de escritura pública de compra e venda, afirmando, porém, contra a realidade, que já tinham sido feitas para a "SG......" as transferências dos preços relativos aos imóveis em causa.
Em ordem a minorar a situação, os assistentes /demandantes, a “”SG......” e a “AU......” celebraram acordos pelos quais a última, referida como “financiadora”, mutuou aos primeiros os montantes em causa, com a finalidade de serem utilizados para a aquisição dos imóveis em questão, a serem restituídos à “financiadora” à custa das indemnizações obtidas nos processos movidos contra a arguida e outras pessoas responsáveis.
Acordos celebrados em razão de “a reputação e a honra negocial são particularmente relevantes no mundo de negócios na ..... e em ......, e não pretendiam que a sua imagem, por associação, ficasse manchada pela conduta indecorosa das arguidas”, sendo que “se mantêm os prejuízos patrimoniais para os demandantes, pois que transferiram os valores, acima descritos, para as arguidas, que os fizeram abusivamente seus, e continuam devedores perante a sociedade compradora (…)” (seguramente, o tribunal recorrido incorre em lapso ao escrever “sociedade compradora” quando o contexto indica tratar-se da sociedade vendedora ou da financiadora).
Se analisarmos, por exemplo, a escritura pública de compra e venda relativa a CC, vemos que, para além do valor de sinal, se refere a quantia de € 500.000,00 paga por transferência bancária a partir de conta da sua titularidade, e a quantia de € 53.612,00 a pagar à “SG......” à custa de indemnização que receba da arguida.
Por sua vez, os ditos € 500.000,00 surgem, no acordo de 2572 e seguintes, como um mútuo a CC por parte da “AU......”, a restituir à “financiadora” à custa das indemnizações obtidas nos processos movidos contra a arguida e outras pessoas responsáveis, estipulando-se o critério de distribuição rateada de montantes reembolsados ou indemnizados e a responsabilidade dos primeiros outorgantes de envidarem os melhores esforços e por quaisquer meios legalmente possíveis para a recuperação e entrega das quantias envolvidas.
Dir-se-á, então, que as “negociações” com a imobiliária que lhes permitiu formalizarem a compra dos imóveis envolveram um “mútuo” com uma espécie de cláusula “cum potuerit” associada (ou dela próxima),  já que a restituição da quantia mutuada ficou condicionada ao recebimento de indemnização, em ordem à qual estão obrigados os assistentes/demandantes a realizarem os seus melhores esforços, designadamente em processos judiciais contra a  arguida.
Não se pretenda, pois, que os acordos de empréstimos/financiamentos firmados com os assistentes/ demandantes em causa, para que a "SG......" tornasse exequível a celebração das escrituras públicas relativamente aos imóveis prometidos vender a BB e CC, consubstanciam uma liberalidade feita a favor destes.
Os montantes de que houve apropriação não foram devolvidos.
Nos contratos com cláusulas do tipo “cum potuerit” existe um verdadeiro vínculo jurídico do devedor perante o credor, uma verdadeira obrigação jurídica e não uma mera obrigação natural.
Uma coisa é a obrigação de restituição dos montantes mutuados; coisa diferente são as condições em que essa restituição é feita.
Por conseguinte, concorda-se com o tribunal recorrido quando concluiu que se mantêm os prejuízos patrimoniais para os demandantes, para além das quantias relativas aos processos de “vistos gold”, pois que transferiram os descritos valores /montantes para as arguidas, que os fizeram abusivamente seus, e continuam os referidos demandantes deles devedores perante as sociedades vendedora e financiadora dos imóveis, tendo em vista os acordos firmados, ainda que o cumprimento das respectivas obrigações de restituição esteja condicionado ao recebimento de indemnização das arguidas.
Não há, por conseguinte, que alterar a este respeito a factualidade provada, nem se descortina qualquer contradição insanável – que a recorrente também a este propósito invoca – entre os pontos de facto provados 124, 275, 157 e 282 e os trechos citados pela recorrente referentes a páginas 61 e 69 do acórdão recorrido.
Relativamente à assistente/demandante II a questão é algo intrincada.
Como já se disse, no ponto de facto 199 dá-se como provado que o imóvel em questão - Villa ... das Areias ..... -, descrito na Conservatória do Registo Predial de ....., freguesia de ....., com o número …., era, desde 22.04.2009, propriedade da sociedade de direito ....  "S...... LTD", com o NIPC ....., com sede em …., …...
Por sua vez, no ponto de facto 228 refere-se que o registo da "Villa ..." pertence à "L.... LTD", representada pela arguida, e não pela II.»
Na página 87 do acórdão recorrido refere-se a aquisição do imóvel pela "S...... LTD", sendo que, na página 98, menciona-se, uma vez mais, a inscrição do imóvel em questão, por compra, a favor da dita sociedade.
Não se refere nos factos provados quando essa inscrição registral foi alterada por forma a dela passar a constar que a propriedade passou para a "L.... LTD”.
No que toca à questão do prejuízo directo na ordem dos € 476.715,51, este valor resulta, em função do que se extrai da decisão recorrida, da soma dos valores transferidos mencionado nos pontos de facto provados 197 e 198, à qual o tribunal recorrido subtraiu o valor das transferências efectuadas a favor da assistente, referidas no facto 214 (uma vez efectuada a conversão do valor em libras para euros).
Porém, no ponto de facto provado 334 diz-se que a demandante cível, II, por sua iniciativa, logrou arrendar o imóvel em questão, em Março de 2018, pelo valor mensal, a título de renda, de € 1.000,00 (mil euros), o que não pode deixar de significar que, a partir de determinado momento, esse imóvel passou a estar na sua disponibilidade de modo a poder arrendá-lo.
A arguida/recorrente sustenta a sua impugnação ampla apenas em prova documental, não fazendo qualquer menção à prova pessoal produzida.
Quando se pretende sindicar a apreciação da prova, através da impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal de recurso, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre diversas limitações, como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375):
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com a prova pessoal ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412.º – também neste sentido o ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3].
Como se diz no acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2008 (processo n.º 360/08-1.ª):
«Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente
Os factos relativos à assistente/demandante II reportam-se, como já se viu, à aquisição do imóvel supra referido que a assistente, de nacionalidade ......, pretendia adquirir com vista à obtenção de visto de “visto Gold”, para si e para os seus familiares.
Tal imóvel, Villa ... do empreendimento …. Dunas, sito na ......, ......, (Lote ... das Areias .....), encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ....., Freguesia de ....., com o número …. (cfr. fls. 55-57, Vol. 1).
A motivação da decisão de facto assinala que do “apenso 2 a fls. 225 a 243, facturas referentes a quotas condomínio e fls. 244 a 251 (6212,04) documentos únicos de cobrança da AT, de fls. 288 a 292, cópia escritura de compra pela "S........" do Lote ..., datada de 17.04.2009, registo a fls. 293 a 294 e 351/352, aquisição registada a favor daquela sociedade a 21.04.2009, fls. 296 a 297, sede no domicílio profissional da arguida (comprovativo de cartão de empresa electrónico, da conservatória do registo comercial), fls. 298 a 343, documentação comercial demonstrativa no sentido que administradora daquela é a sociedade "L.......", a qual é representada pela arguida (cfr. fls. 330), fls. 412 a 413, recibos emitidos pela "Su...., Lda.".
Aliás, junto da Autoridade Tributária é a arguida quem figura como gestora de negócios da "S........", cfr. apenso 5 anexo 01 (Base de dados da AT).”
Temos, assim, que desde 22.04.2009, o imóvel estava inscrito como sendo propriedade da Sociedade de Direito ....  "S….LTO", com o NIPC:…., com sede em …., ….
Sobre a habitação em referência — Villa ... das Areias ..... -, a arguida AA explicou a II que a aquisição ia ser feita através da compra das acções da "S...... LTD".
Porém, esquece por completo a recorrente o facto já acima relatado de que, em Abril de 2015, a titularidade das acções da sociedade "S….LlMITED" pertencia ao Banco Santander Totta, tendo sido por este adquiridas na sequência de incumprimento do antigo detentor.
Ora, tais acções foram depois adquiridas pela "L.... LTD", através de processo de aquisição realizado por via da celebração de um “Purchase and Sale Agreement” (fls. 2485- 2493, vol. 9) com o Banco Santander Totta, para a compra e venda da totalidade das acções no valor total de €300.000,00
Este documento original viria depois a ser adulterado pela arguida/ora recorrente AA a fim de iludir II, estando provado nos autos - e não sendo impugnado – que a arguida, na posse do documento “purchase and sale agreement” celebrado entre a "L.... LTD" e o "Banco Santander Totta", alterou a data para 03 de Abril de 2015, mudando o nome do comprador da "L......." para II, e mudando o valor do preço, para 500.000,00 (quinhentos mil euros), “bem como elaborou um documento supostamente datado de Junho de 2015, atestando o registo definitivo da transferência da propriedade, e remeteu-os por e-mail, para a lesada, fazendo-a acreditar de que esta era efectivamente a titular da Villa ....”
Posteriormente à celebração do contrato em causa, foi celebrado o "Deed of Transfer of Beneficial Interest" em Junho de 2015, o que não deixa dúvidas quanto à atribuição à "L.... LTD", de forma definitiva, da titularidade da totalidade das acções da "S…..LlMITED" (fls. 2494-2495, vol. 9).
Ocorre que a dita "L.... LTD" é detida pela arguida AA, aliás nomeada como "Director" em 28 Julho 2015 (cfr.fls. 2496-2501, vol. 9), sendo a mesma a efectiva detentora desta sociedade.
Em 28 de Maio de 2017, foi nomeado como "Director" da "L......." SS, pai da arguida (cfr. fls. 2496-2501, vol. 9).
A arguida/recorrente juntou com o RAI, a fls. 3088 a 3093, documentação visando comprovar que a assistente II é detentora de 100% das acções da "S….LlMITED" desde 14.12.2015.
Certo é, todavia, que não consta dos autos, nem foi alegada pela arguida/recorrente, a existência de contratos ou actos de transmissão da propriedade das acções (da L....... para II), sendo que II não participou em nenhum acto de transmissão de acções, quer com o Banco Santander, quer com a L........
Os documentos juntos a fls. 3088 e segs (também 3125 e seguintes) correspondem ao que a arguida terá declarado à entidade do ….. que procede ao registo societário, advertindo as autoridades ….. que “This certificate records the result of a search of the information registered by the Registrar. This information derives from fillings accepted in good faith without verification. For thid reason the Registrar cannot guarantee that de information on the register is accurate or complete” (tradução a fls. 3128).
Quer isto dizer, que as autoridades do ….. registam o que se Ihes declara nesta matéria, sem qualquer verificação ou apresentação de documentos que suportem as declarações feitas.
Deste modo, não se encontra afastada a conclusão que resulta de fls. 206-210, Vol. 1, segundo a qual a sociedade S...... LTD era detida, enquanto subsidiária, pela empresa mãe "L.... LTD", encontrando-se na disponibilidade da arguida.
Estes factos são totalmente ignorados, como já se disse, pela arguida/recorrente.
Como se diz na motivação da decisão de facto:
«Ou seja, a sociedade "L......." é que é a titular das acções da sociedade "S......", (cfr. fls. 2485 a 2493), mas é a arguida quem é a detentora da sociedade "L......." (cfr. fls. 2494 a 2495 e 2496 a 2501), o que objectiva e claramente obsta, por um lado, que a demandante possa livremente dispor do imóvel, e por outro lado, e mais relevante para o fim pretendido e subjacente à motivação de tal investimento, impede (como de facto impediu) que a demandante conseguisse junto S.E.F. fazer prova dessa propriedade, logo não conseguindo, por motivos exclusivamente imputáveis à arguida AA, cumprir o requisito legal para a concessão do "visto gold", de demonstrar a aquisição de um imóvel, sito em território nacional, no valor igual ou superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), e tanto mais que o tal contrato da transferência das acções para a "L......." era, na realidade, de € 300.000,00 (trezentos mil euros), o que a arguida adulterou
Temos, ainda, a criação da empresa "Su....., Lda.", com o NIPC ….., com sede na Rua ….., ....., que foi constituída em 05 de Outubro de 2015, com o capital social de € 1,00 (um euro), apresentando como objecto "gestão de imóveis e administração de condomínios, bem como, todas as actividades acessórias à prossecução do presente objecto social" -  empresa  criada pela arguida com o fim único de iludir II de que a Villa ... estava a ser gerida por uma empresa independente, e não pela própria arguida, com os benefícios que para esta pudessem advir, designadamente na gestão do arrendamento e recebimento de rendas.
Por forma a dar maior credibilidade, a arguida criou o endereço de correio electrónico WWW @propertysunsetmanagement.com, registado por ACM@C... Legal.com e SSS, e através deste e-mail, passou tabelas de excel com a previsão de arrendamento, facturas para pagamento e declarações várias com os valores recebidos das rendas. Mais a arguida apresentou uma folha de excel com despesas assumidas por si, e que fariam de II devedora, justificando assim, dessa forma, o não pagamento de rendas enquanto a dívida não fosse saldada; forjou facturas pretensamente emitidas pela "Su....."; decidiu, sem qualquer intervenção de II, constituir a "S..... LTD — Sucursal em Portugal", com o NIPC ….., com sede na Avenida …., ...., sendo representante única a arguida AA, para assim tentar demonstrar junto do S.E.F., que II tinha efectuado investimento realizado em território nacional.
Verificando-se que as acções da "S….LlMITED" foram adquiridas pela "L.... LTD" e que a mudança do nome do comprador da "L.... LTD" para II foi o resultado de adulteração do documento “purchase and sale agreement”, em que, para além da mudança do nome do comprador, foi mudado o valor do preço, para 500.000,00 (quinhentos mil euros), temos de constatar a inexistência nos autos de comprovativo da transmissão das acções desta sociedade para a propriedade da assistente II documentadas de forma independente e verificadas por entidade isenta (como já se disse, os documentos juntos com o RAI apenas atestam o que a arguida terá declarado às autoridades inglesas).
Como já se assinalou, no ponto de facto provado 334 diz-se que a demandante cível, II, por sua iniciativa, logrou arrendar o imóvel em questão, em Março de 2018, pelo valor mensal, a título de renda, de € 1.000,00 (mil euros), o que não pode deixar de significar que, a partir de determinado momento, esse imóvel passou a estar na sua disponibilidade de modo a poder arrendá-lo.
Esquece, porém, a arguida/recorrente que é a própria assistente/demandante II a indicar, no seu pedido de indemnização civil, que “recentemente, após tal consumação, a Assistente conseguiu tornar-se proprietária da identificada sociedade L......., que indirectamente detém o imóvel, o que fez unicamente através dos seus meios e tendo de despender várias quantias” (fls. 3325).
Não existe prova documental dessa aquisição da "L.......", mas tal alegação mostra-se conforme à circunstância de a assistente ter logrado, já após a consumação dos factos, ter a disponibilidade do imóvel para o conseguir arrendar em Março de 2018.
Tal facto não significa, por conseguinte, que o prejuízo patrimonial não se tenha verificado, nos termos dados como provados no acórdão recorrido, ainda que, por via do alegado acesso à propriedade da “L.......”, a assistente/demandada tenha alcançado a disponibilidade do imóvel em causa – já depois da consumação dos factos, entenda-se – e, por razões que melhor conhecerá (porventura resultantes das condições financeiras em que logrou obter a “L.......”), tenha entendido restringir o montante do pedido de indemnização civil formulado nos autos.
Termos em que entendemos não haver razões para divergir do juízo sobre as provas formulado pelo tribunal recorrido, não se conclui que o tribunal recorrido tenha apreciado arbitrariamente a prova e que houvesse que decidir de forma diversa em relação à matéria questionada.
Diremos, ainda, apesar de não invocado, que percorrendo-se o acórdão recorrido, deste não resulta que tenha ficado instalada no espírito dos julgadores, muito pelo contrário, a mais pequena incerteza quanto a qualquer um dos factos que na decisão consideraram provados, ou seja, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra as arguidas qualquer estado de dúvida sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter, em face do que decorre do próprio acórdão e da prova reapreciada.
Em suma: relativamente à discordância da arguida/recorrente no que toca à decisão de facto, quer no plano dos vícios decisórios, quer no plano do invocado “erro de julgamento”, não há que proceder a quaisquer das alterações pretendidas.
3.3.2. A arguida/recorrente questiona a qualificação jurídica dos factos a partir da pretendida – mas não obtida – alteração dos mesmos, sustentando que as alterações por si propostas à redacção da factualidade dada como provada obstam a que se pudesse considerar ter engendrado um plano para enganar os ofendidos e, através disso, fazer suas quantias às quais deveria ter dado o destino por estes pretendido.
Lê-se no acórdão recorrido:
«Enquadramento jurídico-penal:
Provados que estão os factos acima descritos, compete proceder à sua sindicância legal, em termos de imputação penal.
As arguidas encontram-se acusadas, em concurso real e efectivo, e na forma consumada, pela prática de 10 (dez) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal e de 5 (cinco) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo Art.° 256.°, n.° 1, do Código Penal.
Dos crimes de burla qualificada:
Estatui o Art.° 217.°, n.º 1, do Código Penal que:
"Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".
São, pois, elementos típicos deste ilícito:
a) que o agente tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo;
b) com tal finalidade, astuciosamente, induza outrem em erro ou engano;
c) determinando o ofendido à prática de factos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais.
O crime de burla constitui um crime do dano que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro.
Consubstancia, ainda, um crime material ou de resultado que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima.
O crime de burla é um crime de resultado cortado ou parcial porquanto, embora se exija que o agente actue com a intenção de obter para si ou pai outrem um enriquecimento ilegítimo, a consumação não depende da concretização de tal enriquecimento bastando para o efeito que ao nível do tipo objectivo se observe empobrecimento da vítima.
Por outro lado, a burla integra um delito de execução vinculada em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento. Traduz-se ela na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
Para que esteja em face de um crime de burla não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso, torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. Acresce que não é, também, suficiente a simples verificação do estado de erro é indispensável que nesse engano resida a causa da prática pelo burlado dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais.
Em suma, a consumação da burla exige um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática pelo burlado de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e depois entre estes últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial.
Trata-se de um crime doloso em qualquer uma das suas modalidades sendo que o preenchimento deste elemento exige a intenção do agente em conseguir com a sua conduta um enriquecimento ilegítimo próprio ou alheio.
Às arguidas é imputada a forma qualificada do tipo base do crime de burla, prevista na alínea a) do n.° 2 do Art.° 218.°, do Código Penal, o qual estatui:
"A pena é de prisão de 2 a 8 anos se: a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado."
O crime é qualificado quando o prejuízo patrimonial seja de valor consideravelmente elevado.
Por sua vez, prescreve o Art.° 202.°, alínea b) que "valor consideravelmente elevado — aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto."
Ou seja, o valor que exceder o montante total de € 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos euros), visto ser uma unidade de conta € 102,00 (cento e dois euros), como ocorreu, e nas dez situações em causa, no caso nos autos.
A matéria de facto provada permite concluir que as arguidas cometeram os dez crimes de burla qualificada por que vêm acusadas, posto que se mostram preenchidos todos os elementos do tipo e inexistem causas que excluam a sua ilicitude ou culpa ou as isentem de responsabilidade criminal, como, aliás, se mostra devidamente fundamentado.
Com efeito, resultou inequivocamente provado que a arguida AA obteve um enriquecimento indevido, por meio de um plano que astuciosamente criou, determinando com a sua conduta a prática de actos (pagamentos) pelos ofendidos/assistentes/demandantes acima identificados, os quais lhes causaram prejuízo patrimonial, todos eles de valor consideravelmente elevado.
Ora, resultou provado que, a arguida AA, nas dez acima descritas situações, devidamente individualizadas e circunstanciadas, mediante um estratagema por si criado - acordando, em nome, no interesse e em representação dos ofendidos, diligenciar pela concretização dos investimentos pretendidos e a instrução devida dos processos de "visto gold", com base nessa prova de investimento, levando-os a transferirem a integralidade desses montantes, fazendo-os seus, utilizando-os em beneficio próprio, prejudicando os ofendidos, crentes que estavam que esses valores transferidos estavam a ser canalizados para os fins acordados com a arguida - levou a que os dez identificados ofendidos efectuassem as mencionadas transferências na conta bancária titulada em nome da sociedade arguida, e gerida/administrada e controlada exclusivamente pela arguida AA, e por esta indicada, obtendo, assim, esta um enriquecimento ilegítimo e aqueles dez ofendidos sofrendo o correspectivo prejuízo patrimonial nas suas esferas patrimoniais, dado que, não ficaram nem a posse dos imóveis, nem com a sua propriedade, não obtiveram por força desse investimento qualquer autorização de residência ("vistos gold"), nem lhes foi restituído os valores pecuniários que despenderam.
Acresce ainda que, manifesta e indubitavelmente, não estamos perante uma única resolução criminosa, mas sim verifica-se a prática do mesmo tipo de crime, em situação de concurso real e efectivo, desde logo, atendendo às amplitudes temporais entre as diferentes situações, as circunstâncias perfeitamente cindíveis e autonomizáveis, utilizando a arguida AA os valores transferidos por uns ofendidos para tentar restituir outros, renovando assim a arguida, em cada situação, a resolução criminosa, sendo certo que inexiste qualquer situação de crime continuado, porquanto a arguida, nem a sociedade arguida, não agiu num quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminuísse consideravelmente a sua culpa, aliás, inexiste qualquer situação exterior, dado que, é a arguida quem cria as situações que lhe permitem o acesso aos ofendidos e aos seus fundos.
Sendo certo que, quanto aos factos referentes aos ofendidos JJ e KK estamos perante um única resolução criminosa, apesar de serem dois ofendidos, pois que o negócio era comum, era precisamente o mesmo, não obstante abarcar dois investidores, e portanto, as transferências foram unívocas e há somente uma única decisão criminosa perpetrada pela arguida AA e pela sociedade arguida, por si gerida e por si dominada,
Assim, estamos perante a prática pela arguida de 10 (dez) crimes de burla qualificada, na forma consumada, em concurso real e efectivo, porquanto em cada das dez descritas situações (dez ofendidos visados e enganados) a arguida renovou a sua resolução criminosa, de forma autónoma, independente e perfeitamente cincível.
A arguida AA sabia que tais condutas eram (e são) proibidas por lei, ao que foi indiferente, conformando a sua vontade com a verificação de tal resultado.
Actuou, pois, e sempre, com dolo directo (Art.° 14.°, n.° 1, do Código Penal).
Não se verificam quaisquer causa de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
Assim, porque a arguida AA actuou ilícita e culposamente, deve a mesma ser condenada pela prática, em concurso real e efectivo, e na forma consumada, dos 10 (dez) crimes de burla qualificada, pelos quais se encontra pronunciada.
Dos crimes de falsificação de documento:
O bem jurídico protegido por este tipo de crime é a "segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório", ou seja, "a verdade intrínseca do documento enquanto tal" (Figueiredo Dias/Costa Andrade in "O Legislador de 1982 optou pela Descriminalização do Crime Patrimonial de Simulação, Parecer", C.J. VIII, pp. 3 e ss.).
De referir que integra o tipo legal de crime não só a falsificação material como a falsificação ideológica, o que abrange a falsificação intelectual e a falsidade em documento, sendo certo que, em qualquer dos casos, se falsifica o documento enquanto declaração, isto é, falsifica-se a declaração incorporada no documento.
Na falsificação material o documento não é genuíno e na falsificação ideológica, o documento é inverídico.
No âmbito da falsificação intelectual integram-se todas as situações em que o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada.
Por seu turno, na falsidade em documento integram-se os casos em que se presta uma declaração de um facto falso, juridicamente relevante.
Importa ainda referir que, o crime de falsificação de documento é um crime de perigo, uma vez que, após a falsificação, ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação do mesmo.
Além disso, é um crime de perigo abstracto, bastando para que o tipo legal esteja preenchido, que se conclua, a nível abstracto, que a falsificação daquele documento é uma conduta passível de lesão do bem jurídico protegido.
É também um crime formal ou de mera actividade, não sendo necessária a produção de qualquer resultado, pese embora se exija uma certa actividade do agente, no sentido de fabricar, modificar ou alterar o documento, como refere Helena Moniz, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pp. 681, "podemos assim considerar que se trata de um crime material de resultado, isto é, um crime formal considerado o resultado final que se pretende evitar (violação da segurança no tráfico jurídico em virtude da colocação neste do documento falso), mas um crime material considerado o facto (modificação exterior) que o põe em perigo. Assim, se considerarmos, por um lado, a actividade e os interesses que este tipo legal visa proteger estamos perante um crime formal; se, por outro lado, considerarmos a actividade do agente — isto é, o acto de falsificar o documento —já estamos perante um crime material".
O crime de falsificação protege a verdade intrínseca do documento enquanto tal, Por se entender que o crime de falsificação de factos atinge toda a sociedade entendeu-se desde sempre que o bem jurídico protegido é a fé pública.
O crime de falsificação é um crime de perigo abstracto, formal e de mera actividade.
A falsificação descrita na participação foi assim o ardil usado com vista a obter o objectivo prosseguido.
Quanto à questão de saber se o crime de falsificação fica consumido pelo crime de burla, ou se subsiste a punição autónoma por cada um dos ilícitos, cumpre dizer que o Acórdão de Fixação de Jurisprudência, veio pôr termo a tal questão declarando haver concurso real ou efectivo de crimes (cfr. Acórdão do STJ, publicado em DR de 10.07.2013).
O crime de falsificação de documento tem como bem jurídico a verdade intrínseca do documento enquanto tal, isto é, a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental, havendo tantos crimes de falsificação, quando os documentos existentes falseando a verdade e colocando em perigo a fé pública dos documentos particulares ou públicos.
Define o n.° 1 do referido Art.° 256.°, do Código Penal: "quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
d) fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante.
e) usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito."
Ora, constitui beneficio ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado, vantagem essa ilícita ou injusta, ou seja, não protegida pelas leis em vigor.
É indispensável que o agente tenha consciência que está a falsificar um documento ou a usar um documento falso e, apesar disso, queira falsificá-lo ou utilizá-lo.
Ora, resulta da factual idade dada como provada que a arguida elaborou e/ou mandou elaborar, usou e deteve os documentos acima descritos, em cinco situações distintas, e acima dadas como provadas, bem sabendo que os factos que aí constavam não tinham correspondência com a realidade, bem sabendo que, ia receber um beneficio ilegítimo — corno, de facto, recebeu — em prejuízo do património dos ofendidos. Verifica-se pois que se encontra preenchido o tipo objectivo de crime.
No que diz respeito ao tipo subjectivo, importa referir que, além do dolo genérico relativo aos elementos normativos do tipo, o crime de falsificação de documento exige ainda um dolo específico, uma vez que o agente necessita de actuar com "intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo".
A arguida sabia que tais condutas eram (e são) proibidas por lei, ao que foi indiferente, conformando a sua vontade com a verificação de tal resultado.
Actuou, pois, com dolo directo (Art.° 14° n.° 1 do Código Penal).
Inexiste qualquer causa de exclusão da culpa e da ilicitude.
Como já acima explanado, inexiste qualquer situação de crime continuado, mas sim, estamos perante cinco situação distintas, perfeitamente autónomas e cindíveis, com renovação reiterada da conduta e da resolução criminosas.
Face ao supra, impõe-se, igualmente, a condenação da arguida AA, em concurso real e efectivo, pela prática, na forma consumada, de 5 (cinco) crimes de falsificação de documento, de que se encontra, também, acusada/pronunciada.»
O crime de burla simples encontra-se tipificado no artigo 217.º nos seguintes termos:
«Artigo 217.º
Burla
1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º] e 207.º»
À “burla qualificada” reporta-se o artigo 218.º com o seguinte teor:
«Artigo 218.º
Burla qualificada
1 - Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - A pena é a de prisão de dois a oito anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
b) O agente fizer da burla modo de vida;
c) O agente se aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença;
ou
d) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 206.º
4 - O n.º 1 do artigo 206.º aplica-se nos casos do n.º 1 e das alíneas a) e c) do n.º 2.»
Conforme resulta do n.º 1 do artigo 217.º, a burla recobre situações em que o agente, com a intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que esta, por esse motivo, pratique actos que causam a si mesma (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial. O bem jurídico aqui protegido consiste, pois, no património, globalmente considerado.
São assim elementos constitutivos do tipo:
[Tipo objectivo]
- A acção típica isto é, que o agente, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determine o burlado à prática de actos que lhe causem a si ou a terceiro;
[Tipo subjectivo]
- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, ao qual acresce uma específica intenção, o dolo específico, a intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilegítimo.
Trata-se, portanto, de um crime comum – pode ter por agente qualquer cidadão –, um crime de dano – só se consuma com uma lesão efectiva do bem jurídico, com a verificação de um prejuízo efectivo no património do ofendido –, de um crime de resultado – exige a produção de um acontecimento como consequência da actividade do agente, a saída do bem do âmbito da disponibilidade de facto do lesado – e de um crime de execução vinculada – a lesão do bem jurídico que tutela ocorre em consequência de uma específica forma de actuar do agente, traduzida na utilização de um meio enganoso capaz de induzir o burlado em erro, erro este que o determina à prática de actos causadores do prejuízo, passando a execução do crime pela verificação de um duplo nexo de causalidade: entre a conduta enganosa do agente e a prática pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património, próprio ou alheio e, depois, entre estes e a verificação do prejuízo (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Scientia Juridica, Ano 1970, pág. 301, Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, 2º Vol, 1996, Rei dos Livros, pág. 539 e A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 293 e ss.) – que tutela o bem jurídico património, globalmente considerado.
Está-se aqui perante um crime de relação, um “crime com participação da vítima”, uma vez que a saída das coisas ou dos valores decorre de um comportamento do sujeito passivo.
E se é certo que, para estarmos perante um crime de burla, não bastará uma qualquer mentira do agente, já será suficiente que essa mentira, a astúcia, seja suficiente para iludir o cuidado que, no sector da actividade em causa, normalmente se espera de cada um. A experiência do dia a dia revela que a conduta do agente, longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, se limita muitas vezes, numa “economia de esforços”, ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima.
Assim, este tipo legal caracteriza-se pela disposição patrimonial, determinada por erro ou engano astuciosamente provocado, com intenção do agente obter enriquecimento ilegítimo – por sem qualquer justificação face ao direito civil - para si ou para terceiro.
Trata-se de um delito de resultado parcial ou cortado, por existir uma “descontinuidade” entre o tipo subjectivo e o tipo objectivo, em que se requer a aludida intenção de enriquecimento, mas consumando-se o crime, desde logo, com o dano patrimonial da vítima, independentemente da efectiva verificação do enriquecimento ilegítimo do agente ou de terceiro: no plano objectivo basta o prejuízo patrimonial (ou de terceiro) e no plano subjectivo exige-se que o agente actue com a intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo que não carece de concretização objectiva, bastando para o efeito que se observe o empobrecimento da vítima.
No que concerne à configuração material do crime de burla, pode este assumir duas modalidades. A primeira, ocorre quando o agente provoca o erro de outrem descrevendo-lhe por palavras ou declarações expressas uma falsa representação da realidade. A segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, através de actos concludentes, isto é, condutas que não consubstanciam, em si mesmas, quaisquer declarações, mas que segundo um critério objectivo, a saber, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros ético-sociais vigentes no sector da actividade, se mostram adequados a criar uma falsa convicção sobre certo facto.
Quanto ao elemento objectivo do tipo “erro” ou “engano” há que ter presente que o mesmo tem de ser idóneo para determinar outrem à prática de actos que lhe causem a si ou a terceiro prejuízo patrimonial.
Assim, o êxito da conduta enganosa - a realização de uma disposição patrimonial injusta - dependerá da sua capacidade para enganar a vítima provocando-lhe, deste modo, uma decisão errónea que a levará fatalmente a um prejuízo patrimonial, para si ou para terceiro, o que logicamente nos conduz à necessidade de dar um conteúdo preciso ao juízo de adequação. Nesta medida, se o erro estabelece o nível normativo de idoneidade do engano, o juízo de adequação normativo sobre a conduta terá que ter em conta as reais e concretas circunstâncias, pessoais e conjunturais, do sujeito passivo conhecidas e aproveitadas pelo autor da conduta.
A astúcia engloba os estratagemas, os ardis, os meios de iludir, mas pode corporizar-se em simples mentiras, não se exigindo a prática de atos materiais configuradores de uma mise en scène (Ac. do STJ de 24/04/2008, proferido no processo n.° 06P3057).
No que se refere à qualificação da alínea a), do n.º 2, do artigo 218º, do Código Penal, prende-se com o facto de os valores patrimoniais em causa serem consideravelmente elevados, conceito que está definido na alínea b), do artigo 202º, do mesmo diploma.
Quanto ao prejuízo patrimonial pressupõe-se uma definição de património enquanto bem jurídico tutelado.
Para tal deve partir-se do bem jurídico protegido, como elemento informador do tipo de ilícito, que se traduz “no património globalmente considerado” (A.M. Almeida e Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 275), debatendo-se diversas concepções do que seja o património jurídico penal, (concepções jurídicas, económica e económico jurídica e jurídico criminal – cf. A. M. Almeida Costa, cit.), sendo certo que se assume como relevante ou ponto de partida um conceito de património económico-jurídico, temperado ou não conforme casuisticamente ponderado com o conceito jurídico-penal de património que tende a abarcar como seu conteúdo as “posições merecedoras de tutela à luz da particular teologia do direito criminal” (A.M. Almeida Costa, ob. cit. pág. 282), perspectivando desse modo adoptar na análise um conceito objectivo-individual de dano, que leva a concluir “ pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta”, harmonizando-se assim ambos os conceitos (económico-jurídico e o conceito jurídico-criminal) - idem págs. 283/284, sendo aquele o dominante, e em face do qual o património se reconduz “ ao conjunto de todas as “situações” e “posições” com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica…” (idem, pág. 279).
Nesta linha, importa ter uma noção de património para efeitos de subsunção legal ao tipo de crime que seja suficientemente ampla, isto é, uma concepção que assuma, em definitivo, as duas vertentes do conceito: a definição civilística dos direitos subjectivos de carácter patrimonial, e a óptica penal, pela qual, o que importa é penalizar todo o comportamento de onde resulte uma diminuição de todo e qualquer direito, valor, bem, expectativa ou prestação patrimonial do ofendido.
Isto para além da discussão, que não nos importa aprofundar, sobre se, para além deste bem jurídico fundamental que preside à base da tutela penal – o património globalmente considerado - outros existem, ainda que subsidiariamente, ou, dito de outro forma, adjuvantemente, no sentido da cristalização da norma, como seriam os valores da lealdade, transparência e boa-fé das transacções, por um lado, e por outro, a capacidade de cada pessoa se determinar de forma livre e correcta nas suas disposições de carácter patrimonial.
In casu, está provado que a arguida AA, a partir de 2014 até 2017, ciente da possibilidade de obtenção de autorização de residência, através do investimento de cidadãos estrangeiros da quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), designado comummente por "visto gold", elaborou um plano, utilizando a sociedade de advogados "CL@C... Legal", da qual era legal representante, que consistia em promover os seus serviços jurídicos, bem como a aquisição de propriedades imobiliárias, junto dos mesmos.
Como parte do plano, obtidas as quantias monetárias referentes aos imóveis, a arguida, ao invés de efectuar as correspondentes escrituras de compra e venda, para as quais era mandatada, vinha a fazê-las suas, forjando informações do S.E.F. (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), cadernetas prediais e certidões permanentes dos imóveis, criando aos investidores a convicção da aquisição dos mesmos e do regular andamento do processo junto do S.E.F., por forma a não ser detectada.
Como forma de divulgação da sua suposta actividade de intermediação na aquisição de propriedades e prestação de serviços jurídicos na obtenção de vistos "GOLD", a arguida fazia publicidade na “internet”, efectuava acordos de cooperação com agências e angariadores imobiliários e deslocava-se a diversos países onde contactava com possíveis clientes, nomeadamente, na ..... e ......
Segue-se, depois, a factualidade que concretiza a realização do plano em relação a cada um dos ofendidos.
Como já se disse anteriormente, a iniciação dos processos para obtenção de “Visto Gold” e a pontual celebração de contratos-promessa não evidenciam qualquer intenção pretérita da arguida em satisfazer o pretendido pelos ofendidos, mas antes constituiram esquemas, dentro do plano criminoso, para os manter em estado de erro.
Realmente, o que se infere é que tais actuações revelam a astúcia e habilidade da arguida, consciente de que, para protelar o seu plano e evitar a descoberta, tinha de, pelo menos, realizar alguns actos tendentes à concretização dos objectivos dos ofendidos.
A propósito dos vícios decisórios invocados pela recorrente já se assinalou que o facto de a arguida já ser advogada - e não ter participado, acrescente-se, no projecto legislativo de criação dos "Vistos Gold" - não exclui que esta tenha criado um plano para enganar os ofendidos, sendo que, no que concerne ao alegado no sentido de não ter sido a arguida quem procurara os ofendidos, a factualidade provada demonstra que esta procurava, activamente, clientes com um determinado nível de vida – pontos de facto provados 3 e 23 – , criando um determinado aparato e uma imagem destinados a inspirar confiança nos mesmos.
Note-se que quando a arguida /recorrente, em Janeiro de 2015, publicitava os seus serviços na ..... para aliciar clientes (ponto de facto provado n.º 23), já havia burlado os ofendidos GG, LL, JJ e KK, o que dá conta de que essa actividade de publicitação representava, afinal, a procura activa de mais vítimas.
Como já  dissemos, é da experiência que a conduta do agente da burla, longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados, se limita muitas vezes, numa “economia de esforços”, ao que se mostra estritamente necessário para concretizar a burla. em função das características da situação e da vítima.
Ora, os factos provados, a nosso ver, revelam que a arguida praticou os actos exatamente necessários a ludibriar os ofendidos para que estes viessem a realizar actos de empobrecimento pessoal: publicitava a sua actividade (cfr. factos provados n.ºs 1 a 3 e 23) com pré-determinação e, uma vez atraídos os ofendidos, para os levar a persistir na realização de actos de empobrecimento pessoal, lograva convencê-los, através de documentos falsificados que lhes remetia, asseverando-lhes, falsamente, do bom andamento dos seus processos, a realizar novas transferências monetárias, que desviava em seu favor.
Para tanto,  aproveitou-se, das qualidades já por si detidas, que se traduzem no facto de ser advogada com experiência na concessão de "Vistos Gold" e na aquisição de imóveis, convencendo os que a procuraram para esses efeitos de que seria a pessoa indicada para cumprir os fins pretendidos, utilizando a sua suposta boa reputação, que promovia e alimentava, e a confiança nela depositada pelos ofendidos, de modo que, alimentando o engodo, os levava a efectuar diversas transferências, bem sabendo que não iria dar a essas quantias o destino pretendido.
Não estamos, pois, perante actos de ilegítima apropriação de coisa móvel entregue por título não translativo da propriedade, em que houve uma inversão, após a entrega, do título de posse ou detenção, mas antes de crimes de burla, como foi entendido pelo tribunal recorrido, o que se verifica em relação a cada um dos ofendidos nos presentes autos, incluindo GG, LL e II que a recorrente pretende excluir (com referência, na sua óptica, ao crime de abuso de confiança).
Atente-se estar provado que a arguida quis utilizar a sociedade de advogados para aparentar uma imagem de seriedade jurídica e negocial, logrando convencer os ofendidos a entregar as quantias descritas e a emitir procurações a favor da mesma para prática de actos de compra e venda de imóveis e junto das entidades competentes, nomeadamente, registos, notários, S.E.F., com o intuito de, assim, conseguir, como conseguiu, junto daqueles os valores destinados à aquisição dos imóveis e de serviços jurídicos, que fez seus, sem nunca prestar os actos para os quais havia sido mandatada, obtendo, por essa via, um enriquecimento patrimonial ilegítimo, causando nos ofendidos o correspondente prejuízo patrimonial.
Ao contrário do alegado, diz-se expressamente nos factos provados, relativamente à ofendida LL, que a arguida fez suas as quantias em causa que dissipou, no espaço de uma semana, em despesas várias, quer profissionais, quer pessoais, o mesmo se afirmando relativamente às outras ofendida.
Em conclusão: entendemos estarem preenchidos os elementos tipificadores, objectivos e subjectivos, dos crimes pelos quais as arguidas foram condenadas no acórdão recorrido, carecendo de razão a recorrente quando sustenta o contrário.
3.3.3. Coloca a arguida/recorrente a questão da unidade ou pluralidade de ilícitos criminais.
Sustenta estarem verificados todos os elementos essenciais à aplicação do instituto do crime continuado quanto a todas e cada uma das condutas por si levadas a cabo.
Vejamos.
A lei substantiva penal vigente regula a problemática do concurso de crimes, do crime continuado e do crime único constituído por uma pluralidade de actos ou acções no artigo 30.º do Código Penal, sob a epígrafe de «Concurso de Crimes e Crime Continuado», traduzindo o pensamento desde há muito expresso pelo Professor Eduardo Correia, na sua obra Unidade e Pluralidade de Infracções - Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz.
Da análise do referido preceito, verifica-se que o mesmo estabelece critérios de distinção entre unidade e pluralidade de infracções, a partir dos quais caberá à doutrina e à jurisprudência encontrarem as soluções mais adequadas, tendo em vista a multiplicidade de situações que se prefiguram.
Enquanto no n.º 1 do artigo 30.º estabelece critérios relativos à problemática do concurso de crimes «tout court», no n.º 2 regulam-se situações que também têm a ver com a pluralidade de crimes, mas que o legislador juridicamente unifica como um só crime.
Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, sendo certo que o n.º1 do artigo 30.º sofre duas importantes ordens de restrições: os casos de concurso aparente de infracções e de crime continuado.
Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores, ou é várias vezes violado o mesmo preceito. Mas esta plúrima violação é tão-só aparente, porquanto resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento, ou que a mesma norma deve funcionar uma só vez. Apontam-se diversas regras, das quais as mais indiscutidas são as da especialidade e da consunção, para delimitar estes casos.
Por sua vez, nos casos de crime continuado está em causa a prática repetida do mesmo tipo legal de crime, ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Este último elemento constitui o fundamento da unificação criminosa: a diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, ou sempre que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado.
Saliente-se que o elemento unificador das condutas numa continuação criminosa consiste na diminuição de culpa do agente e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa.
Como se assinala no acórdão do S.T.J., de 23 de Janeiro de 2008, processo 07P4830, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente.
A propósito destas matérias ensina Eduardo Correia, em Direito Criminal II, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra – 1971, § 10.°, 35, p. 201 e seg.:
 “O problema é evidentemente, o da determinação da ilicitude material. (…) para que uma conduta se possa considerar como constituindo uma infracção não basta, como sabemos, que seja antijurídica; é ainda necessário que seja culposa, que possa ser reprovada ao agente. Ora pode acontecer que o juízo concreto de reprovação tenha de ser formulado várias vezes em relação a actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal de crime, a actividades, portanto, que encarnam a violação do mesmo bem jurídico. E encontramos, assim, a culpa como elemento limite da unidade de infracção; a unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes.
Como, porém, determinar a existência de uma unidade ou pluralidade de juízos de censura?
O critério será
 “(…) o de considerar a forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. E justamente no sentido de que para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.”
E acrescenta (36, p. 203 e segs):
“(…) a unidade ou pluralidade de tipos legais a que pode subsumir-se uma certa relação da vida constitui o critério decisivo para fixar a unidade ou pluralidade de infracções. Mas, assim como da violação de uma só norma ou de um só artigo da lei penal não é lícito, sem mais, concluir pela realização de um só tipo e portanto de um só crime, do mesmo modo a violação de várias disposições pode só aparentemente indicar o preenchimento de vários tipos e a correspondente existência de uma pluralidade de infracções. E por aqui somos conduzidos ao estudo do chamado concurso aparente de infracções.
Por sua vez, em contraposição às situações em que se verificam várias resoluções criminosas – e de todas as vezes que o agente resolve agir contra o comando de uma norma jurídica, tal significa que, de todas essas vezes, esse comando se mostrou ineficaz -, mas em que se admite, nos pressupostos do artigo 30.º, n.º 2, a sua unificação num único crime continuado -, temos aquelas em que, a existência de várias condutas objectivamente típicas agregadas em função de uma única resolução criminosa, conduzem ao cometimento de um único crime. Mas para que tal aconteça necessário é que se mostre provada a existência de uma única resolução criminosa.
O crime continuado, como refere Figueiredo Dias Direito Penal Português, As consequências do crime, Aequitas, 1993, pág. 296., integra uma unidade jurídica construída sobre uma pluralidade efectiva de crimes. Perante uma repetição de factos de significado penal equivalente, com um nexo de continuidade, a ordem jurídica estipula a consideração dessa continuação de delitos como um único facto, no sentido jurídico-penal, ou seja, como uma unidade jurídica de acção, a sancionar da mesma forma que o concurso ideal.
Por sua vez, Eduardo Correia refere (ob. cit., págs. 210 e 211) que «pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito».
Mais adiante, a propósito da exigência da conexão espácio-temporal, o mesmo autor volta a acentuar que a ideia fundamental e que legitima a figura é a da diminuição considerável da culpa e que a ligação entre as condutas relevante é a interior, podendo servir a conexão exterior para a afastar.
Num caso como o dos autos, em que a arguida/recorrente gizou um plano criminoso, emergindo a reiteração criminosa como resultado da concretização / desenvolvimento desse plano e não como efeito de uma pressão «exterior», é evidente, a nosso ver, que não tem cabimento o enquadramento das condutas da arguida numa continuação criminosa.
Veja-se, a este propósito, o acórdão do S.T.J., de 8 de Novembro de 2007, processo 07P3296, onde se pode ler:
«A circunstância de se verificar a repetição do modus operandi utilizado não permite configurar algum dos índices referidos pela Doutrina, v.g. «a perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa». Na verdade, a matéria de facto apurada não permite afirmar que foi a perduração do meio apto que levou ao cometimento de novos crimes, assim diminuindo a culpa do agente, antes se pode afirmar que o esquema de realização do facto foi gizado exactamente pelas potencialidades que oferecia na maior eficácia em plúrimas ocasiões, o que agrava a responsabilidade criminal.
Considerações que conduzem ao afastamento de um outro requisito da figura do crime continuado: protelamento no tempo das diversas decisões de cometimento de crimes.
Ou seja, o arguido não decidiu cometer novos crimes por dispor do esquema prático de execução que criara, antes está provado que construiu esse esquema para poder cometer múltiplos crimes.
O que só por si, afastaria a unificação da sua conduta num crime continuado.
É de concluir no caso, como já o fez este Supremo Tribunal em outra ocasião, pela existência de concurso real de crimes quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem e arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa.
Assim o decidiu já este Supremo Tribunal, designadamente, nos Acs. de 29.11.2001 e de 9.6.05 (procs. n.ºs 3116/01-5 e 1302/05-5, ambos com o mesmo Relator), com o seguinte sumário:
“1 - Os elementos que preenchem e informam a tipicidade do crime de burla são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. Por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima. É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
2 - Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, não sendo, no entanto, inevitável que se trate de processos rebuscados ou engenhosos, podendo o burlão, numa "economia de esforço", limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta. (…)
4 - Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente, cuja génese se encontra na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente.
5 - Se o arguido concebe um esquema de burlar várias pessoas que depois concretiza em múltiplas ocasiões, não se configura uma situação exterior ao agente que o impeliu à repetição das condutas criminosas nem a mencionada diminuição de culpa, antes resulta uma agravação dessa culpa, face à repetição das condutas pensadas e decididas ab initio.
6 - É que não foi a perduração do meio apto que levou ao cometimento de novos crimes, assim diminuindo a culpa do agente, mas o esquema de realização do facto foi gizado exactamente pelas potencialidades que oferecia na maior eficácia em plúrimas ocasiões, o que agrava a responsabilidade criminal.”
Não são, assim, unificadas as condutas do arguido num crime continuado de burla
Estando demonstrado que a arguida desenvolveu a sua actividade criminosa no âmbito de um plano/esquema previamente estabelecido tendo em vista burlar várias pessoas, não vislumbramos como justificar a pretensão de que existiu uma mesma situação exterior que diminuiu consideravelmente a sua culpa.
Ademais, dificilmente se poderia decidir pelo crime continuado quando se assiste a um desígnio inicialmente formado de defraudar, factor não compaginável com a conclusão de que hajam sido as circunstâncias exteriores que determinaram a arguida a um repetido sucumbir. Desígnio, esse, contudo, que por via da pluralidade de resoluções criminosas de realização do projecto criminoso não permite a recondução das várias acções a um único crime.
O facto de a arguida ser advogada, contrariamente ao que se pretende levar a crer, não depõe no sentido da continuação criminosa, agravando a sua culpa em lugar de a diminuir.
Atente-se, a este propósito, que a conduta levada a cabo pela arguida, em relação a cada um dos assistente, iniciou-se em ocasiões perfeitamente delimitáveis e distanciadas no tempo, separadas por períodos desde 1 mês a mais de 1 ano (considerando o início da consumação).
Estando demonstrado que a arguida desenvolveu a sua actividade criminosa no âmbito de um plano/esquema previamente estabelecido, poder-se-á questionar se a esse plano, a esse desígnio, corresponde uma unidade de resolução criminosa (a nosso ver, questão distinta da continuação criminosa)
Como se refere no acórdão do S.T.J., de 20 de Setembro de 2006, processo 03P4425, são dois os critérios que têm sido seguidos e defendidos pela doutrina para encontrar a forma de distinguir as situações em que se deve considerar um só crime constituído por uma pluralidade de actos ou acções e a figura do crime continuado.
Lê-se nesse aresto (transcrição sem notas de rodapé):
«O primeiro - critério objectivo - parte da posição sustentada por Carrara, o qual após advertir que a unidade de tempo não tem carácter absoluto humanamente considerada, nos diz, com aparente ambiguidade, que o critério distintivo da continuação ou descontinuidade criminosa reside no seguinte: «se os actos são materialmente continuados, com mais facilidade se dirá que não são juridicamente continuados; se constituem diversos momentos de uma só acção criminal teremos um crime único. Se são materialmente descontinuados, de modo a que haja um intervalo que represente interrupção da acção criminal, poder-se-á aceitar mais facilmente a ideia, não só de vários actos, mas também de várias acções distintas e excluir assim o crime único para reconhecer a ocorrência de vários crimes, caso existam diversas resoluções; o crime continuado só ocorrerá se se verificou unidade de determinação».
Daqui se deduz que para o insigne (…) é na descontinuidade que se encontra o critério distintivo entre o crime continuado e o crime único com pluralidade de actos.
O segundo - critério subjectivo - tem por referência a intenção do agente, sendo seu lídimo representante Pilitu.
Haverá crime único, com pluralidade de actos, caso ocorra unidade de desígnio e intenção criminosa. Por sua vez, estaremos perante crime continuado se se verificar unidade de desígnio e pluralidade de resolução criminosa.
Fazendo apelo à conjugação destes dois critérios vêm-se orientando a doutrina e a jurisprudência alemãs. Assim, refere Jescheck que: “deve-se ter por verificada uma acção unitária quando os diversos actos parcelares correspondem a uma única resolução de vontade e se encontram tão vinculados no tempo e no espaço que para um observador não interveniente são tidos como uma unidade”.
Entre nós a voz autorizada do Professor Eduardo Correia parece que se inclinou no sentido do critério objectivo (mitigado, já que não prescinde de considerações de índole subjectiva, por certo face às dificuldades de prova sobre a intenção do agente), ao referir que: “... verificado que entre as actividades do agente existe uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência comum e as leis psicológicas conhecidas, se deva presumir tê-las executado a todas sem renovar o respectivo processo de motivação, estamos em presença de uma unidade jurídica, de uma só infracção”.
Por sua vez, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores não é pacífica, já que enquanto nalgumas decisões se vem optando pelo critério subjectivo, noutras vem-se enveredando pelo critério objectivo.»
A nosso ver, conforme afirmado diversas vezes pela jurisprudência, existe unidade de resolução criminosa quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que as várias acções foram executadas em resultado de uma só deliberação, sem ter o agente de renovar o seu propósito e respectivo processo de motivação.
A actuação da arguida dada como provada, subordinada a um plano previamente estabelecido, não define uma unidade de resolução criminosa, pois não se vê como poderia esta permanecer intacta no tempo, ao longo dos anos que foram abrangidos pelas repetidas condutas da arguida. Não se vislumbra, pois, como sustentar a verificação do preenchimento de um só crime de burla constituído pelas diversas acções praticadas pela arguida ao longo desse tempo.
A unidade de desígnio expresso num esquema criminoso, em que o agente estabelece um esquema prático para cometer, futuramente, múltiplos crimes, é inteiramente compatível com a pluralidade de resoluções criminosas.
A entender-se de outro modo, quem organizasse pessoas e meios, de acordo com um plano previamente gizado, com o propósito de vir a praticar crimes de burla, de furto ou falsificação de documentos para posterior venda dos mesmos a terceiros, visando obter proventos económicos, praticaria necessariamente um só crime de burla, de furto ou de falsificação de documentos, independentemente do número de acções e de vítimas e da temporalidade entre a primeira conduta e a última.
São as próprias circunstâncias em que ocorreram os factos e que ficaram provadas que revelam que não houve uma única resolução criminosa, mas várias renovações do desígnio criminoso, ainda que a arguida tenha utilizado essencialmente similar “modus operandi”, na prossecução do plano criminoso previamente gizado – em relação a cada operação e a cada vítima, a arguida necessariamente renovou a vontade de cometer o crime. A ideia de que todos esses actos dependeram de uma única resolução criminosa, apenas por serem concretização de um esquema criminoso previamente gizado pela arguida tendo em vista burlar um número indeterminado de pessoas, não tem correspondência razoável no teor dos factos provados, pois cada actuação teve um momento decisivo de manifestação de vontade que lhe era relativo e que consubstancia a renovação do propósito criminoso.
Vista a factualidade no plano não já da unidade de resolução configuradora de um único crime, mas antes no plano da pluralidade criminosa unificada num crime continuado, entendemos faltarem, pelas razões supra expostas, os pressupostos da continuação crimionosa, designadamente, a solicitação exterior mitigadora da culpa.
Não pode, pois, ser reconhecida razão à arguida/recorrente, seja quanto aos crimes de burla, seja quanto aos crimes de falsificação.
3.3.4. A arguida questiona o tipo de punição pelos crimes de falsificação de documentos, entendendo que o tribunal deveria ter optado por multa.
Seguidamente, passa a questionar a determinação das penas concretas, parcelares e conjunta.
Lê-se no acórdão recorrido:
«Escolha e determinação tia medida da pena:
Assente que está que a arguida praticou, na forma consumada, em concurso real e efectivo, 10 (dez) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal e 5 (cinco) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo Art.° 256.°, n.° 1, do Código Penal, há que proceder à escolha e determinação da medida das penas que, em concreto, lhe devem ser aplicadas.
O crime de burla qualificada é punido com uma pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão.
O crime de falsificação de documento é punido com pena de 10 (dez) dias a 360 (trezentos e sessenta)flias de multa ou com nena de 1 (um) mês a 3 (três) anos de prisão.
Logo, só sendo o crime de burla qualificada punido com pena de prisão, resta fixar a dosimetria em concreta das penas de prisão.
Quanto ao crime de falsificação de documento impõe-se, previamente, a ponderação da aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão.
Para haver responsabilização jurídico-penal do arguido não basta a mera realização por este de um tipo-de-ilícito (facto humano anti-jurídico e correspondente ao tipo legal), torna-se necessário que aquela realização lhe possa ser censurada como culpa, o mesmo é dizer, que aquele comportamento preencha também um tipo-de-culpa (como se referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, vol. I, 2002, p. 205).
De acordo com o Art.° 40.°, n.° 2, do Código Penal «A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa», sendo a culpa um dos elementos fundamentais em sede de aplicação de penas. A punição visa a protecção dos bens jurídicos e a intimidação para a prática de futuros delitos (prevenção geral positiva e negativa) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), cfr. n.° 1 do Art.° 40.º, do Código Penal. Tais finalidades, de acordo com o que preceitua o Art.° 40.°, n.° 1, do citado Código, são a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo, em caso algum, a pena exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal que é a dignidade humana (cfr. Art.° 40.°, n.° 2, do Código Penal). Estatui o Art.° 71.º, n.° 1 do Código Penal que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Importa, por isso, ponderar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que, este tipo de crime assume relevantes proporções, com graves consequências, no seio da comunidade, para além de situações análogas à dos autos sucederem com grande frequência, especialmente nesta comarca, o que provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma necessidade acrescida de dissuadir a prática destes factos pela generalidade das pessoas e de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes.
A ilicitude assume intensidade elevada, atentas as consequências dela resultantes no que respeita à lesão de bens de índole patrimonial, mas que afectam também a esfera pessoal dos lesados.
O dolo, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção, assume intensidade significativa, por revestir a sua modalidade mais intensa, de dolo directo.
Nestes termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura penal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legitimas expectativas da comunidade, com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena, sem colocar em causa a sua função de tutelar bens jurídicos.
Por outro lado, a culpa fornecerá o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção — a culpa como fundamento da pena e não como finalidade.
Dir-se-á, assim, que a culpa é a ratio da pena.
Dentro dos limites abstractamente definidos na lei, a medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se igualmente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele (cfr. Arts.° 71.0, n.°s 1 e 2, e 40.°, n.° 1, do Código Penal).
É com base neles que ao juiz cabe "uma dupla (ou tripla) tarefa, dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislada•. Determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados como provados no processo. Em seguida, encontrar, dentro desta moldura penal, o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenada Ao lado destas operações — ou em seguida a elas -, escolher a espécieou o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz", assim o ensina o Prof. Jorge Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, pág. 193.
No respeitante à culpa da arguida, deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, sob pena de haver uma dupla valoração da culpa, depuserem a favor ou contra a arguida, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que o determinaram e as suas condições pessoais.
Com efeito, têm de ser ponderadas, de forma equilibrada, todas as circunstâncias para a individualização das penas aplicadas à arguida.
Assim, nas circunstâncias que antecederam, contemporâneas ou posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, têm de ser ponderadas as circunstâncias, desfavoráveis e as favoráveis:
As primeiras:
- o grau elevado de ilicitude dos factos, atendendo ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram e o período de tempo em que os mesmos foram praticados, entre 2014 a 2017;
- a existência, e sempre, de dolo directo (na sua forma mais intensa);
- a ausência de comportamentos exteriores consentâneos com a interiorização do desvalor da conduta e de censurabilidade dos seus comportamentos;
- a assunção de uma postura auto complacente e de auto justificações;
- o facto de a arguida ser advogada, por ter sido nessa qualidade e por causa dela, que os factos foram praticados, impendendo sobre a mesma especiais de deveres de zelar pelos interesses dos demandantes/assistentes, para além dos deveres éticos e deontológicos que deviam ter sido especialmente levados a cabo pela arguida, o que agrava as suas condutas, visto que requer maior energia criminosa;
- a circunstância de os assistentes/demandantes serem estrangeiros, residentes no estrangeiros e sem qualquer domínio sobre a língua portuguesa, o sistema jurídico português e sobre os procedimentos subjacentes à compra/venda de imóveis, o que agrava o carácter reprovável e censurável das condutas da arguida, explorando as vulnerabilidade que advinham das barreiras linguísticas e distância física/geográfica;
- a inexistência de ressarcimento dos ofendidos, denotando a arguida uma postura de indiferença para com as consequências pessoais e familiares por aqueles vivenciadas e absoluto alheamento quanto às repercussões patrimoniais, assumindo uma atitude exclusivamente movida pelos seus egotistas interesses e satisfação das suas necessidades e vontades (sendo que o ressarcimento parcial do prejuízo patrimonial sofrido pela demandante GG proveio do montante transferido pelo demandante FF, como se provou, o que reforça a convicção do Tribunal no sentido da extrema gravidade das condutas preconizadas pela arguida, dada a facilidade, a ligeireza e a rapidez com que se predispõe a utilizar tais quantis para os fins que bem entendia e que somente visavam a satisfação das suas necessidades e interesses).
A favor da arguida depõem as seguintes circunstâncias:
- o reconhecimento de algum dos factos, embora de forma parcial e com muitas reservas;
- a integração social, familiar e pessoal;
- a imagem de respeitabilidade e empenho/brio/eficiência profissionais junto dos pares e no seio das suas relações pessoais e sociais;
- o facto de nada constar do seu certificado de registo criminal;
- a circunstância de, na actualidade, ter a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa;
- a doença bipolar, com perturbação narcísica da personalidade de que padece, mas, e em contraponto, do que a arguida estava perfeitamente ciente, dado o hiato temporal em que a mesma já lho tinha sido diagnosticada, e a arguida insistiu em ter contacto com clientes e em receber destes avultadas quantias monetárias, renovando sistema e reiteradamente a sua conduta ilícita.
Ora, a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável e de gravidade extrema, visto que a conduta da arguida denotou total desrespeito pelas normas penais vigentes, bem como os crimes em causa se revestem de particular gravidade e são profundamente atentatórios dos bens jurídicos fundamentais, como são os bens patrimoniais e as inerentes repercussões nas esferas jurídicas dos lesados, para além, da violação da tutela da confiança e da aparência subjacente aos documentos que foram objecto de falsificação, o que mina a segurança das relações negociais e sociais, sendo especialmente atentatório dessa paz jurídica quando está em causa o exercício nobre de uma actividade profissional como o da advocacia e a confiança que os representados depositam na representante, por seu sua advogada.
Assim, conclui-se serem por demais prementes as necessidades de prevenção especial que urge acautelar de forma eficaz e adequada, mas justa.
Com efeito, a arguida denota um persistente e reiterado desrespeito pelos valores jurídicos penalmente tutelados, desde logo, atenta a sua postura de alheamento e de indiferença para com os ofendidos, as suas situações e os prejuízos que sofreram, por motivos exclusivamente imputáveis à vontade da arguida, e que esta não reconhece enquanto tal, procurando sempre alijar a responsabilidade das suas decisões, o que denota, claramente, uma ausência de interiorização do desvalor das condutas e desprezo pelas normas penais incriminadoras dos crimes sob colação, não denotando nem autocrítica, nem interiorização do desvalor dos seus comportamentos, como se os prejuízos causados aos ofendido fossem fruto do acaso ou de uma qualquer aleatoriedade negociai, o que, manifestamente, não foi o caso, dado que a arguida se apossou desses valores, empobrecendo os ofendidos, determinados através do esquema fraudulento e ardiloso, pois, veja-se, que quanto a estes ofendidos, entre 2014 a 2017 nenhum deles logrou formalizar o negócio/investimento pretendido, com base nos valores transferidos para a arguida, e nenhum, por força desse mesmo investimento, logrou obter o "visto gold".
Desde já, no que tange aos crimes de falsificação o tipo penal admite em alternativa a aplicação de uma pena de prisão ou uma pena de multa.
Neste contexto, atendendo ao disposto no Art.° 70.°, do Código Penal, entende o Tribunal que, para exprimir um juízo de censura pelas condutas da arguida não se mostra suficiente, nem adequada a aplicação de uma pena de multa, dado ter o Tribunal a convicção de que uma pena de multa não cumprirá de forma plena as finalidades da punição, não se contribuindo para a reintegração da arguida na comunidade onde se insere, dissuadindo-a de forma positiva de praticar novos factos criminosos, o que só será alcançado pela condenação em pena de prisão.
Pois, devemo-nos nortear sobretudo pelos fins das penas na sua vertente de prevenção especial, promovendo-se a reintegração da arguida e a sua ressocialização, o que só será manifestamente atingido pela aplicação de uma pena de prisão, pelo que, se afasta, por não salvaguardar os fins das penas, a pena de multa, relativamente aos cinco crimes de falsificação, pelos quais vai condenada.
Em face das circunstâncias expostas, entende-se ser adequado, justo e consentâneo quer com as finalidades ínsitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, aplicar à arguida uma pena de 1 (um) ano de prisão pela prática, em concurso real e efectivo, de cada um dos cinco crimes de falsificação de documento, entendendo-se inexistir circunstância distintiva que justifique uma medida de pena diferenciada para cada um deles.
No que aos 10 (dez) crimes de burla qualificada se reporta, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos Arts.° 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea a), com referência ao Art.° 202.°, alínea b), todos do Código Penal, afigura-se que as finalidades inerentes à punição exigem penas distintas para os crimes, desde logo, atendendo à disparidade diferencial dos valores dos prejuízos, assim, entende-se ser adequado, arrazoado e condizente quer com as finalidades ínsitas à punição, quer com a medida da culpa e da consciência da ilicitude, pela prática, em concurso real e efectivo, aplicar à arguida:
- a pena de 3 (três) anos de prisão relativamente aos factos referentes ao ofendido BB, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold", com base no valor transferido para as arguidas;
- a pena de 3 (três) anos de prisão no que se reporta à factualidade relativa ao ofendido CC, para além do valor do prejuízo patrimonial sofrido e a inviabilização do "visto gold", com base naquele investimento transferido para as arguidas, surge igualmente como circunstância agravante, o facto de a expectativa ter sido tão convictamente engendrada pela arguida AA que o ofendido se deslocou para Portugal aqui vivendo em habitação arrendada;
- a pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de prisão, relativamente aos factos referentes ao ofendido DD; atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold";
- a pena de 3 (três) anos de prisão no que diz respeito aos factos referentes ao ofendido EE, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold";
- a pena de 4 (quatro) anos de prisão no que concerne ao ofendido FF, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold";
- a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, no que tange à factualidade relativa à ofendida GG, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold", surgindo como circunstância mitigante o ressarcimento parcial, embora com a canalização indevida do valor transferido por outro ofendido;
- a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, relativamente aos factos referentes à ofendida HH, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold", impondo-se ter em consideração igualmente a circunstância agravante do engodo com as rendas e despesas inerentes à suposta propriedade transferida;
- a pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão no que diz respeito à factualidade relativa à ofendida II, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold", surgindo ainda como circunstância que milita contra a arguida todo o estratagema habilmente criado, e com maior energia criminosa, dado o grau de sofisticação do engano gerado pela arguida AA, no sentido de dar a aparência da transferência de propriedade do imóvel para a esfera jurídica total e plena desta ofendida, para além da afirmação no sentido que os "vistos gold" tinham sido deferidos, do que a arguida estava bem ciente da importância pessoal e crucial que representavam para esta ofendida;
- a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão em relação aos factos relativos aos ofendidos JJ e KK, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, inexistindo processo de "visto gold" associado, o que torna a conduta objectivamente menos censurável, em comparação com as demais situações, dado que, o prejuízo adveniente das condutas das arguidas têm um impacto pessoal e familiar de menor relevância e, consequentemente, com inferior ressonância criminal;
- a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, no que tange à ofendida LL, atendendo ao valor em concreto do prejuízo, para além da inviabilização do "visto gold".
Do cúmulo jurídico:
Considerando que a arguida vai condenada, em concurso real e efectivo, em penas da mesma natureza, penas de prisão, importa efectuar o cúmulo e condenar a arguida numa pena única.
Na medida concreta da pena única resultante da aplicação das regras do concurso de crimes deverá o Tribunal ter em conta os factos e a personalidade da arguida, bem como os fins de prevenção quer geral, quer especial (cfr. Art.° 77.°, do Código Penal).
Ora, a factualidade sob colação revela-se de elevada gravidade e intensa censurabilidade, denotando a condutas da arguida um absoluto alheamento pelos ofendidos, pelos deveres éticos e deontológicos que especialmente sobre si impendiam (relação advogado/cliente), revelando um total desrespeito pelos valores jurídicos e axiológicos vigentes, bem como os crimes em causa são profundamente atentatórios dos valores penais vigentes, tanto mais que a arguida não assume uma postura de franca e genuína contrição que fosse denotativa de um processo de interiorização do desvalor da conduta, antes revelando um discurso autocentrado e desculpabilizante.
Por outro lado, e em seu benefício, nada consta do certificado de registo criminal da arguida, o que atenua as necessidades de prevenção especial, atendendo, desde logo, à sua idade, bem como pugna em seu favor a circunstância da mesma se encontrar devidamente inserido em termos sociais, familiares e pessoais, sendo que ponderou igualmente a doença bipolar II, associada a perturbação narcísica da personalidade, sendo que tal, nem ligeiramente, afecta a sua capacidade de autodeterminação, de avaliação da ilicitude dos actos e a ponderação quanto às consequências.
Assim, operando o cúmulo jurídico entre o mínimo de 4 (quatro) anos, o máximo concretamente aplicado, a soma das duas penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar o limite máximo legalmente estabelecido de 25 (vinte e cinco) anos (cfr. Art.° 77.°, do Código Penal), julga-se adequada, justa e consentânea com os fins das penas e do instituto do cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
Atenta a medida concreta da pena única de prisão a mesma não admite, nos termos legalmente consagrados, qualquer outra forma de cumprimento que não seja a de prisão efectiva, em contexto prisional, sendo certo que, as finalidades inerentes à punição e a gravidade dos crimes praticados nunca seriam coadunáveis qualquer outra forma de cumprimento da pena.»
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cfr., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).
Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exacto de pena.
O juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para finalmente escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida, tendo em vista as penas de substituição que a lei prevê.
Nos termos do disposto no artigo 70.º do Código Penal, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa. Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.
De seguida, importará determinar a concreta medida da pena por que se optou, dentro dos limites definidos na lei, tendo em consideração para o efeito, a culpa do agente e as exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este (artigo 71.º do Código Penal).
Determinando-se uma concreta pena principal, haverá que verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
No caso em apreço, aos crimes de falsificação corresponde pena compósita alternativa de prisão ou multa, tendo o tribunal recorrido optado pela pena de prisão.
Tal escolha não nos merece qualquer censura.
Não procede o argumento de que os crimes de falsificação se destinaram a encobrir os crimes de burla, sendo que estão em causa tipos de crime diferentes e que tutelam bens jurídicos distintos.
Os factos são de inegável gravidade, como muito assinaláveis são as exigências de prevenção.
A arguida não tem antecedentes criminais registados em Portugal, ainda que haja sido condenada no ….. numa pena de seis anos de prisão, pela qual foi emitido mandado de detenção europeu a que não foi dado cumprimento por decisão do S.T.J.
No que concerne à alegada conformidade com o Direito da conduta posterior da arguida, importa ter presente as medidas de coacção de prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação sofridas pela mesma.
Finalmente, tendo de ser a arguida condenada por crimes de burla qualificada, que não admitem pena compósita alternativa de prisão ou multa, havendo lugar, no fim, à realização de cúmulo jurídico, não seria curial a opção por penas de multa quanto aos crimes de falsificação, as quais, independentemente disso, não se mostram minimamente aptas à realização, de forma adequada e suficiente, das finalidades da punição.
Quanto à determinação das penas parcelares concretas.
Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 227 e segs.).
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:
Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.
De acordo com o referido artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial.
Não devendo a pena ultrapassar o limite imposto pela culpa, deve cumprir as exigências de prevenção geral e especial atenta a gravidade dos crimes cometidos.
O tribunal recorrido ponderou:
- o grau elevado de ilicitude dos factos, atendendo ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram e o período de tempo em que os mesmos foram praticados, entre 2014 a 2017;
- a existência, sempre, de dolo directo;
- a ausência de comportamentos exteriores consentâneos com a interiorização do desvalor da conduta e de censurabilidade dos seus comportamentos;
- a assunção de uma postura autocomplacente e de autojustificações;
- o facto de a arguida ser advogada, por ter sido nessa qualidade e por causa dela, que os factos foram praticados, o que significa que sobre a mesma impendiam especiais de deveres de zelar pelos interesses dos demandantes/assistentes, para além dos deveres éticos e deontológicos inerentes a essa actividade profissiona, o que agrava as suas condutas, visto que requer maior energia criminosa;
- a circunstância de os assistentes/demandantes serem estrangeiros, residentes no estrangeiros e sem qualquer domínio sobre a língua portuguesa, o sistema jurídico português e sobre os procedimentos subjacentes à compra/venda de imóveis, “o que agrava o carácter reprovável e censurável das condutas da arguida, explorando as vulnerabilidade que advinham das barreiras linguísticas e distância física/geográfica”;
- a inexistência de ressarcimento dos ofendidos, “denotando a arguida uma postura de indiferença para com as consequências pessoais e familiares por aqueles vivenciadas e absoluto alheamento quanto às repercussões patrimoniais, assumindo uma atitude exclusivamente movida pelos seus egotistas interesses e satisfação das suas necessidades e vontades (sendo que o ressarcimento parcial do prejuízo patrimonial sofrido pela demandante GG proveio do montante transferido pelo demandante FF, como se provou, o que reforça a convicção do Tribunal no sentido da extrema gravidade das condutas preconizadas pela arguida, dada a facilidade, a ligeireza e a rapidez com que se predispõe a utilizar tais quantis para os fins que bem entendia e que somente visavam a satisfação das suas necessidades e interesses).”
A favor da arguida o tribunal a quo considerou:
- o reconhecimento de algum dos factos, embora de forma parcial e com muitas reservas;
- a integração social, familiar e pessoal;
- a imagem de respeitabilidade e empenho/brio/eficiência profissionais junto dos pares e no seio das suas relações pessoais e sociais;
- o facto de nada constar do seu certificado de registo criminal;
- a circunstância de, na actualidade, ter a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa;
- a doença bipolar, com perturbação narcísica da personalidade de que padece, mas assinalando, em contraponto – “do que a arguida estava perfeitamente ciente, dado o hiato temporal em que a mesma já lho tinha sido diagnosticada, e a arguida insistiu em ter contacto com clientes e em receber destes avultadas quantias monetárias, renovando sistemática e reiteradamente a sua conduta ilícita.”
As necessidades de prevenção geral positiva, determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e conferindo segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada, são, diversamente do alegado, muito significativas, em nada sendo abalado este juízo pela menção a uma alegada diminuição em 4,7% da prática dos crimes em questão entre 2018 e 2019 e a desvalorização que a arguida faz dos crimes “por serem de âmbito puramente patrimonial” não procedendo, outrossim, a argumentação com base nos momentos temporais em que se verificou a consumação de cada um dos ilícitos.
No que toca à questão da imputabilidade/imputabilidade diminuída, já se disse o que importava supra, a propósito do relatório pericial e da sua apreciação pelo tribunal a quo, sendo certo que o acórdão recorrido considerou a doença bipolar, com perturbação narcísica da personalidade de que a arguida sofre, entre as circunstâncias a seu favor, ainda que sem a carga atenuativa por que a arguida pugna.
Recordamos, uma vez mais, o que o tribunal recorrido disse:
«Quanto à questão suscitada pela arguida atinente à eventual imputabilidade diminuída, resulta gritantemente patente do teor vertido no relatório da Perícia Médico-Legal Psiquiatria Colegial, constante de fls. 4742 a 4747, a conclusão unânime, e sem qualquer ressalva, pela imputabilidade da arguida.
Com efeito, consta, além do mais, do teor de tal relatório, salienta-se redigido e assinado por unanimidade, que se dá integralmente por reproduzido que: "Pelo exposto, no caso em concreto, e apesar da presença dos quadros descritos, não foram detectados sintomas abnormes que pudessem de alguma forma enviesar a leitura que a arguida fazia da realidade circundante. Nesse sentido, e apesar de se admitir a presença das referidas anomalias psíquicas, não foram apuradas quaisquer características com as mesmas relacionadas que, no entender pericial, ou estritamente técnico-científico, diminuíssem, sequer a nível ligeiro, a capacidade da arguida para avaliar a ilicitude dos factos em análise. (1..) Assim, consideramos que a anomalia psíquica de que padece não interferiria na sua capacidade de se autodeterminar perante a avaliação feita da ilicitude dos actos.
Pelo exposto, a provarem-se os factos pelos quais se encontra acusada, à data dos mesmos, não apuramos evidência de que não estivesse mantida a capacidade de avaliação da ilicitude dos seus actos, bem como a capacidade de autodeterminar perante tal avaliação, pelo que, no nosso entender estão presentes pressupostos médico-legais de IMPUTABILIDADE".
Ou seja, do relatório pericial colegial nada resulta que suscite qualquer dúvida quanto à imputabilidade da arguida, afastando-se inclusivamente qualquer diminuição, mesmo que ligeira, que atingisse a sua capacidade para se autodeterminar e de avaliar a ilicitude dos factos e das suas consequências, o que se analisou, ponderou e inequivocamente se concluiu, sem qualquer ressalva, reserva, nem adversativa por qualquer uma das peritas médicas subscritoras de tal meio de prova com carácter pericial, não tendo, por este fundamento, sido abalada a sua ínsita objectividade, clareza e credibilidade com os demais relatórios/declarações médicos que pessoalmente (e parcialmente) assistem a arguida.
Como, aliás, sai o relatório pericial médico legal reforçado quer pelo discurso coerente e coeso da arguida manifestado aquando das declarações reproduzidas e prestadas, quer pelas transcrições advenientes das intercepções telefónicas autorizadas e validadas nos autos.
Por outro lado, aquando da avaliação levada a cabo pelos serviços de Reinserção Social, para efeitos de execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, em sede problemáticas de saúde, apenas se fez menção a um problema dentário, sendo "ainda ponderada a necessidade, por parte da arguida, poder vir a beneficiar de apoio ao nível psicológico,", ou seja, aquando da reclusão da arguida nada se percepcionou com o apregoado estado de impossibilidade em prestar declarações por motivos de saúde (cfr. fls. 1912 a 1915).
E, na nova informação de avaliação para esse fim (cfr. fls. 3403 a 3406), de Outubro de 2018, onde se constatou que "globalmente não apresenta problemas de saúde. Coloca-se a eventual necessidade da arguida poder ter que se deslocar a um consultório de medicina dentária, e salientam-se as necessidades de acompanhamento psiquiátrico, não se descartando a possibilidade das consultas se realizarem no domicílio."
(…)
Sem olvidar que, as declarações que arguida prestou em sede de audiência de julgamento se revelaram intrinsecamente coerentes com as suas pretensões, não denotando qualquer vestígio de discurso pobre, de bloqueio de ideias, nem de pensamento desorganizado, antes pelo contrário, as respostas eram congruentes, lógicas e condizentes com o que era perguntado, para além do discurso articulado e consistente, sendo que, tal fluidez discursiva apenas era constrangida pelas próprias declarações da arguida ao ir afirmando que não estava capaz, quando era notória a existência dessa capacidade de articulação quer de pensamento, quer de discurso, basta atentar, além do mais, o tom vocal que ia subindo ou descendendo consoante o seu interesse na resposta a dar.
Ou seja, a postura declarativa da arguida era nitidamente fruto da sua vontade, da sua necessidade de controlar a narrativa, e não advinha de qualquer falta de capacidade.
Do teor de fls. 5885 a 5886 (relatório psicológico de avaliação da personalidade, datado de 07.07.2020), consta que a arguida "revela uma manifesta incapacidade de controlar os impulsos, pouca tolerância a críticas e à frustração" (...)"Trata-se duma doente com uma perturbação da personalidade em que predominam os traços de excessiva grandiosidade, défice de controle dos impulsos e instabilidade emocional."
O que, por um lado, foi categoricamente contrariado, desde logo, pelo depoimento prestado pela testemunha VVVV que exacerbou a postura de humildade, de sobriedade, quase casta, e de dedicação ao serviço aos outros e à comunidade, especialmente em termos de integração em grupos de reflexão e de pensamento, e por outro lado, tais traços de personalidade da arguida em nada afectam a sua capacidade plena de se autodeterminar, até o agravam, porquanto a motivação da resolução criminosa da arguida prende-se precisamente com a satisfação egotista das suas necessidades, estando bem ciente que tal enriquecimento advém do empobrecimento ilegítimo de terceiros, o que lhe foi indiferente.
A perturbação da personalidade aduzida, e aliás dada como provada, em nada bule, nem interfere com a capacidade de arguida avaliar as consequências das condutas, determinando-se de acordo com essa avaliação, não padecendo de qualquer anomalia psíquica que inquine a avaliação da ilicitude dos seus actos, como, aliás, o enfatizaram as testemunhas WWWW, XXXX e YYYY, as quais, no período de tempo sob colação, privavam com a pessoa da arguida, especialmente em contexto profissional, laboral ou associativo, atendendo às funções de liderança que estas testemunhas descreveram que a arguida exercia.
Do teor do relatório médico de fls. 5906 a 5907, datado de 09.07.2020, o que se nota, mais uma vez, é a antinomia entre o aí escrito e a realidade directamente percepcionada pelos demais que interagiam no quotidiano pessoal, social e profissional com a arguida. Veja-se que consta deste "relatório" que "Ficou saliente em todas as observações psiquiátricas, feitas que ao longo da sua história clínica, que se verificou uma interacção entre a perturbação afectiva e os traços caracteriais da personalidade acentuando o seu défice de juízo critico, a impossibilidade em controlar os Impulsos para acção e a consciência dos actos cometidos entre 2014 a 2017",  o que resulta de uma observação, ainda que médica, mas subjectivamente alicerçada na verbalização da arguida, concretizada em 09 de Julho de 2020, que se encontra nos antípodas do comportamento ostentado pela arguida entre 2014 a 2017, como resultou dos depoimentos prestados, desde logo, pelas testemunhas supra mencionadas.
E, portanto, tal prova de índole documental não denota sustentação objectivável que permita sequer afastar o teor do relatório da perícia colegial médico-legal que inequivocamente concluiu pela imputabilidade da arguida.
Para além de tais provas documentais serem contraditadas pelos depoimentos das testemunhas, mormente, VVVV, WWWW, ZZZZ, YYYY e XXXX.
A mesma ilação se extrai da declaração médica de fls. 3094 onde se menciona que a arguida tem uma situação clínica "há cerca de 29 anos que se tem caracterizado episódios depressivo graves que alternaram com episódios hipomaníacos de exaltação do humor e hiperactividade com desinibição comportamental e comportamentos excessivos", e o mesmo atinente às declarações médicas de fls. 3095 (subscrita pela testemunha UUUU), de fls. 3456 a 3457 (datada de 22 e 23 de Outubro de 2018), subscrita por NN e pela testemunha UUUU a declaração de fls. 3772/3773, datada de 11.03.2019, cujo teor se ponderou, e nada afasta a conclusão de imputabilidade apurada em sede de perícia médico-legal colegial em psiquiatria, como tal perturbação já se verifica há décadas e nunca tal interferiu com as capacidade decisórias e profissionais da arguida, como manifestamente se demonstrou.»       
A qualidade de advogada de arguida não só não atenua a sua responsabilidade, mas antes a agrava, uma vez que lhe era mais exigível uma conduta em conformidade com o Direito ao invés, como ocorreu, do aproveitamento desse facto para praticar crimes. Em contraponto, a circunstância de, na actualidade, ter suspensa a sua inscrição na Ordem dos Advogados, diminui as exigências de prevenção especial.
Finalmente, o tribunal diferenciou as penas parcelares aplicadas, “atendendo à disparidade diferencial dos valores dos prejuízos”.
A nosso ver, a diferenciação punitiva operada pelo acórdão recorrido está justificada, sendo certo que, pelas razões supra expostas a propósito da sindicância da decisão de facto, não procedem as objecções suscitadas pela recorrente a propósito dos factos cometidos contra II, JJ e KK.
No que concerne à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, no que tange à ofendida LL, assinalando-se que está a mais, na fundamentação apresentada, a referência à inviabilização do "visto gold", não deixa de ser uma pena concreta fixada próximo do limite inferior da moldura, verificando-se, até, que a arguida/recorrente, no pressuposto da condenação por crime de burla qualificada como procedeu o tribunal a quo, pugna por uma pena de de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão quanto aos factos cometidos contra a referida ofendida, ou seja, a mesma pena que lhe foi aplicada.
No quadro circunstancial que o tribunal tinha de ponderar, sopesando as circunstâncias face ao binómio da culpa e da prevenção, afigura-se-nos que o tribunal fixou com equilíbrio as diversas penas parcelares, seja para os crimes de burla qualificada, seja para os crimes de falsificação.
Como já se disse, a actividade judicial de determinação da pena apresenta-se como uma actividade juridicamente vinculada, mas não é uma ciência exacta, pelo que, a nosso ver, o tribunal de recurso deve intervir na alteração das penas parcelares concretas quando se justifique uma alteração minimamente significativa, o que não se verifica.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Nos termos do n.º 2, a moldura do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
O que significa que no caso presente, a moldura de punição do concurso tem o mínimo de 4 (quatro anos) e o máximo ultrapassaria os 35 anos não fora o limite de 25 anos estabelecido no mencionado n.º 2.
A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria, pois na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor determinante a personalidade do agente enquanto elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.
Refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
Como se diz no Acórdão do S.T.J., de 31 de Março de 2011, Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
Lê-se no referido Acórdão:
«Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.                
Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª
Por seu turno, refere-se no Acórdão do S.T.J., de 23 de Novembro de 2010, Processo n.º 93/10.2TCPRT.S1:
«A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta daqueles dois factores.   
Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.  
Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto».
Finalmente, diz-se no Acórdão do S.T.J., de 10 de Setembro de 2009, processo n.º 26/05.8.SOLSB-A.S1, 5.ª Secção:
«(…) a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.  
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.»
Em suma, através da pena conjunta visa-se procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no plano da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do arguido em que foram cometidos vários crimes. A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas e que se prende com uma preocupação de proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.
Avaliando os factos na sua globalidade, reconhecendo-se a sua gravidade e existência de conexão entre os crimes cometidos pela recorrente, vistos na sua interligação com a personalidade que neles se manifesta, entendemos que a pena conjunta aplicada, no quadro da moldura abstracta aplicável, se mostra equilibrada e proporcional, não merecendo censura.
Em função da sua medida concreta, tal pena não consente substituição.
3.3.5. Quanto à questão das indemnizações civis, não procedendo a impugnação de facto quanto aos demandantes BB e CC, não pode merecer acolhimento o recurso na parte dos danos patrimoniais que lhes concerne
No tocante aos montantes arbitrados aos demandantes GG, HH, II, JJ e KK, a título de danos não patrimoniais, insurge-se a recorrente.
Diz-se no acórdão recorrido:
«Dos pedidos de indemnização cível deduzidos pelos demandantes cíveis contra as arguidas/demandadas:
A indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, conforme postula o Art.° 129.°, do Código Penal.
Como se sabe, em Direito Civil vigora o princípio de que os danos são suportados pela esfera jurídica onde ocorrem: a solução de transferir ou repercutir um dano, que se verifique numa esfera jurídica, em esfera diversa da inicial pressupõe, assim, a existência de uma obrigação de indemnizar, ou seja, de urna situação de responsabilidade civil - cfr. Menezes Cordeiro, in "Teoria Geral do Direito Civil", Vol. 1, 2.ª Ed., Lisboa, 1987/88, pp. 416 a 418 e Fernando Pessoa Jorge, 112 "Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil", Coimbra, 1995, p. 33.
De entre os títulos de imputação existe aquele que se efectiva através da responsabilidade por facto ilícito, nos termos do Art.° 483.º n.° 1, do Código Civil.
A obrigação de indemnizar imposta ao lesante, neste caso, depende da verificação dos seguintes pressupostos: é necessário que haja um facto voluntário do agente; que o facto seja ilícito; que haja um nexo de imputação do facto ao agente; que ocorra um dano e finalmente que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano - vide Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", Vol. 1, 9.ª Ed., Coimbra, 1996, p. 544 e Mário Júlio de Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 7.ª Ed., Coimbra, 1998, p. 483.
Quanto ao pedido de indemnização civil enxertado, importa ter em consideração que, por força das disposições conjugadas dos Arts.° 71.° e 377.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Penal, ele só poderá ser apreciado com base nas regras da responsabilidade por facto ilícito, conforme entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência (cfr. além do mais Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.° 7/99, de 17/6/99, in D.R., I Série A, de 03.08.99).
Daí que, seja necessário que se esteja perante um ilícito civil, que produza o dever de indemnizar, nos termos do Art.° 483.°, n.°1, do Código Civil.
Na verdade, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, como mencionado (Art.° 129.°, do Código Penal), aplicando-se, pois, as normas constantes do Código Civil, nomeadamente os Arts.° 483° e seguintes e 596.° e seguintes.
Constituem pressupostos da responsabilidade civil subjectiva extra-contratual: o facto ilícito, a culpa do agente, a existência de danos e de um nexo de causalidade adequada entre esses danos e a conduta ilícita do agente.
Importa assim, considerar o disposto no Art.° 483.°, do Código Civil que dispõe "Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultante da violação."
Na realidade, decorre da análise deste preceito que o dever de reparação, resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos, depende do preenchimento de vários pressupostos, a saber: a existência de um facto voluntário do agente; que esse facto seja ilícito; que haja um nexo de imputação do facto ao agente; que da violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano; que se verifique um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se à luz do direito, que o dano é resultante da violação.
Analisando o preenchimento de cada um dos pressupostos.
Demonstrou-se cabal e plenamente que as arguidas/demandadas actuaram de forma ilícita, como acima escalpelizado.
Resultou ainda provado que as demandadas com as suas condutas lesaram o património dos demandantes cíveis.
Preenchido o segundo dos elementos, importa apreciar se é possível a imputação da conduta ilícita às arguidas a título de culpa.
Quanto a este aspecto, fez-se prova em audiência de que as arguidas/demandadas actuaram de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito obter um enriquecimento indevido à custa do prejuízo patrimonial dos demandantes cíveis, não se abstendo de forjar e/ou mandando forjar documentos, apondo nos mesmos elementos que bem sabia não terem qualquer correspondência com a realidade, usando e deles fazendo uso perante os demandantes, e assim, mediante o estratagema por si arquitectado, determinando astuciosamente os demandantes aos pagamentos/transferências supra descritos.
Ou seja, a arguida AA, usando para tanto a sociedade arguida, actuou com dolo directo, pois, representou o resultado, como consequência directa da sua conduta e, ainda assim, praticou os actos, dirigindo a sua vontade àquele resultado, com os quais se conformou e agiu em consonância.
Mostra-se, assim, preenchido o terceiro dos pressupostos necessários ao preenchimento da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Outro dos pressupostos da responsabilidade civil é a existência de danos para o lesado, visto que sem estes tal responsabilidade inexiste.
Na verdade, o dano ou prejuízo traduz-se na "ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica", cfr. Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", Almedina, 7.ª edição, pág. 477.
O dano é o fundamento da responsabilidade civil, sendo o facto que o causou valorado pela ordem jurídica negativamente, justifica-se a transferência do prejuízo da esfera jurídica do lesado para o do causador do facto danoso.
Resultaram provados os danos patrimoniais retro elencados, atendendo aos pagamentos/transferências que os demandantes efectuaram, dos quais as arguidas foram beneficiárias e os quais bem sabia não lhe serem devidos.
Acresce ainda a exigência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano, isto é, a conduta do lesante tem que constituir causa adequada do dano que resultou para o lesado.
Apenas os danos resultantes do facto ilícito, causados por ele, são incluídos na responsabilidade do agente, efectivamente, como postula o Art.° 563.°, do Código Civil, "A obrigação de indemnização só existe etn relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão."
A obrigação de indemnizar supõe, portanto, um nexo causal entre o facto e o prejuízo, sendo que o facto causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, no sentido de dano real.
Da prova produzida é fácil e legítimo concluir que os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, e dados como provados, pelos demandantes cíveis foram o resultado directo da conduta das arguidas, constituindo o comportamento por si adoptado causa, objectiva e subjectivamente, adequada e idónea a provocá-los, como efectivamente ocorreu.
Constituem assim, os danos, e acima provados, sofridos pelos demandantes cíveis, e cujo ressarcimento peticionam, consequência directa das condutas das arguidas.
Preenchidos que estão todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, impende sobre as demandadas a obrigação de indemnizar as demandantes cíveis pelos danos sofridos.
Efectivamente, quanto aos danos patrimoniais rege, em primeira linha, o princípio da reposição natural, expresso no Art.° 562.°, do Código Civil.
E quando esta não for possível, não for bastante ou não for idónea (cfr. Art.° 566Y, n.° 1, do citado Código) há que lançar mão da indemnização em dinheiro, a fixar de acordo com a teoria da diferença (Art.° 566.°, n.°2), em que a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que poder ser atendida pelo tribunal e a situação hipotética que teria, nessa data, se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.
O dano patrimonial compreende o dano emergente (prejuízo causado) e o lucro cessante (benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão), cfr. Art.° 564.°, do Código Civil.
O cálculo do dano emergente obedece, em princípio, a uma pura operação matemática, como se afere pela ressarcibilidade pecuniária do valor comercial despendido.
No caso dos autos, está demonstrado que as arguidas agiram ilicitamente e de forma culposa, pelas razões supra referidas, pelo que, dúvidas não restam que estas, com as suas condutas, lesaram o património dos demandantes eiveis.
Assim, em face dos factos dados como provados, impõe-se a procedência total dos pedidos de indemnização cível deduzidos, e a consequente condenação das arguidas ao pagamento àqueles, das quantias peticionadas, no que aos danos patrimoniais tange, na modalidade de danos directos:
- pelo demandante cível BB, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, na quantia global de € 578.739,00 (quinhentos e setenta e oito mil setecentos e trinta e nove euros);
- pelo demandante cível CC, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, no montante total de € 625.770,06 (seiscentos e vinte e cinco mil setecentos e setenta euros e seis cêntimos);
- pelo demandante cível DD, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, na quantia global de € 350.046,50 (trezentos e cinquenta mil e quarenta seis euros e cinquenta cêntimos);
- pelo demandante civel EE, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no valor total de € 633.300,00 (seiscentos e trinta e três mil e trezentos euros);
- pelo demandante cível FF, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, na quantia global de € 1.052.564,00 (um milhão cinquenta e dois mil quinhentos e sessenta e quatro euros);
- pela demandante cível GG, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no montante total de € 237.466,24 (duzentos e trinta e sete mil quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos);
- pela demandante cível HH, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no valor de € 588.930,74 (quinhentos e oitenta e oito mil novecentos e trinta euros e setenta e quatro cêntimos);
- pela demandante cível II, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no montante de € 39.715,51 (trinta e nove mil setecentos e quinze euros e cinquenta e um cêntimos), absolvendo-se do demais peticionado, dado que não se provou a quantia peticionada pela demandante a título de lucros cessantes, relativas às rendas não recebidas;
- pelos demandantes cíveis JJ e KK a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no valor de € 180.468,78 (cento e oitenta mil quatrocentos e sessenta e oito euros e setenta e oito cêntimos).
No que aos danos morais se reporta, que é também o objecto dos autos, quanto aos demais demandantes cíveis, para determinar o montante indemnizatório a que os demais demandantes/ofendidos têm direito, importa considerar que os danos causados sob apreciação respeitam ao sentimento de quebra de confiança, ansiedade, intranquilidade, sofrimento, nervosismo e angústia sentidas, e não são susceptíveis de avaliação pecuniária.
Porém, tais danos são indemnizáveis, por merecerem a tutela do direito, nos termos do disposto no Art.° 496.°, n.° 1, do Código Civil, uma vez que o sofrimento, a ansiedade e a frustração causados pelas condutas ilícita preconizadas pelas arguidas são dignos de tutela jurídica, na medida em que essas lesões afectam a pessoa humana na sua dignidade e na sua integridade pessoal, moral e social, não se enquadrando tais danos morais na concepção de meros incómodos.
Desta feita, quantia arbitrada a título de indemnização por danos não patrimoniais assume o cariz de uma compensação por esses danos, sendo encarada como um lenitivo capaz de auxiliar a ultrapassar o desgosto adveniente dos factos nos quais se consubstanciam esses danos, neste sentido, vide, a título exemplificativo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Abril de 2002, disponível em www.dgsi.pt. Por outro lado, a par desta função, descortina-se nesta indemnização, a ideia de uma reprovação do acto lesivo por via da aplicação dos meios próprios do direito civil, pois, no que se reporta à determinação do montante da indemnização, o tribunal deverá decidir equitativamente, tendo em conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste último e do lesado e as circunstâncias do caso (contando-se, entre estas, o impacto concreto para a vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, cfr. Arts.° 496.°, n.° 3 e 494.°, ambos do Código Civil).
São igualmente atendíveis "os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e as flutuações do valor da moeda" a gravidade do dano, as regras da prudência, do bom senso e da justa medida das coisas.
Sem olvidar que, em concreto, surge como factor de ponderação a circunstância de a arguida AA ser advogada, ter sido nessa qualidade que assumiu os interesses e recebeu os dinheiros dos ofendidos, impendendo-se sobre a mesma especiais (e nobres) deveres de respeito, de preservação e de salvaguarda dos poderes e dos montantes que os ofendidos lhe confiaram, bem como, os ofendidos encontravam-se fora no território nacional, na verdade em continentes distintos, com uma distância geográfica considerável e uma barreira linguística quase insuperável, o que acentua a gravidade da conduta das arguidas, que exploraram a especial vulnerabilidade os ofendidos, desconhecedores da língua portuguesa, alheios ao sistema e aos procedimentos jurídicos e administrativos nacionais e a confiança que depositaram nas arguidas, por força do mandato estabelecido, e que as arguidas flagrantemente violaram.
Impondo-se igualmente ter em consideração, como se provou, o impacto que a perda de tais valores, por si só avultados, comportou especialmente para os demandantes II, HH e GG, mas também para os demandantes JJ e KK, dado que a perda desses montantes pecuniários comportou para aquelas três demandantes cíveis a perda da possibilidade de poderem viver em Portugal, aqui construírem e estabilizarem as suas vidas e das suas famílias, particularmente doloroso, como manifestado, pelas demandantes II e HH que pretendiam deixar o seu país de origem, a ....., atenta a insegurança e a violência que ali vivenciaram, tanto mais que a demandante II tinha perdido um filho menor, assassinado naquele país, pretendendo, através das poupanças de uma vida, que se esfumaram por motivos decorrentes da conduta ilícita e culposa da arguida AA, adquirir um imóvel em Portugal, com o desiderato de obter para si, e especialmente para o seu filho sobrevivo, uma autorização de residência por investimento, o "visto gold", do que a arguida sabia, e que lhe foi manifestamente indiferente, sendo que tais sentimentos vivenciados são dignos da tutela do direito, a título de danos morais.
No caso dos autos, está demonstrado que as arguidas agiram ilicitamente e de forma culposa, pelas razões supra referidas, pelo que, dúvidas não restam que estas, com as suas condutas, atentaram contra o bem estar dos ofendidos, fazendo-os sentir revoltados, frustrados, ansiosos e angustiados, quer pelas avultadas quantias pecuniárias, das quais se viram despojados, quer porquanto viram os seus negócios gorados, quer, e sobretudo, porquanto viram desfeitas as suas possibilidades de mudarem de continentes e viveram num país mais seguro e com acesso ao espaço comunitário, como é Portugal, em face do desvanecer da possibilidade de obterem um "visto gold", o que só seria exequível com base na prova de investimento, que desapareceu por força da apropriação ilegítima desses montantes por parte das arguidas, prejuízos que apenas se podem pecuniariamente compensar.
Importa ter em consideração o hiato temporal em que tais factos foram praticados, a persistência da conduta preconizada pelas arguidas, em épocas distintas e dilatadas no tempo e a relação de confiança existente, bem como o impacto intenso e severo que aqueles actos comportaram para o bem-estar dos ofendidos, o sofrimento vivenciado, a angústia, a ansiedade, a repercussão no seu estado de espírito e na sua interacção com terceiros.
Desta feita, e tendo por base o disposto nos Arts.° 496.° e 566.°, n.° 3, daquele código, bem como os danos não patrimoniais supra descritos e dados como provados, e ponderando a factualidade demonstrada, julga-se justa, equitativa e consentânea com os padrões acima aludidos fixar a indemnização global por conta dos danos morais sofridos, em virtude da conduta acima descrita preconizada pelas arguidas:
- em € 15.000,00 (quinze mil euros), à demandante GG, a título de danos não patrimoniais sofridos;
- em € 30.000,00 (trinta mil emas), à demandante HH, por conta de danos não patrimoniais sofridos;
- em € 40.000,00 (quarenta mil euros), à demandante II, a título de danos não patrimoniais vivenciados;
- em € 20.000,00 (vinte mil euros), na proporção de € 10.000,00 (dez mil euros), por cada um deles aos demandantes cíveis JJ e KK, pelos danos não patrimoniais sofridos, absolvendo-se no demais peticionado, nesta sede, afigurando-se ser este o valor justo e condizente com os parâmetros de ponderação acima referidos, sendo que, se afigura dever ser tal montante inferior ao peticionado pela demandante cível GG, dado que esta ficou lesada, e com a ansiedade, frustração e sofrimento inerentes, na possibilidade de obter o "visto gold", para além do gorar do negócio de investimento, o que não se verificou em relação aos demandantes JJ e KK, impondo-se que tal impacto tenha reflexo no quantitativo da indemnização devida pelas arguidas.
As presentes indemnizações vencerão juros moratórios, à taxa legal, contados a partir da data da notificação para contestar e, os entretanto vencidos, até integral e efectivo pagamento (cfr. Arts.° 566.°, n.° 2, 805.° e 806.°, todos do Código Civil)

Prescreve o artigo 129.º, do Código Penal: «A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil».
Para a fixação do quantum indemnizatório terá o julgador de se socorrer das regras estabelecidas no Código Civil, designadamente, das contidas nos artigos 483.º e seguintes e 562.º e seguintes.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem...fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois: a violação de um direito; a ilicitude do facto danoso; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
Face à factualidade provada, todos estes pressupostos estão inequivocamente reunidos.
Dentro da obrigação de indemnizar incluem-se, de acordo com o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado «que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
Estes danos – que tradicionalmente eram designados de danos morais - resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação,…), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 85 e 86, edição de 1976). Abrangem, assim, prejuízos como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética de cada lesado que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente.
Nos termos dos artigos 496.º, n.º 1 e n.º 3, 1ª parte e 494.º, ambos do Código Civil, quanto aos danos de natureza não patrimonial, o seu montante é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção a gravidade e extensão dos prejuízos, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a terem os demandantes GG, HH, II, JJ e KK sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável, a nosso ver, que estes assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.
GG, em virtude, da não restituição das quantias transferidas para as arguidas, da não concretização da aquisição do acima descrito imóvel e em face da inviabilização da obtenção do "visto gold", do que a demandante cível se viu forçada a desistir desses seus propósitos, sentiu ansiedade, irritabilidade, sofrimento, stress e insónias, especialmente por ter visto violada a confiança que depositou na arguida AA, enquanto sua advogada e representante.
HH, por força das condutas imputáveis às arguidas, sentiu frustração, revolta, preocupação, desconsolo e desilusão, não só, atendendo aos valores em causa, mas também, por ter visto inviabilizada a obtenção dos "vistos gold" para si e para a sua família, em virtude de as arguidas não terem usado os montantes transferidos para a aquisição do imóvel, impossibilitando que a demandante cível e a sua família pudessem viver de forma permanente em Portugal.
Relativamente a II as condutas dadas como provadas causaram sofrimento e angústia, especialmente porquanto pretendia viver, em segurança e de forma permanente, em Portugal, na companhia da sua família, marido e filho sobrevivo, visto que o seu filho menor tinha sido assassinado na ....., o que arguida AA sabia. Mais sentiu frustração, revolta, preocupação, desconsolo e desilusão não só em relação ao processo de aquisição do imóvel, mas também em relação à obtenção do "visto gold", para si e para a sua família, oportunidade que se gorou em face da conduta das arguidas.
Finalmente, JJ e KK sentiram-se atingidos no seu bem-estar pessoal, mental e moral, sofrendo de ansiedade e mal-estar, especialmente por verem a confiança quebrada em que era advogada, em quem tinham confiado os seus interesses, negócios e quantias pecuniárias avultadas.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.  
Como salienta o S.T.J., em acórdão de 25 de Outubro de 2007 (Processo: 07B3026), «sendo certo que nestes casos a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, é mister que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal acentua cada vez mais a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Importa, todavia, sublinhar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias, já enunciadas, referidas no art. 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”».
Como se diz no acórdão recorrido, importa ter em consideração o hiato temporal em que os factos foram praticados, a persistência da conduta preconizada pelas arguidas, em épocas distintas e dilatadas no tempo e a relação de confiança existente, “bem como o impacto intenso e severo que aqueles actos comportaram para o bem-estar dos ofendidos, o sofrimento vivenciado, a angústia, a ansiedade, a repercussão no seu estado de espírito e na sua interacção com terceiros”.
Tudo visto e ponderado, reconhecendo-se que os valores indemnizatórios são expressivos, entendemos não deverem sofrer diminuição, havendo que ultrapassar a tendência que ainda se encontra enraizada de desvalorização dos danos não patrimoniais.
3.3.6. O acórdão recorrido declarou perdidos a favor do Estado «os objectos apreendidos nos autos, por terem sido utilizados na prática dos crimes pelos quais a arguida vai condenada, nos termos do Art.° 109.°, n.° 1, do Código Penal, a saber telemóvel da marca "Iphone" e "Ipad".»
Prescreve o artigo 109.º do Código Penal:
«Artigo 109.º
Perda de instrumentos
1 - São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.
2 - O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
3 - Se os instrumentos referidos no n.º 1 não puderem ser apropriados em espécie, a perda pode ser substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se a lei não fixar destino especial aos instrumentos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.»
Na redacção Lei n.º 59/2007, de 04/09 dizia o mesmo artigo:
«1. São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.
3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.»
Salienta Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 627), referindo-se ao instituto da perda de objectos regulado no Código Penal, que não se trata de uma pena acessória, «porque a perda não possui qualquer ligação com a culpa do agente pelo ilícito-típico perpetrado: podendo o instituto intervir mesmo relativamente a inimputáveis, por um lado, e podendo ele intervir, por outro lado, mesmo que nenhuma pessoa determinada possa ser perseguida ou condenada, torna-se patente que a – eventual – culpa do agente não constitui sequer limite da intervenção da providência.» E, mais adiante, realça o mesmo autor que a perda é função da perigosidade do objecto e das exigências, individuais e colectivas, de segurança, não da culpa do agente e do terceiro (caso se trate de objecto pertencente a terceiro, matéria regulada no artigo 110.º).   
Com efeito, o fundamento da perda regulada no artigo 109.º radica nas exigências, individuais e colectivas, de segurança e na perigosidade dos bens apreendidos, ou seja, nos riscos específicos e perigosidade do próprio objecto e não na perigosidade do agente do facto ilícito (daí que não possa ser considerada uma medida de segurança) ou na culpa deste ou de terceiro (daí que não possa ser vista como uma pena acessória). 
Trata-se de uma norma geral, que convive com a existência de outras previsões para determinadas categorias de factos ilícitos típicos ou para bens específicos, pois, como salienta Figueiredo Dias, os artigos 109.º e seguintes do Código Penal não são os únicos que no sistema jurídico português se referem ao instituto da perda, co-existindo com muitas outras disposições em legislação extravagante, penal e contra-ordenacional, sendo frequente «que estas disposições avulsas modifiquem ou mesmo contrariem o instituto geral, seja no que toca ao regime, seja mesmo no que toca às finalidades político-criminais e, consequentemente, à natureza jurídica do instituto.» (ob. cit., p. 617).
Distingue-se, desde logo, a perda decretada nos termos do mencionado artigo 109.º da perda configurada em alguma legislação extravagante como pena acessória, já que esta depende da aplicação de uma pena principal e faz parte da penalidade, enquanto o instituto da perda regulado no Código Penal não tem qualquer relação com a culpa do agente e não pressupõe, sequer, a existência de uma condenação, sendo exclusivamente determinado, como já se disse, por necessidades de prevenção, tendo como pressuposto a avaliação da perigosidade da própria coisa, muito embora se admita que a conexão entre essa perigosidade e as concretas «circunstâncias do caso» possam acabar por implicar uma referência ao próprio agente (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 622-623).
Assim, a perda de objectos a favor do Estado regulada no Código Penal (dotada de eficácia real, já que se opera a transferência da propriedade do objecto a favor daquele) apresenta-se como uma providência sancionatória de natureza análoga à medida de segurança, não sendo um efeito da pena ou da condenação, visto poder ter lugar sem elas, como se infere do artigo 109.º, n.º 2.
Ensina Germano Marques da Silva (Direito Penal Português – Parte Geral, III, 2.ª edição, 2008, pp. 198 e seguintes), a propósito da perda de instrumentos e do produto do crime, que a lei refere-se apenas aos objectos, ou seja, coisas corpóreas, quer sejam instrumentos do crime, quer por ele produzidos. Os instrumentos do crime são os objectos utilizados como meios para realizar o crime; os produtos são os objectos criados ou produzidos pela actividade criminosa, distinguindo-se das vantagens obtidas com o crime, que cabem no âmbito do art. 111.º do mesmo diploma.
Constitui pressuposto formal da perda de instrumentos e produtos prevista no artigo 109.º que os mesmos tenham sido ou estivessem destinados a ser utilizados numa actividade criminosa ou que por esta tenham sido produzidos. A lei fala num «facto ilícito típico», não sendo necessário que o crime se tenha consumado, nem que seja imputável ao arguido.
Diz Germano Marques da Silva (ob. cit., p. 199): «A lei é clara. Não é necessário que os instrumentos tenham sido utilizados na prática de um crime, bastando que estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico e por isso que a perda tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto (n.º 2 do art. 109.º). Isto acontece ou porque não foi cometido qualquer facto ilícito típico - não se iniciou sequer a execução do crime - ou porque falta um elemento essencial do crime - a culpabilidade. É por isso que a lei não se refere à prática de um crime, como fazia na redacção originária do Código, mas simplesmente à prática de um facto ilícito típico.»
E acrescenta:
«Para a perda é ainda necessário que os objectos ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, o que significa que os objectos hão-de ser perigosos, isto é, “que atenta a sua natureza intrínseca”, a sua “específica e co-natural utilidade social” se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa.»
Figueiredo Dias, relativamente à expressão «estivessem destinados a servir (…), faz uma leitura algo distinta da perfilhada por Germano Marques da Silva, interpretando tal expressão como significando não ser necessário que o crime se haja consumado (ob. cit., p. 618), de onde se extrai a necessidade da existência de um facto anti-jurídico, sendo suficiente a tentativa (Germano Marques da Silva parece admitir que se esteja numa fase anterior ao início da execução).
Em todo o caso, a relação com um «facto ilícito típico», para cuja prática os objectos serviram ou estivessem destinados a servir (entendida esta segunda parte de forma mais ou menos ampla), ou que por ele tenham sido produzidos, constitui um pressuposto formal essencial da perda de instrumentos e produtos prevista no artigo 109.º do Código Penal.
É certo que o n.º 2 do mesmo artigo estabelece: «O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.»
Este normativo, porém, não dispensa a relação com o «facto ilícito típico».
Desde logo, como já se disse, não se tratando de uma pena acessória, a perda destes objectos não está submetida ao princípio da culpa.
Cabem no referido n.º 2 a situação de agente inimputável, situações em que não possa ser determinado o agente ou agentes do facto e outras em que, estando determinado o agente, o processo deva ser arquivado por qualquer causa de extinção da responsabilidade ou por falta de pressupostos processuais.
Poder-se-á questionar, porém, o alcance da referência a um facto ilícito típico.
Para Figueiredo Dias, a necessidade de verificação de um facto ilícito típico – aquele a cuja prática os objectos serviram ou estavam destinados a servir ou que por este foram produzidos – pressupõe a verificação de todos os elementos de que depende a existência de um crime, com ressalva dos requisitos relativos à culpa do agente (cfr. ob. cit., p. 619). Trata-se, pois, de um facto ilícito-típico no sentido da doutrina do crime.
Revertendo ao caso em apreço, desde logo não descortinamos a relação que se estabelece entre os equipamentos em causa e os factos ilícitos.
A única menção efectuada no acórdão aos ditos equipamentos surge na respectiva página 67, a propósito da análise do depoimento da testemunha HHHH, escrevendo-se na mesma página que a arguida/ora recorrente tinha acesso, através do telemóvel,  aos códigos que permitiam a movimentação das contas bancárias para onde foram transferidos os valores enviados pelos ofendidos.
Ora, tal menção, em sede de motivação da decisão de facto, não basta, a nosso ver, para que se possa fundamentar a declaração de perda dos equipamentos apreendidos, nada constando quanto ao preenchimento do requisito “pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
Conclui-se que o recurso, nesta parte, merece provimento.
B) Recurso interposto pela arguida-sociedade
3.3.7. Alega a arguida-sociedade que o acórdão recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação e exame crítico da prova e por omissão de pronúncia.
Mais invoca existir lacuna no apuramento da matéria de facto quanto à sua personalidade, capacidade jurídica e responsabilidade.
Manifestamente não entendemos que o acórdão questionado padeça de vício de nulidade, pois sendo o mesmo de conhecimento oficioso, já o teríamos apreciado anteriormente por razões de precedência lógica.
Vejamos:
Dispõe o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O artigo 97.º, n.º 5, do C.P.P., prescreve, em relação aos actos decisórios em geral, que «são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
O acto da sentença, nos termos do disposto no artigo 374.º, do C.P.P., exige uma fundamentação especial.
A exigência de fundamentação das sentenças constitui um elemento essencial do Estado de Direito Democrático. Como refere Germano Marques da Silva, a fundamentação é imposta pelos sistemas democráticos tendo em vista diversas finalidades. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina (Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, Verbo, p. 294).
A fundamentação constitui, por conseguinte, um factor de transparência da justiça, explicitando, de forma que se pretende clara, os processos intelectuais que conduziram à decisão e permitindo, consequentemente, uma maior fiscalização das decisões judiciais por parte da colectividade, constituindo entendimento dominante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que o direito a um processo equitativo pressupõe a exigência de motivação das decisões judiciais (cfr. Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direito do Homem, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 137).
De harmonia com o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do C.P.P., ao relatório da sentença segue-se a fundamentação que consta da «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Por sua vez, estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do referido artigo 374.º.
 A enumeração dos factos provados e não provados reporta-se, a nosso ver, a todos os factos submetidos à apreciação do tribunal e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, os constantes da acusação ou da pronúncia, do pedido de indemnização civil, da contestação penal e da contestação civil, quer sejam substanciais, quer circunstanciais ou instrumentais com relevo para a decisão. Acrescerá, sendo caso disso, o dever de se pronunciar quanto aos factos que resultem da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão, no respeito do princípio da vinculação temática e sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos.
A exigência de enumeração dos factos provados implica uma descrição especificada dos factos que como tal se consideram, em rigor um a um, ainda que não necessariamente subordinada a números.
Quanto à enumeração dos factos não provados – factos que o sejam realmente, com relevância para a decisão -, importa, a nosso ver, que não reste qualquer dúvida de que o tribunal efectivamente os apreciou, de que o tribunal indagou e se pronunciou sobre cada um dos factos relevantes.
No caso vertente, do acórdão recorrido consta a indicação pormenorizada dos factos provados e não provados.
Exige-se, ainda, uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto (que, naturalmente, hão-se ser seleccionados de entre os factos provados e não provados) e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O exame crítico da provas situa-se nos limites propostos, entre outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, D.R., 2ª Série, de 5 de Março de 1999, que julgou inconstitucional a norma do n.º2 do artigo 374.º do C.P.P. de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, bem como, quando conjugado com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do artigo 32.º, também da Constituição.
Não basta, por conseguinte, indicar os meios de prova utilizados, tornando-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido. Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjectivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.
Mais detidamente sobre o “exame crítico” das provas, disse o Supremo Tribunal de Justiça: «O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular – a fundamentação em matéria de facto -, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito. (…) O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (Acórdão de 16 de Março de 2005, Processo:05P662, www.dgsi.pt).
A fundamentação, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas inquiridas, ainda que de forma sintética. O exame crítico deve ser aferido com critérios de razoabilidade, não indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa, com escalpelização descritiva de todas as provas produzidas, o que transformaria o processo oral em escrito, pois o que importa é explicitar o porquê da decisão tomada relativamente aos factos, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma avaliação do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo (cfr., sobre esta matéria, o Acórdão do STJ, de 26 de Março de 2008, Processo: 07P4833; também com interesse, Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º3, p. 21 e segs.).
Não devemos confundir ausência ou deficiência de fundamentação com uma fundamentação que não convença o arguido quanto às razões de convicção apresentadas pelo tribunal.
A fundamentação visa permitir a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial e não promover, necessariamente, o convencimento do destinatário da decisão quanto ao bem fundado dessas razões.
Perante as provas cada pessoa formará a sua convicção. O que importa é que o julgador dê a conhecer, de forma clara e no quadro do que é razoável exigir, as razões da sua convicção, de forma que possam ser compreendidas, e não que logre convencer todos da sua razão, pois à convicção do tribunal sempre se contrapõem as convicções divergentes de outros sujeitos processuais.
É por isso que a nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou, posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada.
No caso em análise, basta ler a motivação da decisão de facto do acórdão recorrido – que atrás se transcreveu – para se concluir que a recorrente carece de razão.
Realmente, esforçou-se o tribunal a quo no sentido de explicitar, de forma tão completa quanto lhe foi possível, as razões da sua convicção.
Para além de indicar concretamente as provas consideradas, referenciando declarações, depoimentos, a prova pericial e a prova documental, o acórdão detém-se no seu exame crítico, expondo as razões pelas quais, com base nas provas, o tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade provada e não provada. A partir dessa exposição, podemos identificar facilmente o porquê da decisão de facto e o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo tribunal recorrido na articulação dos meios de prova disponíveis que serviu de suporte a tal decisão.
A arguida-recorrente pode dissentir do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, por sustentar que a prova deveria ter sido valorada de modo diverso – matéria também susceptível de ser sindicada por via de recurso -, mas carece de razão quando pretende que o acórdão recorrido não se mostra fundamentado, designadamente no que concerne à decisão sobre a matéria de facto.
Finalmente, também as razões de direito que servem para fundamentar a decisão (na apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente) devem ser especificadas na fundamentação, o que, no caso, acontece.
Assim, respeitando o acórdão recorrido as exigências do artigo 374.º, n.º 2, do C.P.P., conclui-se que não enferma da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma.
E também não enferma de qualquer omissão de pronúncia.
Realmente, continua a recorrente a insistir com a questão da sua personalidade e capacidade que não teriam sido devidamente apuradas.
Conforme já se viu supra, no dia 8 de Julho de 2020, a arguida, alegando que o tribunal necessitaria de informações actualizadas “quanto ao estado da sociedade arguida para apreciar da sua responsabilidade criminal nos presentes autos”, requereu se apurasse “se teve lugar, ou não, procedimento administrativo de liquidação e, sem caso afirmativo, se foi já objecto de registo”.
Em 9 de Julho de 2020, foi decidido que se oficiasse ao RNPC e à Ordem dos Advogados, no sentido requerido, solicitando-se urgência nas respostas.
Na sessão de julgamento do dia seguinte, tendo sido requerido que se oficiasse às competentes autoridades de Inglaterra, a fim de se apurar da precisa situação jurídica da sociedade-arguida,  ficou consignado em acta:
Após, por deliberação do Tribunal Colectivo, a Mm.ª Juiz Presidente proferiu despacho que, em súmula, indeferiu o requerido pela sociedade arguida, por falta de fundamento legal e factual, uma vez que, face às informações vertidas nos autos quanto a sociedade arguida, nada indica que a mesma esteja dissolvida, extinta ou privada de capacidade jurídica, realçando o caracter dilatório de tal requerimento, uma vez que tal diligência poderia e deveria ter sido requerida em momento próprio do processado legal, mais enfatizando que, sendo do interesse unicamente da própria a sociedade arguida, em qualquer momento poderia a mesma ter apurado da sua precisa situação jurídica e registral, podendo ainda vir a fazê-lo, querendo, sem prejuízo de tal circunstancialismo ser ponderado, se for caso para tal, em sede própria, nomeadamente, apreciado em questão prévia ao douto acórdão, -
- tudo como se encontra gravado no sistema "H@bilus Média Studio", com início pelas 10:07:39 horas e termo pelas 10:09:07 horas.»
Nos termos previstos no artigo 11.º do Código Penal, as pessoas colectivas podem ser responsabilizadas criminalmente,
Para tanto será necessário que (n.º 2 daquele artigo 11.º):
- que se trate de uma pessoa colectiva ou entidade equiparada, com excepção do Estado, de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público;
- que esteja em causa um dos crimes indicados no artigo 11.º, n.º2
- que esse crime tenha sido cometido em nome e no interesse da pessoa colectiva, mas sendo necessário que o agente seja pessoa que nela ocupe uma posição de liderança; ou que o agente aja sob a autoridade da pessoa que ocupa uma posição de liderança na pessoa colectiva em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhe incumbe.
Estão em causa, na expressão do referido n.º 1 do artigo 11.º, não apenas as pessoas colectivas, mas também as entidades equiparadas, ou seja, as sociedades civis e as associações de facto (artigo 11.º, n.º 5, do Código Penal), sendo certo que encontramos na legislação avulsa designações diversas para estas entidades equiparadas.
A imputabilidade penal, ou seja, a admissibilidade de responsabilização criminal, não pressupõe a personalidade jurídica dos entes colectivos e o âmbito da admissão da responsabilidade criminal das entidades equiparadas pode variar conforme o diploma que consagra a sua responsabilização (ver Germano Marques da Silva, Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Editorial Verbo, 2009, p. 201), havendo que recordar, por exemplo, a vexata quaestio sobre a personalidade jurídica das sociedades civis.
A morte das pessoas físicas é causa extintiva da responsabilidade criminal e, consequentemente, do procedimento, nos termos dos artigos 127.º e 128.º, do Código Penal.
Não assim no que respeita às pessoas colectivas e equiparadas.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 127.º do Código Penal dispõe, expressamente, que «no caso de extinção de pessoa colectiva ou entidade equiparada, o respectivo património responde pelas multas e indemnizações em que aquela for condenada».
Quer isto dizer que a responsabilidade penal não se extingue pela dissolução da pessoa colectiva ou entidade equiparada, que pode estar morta, ou seja, dissolvida, e continuar no processo, “viva”, a intervir na qualidade de arguida.
É assim, por exemplo, que no tocante às sociedades comerciais, tem-se entendido que apenas o registo da sua dissolução e do encerramento da liquidação as fazem extinguir, correspondendo tais factos à “morte” da sociedade.
O princípio da investigação oficiosa no processo penal, conferido ao tribunal pelos artigos 323.°, al. a) e 340.°, n.º 1, do C.P.P., , tem os seus limites na lei e está condicionado pelo princípio da necessidade, dado que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa – descoberta da verdade e boa decisão da causa - devem ser produzidos.
É afloramento do princípio da necessidade como critério simultaneamente justificativo e delimitador.
No caso em apreço, verifica-se que a sociedade/recorrente aguardou pela aproximação do fim da audiência – faltavam as alegações orais -, iniciada em Setembro do ano anterior, após uma larga série de sessões de julgamento, para requerer a obtenção de informação junto das “competentes autoridades de ....” sobre a sua situação jurídica - da própria sociedade-arguida, entenda-se -, o que não pode deixar de causar estranheza, sem que a recorrente tivesse, anteriormente, requerido tal diligência ou, diligenciado, por sua iniciativa, pela obtenção de tais elementos.
Como entendeu o tribunal recorrido, quando indeferiu a diligência pretendida pela arguida, face às informações vertidas nos autos, nada indicava que a sociedade arguida estivesse “dissolvida, extinta ou privada de capacidade jurídica”, sendo que o mero facto de a arguida AA ter declarado, em interrogatório judicial que foi reproduzido em audiência de julgamento, que as sociedades que detinha estavam todas encerradas e fechadas, não constituía fundamento, de per si, para que o tribunal tivesse de fazer outras indagações para além das que realizou, nem tinha o tribunal de forçosamente reconhecer credibilidade a tais declarações.
A arguida-sociedade teve todo o tempo para, autonomamente, diligenciar pelo apuramento da sua situação jurídica, o que optou por não fazer, sendo verdadeiramente incompreensível a dúvida hamletiana suscitada pela arguida quanto à sua própria existência ou inexistência.
O tribunal a quo determinou que se oficiasse ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas e à Ordem dos Advogados com vista à obtenção de informações acerca do estado da sociedade arguida.
 Não foi obtida informação no sentido da verificação de qualquer liquidação (ou encerramento da liquidação), dissolução ou extinção da dita sociedade.
A única coisa que se extrai é que, caso quisesse e pudesse, a arguida AA não lograria exercer a advocacia através da sociedade-arguida por esta não se encontrar presentemente registada no Conselho Geral da Ordem, mas de tal facto não se retira a “morte” da mesma.
Assim, como já se disse, aliás, não se vislumbra que não constando qualquer registo relativo ao encerramento da liquidação em relação à sociedade arguida, se tenha de concluir no sentido pretendido pela mesma.
Tendo ficado estabelecida a existência jurídica da arguida-sociedade, na perspectiva assumida pelo tribunal recorrido, é manifesto que o tribunal se pronunciou sobre a matéria, não tendo sustentação pretender a verificação de uma nulidade por omissão de pronúncia.
Lê-se no acórdão recorrido:
«Da responsabilidade jurídico-penal da sociedade arguida:
A sociedade arguida encontra-se igualmente pronunciada pela prática, em concurso de 10 (dez) crimes de burla qualificada, previstos e punidos, conjugadamente, pelos Arts.° 217.°, n.° 1, 218.°, n.° 2, alínea a) e 202.°, alínea b), todos do Código Penal e 5 (cinco) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo Art.° 256.°, n. 1, do Código Penal.
Nesta sede, dispõe do Art.° 11.°, "responsabilidade das pessoas singulares e colectivas", que
(…)
Ora, estando em causa crimes previstos nos Arts.° 217.°, 218.° e 256.°, todos do Código Penal existe responsabilidade criminal por parte da pessoa colectiva.
Por outro lado, provou-se categoricamente que era a arguida, AA, quem exercia o poder, controlo e domínio absoluto sobre a pessoa colectiva, assumindo assim, a posição de liderança sobre os desígnios da pessoa colectiva, aqui arguida.
Pelo que, em face dos factos dados como provados se impõe igualmente a condenação da sociedade arguida, nos moldes e nos termos em que foi acusada e se encontra pronunciada, o que se determina.»
Mais adiante:
«Das penas da sociedade arguida:
Estatui o Art.° 90.°-A, n.° 1, do Código Penal, "Penas aplicáveis às pessoas colectivas", que:
"1 - Pelos crimes previstos no n.° 2 do artigo 11.0, são aplicáveis às pessoas colectivas e entidades equiparadas as penas principais de multa ou de dissolução."
Define o Art.° 90.°-F, do Código Penal que:
"A pena de dissolução é decretada pelo tribunal quando a pessoa colectiva ou entidade equiparada tiver sido criada com a intenção exclusiva ou predominante de praticar os crimes indicados no n. ° 2 do artigo 11.° ou quando a prática reiterada de tais crimes mostre que a pessoa colectiva ou entidade equiparada está a ser utilizada, exclusiva ou predominantemente, para esse efeito, por quem nela ocupe uma posição de liderança."
Assim, e face aos factos dados provados, inequivocamente, demonstrou-se que a sociedade arguida predominantemente foi criada e usada pela arguida AA para a viabilização da prática dos crimes em causa, tanto mais que as transferências bancárias, que prejudicaram os ofendidos, permitindo o enriquecimento ilegítimo da arguida AA, através do estratagema arquitectado, de forma enganosa, que determinou os ofendidos às mencionadas transferências bancárias, de cujos montantes a arguida AA indevidamente se apropriou, permite a ilação segura e fundada no sentido que a sociedade arguida foi utilizada quase exclusivamente para este efeito, aliás nem outra actividade, nem clientes havia, e o foi por quem assumia a posição de liderança, a arguida, determina-se, por arrazoado, equitativo e consentâneo com as finalidade inerentes à punição, a aplicação à sociedade arguida da pena de dissolução
A fundamentação é quanto basta e chega a ser paradoxal a pretensão da arguida-sociedade em que se prove que já não existe com vista a se opor à sua condenação numa pena de dissolução.
Não se verifica, assim, qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto quanto à personalidade, capacidade jurídica e responsabilidade da arguida/ sociedade.
Conclui-se que o recurso não merece provimento.
***
III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
A) Nega-se provimento aos recursos interlocutórios interpostos pela arguida AA dos despachos de 9/03/2020, 5/05/2020, 3/07/2020 e 15/07/2020, supra referidos.
B) No provimento parcial do recurso da decisão final interposto pela arguida AA, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que declarou perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos nos autos, a saber telemóvel da marca "….." e "…..".
Confirma-se, quanto ao mais, a decisão recorrida em relação à referida arguida.
C) Nega-se provimento ao recurso interlocutório interposto pela arguida-sociedade do despacho de 10/07/2020, supra referido.
D) Nega-se provimento ao recurso da decisão final interposto pela arguida-sociedade.
Pelo decaimento nos recursos interlocutórios que interpôs, condena-se a recorrente AA nas respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça de cada um dos recursos em 4 (quatro) Uc.
Pelo decaimento nos recursos, interlocutório e principal, que interpôs, condena-se a arguida-sociedade nas respectivas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC para o recurso interlocutório e em 6 (seis) UC para o recurso da decisão final.
Dê conhecimento de imediato ao tribunal de 1.ª instância (tendo em vista o disposto nos artigos 215.º, n.º 6 e 218.º do C.P.P.).

Lisboa, 21 de Dezembro de 2021
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)
Jorge Gonçalves
Maria José Machado
Filomena Gil – Presidente da Secção