Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3204/22.1T8FNC-A.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
EXCLUSÃO DA REINTEGRAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: A exclusão da reintegração em caso de despedimento ilícito pressupõe a alegação e prova de factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa, não bastando para concluir pela respetiva verificação a constatação de um mal-estar nas relações pessoais entre trabalhador e empregador.
 (Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AAA, Autora no processo à margem referenciado, notificada da sentença que julgou o despedimento em causa ilícito, mas excluiu a reintegração da trabalhadora, e não se conformando com a mesma, nomeadamente na parte da exclusão da reintegração, vem dela interpor RECURSO.
Pede a respetiva revogação alterando-se a sentença recorrida na parte em que exclui a reintegração da trabalhadora, substituindo-se a sentença do tribunal a quo por outra que, nesta parte, condene a Ré a reintegrar a trabalhadora no seu local de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com as legais consequências.
Em consequência, deverá igualmente o Venerando Tribunal condenar a Ré no pagamento da sanção pecuniária compulsória requerida na contestação, em cominação de montante não inferior a €150,00 (cento e cinquenta euros) diários por cada dia de atraso em reintegrar a A. no seu local de trabalho, sem prejuízo de serem assacados outros danos em sede própria.
Apresentou, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
A - Para todos e quaisquer efeitos legais, ora se dão por integralmente reproduzido todo o conteúdo dos artigos 1.º a 48.º das alegações.
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer favorável à procedência da apelação.
Segue-se u m breve resumo dos autos para melhor compreensão:
AAA, intentou a presente ação sob a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BBB, peticionando a declaração da ilicitude ou irregularidade do despedimento.
A Ré empregadora, na sequência da legal tramitação, apresentou articulado, alegando, em suma, os termos do procedimento disciplinar e os factos que imputa à Autora trabalhadora, os quais entende violadores dos deveres laborais desta, afigurando-se inaceitável que fosse obrigada a manter o vínculo com a mesma. Opõe-se à reintegração da Autora, visto que é uma micro empresa e atendendo a todo o mal-estar que a Autora tem provocado não só com a Ré, mas com colegas e clientes, sendo que o seu regresso ao serviço será altamente prejudicial tornando-se um fator de grande desestabilização ao funcionamento da empresa, o que requer.
A trabalhadora contestou impugnando o alegado. Descreve o processo disciplinar anterior de que foi vítima, o qual impugnou judicialmente, que correu termos neste Tribunal com o n.º 140/20.0T8FNC, no qual foi declarado ilícito o seu despedimento e determinada a sua reintegração. Sucede que instaurou execução desta decisão para pagamento das quantias devidas e efetivação da reintegração, tendo sido acordado o pagamento e a reintegração no dia 14.02.2022. Sucede que tal não foi cumprido pela Ré. A trabalhadora apresentou-se ao trabalho, no dia e hora, mas o mandatário da Ré ordenou que fosse para casa para cumprir um período especial de 45 dias de férias, o que, após contestar de forma pacífica, fez. Nega ter praticado os comportamentos que lhe são imputados constantes da nota de culpa e é por demais evidente que a entidade patronal tenta por todas as vias possíveis e impossíveis deixar a trabalhadora numa situação de desespero para aceitar a quantia que tem para lhe entregar, em termos que enuncia e se dá por reproduzido. E confirma que no dia 16.02.2020 compareceu no serviço para fazer um pedido à Ré, tendo esperado pela mesma no local, em termos que enuncia, tendo corrido com normalidade, sem perturbação do ambiente e funcionamento da farmácia. Conclui que a nota de culpa e a decisão de despedimento baseia-se em puras invenções. Alega que não praticou quaisquer factos que tornem o seu regresso gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa. Deduz pedido reconvencional peticionando a indemnização pelos danos não patrimoniais causados, em valor a apurar em sede de execução de sentença, em termos que enuncia.
A Ré apresentou resposta ao pedido reconvencional, impugnando o mesmo.
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, tendo a Autora trabalhadora apresentado pedido reconvencional devidamente perfeiçoado.
Realizada audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, declarou:
a) A ilicitude do despedimento da Autora trabalhadora AAA pela empregadora;
b) Excluída a reintegração da Autora trabalhadora;
e em consequência, condenou a Ré empregadora BBB:
c) A pagar à Autora trabalhador as retribuições vencidas desde 01.06.2022 até ao trânsito em julgado da presente decisão;
d) A pagar à Autora trabalhadora a indemnização no valor de 34.484,11€ (trinta e quatro mil e quatrocentos e oitenta e quatro euros e onze cêntimos);
e) Absolveu a Ré do pedido reconvencional deduzido pela Autora trabalhadora e do demais peticionado por esta.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- Não deve ser excluída a reintegração?
FUNDAMENTAÇÃO:

OS FACTOS:
Estão provados os seguintes factos:
1. A Autora é trabalhadora da Ré empregadora e exerce as suas funções de técnica auxiliar de farmácia na Farmácia … desde o dia 2 de março de 2002.
2. E aufere a retribuição mensal ilíquida de 847,97€.
3. Correu termos neste Tribunal Ação de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento n.º140/20.0T8FNC, instaurado pela ora Autora contra a Ré empregadora, no âmbito da qual foi proferida sentença a 14-07-2020, com a declaração de ilicitude do despedimento da ora Autora trabalhadora, com a condenação da ora Ré empregadora a “b) pagar à Trabalhadora as retribuições vencidas desde 31.12.2019 até ao trânsito em julgado da presente decisão; c) a reintegrar a trabalhadora na sua categoria e antiguidade”.
4. A 13.06.2022 a Autora trabalhadora ainda não tinha recebido os valores que lhe são devidos, nem regressou ao seu posto de trabalho.
5. A Autora trabalhadora instaurou ação de execução da decisão proferida e deduziu incidente de liquidação.
6. A ora Ré empregadora deduziu embargos de executado.
7. Por sentença datada de 02.02.2022, foi homologada transação no incidente de liquidação em que a Ré empregadora reconheceu ser devedora das quantias peticionadas.
8. Por sentença datada de 02.02.2022 foi homologada transação nos embargos de executado em que a ora Ré empregadora acordou “a trabalhadora será reintegrada a 14/02/2022, devendo apresentar-se no local de trabalho pelas 09:00horas”.
9. A 07 de março de 2022, a ora Ré empregadora intentou, novamente, execução nos próprios autos, com dispensa de citação prévia, a qual deu origem ao processo 140/20.0T8FNC.3, e ao processo de embargos de executado apresentado pela entidade empregadora (140/20.0T8FNC-B), tendo estes últimos sido liminarmente indeferidos, por sentença datada de 31-05-2022.
10. Por carta datada de 21 de março de 2022, a Ré empregadora enviou comunicação de suspensão preventiva por instauração de procedimento disciplinar, na qual o mandatário da requerida assume a posição de instrutor, alegando “com fundamento em comportamentos por si provocados e ocorridos após dia 14 de fevereiro último (…) as ameaças e injúrias dirigidas à gerente … e por essa razão se mostrar inconveniente a sua presença no local de trabalho”.
11. Por carta datada de 19 de abril de 2022, foi enviado à Autora trabalhadora a Intenção de Despedimento e Nota de Culpa.
12. A Autora trabalhadora respondeu à Nota de Culpa.
13. Por carta datada de 1 de Junho de 2022 a Ré empregadora comunicou à Autora trabalhadora a decisão de despedimento por justa causa.
14. A Autora trabalhadora apresentou-se ao trabalho no dia 14.02.2022, pelas 09:00horas, tendo a Ré empregadora ordenado que a mesma fosse para casa, para cumprir período especial de férias que terminaria no dia 25 de março de 2022.
15. Após contestar, de forma pacífica, tal decisão, a Autora trabalhadora viu-se obrigada a ir para casa.
16. No dia 14, perante o comunicado a Autora trabalhadora tentou questionar acerca da legalidade de tal decisão, bem como alertar para a imperatividade de cumprimento da sentença acima mencionada.
17. Por e-mail de sexta-feira à tarde anterior foi transmitida à Autora trabalhadora o período de férias que duraria até ao dia 25 de março.
18. Na mesma data, e através de e-mail dirigido pela mandatária da requerente ao mandatário instrutor do processo disciplinar, a Autora trabalhadora comunicou que, face ao estabelecido na sentença judicial em causa, se iria apresentar no local de trabalho às 9h00 no mencionado dia 14, devendo, na mesma data, ser ressarcida do valor total em dívida também fixado naquela sentença.
19. A Autora trabalhadora não foi consultada quanto ao gozo de férias fixado.
20. A Autora trabalhadora temia que, se não se apresentasse ao trabalho no dia e hora estipulados, aquela utilizasse tal ausência contra si, iniciando novo processo de despedimento.
21. No referido dia 14 de fevereiro, quando a Autora trabalhadora se apresentou foi recebida pelo ora instrutor e pela entidade empregadora, sendo que esta nessa data não falou com a Autoras trabalhadora.
22. A requerente trabalhadora foi questionada pelo advogado Dr. …, instrutor, sobre se não havia recebido o e-mail que enviou no dia 11-02-2022, ao final da tarde.
23. A trabalhadora confirmou a receção do e-mail, mas que, no dia do acordo judicial que deu lugar à reintegração, tinha perguntado à juiz acerca das férias, e que esta lhe tinha dito que a trabalhadora tinha direito a ser consultada e a escolher o respetivo período, tendo tais direitos sido confirmados pela sua advogada.
24. A Autora trabalhadora telefonou à sua advogada, a qual falou, via telefone, com o advogado da entidade patronal, que se encontrava no local.
25. Após a conversa entre os mandatários terminar, a Autora trabalhadora falou com a advogada, via telemóvel, tendo sido aconselhada a regressar a casa, pois a marcação das férias seria objeto de contestação escrita, facto que efetivamente ocorreu.
26. A Autora trabalhadora não teve qualquer comportamento autoritário, afrontoso, rude ou perturbador do serviço normal da farmácia.
27. Nesta data, a Autora trabalhadora não teve qualquer contacto direto com a entidade patronal (que não saiu do seu gabinete).
28. A Autora trabalhadora no final, pediu para que aquela tratasse do registo e caderneta da prática farmacêutica, uma vez que para obter a cédula profissional falta a entidade patronal proceder ao respetivo registo, sendo que este pedido já havia sido formulado anteriormente e que, naquele dia, foi feito de forma educada e nada insistente, não passando de um lembrete.
29. Nessa sequência, o advogado da Ré empregadora foi até ao interior questionar sobre este assunto a entidade patronal.
30. Tal documento não lhe foi entregue e a Autora trabalhadora abandonou calma e educadamente o local, não tendo proferido quaisquer palavras.
31. Nesse dia e ocasião encontravam-se na farmácia dois clientes, um local e um estrangeiro, a funcionária … e a empregada de limpeza de nome …
32. A Autora trabalhadora compareceu no dia 16-02-2022, às 9h00 (hora da abertura da farmácia e que corresponde ao horário de entrada que a trabalhadora antigamente cumpria), e pediu para falar com a entidade patronal, a ver se esclareciam a questão das férias, com entrega do original da declaração comprovativa, e horário de trabalho, o qual ainda não lhe havia sido comunicado.
33. Nessa ocasião e enquanto esperava a chegada da gerente da Ré, a Autora trabalhadora aproveitou para comprar um xarope para a sua filha e após o respetivo pagamento, disse à colega, com respeito e sem qualquer tom juncoso ou provocador, que iria aguardar na sala de espera da farmácia.
34. O que fez em silêncio.
35. Quando a gerente chegou, às 11h20m, acompanhada pelo marido, a Autora trabalhadora cumprimentou-o.
36. De seguida, a Dr.ª … questionou a Autora trabalhadora sobre o motivo da sua estadia no local, ao que esta respondeu que tinha ido pedir a declaração comprovativa das férias, que lhe foi entregue em mão no momento, e a caderneta completa para entregar na Direção Regional do Trabalho (onde lhe pediram tal documento para obtenção da Cédula Profissional).
37. A troca de palavras que decorreu, de forma pacífica, sem qualquer alteração de voz e com cordialidade mútua.
38. A Ré empregadora foi ao seu gabinete, tendo a Autora trabalhadora aguardado pelo seu regresso em silêncio.
39. Quando regressou, a Ré empregadora trouxe documentos para a Autora trabalhadora assinar, ao que esta respondeu que só iria assinar após falar com a sua advogada.
40. Perguntou, ainda, quando deveria regressar ao trabalho e qual o horário que iria ter, bem como quando iria receber o valor que lhe é devido a título de indemnização fixado no processo judicial ao que a Ré empregadora respondeu não saber ao certo, pelo que ia esclarecer esses assuntos junto da contabilidade e do seu advogado.
41. A conversa terminou quando a Autora trabalhadora questionou a representante da Ré empregadora acerca da dívida supramencionada, alegando esta que não iria continuar a conversa por desconhecimento e porque isso era um assunto a tratar com os advogados, tendo pedido para a trabalhadora sair.
42. Esta acedeu e saiu da farmácia, tranquilamente.
43. Em Dezembro de 2018 a Ré empregadora apresentou à Autora trabalhadora diversas propostas de acordo de cessação do seu contrato de trabalho, o que a Autora trabalhadora recusou.
44. A farmácia da Ré empregadora situa-se no Estreito da Calheta e tem três funcionários, sendo um deles a gerente da Ré, a qual exerce funções também ao balcão junto dos outros funcionários.
 O DIREITO:
Em discussão na apelação a exclusão da reintegração.
Decidiu-se na sentença, na sequência de pedido para o efeito formulado pela Empregadora, excluir a reintegração da Trabalhadora.
Previamente concluíra-se pela ilicitude do despedimento, ponderando-se que ““do cômputo da prova produzida firmámos, pois, convicção de que os factos imputados à requerente no processo disciplinar não ocorreram. Cabia à Ré a demonstração desta factualidade (artigo 342º, n.º 1, do Código Civil).” (…) “dos factos apurados, resultou verificada a versão apresentada pela Autora trabalhadora, a qual aponta no sentido da ausência de qualquer comportamento violador de qualquer dever pela mesma. Acresce que, ressalta à saciedade a ausência de qualquer facto na decisão final. O contrato de trabalho tem natureza eminentemente pessoal e assenta na indispensável confiança depositada no trabalhador, sendo que nada se apurou de desconforme quanto ao comportamento da Autora trabalhadora. Diversamente, assume preponderância o facto de a Ré empregadora assumir perante o tribunal uma data para efetivar a reintegração judicialmente ordenada do trabalhador e pretender protelar a mesma mediante a fixação de umas férias. Conclui-se, deste modo, e sem necessidade de mais considerandos pela ilicitude do despedimento da Autora trabalhadora por falta de fundamento.
A propósito do pedido de exclusão da reintegração afirmou-se na sentença:
Nos presentes autos, face ao conjunto da factualidade apurada temos por certo que a Ré é uma microempresa, se atentarmos à noção do artigo 100º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, e que existe a latência de um persistente conflito entre a Autora trabalhadora a Ré empregadora, através da sua gerente, o que é agravado pelo facto de esta também exercer funções no estabelecimento com os outros funcionários para onde seria efetivada a reintegração da Autora. A conjugação destas circunstâncias evidencia a séria possibilidade de perturbação da atividade empresarial, caso a reintegração da Autora trabalhadora ocorra, permitindo antever a impossibilidade de reconstituição prática da confiança inerente ao vínculo laboral.
Nestes termos, defere-se ao requerido e exclui-se a reintegração da Autora trabalhadora.
Insurge-se a Apelante alegando que se provou que os factos alegados pela Ré para fundamentar o despedimento ora ilícito não ocorreram de todo, carecendo o processo disciplinar de qualquer fundamento, nada se apurando de desconforme quanto ao comportamento da Autora trabalhadora. A Ré requereu a exclusão da reintegração, alegando, sem mais, que o regresso da trabalhadora é gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa. Para que a reintegração fosse excluída, sempre estaria a R. sujeita à demonstração que a mesma reintegração seria gravemente prejudicial e perturbadora para o funcionamento da empresa, o que não aconteceu.
Vejamos!
Em presença de um despedimento ilícito a regra é a reintegração do trabalhador (Art.º 389º/1-b) do CT).
Permite-se, contudo, não só substituir, a pedido do trabalhador, a reintegração por indemnização – a comumente conhecida indemnização de antiguidade ou indemnização substitutiva – como também, agora a pedido do empregador, uma idêntica substituição. Porém, neste caso, mediante invocação e prova de fundamentação adequada. Ali, trata-se do exercício de um direito potestativo, aqui da invocação de fundamentos cuja apreciação compete ao tribunal.
Na verdade, dispõe-se no Art.º 392º/1 que em caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Assim, para além dos pressupostos de cariz subjetivo – que, no caso, o Tribunal deu como adquiridos quando afirma não ter dúvidas sobre a classificação da Empregadora como microempresa – a lei consigna requisitos de natureza objetiva – factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Não surpreende tal grau de exigência, porquanto a medida há-de compaginar-se com o princípio constitucional da segurança no emprego.
Nessa medida, não basta ao empregador invocar, de forma vaga, que o regresso da trabalhadora é gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Compete à requerente do pedido de exclusão da reintegração o ónus de alegar e provar os factos e as circunstâncias das quais a lei faz depender o sucesso do pedido, recaindo sobre o tribunal um dever de controlo dos fundamentos invocados.
Maria do Rosário Palma Ramalho afirma mesmo que o tribunal deve ser especialmente exigente na apreciação do fundamento invocado para a oposição à reintegração, “avaliando se o regresso do trabalhador é, de facto, gravemente prejudicial e perturbador da atividade empresarial”. Isto porque, sendo o regime excecional, deve ponderar-se que o tecido empresarial português é maioritariamente constituído por microempresas, o juízo de inexigibilidade é sobretudo adequado ao despedimento disciplinar, podendo, contudo, a medida ser aplicável também nas demais modalidades de despedimento e porque a solução constitui um desvio ao princípio constitucional já supra referido (Tratado de Direito do Trabalho, Part II, Almedina, 858).
Conforme elucida João Leal Amado o ónus probandi recai, nesta matéria, sobre o empregador. “O fundamento invocado pelo empregador terá, por conseguinte que ser apreciado pelo tribunal, o qual será chamado a fazer um delicado juízo de prognose, avaliando se o regresso do trabalhador despedido seria ou não “gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa”” (Contrato de Trabalho, 2ª Ed., Wolters Kluver e Coimbra Editora, 430 e ss.).
No sentido do ónus da prova a cargo do empregador, militam também os Ac. da RE de 26/04/2018, Proc.º 905/17.0T8EVR no qual se decidiu que “O ónus da alegação e prova da existência dos aludidos pressupostos compete ao empregador, podendo o trabalhador alegar alguns dos factos impeditivos da pretensão do empregador, nos termos da regra geral estabelecida pelo artigo 342.º do Código Civil”,  da RC, de 9/01/2017, Proc.º 5064/15.0T8VIS ou da RP de 31/03/2020, Proc.º 18604/18.3T8PRT.
Ora, compulsado o acervo fático, não vislumbramos nele factualidade que permita ajuizar pelo preenchimento dos mencionados pressupostos.
É claríssimo, até pelo número de litígios ali elencado, que existe um conflito entre as partes, o que, contudo, não as impede de transigir sobre o objeto dos processos. Porém, nenhum facto nos permite imputar à Trabalhadora perturbação no funcionamento da empresa ou o prejuízo motivado pelo seu regresso à casa. Sendo que a perturbação jamais poderá ser criada pelo empregador e sendo que não basta um mal-estar nas relações pessoais entre trabalhador e empregador. Neste sentido, decidiu, aliás, o STJ em Ac. de 15/12/2022, Proc.º 9062/20.3T8LSB.
Como bem observa o Ministério Público no seu parecer, a própria R. reconheceu, no acordo de reintegração relatado nos pontos 3 a 8 do acervo fático, a viabilidade da reintegração.
Tal como invoca a Apelante, Júlio Gomes (in Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, p. 1031) afirma que “deve entender-se por «gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa», tomando como ponto de referência a norma do artigo 438.º, n.º 2 do Código de Trabalho de 2003, que «a oposição só é possível se o empregador demonstrar que o regresso do trabalhador é “gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da atividade empresarial” (artigo 438.º, n.º 2, parte final) o que é, na nossa opinião coisa bem distinta e muito mais exigente do que dizer simplesmente (…) que a reintegração terá de ser “inconveniente para a prossecução da atividade empresarial”. Na verdade, pensamos poder afirmar-se que raras vezes a reintegração deixará de ser inconveniente, pelo menos na perspetiva do empregador…. Exige-se, pois, algo muito mais grave que uma mera inconveniência: um prejuízo, uma perturbação tão grave para a atividade empresarial, que justifiquem que um facto ilícito não seja objeto de reparação in natura.”.
Assim, por absoluta falta de prova dos fundamentos que permitem excluir a reintegração, procede a questão em apreciação, devendo a Trabalhadora ser reintegrada.
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Pugna a Apelante por que em consequência da condenação na reintegração, seja a R. condenada no pagamento da sanção pecuniária compulsória requerida na contestação, em sanção de montante não inferior a €150,00 (cento e cinquenta euros) diários por cada dia de atraso em reintegrar a A. no seu local de trabalho, sem prejuízo de serem assacados outros danos em sede própria.
Reclamou-se na contestação:
- Declarar-se totalmente improcedente o pedido de oposição à reintegração formulado pela Ré, sendo a ré condenada, em consequência, a reintegrar a Autora no seu local de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade;
- Ser a ré condenada, também em consequência da ilicitude do despedimento, a pagar à A. a importância correspondente ao valor das retribuições que esta deixou de auferir…;
- Ser a Ré condenada, por cada dia de atraso em cumprir a sentença, no pagamento de uma cominação em montante não inferior a €150,00 (cento e cinquenta euros) diários, sem prejuízo de serem assacados outros danos em sede própria, devidos pelo atraso no cumprimento da reintegração da A. e pagamento dos respetivos vencimentos.
Sobre a contestação incidiu resposta.
Na sentença consignou-se que “Considerando o decidido mostra-se prejudicado o requerido pela Autora trabalhadora quanto à sanção pecuniária compulsória.
Impõe-se, pois, por força do disposto no Art.º 665º/2 do CPC, proferir decisão, uma vez que se dispõe dos necessários elementos, tendo a questão vindo suscitada desde os articulados.
Considerando quanto se dispõe no Art.º 829ºA/1 do CC, mostram-se preenchidos os pressupostos legais para aplicação da sanção, revelando-se, em face dos factos cuja prova se obteve, designadamente a litigiosidade latente, absolutamente razoável o montante pedido.
Procede, pois, o pedido.
<>
As custas da presente apelação são da responsabilidade da Apelada (Art.º 527º do CPC). Porém, não tendo a mesma contra-alegado, não é devida taxa de justiça (Art.º 7º/2 do RCP), pelo que se cingem às custas de parte.
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***
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença nos segmentos b) e d), condenando a Empregadora na reintegração da Trabalhadora sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e, bem assim, no pagamento, por cada dia de atraso em cumprir esta decisão, de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 150,00€ (cento e cinquenta euros) diários.
Custas pela Apelada, restritas às de parte.
Notifique.

Lisboa, 17/05/2023
MANUELA FIALHO
ALDA MARTINS
SÉRGIO ALMEIDA
Decisão Texto Integral: