Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21127/16.1T8LSB.L2-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
SUFICIÊNCIA DOS FACTOS ALEGADOS
LEGITIMIDADE PROCESSUAL PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Ao contrário do decidido no saneador sentença recorrido, entende-se que os autores alegaram factos suficientes para, provados, poderem levar à condenação dos réus a título de responsabilidade civil decorrente da prática de uma burla qualificada (arts. 217 e 218 do CP e 483/1, 2.ª alternativa, do CC).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo  identificados:



A 23/08/2016, A e outros 13 autores, intentaram uma acção comum contra (1) Banco Espírito Santo, SA – Em Liquidação = BES, (2) Haitong Bank SA (anterior Banco Espírito Santo de Investimento, SA = BESI), (3) GNB - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, SA (anterior ESAF - Espírito Santo Fundos de Investimento Mobiliário, SA), e (4) R, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhes as quantias que se vierem a apurar como diferença entre os montantes que vierem a ser recuperados pelos autores em resultado da liquidação da entidade emitente dos instrumentos financeiros que eles subscreveram e os montantes por eles investidos nos mesmos, mais juros remuneratórios e moratórios, vencidos e vincendos.

Para o efeito, alegaram, em síntese (feita, no essencial, pelos próprios autores no início da petição inicial), que:
Visam obter a condenação dos réus ao ressarcimento dos danos sofridos em resultado do colapso do Grupo Espírito Santo (GES), de que fazia parte a empresa Espírito Santo International (ESI), actualmente em processo de liquidação no Grão-Ducado do Luxemburgo, emitente dos títulos subscritos pelos autores.
A emissão dos títulos de dívida da ESI, que foram subscritos pelos autores junto do Banque Privée Espirito Santo, SA (BPES), sociedade de direito suíço com sede em Lausanne, fez parte de um esquema fraudulento de rotação de dívida, promovido e levado a cabo pelo BES e por várias empresas do grupo, entre elas o BESI, a sucursal portuguesa do BPES, e outras empresas do GES.
Os réus criaram e executaram um esquema fraudulento de rotação de dívida com vista a financiar prejuízos de diversas empresas do GES, incluindo o BES e a ESI, que viria a provocar a insolvência das principais empresas que compunham o grupo, nomeadamente a ESI, a Espírito Santo Financial Group, SA (ESFG), a Rioforte e o BES.
Em linhas gerais, o esquema de rotação de dívida permitia à ESI e suas filiais obterem fundos significativos através de emissões de títulos de dívida, obrigações, papel comercial, depósitos “fiduciários”, participações em sociedades veículos e outras formas, que foram criadas pelos réus e por outras sociedades instrumentais, como é o caso do BPES, Banco de la Venetie e BES Panamá.
O esquema fraudulento foi criado e dirigido por R, líder do Conselho Superior do GES, órgão máximo do GES, e Presidente da Comissão Executiva do BES.
Os réus nesta acção contaram ainda com a colaboração de outras pessoas individuais, nomeadamente com cargos de administração, direcção e chefia dos três primeiros réus, os quais agindo com dolo ou com negligência ajudaram, por acção ou omissão, a montar e executar o esquema fraudulento de angariação de recursos junto de investidores, entre os quais se contavam os autores.

No caso GES/BES, o esquema de financiamento assentava em quatro pilares:
(a)-Primeiro, na credibilidade da família ES, do BES e do GES, cujas origens remontavam ao século XIX, o que transmitia aos potenciais investidores a confiança e credibilidade necessárias para que aceitassem colocar as suas poupanças em dívida e outros títulos emitidos por empresas cuja actividade económica era consideravelmente inferior àquela que se supunha;
(b)-Segundo, no acesso a investidores angariados principalmente pelo BES e pelo BESI com o apoio de outras empresas do grupo, nomeadamente o BPES, o ES Bankers (Dubai) e a Banque Espírito Santo Venetie, que dava ao BES e ao GES fundos significativos que permitiam financiar as suas actividades e os prejuízos que foram sendo acumulados ao longo de vários anos;
(c)-Terceiro, no acesso a capitais do Grupo BES que actuava como um dos principais senão o principal financiador do GES, o que permitia evitar quaisquer problemas de liquidez pontual que o GES pudesse vir a registar; e
(d)-Quarto, na manipulação das contas do GES, ocultando a verdadeira dimensão do passivo do GES, e na sobrevalorizando dos seus activos, e outros actos que permitissem manter a ilusão na solvabilidade do GES e na sua solidez financeira.

O esquema fraudulento desenvolvido pelo GES traduziu-se na prática dos seguintes actos:
(a)-O BES e o BESI criaram nos seus clientes e nos investidores em geral a errónea convicção de que o GES e as entidades que o compunham, nomeadamente a ESI, emitente dos títulos de dívida subscritos pelos autores, eram entidades solventes com elevada capacidade financeira;
(b)-O BES e o BESI participaram e/ou lideraram a emissão de dívida do GES e das entidades que o compunham, nomeadamente a ESI;
(c)-O BES e a ESAF, então filial do BES, colocaram em fundos de investimento geridos pela ESAF largas quantidades de dívida do GES, cujo risco a ESAF transferia para os clientes do BES que subscreviam unidades de participação dos fundos geridos pela ESAF;
(d)-O BES, o BESI, o BPES, o BES Venetie, o Banco BEST, o ES Dubai e outras instituições do Grupo BES vendiam dívida do GES e das entidades que o compunham, nomeadamente da ESI, Rioforte, ES Property, ES Tourism e outras entidades ligadas ao GES, aos seus clientes a quem davam a falsa convicção de que o GES era solvente, convicção que era alicerçada na confiança no nome Espírito Santo e no BES, instituição financeira de reconhecido prestígio; e
(e)-O BES e o BESI ajudaram a ocultar os passivos da ESI e a sobrevalorizar os seus activos, prestando informação falsa aos seus clientes e aos investidores em geral sobre a real situação do GES e do próprio Grupo BES (onde se integravam).
Os autores, clientes do BES desde os anos 90, acabariam por ser apanhados neste esquema, não pela promessa de remunerações excessivas, mas pela confiança na família ES e no banco com o mesmo nome.
Os autores investiam sob recomendação do BES em diversos instrumentos financeiros do BES ou de veículos por si criados, nomeadamente obrigações e papel comercial, que se destinavam directa ou indirectamente a financiar o GES.
Em 2013, sob recomendação do BES, os autores abririam uma conta no BPES, que utilizariam para adquirir títulos de dívida da ESI, também sob recomendação dos seus gestores de conta.
A partir 2013, quando o Banco de Portugal exigiu ao BES que criasse uma barreira de protecção (que designou como ring fencing) do banco contra os riscos de incumprimento do GES, o BES e o BESI, violando as determinações do Banco de Portugal, aliciaram clientes a investir em títulos de dívida de empresas do GES.
Em 2014, à medida que o colapso do GES se avizinhava, o BES, o BESI, e R, agindo dolosamente, violando determinações do Banco de Portugal, intensificaram, com a conivência da ESAF, os esforços para transferir para clientes dívida de empresas do GES, que seria impossível estas empresas virem a honrar.
Desta forma, quando em Junho e Julho de 2014 as diversas empresas do GES deixaram de honrar os seus compromissos, os autores, entre outras vítimas do esquema desenvolvido pelos réus, viram os seus créditos sobre a ESI não serem cumpridos na data de vencimento.
Os autores reclamaram então os seus créditos sobre a ESI junto do administrador de insolvência da empresa no Luxemburgo, aguardando agora a liquidação da empresa para saber a parte que lhe caberá do produto da liquidação, sendo certo, no entanto, que dos montantes aplicados apenas receberão uma ínfima parte do que investiram se é que alguma coisa lhes caberá.

Os réus contestaram, impugnando os factos alegados pelos autores e os efeitos que os autores pretendem retirar deles.
Em 27/04/2017, foi proferido despacho a declarar extinta a instância relativamente ao BES, por impossibilidade originária da lide, tendo a acção prosseguido quanto aos três últimos réus.

A 13/12/2021, foi proferido despacho saneador julgando a acção improcedente contra os três últimos réus, no essencial com base na impugnação deduzida pelos réus.

Quanto à BESI porque:
Os autores não alegam factos concretos que possam imputar qualquer conduta à BESI, nomeadamente factos que pudessem consubstanciar a consultoria na estrutura de capital da ESFG, nem quaisquer serviços quanto à determinação da forma de financiamento da sua actividade ou à sua condição financeira, nem sequer a ocultação por parte da BESI da dívida ou da sobrevalorização dos activos de qualquer entidade. Nem identificam quais as regras a que BESI estaria sujeita na sua actividade que tenham sido desrespeitadas, sendo certo que as determinações do BdP não tinham como destinatária a BESI.

Quanto à ESAF porque:
Os autores apenas alegam que ESAF cria e gere fundos, não alegando factos concretos que possam imputar qualquer conduta relativamente à subscrição das obrigações e do papel comercial pelos autores. Nem sequer alegam que subscreveram qualquer fundo dos que ESAF geria.

Quanto a R porque:
(i)-As alegações dos autores não consubstanciam a factualidade necessária e suficiente à integração no art. 78 do CSC na medida em que o autor não invoca a insuficiência patrimonial do BES, de que o réu foi administrador, e não invoca que tal insuficiência decorre de uma actuação de R violadora de quaisquer disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais (quais as normas protectoras violadas e quais as condutas do réu que as violaram) e, finalmente, não invoca que, por causa disso, sofreu um dano;
(ii)-O art. 79 do CSC prevê que os administradores apenas respondem para com os terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções; (a)-os autores não alegaram factos que, uma vez provados, permitam afirmar que durante e por causa das funções de R enquanto administrador do BES o mesmo violou pessoalmente alguma disposição legal destinada a proteger interesses alheios que nem sequer é alegada concretamente - o alegado nos seiscentos e trinta e seis artigos da petição é meramente conclusivo ou de direito; (b)-a promoção da comercialização das obrigações de dívida de empresas aos balcões do BES, em si mesma considerada, não viola qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, sendo certo que não vem alegado que R tivesse conhecimento, quando alegadamente promoveu a comercialização, que a obrigada (a ESI), enquanto emitente, ao reembolso do capital investido, não tinha capacidade para proceder ao reembolso; (c)-não foi alegada qualquer factualidade que, uma vez provada, permitisse afirmar que os autores tenham adquirido as identificadas obrigações em consequência de alguma violação destinada a proteger os interesses dos consumidores (sendo normas de protecção de interesses alheios) e que tal tenha sido feito de acordo com as instruções de R; (d)-os autores não alegaram qualquer factualidade que impute ao RSE qualquer intervenção directa na subscrição das obrigações de dívida em causa nos autos - pelo contrário: quem teve intervenção foi o BPES.
(iii)-Quanto à previsão da responsabilidade do art. 304/1 do CVM, não se vislumbra nas alegações dos autores qualquer actuação de R, enquanto administrador do BES que, uma vez provada, pudesse traduzir a violação da obrigação de informar os autores, recomendando e advertindo-o acerca dos riscos de determinada operação, adequando o seu conselho e assistência à experiência, conhecimentos e perfil de risco do cliente, na medida em que R e o BES não tiveram qualquer intervenção directa na subscrição das obrigações de divida pelos autores.
(iv)-Acresce que, o dano alegado pelos autores é o não reembolso do valor empregue na subscrição das obrigações, na data do seu vencimento e os juros remuneratórios; ora, não se vislumbra na petição inicial a alegação de factos consubstanciadores do nexo de causalidade entre uma eventual actuação de R e o facto de na data do vencimento a ESI não ter procedido àquele reembolso.

Os autores recorrem desta decisão, porque entendem que alegaram factos suficientes para a condenação dos réus.

A 2.ª e a 3.ª ré contra-alegaram defendendo a improcedência do recurso.
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Questão que importa decidir: se na petição inicial foram alegados factos suficientes para a procedência dos pedidos.
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Apreciação:
As regras dos artigos 217 e 218/1 do Código Penal, das quais resultam a proibição, de alguém, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial de valor elevado, são, para efeitos do art. 483/1, 2.ª alternativa, do CC, disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, em que os danos puramente patrimoniais podem ser considerados.
Os autores descrevem actos praticados pelos quatro réus que se podem enquadrar, como os autores dizem, num esquema doloso fraudulento – em simultâneo com a prática de actividades económicas e financeiras lícitas -, com óbvios fins de enriquecimento ilegítimo deles e de outras pessoas inseridas naquele esquema, que levou à prática de actos, pelos autores, que lhes causaram prejuízos patrimoniais de valor elevado, ou seja, terem ficado sem o dinheiro por eles investido em instrumentos financeiros emitidos por pessoas inseridas naquele esquema, e sem o rendimento que esse dinheiro normalmente produziria.
Isto resulta desde logo da síntese – em grande parte suficientemente factual - transcrita acima no relatório deste acórdão. Não se esqueça que, como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, quando o art. 552/1-d do CPC exige a exposição dos factos essenciais, vinca que os factos instrumentais não devem, em princípio, ser alegados na petição inicial (CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2021, pág. 491).
De qualquer modo, depois, os autores desenvolvem, em centenas de artigos da petição inicial, tudo aquilo que tinham resumido. Em várias destas alegações utilizaram o sistema de transcrever afirmações de terceiros, feitas em depoimentos ou em relatórios, como se elas correspondessem à realidade, pelo que assim os autores estão a fazer suas tais afirmações, o que nada tem de especial.
No âmbito de um esquema fraudulento visando os fins referidos pelos autores, estes não têm de descrever a actividade de todos os membros da organização que levam a cabo esse esquema (nem é natural que dela tenham conhecimento), nem têm de discriminar todos os membros dessa organização, de que, aliás, não é natural de que tenham conhecimento; por outro lado, cada um dos membros dessa organização não tem de levar a cabo todo aquele esquema, ou seja, não tem praticar actos que digam respeito a todo ele, podendo antes assumir, como é próprio de qualquer organização, partes específicas desse esquema; mais: os prejuízos das vítimas de um esquema fraudulento não têm de derivar directamente da actuação em concreto de um dos participantes nesse esquema, nem têm de ser provocados de uma forma vinculada; basta que resultem, directa ou indirectamente, da existência e da manutenção daquele esquema, permitidas pela actividade de outros participantes no mesmo. Tudo isto serve para afastar várias das razões pelas quais os réus – e com eles o saneador sentença - diziam que os autores não tinham alegado os factos necessários à procedência dos pedidos.

Tendo isto em conta, veja-se, seguindo e confirmando as alegações dos autores, o que foi por eles alegado em relação a cada um dos réus que agora estão em causa:
Em relação à BESI, os autores, nos artigos 49, 50, 51, 104 a 120, 136 a 142 e 177 a 191 da PI, alegam factos relativos à participação dela na fraude de que resultaram os danos sofridos pelos autores; em particular, nos factos constantes dos artigos 136 a 142 descrevem as relações financeiras entre o grupo BES, do qual a BESI fazia parte, e certas entidades relacionadas com o grupo BES; nos artigos 143 a 153 e 157 alegam factos que atestam que o grupo BES, incluindo a BESI, actuou como um dos principais financiadores das empresas do GES e daí retirou proveitos, nas operações em que interveio e que lhe permitiram financiar a sua actividade e operações; no artigo 158 alegaram que a BESI beneficiou dos investimentos realizados pelo GES, através das suas filiais (nomeadamente da ESFG e da BESPAR) nos aumentos de capital realizados pelo BES desde 1992; no art. 13 da PI, alegam que a BESI, em 2014, violou as determinações do Banco de Portugal e aliciou clientes a investir em títulos de dívida de empresas do GES; nos artigos 14, 231 a 241 e 252 (estes últimos lidos à luz do 14 e tendo em conta a integração do BESI no grupo BES)alegam, através das afirmações de terceiros, que transcrevem, que o BESI [enquanto entidade do grupo BES e no âmbito da actividade que já tinham descrito de 104 a 120, 136 a 142 e 177 a 191, ou seja, de participação em operações de colocação de dívida do GES, pelo que teria, no mínimo, um dever de controlo de risco], agindo dolosamente e violando determinações do Banco de Portugal, ajudou a transferir para clientes dívidas de empresas do GES, sabendo ou não podendo ignorar que seria impossível estas empresas virem a honrar esses compromissos.
A isto tudo ainda se podem acrescentar vários outras alegações relativas à BESI nos artigos 48, 122, 127, 128, 157, 161, 166, 169, 201, 212, 214, 254, 317, 345, 348, 360, 379, 431, 442, 445, 446, 447, 449 e 450, que completam as anteriores ou lhes dão o devido contexto no esquema fraudulento descrito.

Quanto à ESAF: depois de alegarem, no art. 9/-c, que a participação dela, filial do BES, no esquema fraudulento desenvolvido pelo GES, traduziu-se na colocação em fundos de investimento geridos pela ESAF de largas quantidades de dívida do GES, cujo risco transferia para os clientes do BES que subscreviam unidades de participação nesses fundos e, no art. 14, que, em 2014, à medida que o colapso do GES se avizinhava, os réus, agindo dolosamente, violando determinações do Banco de Portugal, intensificaram, com a conivência da ESAF, os esforços para transferir para clientes dívida de empresas do GES que seria impossível estas empresas virem a honrar, desenvolvem isso nos artigos 51/-b, 80 a 100, 431 e 432, onde falam dos fundos de investimento ES Liquidez e ES Rendimento por aquela geridos, cujas unidades de participação eram colocadas em balcões do BES junto dos seus clientes, assim conseguindo, com o BES, fazer com que numerosos clientes do BES subscrevessem unidades de participação nesses fundos, aparentemente com risco reduzido, cujos activos subjacentes eram, na realidade, compostos em grande parte por dívida do GES, sendo activos de alto risco senão mesmo tóxicos; no art. 101 concretizam, através do que consta de uma auditoria que, até Outubro de 2013, as carteiras dos fundos de investimento mobiliário ES Rendimento e ES Liquidez eram compostas, essencialmente, por papel comercial emitido por entidades do GES, tendo a exposição conjugada destes fundos ao GES ascendido a cerca de 2,3 mil milhões de euros em agosto de 2013; no art. 102 concluem que os fundos ES Liquidez e ES Rendimento geridos pela ESAF serviram como instrumentos de colocação de dívida do GES – com o objectivo de manter a funcionar a máquina de angariação de investidores para a dívida do GES em prejuízo dos investidores - e não como um instrumento financeiro ao serviço dos investidores, em violação de um “conjunto muito significativo de deveres” pelos quais deveriam ter pautado o exercício da sua actividade (deveres que são concretizados muitas vezes ao longo da PI, como, por exemplo, no artigo 103, onde os autores alegam que a ESAF, apesar de partilhar funções de risco com o BES, nunca mandou apurar a verdadeira capacidade financeira dos emitentes da dívida GES adquirida pelos fundos ES Liquidez e ES Rendimento).

Quanto a R, alegaram que: foi administrador do BES desde Setembro de 1991 a 13/07/2014 (o que decorre de vários dos artigos referidos a seguir); era o líder do Conselho Superior do GES, órgão máximo do GES e Presidente da Comissão Executiva do BES (art. 6); era ainda o líder de um dos ramos da família ES que controlava a ES Control e, por via dela, a ESI, a ESFG, o BES, o BPES, a Rioforte e as demais filiais do GES (art. 452); era também Presidente da Comissão Executiva, do Conselho Financeiro e de Crédito e do comité ALCO do BES, bem como tinha a seu cargo os pelouros do Departamento de Planeamento e Contabilidade, Departamento de Comunicação, Departamento de Estruturação de Empresas e Gabinete de Relações com Investidores no BES (arts 451 e 461), factos, esses, que são relevantes, uma vez que demonstram, por regras de experiência comum, o papel central que o R tinha, praticando com outros, uma gestão centralizada de tesouraria (art. 455); as principais decisões relativas à administração do GES, tanto no que respeita à sua área não-financeira como à sua área financeira, eram tomadas pelo conselho superior do GES onde tinham assento os principais accionistas da ES Control ou representantes dos respectivos ramos familiares, incluindo R como presidente da comissão executiva e vice-presidente do conselho de administração do BES, e J como vogal do conselho de administração do BES e presidente do BESI (arts. 435 e seguintes); ao conselho superior foram reportadas as dificuldades do GES e do BES e as discussões havidas entre a ESFG, o BES e o Banco de Portugal, tendo todos os seus membros, incluindo R, conhecimento da falsificação das contas da ESI (art. 440); o BES não realizou “qualquer análise ao risco emergente, para o BES, da colocação dessa mesma dívida [dívida da ESI] através dos seus balcões” (art. 251); o BES atribuiu um rating muito favorável à ESI, quando o risco era muito superior, encontrando-se na posse de “informação suficiente para detectar desconformidades entre a situação reportada nas demonstrações financeiras da ESI e a sua verdadeira situação financeira e patrimonial, uma vez que o valor de dívida ESI detida em custódia era substancialmente superior ao valor da dívida reconhecida nas próprias contas da mesma empresa” (arts 250, 258, 260, 261, 267, 268 e 269); num relatório de rating da ESI, o qual foi elaborado a pedido de R (art. 262), o BES avalia o grau de complexidade e transparência da ESI, atribuindo-lhe o grau máximo transparente o que justifica com o “profundo conhecimento” dos activos da empresa, bem como a capacidade e flexibilidade financeira dos accionistas, classificando-a de “relevante” (arts 293 e 296); os mecanismos de controlo de risco em relação às empresas do GES não funcionaram ou falharam (arts 231 a 239 e 241): 236: a colocação de papel comercial da ESI junto dos seus clientes dá-se num momento que altera de forma significativa a percepção de risco da ESI com a identificação do valor real do seu passivo financeiro no quadro do ETRICC 2: mais 2300 milhões de euros relativamente a Dezembro de 2012, ou seja, o BES colocou o papel comercial da ESI junto dos seus clientes de retalho com base em contas que estavam materialmente incorrectas, as quais devidamente corrigidas, agravavam de forma muito significativa o perfil de risco do emitente; 237: as contas não estavam auditadas, não eram consolidadas, mas havia um rating que confiava nas contas e, por isso, sustentava a possibilidade de que aquele papel comercial poderia ser colocado em clientes, mas que baseava em contas que não eram verdadeiras; 239: quando se faz uma análise de risco, deve-se confiar nas contas, fazer análises; há um segundo dever de diligência, que é saber se a consolidação das contas está toda bem-feita, isto é, se o perímetro é todo consolidado; 243: o responsável do BES pela área da consolidação era a contabilidade, o pelouro de R; o responsável pela avaliação de risco, na altura em que começam os problemas a ganhar dimensão, foi sempre J [em Julho de 2014, quando se deu o colapso do GES, era membro do conselho superior: art. 436] e G nos dois últimos anos [foi administrador executivo do BES desde 2000 até 2014 e teve funções executivas tendo até a seu cargo o pelouro do crédito: art. 232]; houve a violação de um conjunto de deveres ao nível do sistema de controlo interno, previstos pelo aviso n.º 5/2008 do Banco de Portugal, quer ao nível das responsabilidades gerais do órgão de administração, quer ao nível das responsabilidades das entidades, designadamente a violação dos deveres consagrados nos artigos 6 (estrutura organizacional), 11 (princípios aplicáveis aos sistemas de gestão de riscos), 15 (processo de controlo de riscos), 18 (responsabilidades do órgão de administração relativamente ao sistema de gestão de riscos) (art. 252); no plano contra-ordenacional, os factos [referidos na nota de síntese do Banco de Portugal da auditoria forense relativa ao acréscimo de passivo financeiro da ESI e seu reflexo no activo – que poderão ser confrontados com os descritos pelos autores] poderão configurar a prática da infracção especialmente grave de gestão ruinosa, em detrimento de depositantes, investidores e demais credores, praticados pelos membros dos órgãos sociais, prevista e punida no artigo 211/-L do RGICSF (art. 253).
Por tudo isto, concluem os autores, é com elevado grau de probabilidade que se pode (no mínimo) dizer que R era o líder máximo do GES e, por conseguinte, que foi um dos principais senão o principal mentor do esquema fraudulento do GES e responsável, atendendo às funções de liderança que ocupava nos diversos órgãos de administração do GES, pelos diversos actos e omissões que “alimentaram” aquele esquema de rotação de dívida do GES pelo Grupo BES e de colocação de dívida do GES junto de clientes como os autores.

Por fim, os autores alegam, para descrever a forma como ocorreram os prejuízos de que pretendem ser indemnizados, nos artigos 471 a 518, que (como alguma síntese): foram clientes do BES desde os anos 90 do século passado. Desde o início do milénio, as contas bancárias dos autores foram acompanhadas pelo balcão de Private Banking (PB) do BES no Porto. A direcção do aludido balcão estava a cargo de F. Durante o largo período em que foram clientes do BES, sempre mantiveram uma relação muito próxima com a equipa de PB e conheciam pessoalmente vários administradores do BES, nomeadamente M, que dirigia a divisão de PB do BES. Desde essa altura, os autores colocaram uma grande parte dos seus investimentos em instrumentos financeiros de entidades ligadas ao BES e ao GES (o que concretizam), muitos dos quais serviram para financiar o esquema fraudulento do GES. A partir de Maio de 2012, os autores foram contactados por gestores do BPES e pela própria equipa de PB do BES, instando-os a abrir conta junto do BPES, por ser no estrangeiro e por, dessa forma, os capitais dos autores ficarem reunidos na mesma entidade, ou seja, no BES. Confrontados com esta hipótese, e antes de tomarem qualquer decisão, os autores decidiram consultar M, o qual lhes manifestou a sua concordância com a solução proposta pelo PB, o que tranquilizou os autores e determinou a sua decisão. Assim, confiantes no bom nome do BES e da família ES, bem como na relação de confiança existente com os mais altos quadros do BES, os autores acabariam por, em meados de 2013, abrir contas junto do BPES (o que concretizam). Após abrirem as contas junto do BPES, os autores transferiram a maior parte das suas poupanças pessoais das suas contas BES para aquelas contas no BPES. Essas poupanças viriam a ser aplicadas (entre 25/06/2013 e 03/02/2014) em instrumentos financeiros da ESI (da forma que concretizam), investimentos esses que, a final, não viriam a ser recuperados pelos autores. Muito embora fossem titulares de contas junto dessa instituição, os autores nunca se deslocaram às instalações do BPES. Todas as reuniões em que intervieram, independentemente de o assunto respeitar a contas do BES ou do BPES, ocorreram sempre nas instalações do BES ou nas instalações da sociedade pertencente à família daqueles ou na sua na sua residência. Tanto para os autores como para a equipa do PB e do BPES, tudo se passava como se as contas bancárias pertencessem sempre ao mesmo universo: o BES. Acresce que M era, simultaneamente, responsável pela divisão do PB do BES e administrador do BPES, o que reforçava a ideia transmitida aos autores de que, apesar de diversas, aquelas duas entidades representavam uma só, o BES. Ao terem conhecimento das notícias sobre o eminente colapso do GES, alguns dos autores reuniram, no dia 27/05/2014, na sede da divisão de PB do BES do Porto com M e F. Nessa reunião, M garantiu aos autores que resolveria o assunto no espaço de dois dias, o que não sucedeu. Nessa ocasião, M continuou a reforçar aos autores que o BES era uma instituição sólida e estável, refutando a existência ou eminência de qualquer colapso do GES. Na ausência de resultados, a 01/07/2014, alguns dos autores reuniram com R e ainda com C, administrador executivo do BES, na sede do BES, reunião foi agendada por intermédio da mulher de R que já tinha tido outros contactos com os autores, com vista a angariar, por força dos quais alguns destes ficaram próximos dela. Apesar das tentativas de recuperar os seus investimentos, os autores não os lograram recuperar.
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Perante tudo isto e quanto à BESI:
i\fica afastada a argumentação do saneador sentença, quanto à BESI, de que os autores “não alegam factos concretos que possam imputar qualquer conduta à BESI”, pois que eles foram alegados;
ii\ não há razão, ao contrário do que está na lógica do saneador, para que os autores tivessem que alegar “factos que pudessem consubstanciar a consultoria na estrutura de capital da ESFG” ou “quaisquer serviços quanto à determinação da forma de financiamento da sua actividade ou à sua condição financeira.”
iii\fica também afastada a argumentação de que não foram alegados factos de “ocultação por parte da BESI da dívida ou da sobrevalorização dos activos de qualquer entidade” porque eles foram alegados;       
iv\fica também afastada a argumentação de que não foram identificadas “as regras a que a BESI estaria sujeita na sua actividade que tenham sido desrespeitadas”, pois que elas decorrem suficientemente do que foi alegado, sendo que essas regras não têm de ser identificadas, na petição inicial, com recurso a artigos da lei; e
v\fica ainda posto em causa a conclusão de que “as determinações do BdP não tinham como destinatária a BESI” porque isso é algo dependente da prova de factos alegados pelos autores.

Quanto à ESAF, fica afastada a argumentação da sentença que está baseada no pressuposto de que os autores tinham que alegar factos concretos que pudessem imputar à ESAF qualquer conduta relativamente à subscrição das obrigações e do papel comercial que foram subscritos pelos autores. Pois que o que importa é que os autores imputam à ESAF factos que, provados, permitem a conclusão da sua participação no esquema fraudulento desenvolvido pelos réus de captação de investimentos em dívida do GES, que depois seria impossível reembolsar. Os prejuízos das vítimas de um esquema fraudulento, como já se disse acima, não têm de derivar directamente da actuação em concreto de um dos participantes nesse esquema, nem têm de ser provocados de uma forma vinculada.

Quanto a R,
- fica afastada a argumentação relativamente ao preenchimento da previsão do art. 78 do CSC, porque os prejuízos dos autores não têm de decorrer de uma actuação que preencha tal previsão, mas sim do esquema fraudulento descrito e concretizado pelos autores;
- pelo mesmo motivo, fica afastada a argumentação relativamente ao preenchimento da previsão do art. 79 do CSC; de qualquer modo, acrescente-se que a maior parte das afirmações constantes dessa argumentação esquece que os factos alegados pelos autores não podem ser vistos isoladamente, pois que é no âmbito daquele esquema que eles fazem sentido como fonte dos prejuízos;
- o mesmo se diga quanto à argumentação relacionada com a previsão de responsabilidade do art. 304/1 do CVM;
- por último, ficando provados todos os factos alegados pelos autores, parece muito mais certo que se chegue a conclusão oposta à que consta da parte (iv) da argumentação do saneador relativamente à responsabilização de R.
Em suma, fica afastada toda a argumentação do saneador sentença, relativamente à falta de alegação de factos suficientes para a procedência dos pedidos.
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Face ao que antecede, conclui-se que o saneador sentença está errado e tem de ser revogado.
Está errado porque concluiu que os factos alegados pelos autores não eram suficientes para a final se poderem dizer preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil imputada pelos autores aos réus, quando a conclusão contrária é a que se impõe.
Daqui decorre que não se está, como pretendem os autores no recurso, perante uma nulidade processual, ou uma nulidade do saneador sentença, mas sim perante um erro julgamento.
A revogação do despacho, vai implicar, como pretendem os autores a outro propósito, que se determine o prosseguimento dos ulteriores termos do processo, com a prolação de despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova (art. 596/1 do CPC).
Isto porque, quanto à excepção de prescrição, deduzida por R, este TRL, em substituição do tribunal recorrido (art. 665/2 do CPC), pode desde já adiantar que os autos não fornecem, ainda, os elementos necessários para a decisão dela, pelo que relega o seu conhecimento para final [foi a Srª juíza 2.ª adjunta que lembrou o que consta deste §.]
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O outro recurso subsidiário interposto pelos autores fica prejudicado.
Fala-se no ‘outro’ recurso subsidiário, porque o que acabou de ser apreciado também era subsidiário de um outro recurso, principal, entretanto não admitido por decisão transitada em julgado.
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Os autores pedem, cumulativamente com o recurso, que este TRL se substitua ao tribunal recorrido e aprecie a admissibilidade dos três requerimentos probatórios apresentados por eles, nos termos do disposto no artigo 665/2 do CPC, ordenando, dada a relevância da prova neles produzida, a junção dessa prova aos presentes autos.
A apreciação da admissibilidade dos requerimentos de prova depende do objecto do litígio e dos temas de prova, pelo que ela deve ser feita depois de despacho com aquela identificação e enunciação, pelo que não deve ser feita neste acórdão, dado que aquele despacho terá de ser elaborado pelo tribunal recorrido.
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O valor da taxa de justiça remanescente - de 673,5 UC (= 68.697€) -, é, tendo em conta o valor do recurso, manifestamente excessivo face ao trabalho (apesar de ele ter sido muito superior ao que ocorre em relação a processos normais) implicado na decisão do mesmo (isto apesar de o processo ser complexo e a conduta das partes em nada ter contribuído para a sua simplificação). Assim, dispensa-se essa taxa em 50% (art. 6/7 do RCP).
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Quanto a custas: face a já ter sido decidido de forma diferente no primeiro acórdão do TRL proferido nestes autos, esclarece-se que todos os recursos estão sujeitos a custas e a questão tem que ser decidida no final de cada um deles e não a final do processo principal. Sendo que no caso dos autos, quem fica vencido são os réus, mesmo que o réu R não tenha contra-alegado, já que se o processo não prosseguisse ele não poderia vir a ser condenado nos pedidos e, como o processo prossegue, ele pode vir a ser condenado (neste sentido, apenas por exemplo, comentários de Salvador da Costa aos acórdãos do TRP de 10/01/2019, Custas a final pela parte vencida (2), publicado no blog do IPPC de 27/03/2019): o disposto no artigo 527 do CPC é aplicável, não só aos recursos de decisões de mérito, como também aos recursos de decisões de forma lato sensu. […] O actual sistema de custas, implementado pelo DL 34/2008, de 26/02, não permite que no recurso, em qualquer caso, a condenação no pagamento das custas da parte que vier a ficar vencida a final. Aliás, se o nosso sistema de custas permitisse esse tipo de definição da responsabilidade pelo pagamento das custas do recurso, teríamos a anómala situação de condenação actual de uma entidade a determinar no futuro, em quadro de incerteza sobre essa determinação. […] Conforme resulta do disposto no art. 527/1 do CPC e no artigo 1/2 do RCP, os recursos são considerados processos autónomos para efeito de custas. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527 do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respectiva proporção. Como A, o recorrente, teve êxito no recurso, embora por razões de ordem processual, e B, a recorrida, foi por ele negativamente afectada, esta é nele parte vencida e, consequentemente, deu causa as custas concernentes, conforme a referia presunção. Em consequência, ao invés do decidido pela Relação, a recorrida B, porque vencida no recurso, é a parte responsável pelo pagamento das custas respectivas, pelo que neste devia ter sido condenada; e ao ac. do TRG de 23/04/2020, publicado no mesmo blog a 31/10/2020, sob o título Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final: 2 - O nosso sistema de custas processuais não comporta a condenação no pagamento de custas do recurso na proporção do decaimento a apurar a final. 3 – Vencido no recurso, apesar de nele não ter contra-alegado, é o recorrido B sujeito da responsabilidade pelo pagamento das respectivas custas em sentido estrito – sem a vertente da taxa de justiça.)
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A ré BESI/Haitong veio requerer a ampliação do objecto do recurso (art. 636/2 do CPC), a título subsidiário, defendendo que, no caso da procedência da questão suscitada pelos autores, o saneador / sentença recorrido deveria ser julgado nulo por omissão de pronúncia e substituído por outro que julgue procedente a excepção dilatória da sua ilegitimidade processual passiva, com a sua consequente absolvição da instância. Excepção deduzida por ela em requerimento de 23/05/2017: afastada a ré BES da acção, por inutilidade superveniente da lide, passaria a haver ilegitimidade passiva dos restantes réus.

Os autores tinham respondido a esta excepção, impugnando-a.

Apreciando:
Face ao disposto no art. 278/3 do CPC, considera-se que não se verificada a nulidade: como a procedência da excepção dilatória da ilegitimidade apenas conduziria à absolvição da instância dos réus e o tribunal recorrido entendeu que podia conhecer do mérito e absolver os réus dos pedidos, não tinha de conhecer a excepção dilatória [foi a Srª juíza 1.ª adjunta que chamou a atenção para o que consta deste §.]
Mas, agora, afastado o conhecimento do mérito no saneador-sentença, renasce a necessidade de apreciação da excepção dilatória, pois que não tem sentido mandar prosseguir o processo se a excepção dilatória dever proceder e este TRL já tem todos os elementos necessários para a decisão da questão (art. 665/2 do CPC).

Posto isto,

O que está em causa nos autos é um pedido de indemnização baseada em responsabilidade civil extracontratual. A obrigação da indemnização, nestes casos, é solidária (artigos 490 e 497/1 do CC), o que quer dizer que cada um dos devedores responde pela prestação integral (art. 512/1 do CC). Ora, neste caso, isto é, quando a lei permite que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, esclarece o art. 32/2 do CPC que basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.

Logo, está afastada a necessidade do litisconsórcio passivo para assegurar a legitimidade de qualquer réu.

Pelo que a excepção improcede.
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Pelo exposto, julga-se improcedente a excepção da ilegitimidade processual passiva superveniente deduzida pela BESI/Haitong e julga-se procedente o recurso, revogando-se o saneador sentença, devendo, por isso, o processo prosseguir os seus regulares termos, com despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Dispensa-se o pagamento de 50% da taxa de justiça remanescente. 
Custas do recurso (subsidiário), na vertente de custas de parte, pelos três réus restantes (que são quem perde o recurso).



Lisboa, 07/07/2022


Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas