Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
51/23.7SVLSB.L1-5
Relator: MANUEL JOSÉ RAMOS DA FONSECA
Descritores: PERDA DE VEÍCULO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ILICITUDE
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – O arguido condenado não possui legitimidade processual recursiva para recorrer do perdimento de bem, a favor do Estado, propriedade de arguida absolvida e que se conformou com esse perdimento.
II – Não cabe no objeto material que permite a interposição de recurso amplo de matéria de facto – art.º 412.º/3CPP – o recurso do Ministério Público que se limita a fazer sua a fundamentação de discordância de convicção constante de declaração de voto de vencido proferido em cumprimento da regra excecional contida no art.º 372.º/1/2CPP.
III – O transporte de “629 placas de resina de canábis, com o peso líquido total de 61.686,6 gramas.” revela uma ilicitude significativa e não aquela ilicitude diminuída que permite o enquadramento no crime de tráfico de menor gravidade – art.º 25.º- DL15/93-22janeiro.
IV – Nenhuma censura merece a aplicação duma pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão à situação concreta quando se está perante um Arguido que conta com 16 condenações anteriores, entre as quais 2 pela prática de crimes homótropos - tráfico de estupefacientes -, já então punidos com penas de prisão efetivas intramuros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
1.1. Decisão recorrida
Mediante Acórdão, datado e depositado a 7junho2024 (ref.s 436201972 e 436202052), foram:
1 - a AA absolvida:
a) da imputada coautoria material de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21.º-DL15/93-22janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C;
2 - o BB condenado:
a) na pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática, como autor material 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21.º-DL15/93-22janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C;
Mais foi determinado o perdimento, a favor do Estado, no que ora se cuida, como o veículo automóvel de matrícula AR-..-PH e respetivos documentos e chave, tudo ao abrigo do disposto nos art.s 109.º;110.ºCP e art.s 35.º;62.º-DL15/93-22janeiro.
1.2. Recursos
Inconformados com o referido Acórdão, do mesmo e junto do Tribunal a quo foram interpostos recursos pelo:
1.2.1. Ministério Público
- com entrada a 11julho2023 (ref. 399211828), pugnando pela condenação da AA como coautora material de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art.º 21.º-DL15/93-22janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões (sintéticas e adequadas) que se transcrevem:
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
“1.ª
Por ser contrária às regras da experiência da vida, constituiu um grave erro de julgamento o juízo de que AA desconhecia que havia estupefaciente no interior da mala do carro e consequente absolvição, mais não fosse pelo cheiro intenso a haxixe e pela bizarria de um regresso inopinado de férias.
2.ª
Toda a versão do co-arguido é notoriamente fantasiosa, sendo inverosímil que a mulher aceitasse trocar umas férias no Algarve por umas compras em Alcochete ou que se deslocassem 300 Km para comprar roupas para as férias, sendo certo que saíram do Freeport sem que tivessem realizado qualquer compra de vestuário, apesar de terem mais de seiscentos euros com eles.
3.ª
É inverosímil que a arguida condutora não questionasse o marido sobre os fardos, com cheiro a haxixe, colocados inopinadamente na mala do veículo por desconhecido espanhol.
4.ª
De acordo com as regras da experiência, o negócio de estupefaciente fazia parte da vida comum do casal, como resultou da naturalidade com que aceitou voltar do Algarve, da naturalidade com que assistiu ao carregamento do veículo e da naturalidade com que reagiu à intervenção policial e à apreensão de fardos de haxixe.
5.ª
Nenhuma pessoa comum, confrontada com dois fardos de droga no seu veículo e com uma intervenção policial, deixaria de questionar ou de mostrar emoção ou mesmo aflição, desespero ou confusão.
6.ª
A decisão maioritária do colectivo é contrária às regras da experiência comum, é contrária ao sentido de um cidadão médio e é contrária ao princípio da livre convicção.
7.ª
Toda a prova produzida foi uma demonstração indubitável de que AA sabia que participava no carregamento de 2 fardos de haxixe e que a mesma não hesitou em usar crianças menores, para reduzir a probabilidade de intervenção policial, surgindo a sua intervenção com foros de essencialidade no plano criminoso.
8.ª
É o que resulta das declarações de co-arguido e dos depoimentos das testemunhas policiais CC, DD e EE, assim como da informação de serviço de fls. 1/7.
9.ª
Norma jurídica violada: art.º 127.º do C.P.P.
10.ª
A final, devem os(as) Venerandos(as) Desembargadores(as) julgar como provados os factos a), b), c) e d), condenando-se AA pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, aplicando-lhe uma pena em espécie e medida a determinar pelos(as) Venerandos(as) Desembargadores(as).
J U S T I Ç A ! “
1.2.2. Arguido BB
- com entrada a 9julho2023 (ref. 39888787), pugnando, primeiramente pela restituição do veículo AR-..-PH, subsequentemente por alteração de qualificação jurídica dos factos e diferenciação de pena a aplicar, motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões (particularmente confusas, com evidente distanciamento de questões colocadas em sede de motivação e nesta final sede abandonadas, com uma mescla de institutos jurídicos e de referências deslocadas do cerne dos autos, assim como da legitimidade e interesse em agir exigíveis, além de desprovidas da síntese exigível, que só não se mandaram aperfeiçoar por ser, ainda assim, compreensível a final pretensão formulada em sede dos autos, os quais até revestem natureza urgente) que se transcrevem:
(SIC, exceto no que respeita à necessidade de correção da numeração, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
I
O Recorrente foi condenado pela prática em co-autoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 7 anos e 9 meses de prisão;”
II
O Recorrente confessou integralmente os factos de forma credível e demonstrou arrependimento, pedido desculpa ao tribunal, à sua mulher, aos filhos e aos irmãos;
III
Em momento algum se provou que o arguido se dedicasse ao tráfico, foi uma actuação unitária e para pagamento de uma divida.
IV
Aquando da abordagem policial colaborou e dispôs-se a mostrar para quem iria entregar a droga que transportou de Alcochete para a Ameixoeira.
V
Das declarações prestadas pelo arguido esclareceu que o carro foi comprado com o dinheiro que recebeu a título de indemnização do acidente de viação, para além também esclareceu que tanto a sua mulher, AA como ele, exploraram um café mas como sofreu o acidente ficou incapacitado para ajudar a sua mulher no referido café, e ela sozinha não conseguiu manter o negócio e trespassou o café, o que permitiu ao casal, guardar algum dinheiro, declarações corroboradas pela testemunha FF
VI
Resulta ainda do douto acórdão ao referir-se ao certificado de matrícula da viatura AR –… – PH, apreendida à arguida AA a fls. 39 dos autos, onde se extrai que a viatura é do ano de 2011, ou seja, adquirida em 2022-06-23, um ano antes da data dos factos, por AA. A arguida foi absolvida da prática do ilícito criminal, a viatura foi adquirida um ano antes da prática do ilícito criminal praticado e assumido pelo recorrente BB, é verdade que foi utilizado para transportar produto estupefaciente, mas sem o conhecimento do seu proprietário, no caso AA e foi adquiro de forma legal.
VII
Existe aqui um erro de julgamento deverá o douto acórdão ser renovado e a viatura apreendida nos autos e declarada a favor do estado em sede de acórdão, ser devolvida à sua proprietária que nada se provou quanto à prática de ilícitos criminais. Não estão preenchidos os requisitos para que a viatura seja declarada perdida a favor do estado, nos termos do art.º 109º, n.º 1 e 110º, do Cód. Penal, deverão douto acórdão ser renovado e a viatura ser devolvida à sua proprietária.
VIII
Como ficou demonstrado, o arguido desde do início teve sempre uma atitude colaborante, quer na sua detenção, quer em sede de primeiro interrogatório, quer em sede de audiência de julgamento, a investigação não quis saber quem era o individuo (fornecedor) que entregou o produto estupefaciente ao Recorrente em Alcochete, nem se quer tentaram segui-lo ou detêlo, assim como não quiseram saber a quem iria recebe-lo. Apenas ficaram satisfeitos com a detenção do recorrente, o elo mais baixo da pirâmide! Apesar do Recorrente ter tido uma postura de colaboração.
IX
O recorrente entregou o código de desbloqueio do TLM para análise, para servir na investigação.
X
A ser condenado, entende-se que a pena de 7 anos e 9 meses de prisão, pelo artigo 21º do DL 15/93, o Recorrente, à data era consumidor produto estupefaciente - haxixe, das buscas realizadas na sua casa, não lhe foi apreendido quaisquer objectos relacionados com o tráfico e não existem quaisquer sinais exteriores de riqueza, e encontrava-se a trabalhar com contrato de trabalho, não foi feita justiça!
XI
Na verdade, o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura, e como mero distribuidor. Num segmento intermédio, mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação). Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade á diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “Daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial”.
XII
O artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93 constituirá uma «válvula de segurança do sistema», destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial. Nesta senda, para distinguir o âmbito de aplicabilidade do art.º 21º do art.º 25º do diploma legal em causa, como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1997, publicado no BMJ 471 (1997), pgs. 163 e ss., “têm interesse, designadamente, o período de tempo da actividade, o número de pessoas adquirentes, da droga, a repetição de vendas ou cedências, as quantidades ou cedidas, os montantes envolvidos no negócio de tráfico de estupefacientes e a natureza dos produtos.” Caso se entenda que não integre o tráfico consumo estamos no âmbito de um tráfico de rua os arguidos que actuaram como vendedores e vigias devem ser punidos à luz do art.º 25º, alínea a), isto é, como traficantes de menor gravidade.
XIII
Embora no caso contrato e atendendo à matéria de facto dada como provada nomeadamente, nos pontos 32 e seguintes.
XIV
Houve uma notória violação da medida da pena aplicada ultrapassado em muito a medida da culpa concreta do arguido face aos factos dados como provados, tendo ainda, o acórdão em crise violado disposto nos artigos 40º, n.º 2 e 71, n.º 1 al. a), do Cód Penal;
XV
Acresce o facto de os fins de prevenção geral atendidos no douto acórdão ora em crise ultrapassam a medida da culpa do recorrente, a qual deve ser o primeiro e último limite na determinação da pena concreta a aplicar, bem como, descurou os fins de prevenção especial expressos na necessidade de reintegração dos arguidos encarado na vertente humana e social.
XVI
Mesmo que se entenda pela aplicação de uma pena deverá ser sempre inferior a 5 anos e suspensa na sua execução sob o regime de prova, salvo melhor opinião, justifica-se fazer uso do disposto no art.º 50º, do Cód. Penal.
XVII
Mesmo que assim não se entenda, deverá a medida da pena ser diminuída, e se situe abaixo do limite médio que será até 5 anos e 9 meses de prisão, para ser mais justa proporcional e adequada ao caso concreto e cumprir os fins que se visam com a sua aplicação.
Violaram-se: os artigos 32º, da CRP, 21º 25º, 40º, do Dec-Lei n.º 15/93, 40º, n.º 2, 50º, 70º, 71º e 72º, do C.P. e 374º, n.º 2 e 410º, n.º 2, al. a) do C.P.P.
Termos em que, e pelo mais que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, deverá ser alterado douto Acórdão nos termos peticionados, e em consequência, deverá ser absolvido o arguido da prática do crime de que foi condenado e convolado em tráfico de menor gravidade, deverá ainda a medida da pena ser diminuída e suspensa na sua execução, por se achar mais justa, adequada e proporcional ao caso concreto, e, assim, se fará a devida.
JUSTIÇA!”
1.3. Respostas aos recursos
Regularmente admitidos os recursos (a 12julho2024 - ref. 437186291) e de tal notificados, respetivamente, a AA e o Ministério Público junto do Tribunal a quo, ambos responderam:
1.3.1. a Arguida AA
- com entrada a 25julho2023 (ref. 39888787), pugnando no sentido da improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público, formulando as conclusões (algo desprovidas da capacidade de síntese exigida para tanto) que se transcrevem:
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
“1ª
– A impugnação da matéria de factos efectuada pelo recorrente, atinente aos factos não provados sob o ponto 2.2. alíneas a) a d), terá que improceder.

– A decisão do Tribunal de dar como não provada a factualidade supra resultou da ponderada análise crítica e concatenada de toda a prova, segundo as regras da experiência da vida, tudo conjugado com os factos dados como provados, os quais, posto que não impugnados, se encontram assentes.

– O Tribunal, no ponto 2.3. do Acórdão fundamentou, de forma exímia e exaustiva, todos os pontos da matéria de facto provada e não provada. Pelo que a leitura da fundamentação do Acórdão deixa clara a correção e justeza da decisão.

- A Digna Magistrada do M. Público, fundamenta a sua pretensão em convicções pessoais; em premissas (factos) não provadas; em transcrições parciais; expressões soltas, desgarradas e desinseridas do contexto, que altera o sentido das declarações.
Vejamos os argumentos:

- I - “Não é verosímil, para qualquer homem médio, que AA desconhecesse que participava no transporte de haxixe. Mais não fosse pelo cheiro intenso e pela bizarria de um regresso inopinado de férias.”

- A conclusão constante da primeira parte do argumento baseia-se em duas premissas não provadas: a de que existia um intenso cheiro a haxixe e a de que o regresso a Lisboa, foi “uma bizarria e um regresso inopinado de férias”.

- Quanto ao alegado “cheiro intenso a haxixe” cumpre salientar que o M. Público, das declarações do agente DD, transcreveu apenas a seguinte expressão: “sentia-se”. Ora, esta expressão solta, foi retirada do contexto, alterando o sentido em que foi proferida.

- Na verdade esta testemunha, que abriu a porta do veículo do lado da arguida AA, declarou que não se apercebeu do cheiro a haxixe no interior do habitáculo do veículo (min. 16’35).

- Quando referiu "sentia-se um pouco" foi reportado ao portabagagens (min. 16’10).
10ª
- Acresce que estamos a falar de algo subjetivo e não mensurável como é a perceção da intensidade do cheiro! É consabido que o olfacto é um sentido que varia muito de pessoa para pessoa. Se existem pessoas com o sentido do olfacto extremamente apurado, outras há, que têm o olfacto pouco apurado e outras que simplesmente não têm olfacto. Não sabemos qual a condição da AA sobre este aspecto.
11ª
- Por outro lado está provado (pontos 47 e 48 da matéria de facto provada) e não impugnado no recurso, pelo que assente, que o arguido BB era consumidor de haxixe há muitos anos, facto que era do conhecimento da esposa, pelo que era natural que no veículo exalasse cheiro a haxixe.
12ª
- I - b) Quanto à alegada “bizarria de um regresso inopinado de férias”.
13ª
- Desde logo, ao contrário do argumentado pelo M. Público, o casal não ia “passar férias ao Algarve”, mas sim visitar a avó da AA, que ali vive, que a criou e que é a sua figura de referência afectiva, o que fazem com frequência (ponto 30 da matéria provada).
14ª
- Por outro lado, a relação conjugal dos arguidos caracterizava-se por um domínio de BB sobre a mulher, AA, as decisões inerentes ao casal, onde ir e o que fazer eram essencialmente tomadas pelo arguido (pontos 26 a 28 da matéria provada), pelo que a arguida acatou a sua decisão deste, o que era comum.
15ª
- As premissas em que se baseia o argumento do M. Público não se verificam, nem existe qualquer matéria provada sobre as mesmas.
16ª
- Os arguidos não foram ao Algarve  passar férias, mas sim visitar a avó da AA que ali reside, pelo que não ocorreu qualquer regresso de férias e muito menos inopinado e bizarro.
17ª
- O segundo argumento do recorrente: II - “É inverosímil que a mulher e condutora não questionasse o marido quanto à colocação, por desconhecido espanhol, de dois fardos no interior do portabagagens.” Parte de três premissas falsas e não provadas.
18ª
- II a) – Que a arguida AA sabia que o indivíduo que contactou com o marido no parque de estacionamento do Freeport, era espanhol – Nenhuma prova foi feita sobre tal temática.
19ª
- II b) – Que a arguida AA sabia que tinham sido colocados dois fardos no porta-bagagens – Não foi feita qualquer prova nesse sentido, antes pelo contrário, fez-se prova de que a arguida se apercebeu que foi colocado algo na bagageira, mas não soube o quê. (Declarações do arguido BB, sessão de 11/04/24, minutos 26’30 e 45’26; Depoimento do Agente da PSP, CC, de 22/05/24: minutos 10’42; 11’00; 17’19; 17’49; 22’37; 22’42
20ª
- Como bem concluiu o Tribunal: “…Não se ignora que seria expectável que a arguida se tivesse apercebido que algo estava a ser colocado na bagageira, considerando que os dois fardos pesavam mais de sessenta quilos. Mas poderemos afirmar, com a segurança que se impõe nesta sede penal e na fase de julgamento que a arguida sabia que o que acabara de ser ali colocado era produto estupefaciente?
Crê-se que não.
Poderia ser uma infinidade de coisas, licitas ou ilícitas …tanto mais que do local onde a arguida se encontrava não tinha visibilidade para poder ver sequer a dimensão/características exteriores do que estava a ser colocado na bagageira.”
21ª
- E dizemos nós, poderia ter sido colocado no porta-bagagens do veículo sacos de batatas; de melões; de melancias; etc. Produtos da época do ano em que ocorreram os factos (Julho), que se produzem naquela zona e com peso considerável.
22ª
- “II c) - Que a arguida AA não questionou o marido.” O que resultou da prova foi exatamente o inverso do que é alegado pelo M.P.. Resultou que a arguida AA questionou o marido e que ele lhe respondeu: “eu depois falo contigo”. Declarações do arguido BB, sessão de 11/04/24, minutos 26’30 e 26’34.
23ª
- Ora, entre os elementos de um casal existe, normalmente, uma relação de confiança, sendo natural que perante a resposta do marido, a esposa a acatasse, ficando a aguardar posterior explicação.
24ª
- E ainda mais numa relação com as características que ficou provada existir neste casal, em que a AA é muito mais jovem que o marido e existe “um domínio de BB sobre a mulher, AA; sendo a arguida economicamente dependente do companheiro e das prestações sociais que recebem; as decisões eram essencialmente tomadas pelo arguido; a arguida cuidava dos filhos e das lides domésticas” (pontos 26 a 29 da matéria de facto assente).
25ª
- Quanto ao terceiro argumento do recurso: “III) É inverosímil que AA não se tivesse apercebido que os fardos exalavam um intenso cheiro a estupefaciente.”
26ª
- Mais uma vez, o argumento parte de premissas falsas e contrárias à prova produzida. III a) - Desde logo, e mais uma vez, a errada premissa de que a arguida AA sabia que tinham sido colocados “fardos” na bagageira do carro. O que não corresponde á verdade, como já expusemos supra.
27ª
- III b) – Em segundo lugar a errada premissa de que os fardos exalavam um intenso cheiro a estupefaciente. O que também não resultou da prova. Sobre este assunto remetemos para o que explanamos no ponto I - al. a) desta nossa resposta ao rebater o 1º dos argumentos do M. Público.
28ª
- Finalmente quanto ao quarto argumento do M. Público: IV – “De acordo com as regras da experiência comum o negócio do haxixe fazia parte da vida comum do casal, como resulta da naturalidade com que aceitou voltar do Algarve, da naturalidade com que assistiu ao carregamento do veículo e da naturalidade com que reagiu à intervenção policial e à apreensão dos fardos de haxixe.”
29ª
- Mais uma vez a conclusão do M. Público de que o negócio do haxixe fazia parte da vida comum do casal, resulta de três premissas falsas e indemonstradas.
30ª
- IV a) – “Naturalidade com que a AA aceitou voltar do Algarve”. Sobre esta matéria escusamo-nos de repetir o que já dissemos ao rebater o 1º dos argumentos do recurso do M. Público, ponto I al. b) desta nossa resposta.
31ª
- IV b) – “Naturalidade com que assistiu ao carregamento do veículo”. Como se disse supra, no ponto II AL. b) da nossa resposta ao 2º argumento do M. Público, para o qual remetemos, a arguida AA não assistiu ao carregamento do veículo. Encontrava-se sentada no banco do conductor, a tomar conta dos dois filhos de tenra idade e um deles muito irrequieto, não tinha visibilidade para o porta bagagens, apercebeu-se de que algo foi colocado no porta-bagagens do veículo, quando o marido entrou no carro questionou-o sobre o assunto, tendo o mesmo respondido “eu depois falo contigo”. O que demonstra que a AA não sabia o que foi colocado no portabagagens e que não reagiu de forma natural.
32ª
- IV c) - “Naturalidade com que reagiu à intervenção policial e à apreensão dos fardos de haxixe”. Também esta premissa não corresponde á verdade, nem à prova produzida, bem pelo contrário. Depoimento da testemunha policial DD, que abordou directamente a arguida AA. Sessão de 22/05/2024, minutos 1:51; 02’19;12’10. Onde o mesmo afirma que a AA ficou admirada e que questionou porque a estavam a mandar parar.
33ª
- O MP, no seu recurso, olvida os princípios da imediação; da presunção de inocência; do “In dúbio pro reo” e faz uma errada interpretação do princípio da livre apreciação da prova.
34ª
– O que o recorrente pretende, sem base probatória nem fundamentação válida, é fazer valer a sua convicção em deterimento da apreciação da prova do Tribunal, esta sim baseada na prova produzida e devidamente fundamentada.
35ª
- A matéria fáctica dada como provada pelo Tribunal é a que efectivamente resultou da prova realizada em julgamento, sendo a mesma insuficiente para a condenação da arguida.
36ª
- Em tudo se concorda com o acórdão recorrido, o qual faz uma correcta e exaustiva análise crítica da prova. Resulta claro do texto da decisão a dúvida razoável do Tribunal, Tal dúvida, atento os princípios do in dúbio pro reo e da presunção de inocência conduziu, como não poderia deixar de ser, á absolvição da recorrente.
37ª
- A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, mormente a invocada pelo recorrente.
TERMOS EM QUE, DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MP.”
1.3.2. o Ministério Público
- com entrada a 15julho2023 (ref. 39960648), pugnando no sentido da improcedência do recurso interposto pelo BB, formulando as conclusões (sintéticas e adequadas) que se transcrevem:
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
1.ª
Quase 60 quilos de estupefaciente, eis o que transportava o Recorrente e a sua companheira, em proporções que impedem qualquer veleidade de redução da ilicitude ou da culpa.
2.ª
Os sessenta mil gramas de estupefaciente, transportados pelo Recorrente e sua companheira, na companhia de 2 filhos menores, destinavam-se a um amplo espectro de consumidores concretos.
3.ª
As tentativas de minimização da ilicitude do tráfico dos “correios de droga” são contrariadas pela Jurisprudência constante, pois os mesmos são antes elementos essenciais da distribuição ou escoamento do estupefaciente até aos consumidores, fazendo-o conscientemente.
4.ª
Acresce que o Recorrente tem 10 condenações anteriores, sendo 2 por tráfico de estupefaciente.
5.ª
O Recorrente insurge-se contra a perda do veículo onde transportava 2 crianças + 60 Kg. de estupefaciente + condutora sem carta.
6.ª
Sucede que o veículo não é sua propriedade, pelo que não tem interesse em agir, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado, nesta parte – art.º 401.º, n.º 2, do C.P.P.
7.ª
Consequentemente, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão em crise na parte relativa à condenação de BB e à perda do veículo (sem prejuízo de o Acórdão dever ser revogado, na parte relativa à absolvição de AA).
JUSTIÇA”
1.4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, o qual, com concreta e circunstanciada explanação, emitiu parecer (a 9setembro2024 - ref. 22017523) pugnando nos seguintes termos:
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
“a) relativamente ao recurso interposto pelo Ministério Público, o recurso deve ser julgado procedente e o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene a AA nos termos anteriormente apontados.
b) relativamente ao recurso interposto pelo BB, o recurso deve ser julgado improcedente e, consequentemente, manter-se, nesta parte, o Acórdão recorrido.”
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório, respetivamente inexistindo resposta do Arguido e existindo resposta da Arguida.
Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso seja julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Apreciação do recurso
2.1. Sentença recorrida
Dada a sua relevância para o enquadramento e melhor compreensão do infra a decidir em termos de delimitação do objeto de recurso, urge, desde já, aqui verter quer a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, as razões para tal e ainda, por fim, o enquadramento jurídico que efetua na fundamentação de direito.
2.1.1. Factos provados
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
1. “No dia 30.07.2023, pelas 18h10, os arguidos, casados entre sim saíram da sua residência, sita na ..., em Lisboa, acompanhados dos dois filhos menores.
2. Em seguida, os arguidos entraram no veículo automóvel de marca BMW, série 3, com a matrícula AR-..-PH, pertencente à arguida AA.
3. A arguida AA ocupou o lugar do condutor, enquanto o arguido BB se sentou no banco dianteiro direito.
4. Enquanto os dois filhos menores do casal seguiam no banco traseiro do automóvel.
5. Os arguidos seguiram pela A12, e dirigiram-se para o Algarve.
6. No dia 31.07.2023, os arguidos, juntamente com os dois filhos menores, voltaram para Lisboa no referido automóvel.
7. A arguida AA conduzia o veículo, ocupando o arguido BB o banco dianteiro direito.
8. Cerca das 14h05 os arguidos passaram pela ligação da A2 com a A12, no sentido Sul/Norte.
9. Depois, seguiram para a A33, tomando a saída da EN199, no sentido de Alcochete, imobilizando o veículo no parque de estacionamento do estabelecimento Freeport, em Alcochete.
10. Em seguida, os arguidos e os dois filhos menores deslocaram-se para o centro comercial, onde ficaram cerca de meia hora.
11. Enquanto isso sucedia, chegou ao local um veículo automóvel, de marca BMW, modelo 320, com a matrícula espanhola ....BTT.
12. O referido veículo era conduzido por um indivíduo do género masculino cuja identidade se desconhece, e colocou-se junto ao veículo dos arguidos, aguardando pelo arguido BB.
13. Quando os arguidos regressaram ao seu automóvel, após colocarem os menores no banco traseiro, a arguida AA sentou-se no banco do condutor da sua viatura.
14. Enquanto o arguido BB permaneceu no exterior, abrindo a bagageira.
15. O referido indivíduo não identificado deslocou-se até ao automóvel de matrícula espanhola e estacionou-o paralelamente ao veículo em que seguiam os arguidos com os filhos.
16. Após, o referido indivíduo não identificado saiu do seu automóvel, abriu o porta-bagagens da sua viatura trocando algumas palavras com o arguido BB.
17. Depois de terem olhado em todas direcções, cada um dos referidos homens retirou um fardo do veículo com matrícula espanhola, colocando-o no porta bagagens da viatura em que seguia o arguido BB.
18. Seguidamente, o arguido BB ocupou o banco dianteiro direito do automóvel, seguindo os arguidos e os filhos menores em direcção a Lisboa.
19. Pouco tempo depois, o veículo em que seguiam os arguidos foi interceptado na Avenida ... nas imediações da rotunda da Ameixoeira, em Lisboa.
20. No interior da bagageira do referido automóvel de matrícula AR-..-PH encontravam-se os dois sobreditos fardos, que continham um total de 629 placas de resina de canábis, com o peso líquido total de 61.686,6 gramas.
21. No bolso do casaco de um dos filhos dos arguidos, dentro de uma mala de viagem, encontrava-se uma embalagem que continha resina de canábis, com o peso líquido de 62,711 gramas.
22. O arguido BB tinha consigo a quantia de €560, em 28 notas de €20.
23. A arguida AA tinha consigo a quantia de €70, em notas de €10.
24. O arguido BB agiu com o propósito concretizado de receber e ter consigo o referido produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conhecia, com o fito de o entregar terceiros, a troco do recebimento de quantias monetárias.
25. O arguido BB actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que essa suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Com relevo para a decisão a proferir, provou-se ainda das contestações:
26. A relação conjugal dos arguidos caracterizava-se por um domínio de BB sobre a mulher, AA.
27. Sendo a arguida economicamente dependente do companheiro e das prestações sociais que recebem.
28. As decisões inerentes ao casal, casa, filhos, onde ir e o que fazer eram essencialmente tomadas pelo arguido.
29. A arguida cuidava dos filhos e das lides domésticas.
Mais se provou que:
30. A arguida AA, filha de pais toxicodependentes, quando tinha 2 anos e 6 meses de idade ficou ao cuidado da avó materna, a qual reside no Algarve, com quem cresceu, sendo a sua figura de referência afectiva, mantendo com a mesma uma relação privilegiada e contactos permanentes.
31. Na data dos factos a arguida residia com o marido e co-arguido (com quem mantém um relacionamento há cerca de 7 anos), e os dois filhos menores, de 6 e 4 anos de idade, e a sobrinha, de 21 anos, que integra o agregado familiar da arguida há cerca de dois anos.
32. O agregado familiar reside em habitação camarária gerida pela ..., com boas condições de habitabilidade, cujo contrato de arrendamento se encontra em nome do arguido BB, gozando os elementos do agregado de uma boa dinâmica familiar, beneficiando de suporte por parte dos cunhados, a todos os níveis, que vivem nas proximidades, que acompanham os filhos menores nas suas saídas de casa.
33. Com a renda de casa e despesas inerentes ao sustento da casa e alimentação, despende o agregado a quantia mensal de € 286,00.
34. A arguida não aufere rendimentos, recebendo a quantia de € 240,00 a título de abono de família atribuído aos filhos menores, beneficiando de apoio financeiro dos seus cunhados.
35. Desde a sua reclusão, a arguida apenas mantém contactos telefónicos diários com o marido, tendo, entretanto, sido autorizada a visitar o cônjuge uma vez por mês, mantendo o casal avaliado um bom relacionamento.
36. Na data dos factos a arguida não desenvolvia actividade laboral estruturada, executando trabalhos pontuais na área da ….
37. No futuro pretende desenvolver actividade na área da estética de sobrancelhas, na qual fez formação.
38. Como habilitações literárias a arguida possui o 9.º ano de escolaridade.
39. No certificado de registo criminal da arguida AA não se encontram averbadas quaisquer condenações.
40. O arguido BB, tem ainda mais quatro filhos com 21, 19, 18 e 16 anos de idade, fruto de anterior relacionamento marital.
41. O ambiente familiar é pautado por fortes ligações afectivas, sentidas e avaliadas como gratificantes entre os elementos do casal.
42. A irmã do arguido, FF, tem vindo a constituir-se como um elemento apoiante e estruturante deste agregado, tendo ficado responsável pela guarda provisória dos filhos dos arguidos, durante o período de reclusão de AA.
43. A infância de BB decorreu em ambiente sócio familiar, numeroso e disfuncional, com agressividade, não se constituindo como um suporte afectivo, educativo e económico securizante, ficando em situação de grandes desprotecção e risco, que conduziram precocemente a práticas desviantes e a consumos aditivos.
44. Em termos profissionais, na data dos factos, o arguido BB realizava “biscates” na área da …, efectuando trabalhos pontuais de …, beneficiando de Rendimento Social de Inserção.
45. Como habilitações literárias, o arguido possui o 4.º ano de escolaridade, tendo ainda concluído um curso profissional na área da ….
46. Ao nível económico, à data dos factos, BB dispunha de um rendimento mensal de €575,00 decorrente do RSI, de biscates na área da … do arguido, de trabalhos ocasionais da esposa, na área das …, e do abono de família dos filhos menores.
47. O arguido apresenta um histórico de comportamento aditivo, tendo em criança, iniciado o consumo de substâncias psicotrópicas, como cheirar cola e fumar haxixe e consumos abusivos de álcool, tendo beneficiado acompanhamento na Unidade de Desabituação do Centro das Taipas.
48. Na data dos factos o arguido era consumidor de haxixe.
49. Em meio prisional o arguido BB apresenta um comportamento normativo, sem registo de infracções disciplinares.
50. Encontra-se laboralmente inserido, trabalhando como … no E.P. desde 22.11.2023.
51. Tem beneficiado do apoio da família, nomeadamente de sua irmã, que o visita e lhe presta apoio financeiro.
52. No certificado de registo criminal do arguido BB encontram-se averbadas as seguintes condenações:
a) Por acórdão transitado em julgado em 4.09.2003, proferido em 14.08.2003 pela 8.ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 371/01.1PULSB, foi o arguido condenado na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com regime de prova, pela prática em 11.04.2001, de um crime de tráfico de estupefacientes;
b) Por acórdão transitado em julgado em 23.03.2004, proferido em 8.03.2004 pela 4.ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 150/02.9PQLSB, foi o arguido condenado na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática em 21.08.2002, de um crime de roubo;
c) Por acórdão transitado em julgado em 3.11.2004, proferido em 19.10.2004 pela 9.ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 409/02.5PZLSB, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática em 26.06.2002, de um crime de furto qualificado, pena aplicada englobando as aplicadas nos processos referidos em a) e b), pena única que já se encontra extinta;
d) Por sentença transitada em julgado em 5.05.2005, proferida em 3.02.2005 pelo 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 961/04.0SILSB, foi o arguido condenado na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática em 7.05.2004, de um crime de condução sem habilitação legal, pena que já se encontra extinta;
e) Por sentença transitada em julgado em 27.06.2007, proferida em 12.06.2007 pelo 6.º Juízo Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 14/06.7SILSB, foi o arguido condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática em 11.11.2005, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, pena que já se encontra extinta;
f) Por sentença transitada em julgado em 15.10.2007, proferida em 24.09.2007 pelo 6.º Juízo Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 473/05.5PZLSB, foi o arguido condenado na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática em 11.04.2005, de um crime de ofensa à integridade física simples, pena que já se encontra extinta;
g) Por sentença transitada em julgado em 5.06.2008, proferida em 29.05.2008 pelo 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 964/06.0PZLSB, foi o arguido condenado na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática em 25.12.2006, de três crimes de injúria agravada, pena que já se encontra extinta;
H) Por sentença transitada em julgado em 29.10.2009, proferida em 29.09.2009 pelo 5.º Juízo Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 343/07.2PZLSB, foi o arguido condenado na pena única de 90 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, pela prática em 27.04.2007, de três crimes de injúria, pena que já se encontra extinta;
i) Por sentença transitada em julgado em 11.03.2010, proferida em 22.10.2009 pelo 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, no âmbito do processo n.º 290/09.3PZLSB, foi o arguido condenado na pena única de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova, pela prática em 23.05.2009, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e de dois crimes de injúria agravada, pena que já se encontra extinta;
j) Por acórdão transitado em julgado em 12.04.2012, proferido em 8.11.2010 pela 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, no âmbito do processo n.º 184/09.2JELSB, foi o arguido condenado na pena de 6 anos de prisão, pela prática em 6.04.2009, de um crime de tráfico de estupefacientes, pena que já se encontra extinta;
k) Por sentença transitada em julgado em 27.04.2016, proferida em 18.03.2016 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J4, no âmbito do processo n.º 62/16.9S9LSB, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, pela prática em 28.02.2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pena que já se encontra extinta;
l) Por sentença transitada em julgado em 23.06.2017, proferida em 24.05.2017 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J1, no âmbito do processo n.º 451/17.1PZLSB, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi substituída por 120 horas de trabalho, pela prática em 8.05.2017, de um crime de consumo de estupefacientes, pena que já se encontra extinta;
m) Por sentença transitada em julgado em 16.10.2017, proferida em 16.10.2017 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J4, no âmbito do processo n.º 139/17.3POLSB, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática em 6.01.2017, de um crime de condução de desobediência, pena que já se encontra extinta;
n) Por sentença transitada em julgado em 14.02.2019, proferida em 15.01.2019 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J5, no âmbito do processo n.º 625/18.8PZLSB, foi o arguido condenado na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com sujeição ao dever de se submeter a tratamento à sua toxicodependência, pela prática em 5.07.2018, de um crime de consumo de estupefacientes, pena que já se encontra extinta;
o) Por sentença transitada em julgado em 22.06.2022, proferida em 13.01.2022 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J4, no âmbito do processo n.º 926/21.8PTLSB, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo de 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, pela prática em 13.08.2021, de um crime de condução de desobediência, pena que já se encontra extinta;
p) Por sentença transitada em julgado em 13.06.2022, proferida em 11.05.2022 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – J2, no âmbito do processo n.º 1042/21.8PLLRS, foi o arguido condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, pela prática em 26.12.2021, de um crime de condução de desobediência, pena que já se encontra extinta;
q) Por sentença transitada em julgado em 14.04.2023, proferida em 30.11.2022 pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – J2, no âmbito do processo n.º 464/22.1PZLSB, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, pela prática em 8.05.2022, de um crime de condução de desobediência.”
2.1.2. Factos não provados
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
a) “A arguida AA sabia que no dia 31.07.2023 o arguido BB colocara na bagageira do veículo que aquela conduzia dois fardos que continham produto estupefaciente.
b) Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano por ambos previamente arquitectado.
c) A arguida AA agiu com o propósito concretizado de receber e ter consigo o referido produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conhecia, com o fito de o entregar terceiros, a troco do recebimento de quantias monetárias.
d) A arguida AA actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
e) As quantias monetárias apreendidas aos arguidos foram-lhes entregues em troca de produtos estupefacientes.”
2.1.3. Motivação
2.1.3.1. de facto
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
“Tal como resulta do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova deve ser apreciada no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo certo que a livre apreciação da prova não se confunde, em momento algum, com a afirmação de uma convicção fundada na mera subjectividade do julgador. Ao invés, é ponto assente que a livre convicção terá sempre de assentar numa valoração racional e crítica da prova produzida e examinada em audiência, harmonizável com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo objectivar a motivação da decisão tomada.
Assim, considerando o que se deixou exposto, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica da prova documental constante dos autos, designadamente o auto de notícia de fls. 16-19, os autos de apreensão de fls. 27-29 e de fls. 30-31, as fotografias de fls. 36 a 38, os certificados de matrícula de fls. 39, o registo individual de condutor do arguido de fls. 515-516, a informação prestada pelo IMT relativa à arguida de fls. 517, os relatórios sociais de fls. 455-458 e 488-490 e os CRC de fls. 487 verso e 471-487.
Tal prova documental foi conjugada com os relatórios periciais de exame toxicológico de fls. 183 e 185 – que permitiram apurar a natureza estupefaciente e quantidade das substâncias apreendidas nos autos –, concatenada ainda com as declarações prestadas em audiência pelo arguido BB (sendo que a arguida AA, como era seu direito, optou por não prestar declarações) e com os depoimentos das testemunhas que revelaram conhecimento (ainda que parcial) de matéria relevante para a decisão a proferir: CC, chefe da PSP, GG, HH e II, agentes da PSP, que desenvolveram acção de vigilância ao veículo em que circulavam os arguidos no dia 31.07.2023, nomeadamente durante a paragem efectuada no parque de estacionamento do estabelecimento comercial Freeport; DD e EE, agentes da PSP que nessa mesma data, já em Lisboa, efectuaram a intercepção do veículo e abordagem aos arguidos, sopesando-se ainda o testemunho de FF, irmã do arguido e cunhada da arguida, que em face da grande proximidade familiar que mantém com os arguidos, elucidou quanto à forma de relacionamento entre os mesmos enquanto casal.
O arguido prestou declarações, confessando os factos no que a si respeita, procedendo ainda ao enquadramento da sua conduta. Explicou que no dia 30.07.2023 se deslocou para o Algarve com a mulher e os dois filhos mais novos, para passarem uns dias com a avó de sua mulher, aí residente. Sucede que no dia seguinte recebeu um telefonema de um indivíduo com a alcunha de “JJ”, a quem devia dinheiro, que lhe disse que se fizesse o transporte de um fardo de haxixe consideraria a sua dívida paga, a qual ascendia a cerca de € 1.500. Como tinha a sua carta de condução apreendida por quatro ou seis meses, pediu à mulher que viesse com ele para Lisboa, dizendo-lhe que “era para irem buscar mais roupa para os meninos” a fim de ficarem mais tempo no Algarve. Pese embora a mulher não tivesse ainda carta de condução, estava a tirar e já sabia conduzir, tendo sido por essa razão que a mesma veio a conduzir o carro, negando o arguido, de forma peremptória, que AA soubesse da combinação que ele fizera com o indivíduo de alcunha “JJ”, asseverando ainda que a mesma desconhecia o facto de ele ter escondido na roupa dos filhos cerca de 60 gramas de haxixe, que adquirira para seu consumo, embora a mulher soubesse que era consumidor.
Declarou ainda o arguido que pararam no parque de estacionamento do Freeport, justificando tal paragem perante a mulher com o facto de irem ver ténis, que aí eram mais baratos, local onde permaneceram por aproximadamente 30 minutos, antes do encontro com o indivíduo que veio no veículo de matrícula espanhola e lhe trouxe os dois fardos de haxixe. Instado a esclarecer se a mulher não se apercebeu que estavam a colocar algo no veículo e se não o questionou, BB referiu que a mulher se apercebeu que alguma coisa estava a ser colocada no porta-bagagens, mas que não viu o que era, e que depois lhe perguntou “o que é isso?”, ao que lhe respondeu “falo depois contigo”, nada mais explicando a AA, até ao momento em que foram interceptados pela polícia, já na Ameixoeira, em Lisboa.
Explicou o arguido que apesar de não ser de etnia cigana, viveu muitos anos integrado em comunidade dessa etnia (a sua primeira mulher e mãe dos seus quatro filhos mais velhos é cigana), na qual a mulher é vista essencialmente como cuidadora da casa e dos filhos, não questionando as decisões do marido, assim justificando a posição mais submissa e pouco questionadora de AA perante o facto de não a esclarecer de imediato quanto ao que fora colocado no veículo, negando, assim, qualquer conhecimento de AA quanto à existência de haxixe na viatura que conduzia.
Pese embora as declarações do arguido tenham sido prestadas de forma algo atabalhoada, próprias da dificuldade que o arguido tem em se expressar de forma fluente, não deixam as mesmas de apresentar verosimilhança, tendo até sido, em parte, corroboradas por outros elementos de prova, como foi o caso do depoimento de FF, irmã do arguido, que elucidou quanto ao modelo relacional dos arguidos enquanto casal, cabendo à mulher tomar as decisões dentro de casa e quanto aos filhos, enquanto o marido domina mais as decisões relativas a “coisas fora de casa”.
O mesmo se diga, aliás, quanto ao facto de o arguido se encontrar inibido de conduzir veículos. Com efeito, da análise conjugada do CRC e do RIC de BB resulta que este foi condenado no âmbito do processo n.º 464/22.1PZLSB, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, sentença que transitou em julgado em 14.04.2023, pelo que com elevado grau de probabilidade a carta de condução do arguido estava, de facto, apreendida em 31.07.2023, como asseverou o arguido, e foi também referido pela testemunha CC, chefe da PSP, sendo manifesto que o RIC do arguido enferma de lapso quanto ao ano da data de início e de fim da inibição, pois aí se refere o ano 2021, quando obviamente não poderia ser esse o ano, considerando que a infracção que originou tal condenação ocorreu apenas em 2022 (cfr. fls. 487 verso e 516).
É certo que a arguida AA também não era titular de carta de condução naquela data – como, aliás, o arguido BB referiu espontaneamente no decurso das suas declarações e se comprova da informação de fls. 517 –, mas não poderemos ignorar que as consequências que poderiam advir para a mesma ou para o marido, caso fossem apanhados a conduzir, seriam bem distintas, considerando que a arguida não possui qualquer condenação criminal averbada no seu CRC, contrariamente a BB, que conta com diversas condenações criminais anteriores, designadamente por crimes rodoviários.
Note-se, aliás, que resultou apurado de anteriores vigilâncias efectuadas que era o arguido BB quem conduzia habitualmente aquele veículo, como resulta da informação de serviço de fls. 1 a 7 e foi corroborado por alguns dos agentes policiais inquiridos.
Com efeito, resultou evidente dos depoimentos de CC e de II que a suspeita quanto ao desenvolvimento da actividade de tráfico de estupefacientes recaia apenas sobre o arguido BB e outros indivíduos do género masculino, sendo que a detenção de AA resultou apenas do facto de naquele dia 31.07.2023 estar a conduzir a viatura que naquela ocasião transportava os fardos de haxixe, veículo que era habitualmente conduzido pelo marido.
Por outro lado, os depoimentos dos agentes da PSP que realizaram a acção de vigilância no parque de estacionamento do Freeport – CC, GG, HH e II – foram inteiramente coincidentes quanto à circunstância de a arguida AA ter entrado de imediato para o lugar do condutor logo após os filhos serem colocados no banco traseiro da viatura, e também quanto ao facto de não ter mantido qualquer contacto verbal, visual ou de qualquer outro com o indivíduo que conduzia o veículo de matrícula espanhola, que levou os fardos de haxixe até ao parque de estacionamento do Freeport.
Com efeito, os referidos elementos policiais asseveraram que foi já depois de AA entrar na viatura que o arguido abriu o porta-bagagens do veículo e, então, juntamente com o indivíduo que conduzia o carro de matrícula espanhola, colocaram os dois fardos de haxixe na bagageira, acção que se desenrolou de forma muito rápida, em menos de um minuto – como referiu a testemunha HH –, sendo certo que os agentes da PSP supra mencionados garantiram que não tinham visibilidade para o interior do habitáculo do veículo, local onde se encontrava a arguida AA, pelo que nada puderam esclarecer quanto ao comportamento desta.
Ora, se os agentes da PSP não tinham visibilidade para o interior do habitáculo, e tinham perfeita visão para o porta-bagagens da viatura, onde decorria a acção do arguido BB, afigura-se evidente que a arguida AA, que estava sentada no lugar do condutor e aí sempre permaneceu, também não tinha visibilidade quanto ao que se estava a passar no exterior do veículo, junto ao porta-bagagens.
Não se ignora que seria expectável que a arguida se tivesse apercebido que algo estava a ser colocado na bagageira, considerando que os dois fardos pesavam mais de sessenta quilos.
Mas poderemos afirmar, com a segurança que se impõe nesta sede penal e na fase de julgamento que a arguida sabia que o que acabara de ser ali colocado era produto estupefaciente?
Crê-se que não.
Poderia ser uma infinidade de coisas, lícitas ou ilícitas, para além de estupefaciente, tanto mais que do local onde a arguida se encontrava não tinha visibilidade para poder ver sequer a dimensão/características exteriores do que estava a ser colocado na bagageira.
Acresce que, como referiu o agente da PSP DD – que fez a abordagem directa à arguida aquando da intercepção do veículo na Ameixoeira –, não só AA ficou admirada com tal abordagem, como ainda lhe perguntou “porque é que estavam a mandá-la parar”, contrariamente ao arguido BB, que quando questionado sobre se tinha algo ilícito no veículo, de imediato disse que tinha droga no porta-bagagens, como mencionou o agente da PSP EE.
Por outro lado, pese embora a quantidade de estupefaciente seja considerável, e o haxixe tenha um odor característico, como resulta evidente do registo fotográfico de fls. 36 e 38, as placas de estupefaciente estavam muitíssimo bem-acondicionadas, cada uma com várias camadas de plástico e cada um dos fardos ainda envolto em plástico e serapilheira, o que naturalmente impede que o cheiro característico do haxixe se espalhe e chegue à parte da frente do habitáculo, onde se encontrava AA.
Se é certo que o agente EE mencionou que quando abriu a porta do veículo do lado do arguido BB, sentido de imediato o cheiro do estupefaciente, não poderemos ignorar que o agente DD, que não só abriu a porta do veículo do lado da arguida AA, como ainda efectuou, naquele momento, uma fiscalização sumária ao veículo, tendo entrado na viatura, referiu que não se apercebeu do cheiro a haxixe no interior do habitáculo, dizendo que “sentia-se um pouco” o cheiro mas apenas no porta-bagagens, quando abriu a mala.
Ora, perante as declarações discrepantes dos referidos agentes policiais e o já exposto quanto à forma como estavam acondicionadas as placas de haxixe, subsistiu a dúvida quanto ao facto de ser perceptível – ou não – o odor a haxixe, não se podendo desconsiderar ainda o facto de o arguido ser consumidor dessa substância, o que era do conhecimento de sua mulher, pelo que a circunstância de se sentir esse cheiro junto do mesmo não seria de estranhar, considerando que o arguido afirmou ser um grande consumidor dessa substância.
Como ensina Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, Verbo, 1994, p. 73), “a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus da prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência”.
Sendo este o acervo probatório a considerar, tendo em conta o que se foi deixando exposto quanto ao que foi percepcionado pelas testemunhas relativamente à conduta de cada um dos arguidos e a análise efectuada quanto a tais elementos de prova, o Tribunal permaneceu na dúvida quanto ao real conhecimento que a arguida AA tinha quanto à actividade ilícita que estava a ser desenvolvida pelo seu marido BB, seja quanto ao que acordara com o indivíduo com quem BB se encontrou, seja quanto ao que foi colocado no interior do porta-bagagens do veículo que a arguida conduziu do parque de estacionamento do Freeport até Lisboa.
Na verdade, como já acima se referiu, não existia qualquer suspeita relativamente à arguida AA, sendo que a investigação visava unicamente o arguido BB, que actuaria em conjunto com outros indivíduos do sexo masculino.
Por seu turno, os agentes que presenciaram a transferência dos fardos de haxixe de um veículo para o outro, foram muito seguros e claros a explicar que a arguida entrou para o interior do veículo, antes de tal troca ocorrer, não tendo mantido qualquer contacto nessa altura com o arguido BB ou com o outro indivíduo, nem tendo qualquer intervenção na ocorrência.
Na altura da detenção, a arguida mostrou surpresa, sendo que o agente que directamente esteve com ela, referiu não ter sentido qualquer cheiro a haxixe junto à mesma.
E se se pode colocar a hipótese de, no âmbito da relação conjugal mantida entre a arguida AA e o arguido BB, a mesma soubesse do que se estava a passar, a verdade é que a hipótese contrária também é igualmente normal, possível e plausível, tal como o arguido BB explicou, tendo em especial atenção as características do relacionamento de ambos, em que a arguida AA, pela sua juventude e dependência económica, mantinha uma postura de submissão em relação ao marido, não o questionando sobre as suas condutas e centrando-se na educação dos filhos e nas questões da casa.
Acresce que mesmo que tal relação de submissão não existisse, a verdade é que numa relação conjugal é normal existir confiança entre o casal, pelo que se um dos membros, quando questionado pelo outro membro sobre uma qualquer situação, responder que explica posteriormente o sucedido, é perfeitamente plausível e possível que o outro membro aceite esperar pela explicação pedida para um momento posterior, exactamente por haver confiança entre ambos.
Assim sendo, é perfeitamente possível e plausível a versão apresentada pelo arguido BB de que a arguida AA questionou o mesmo sobre o que se tinha passado no Freeport e que o arguido lhe disse que depois explicava, tendo esta aceite esperar, não tendo essa versão sido afastada, de forma segura, por nenhum outro elemento de prova.
Deste modo, sopesando tudo quanto acima se referiu, suscita-se a séria dúvida sobre se a arguida AA tinha efectivamente conhecimento do que estava a passar, tendo aceite participar em tal actividade ilícita, não tendo sido produzida em audiência de julgamento prova segura e inequívoca que afastasse tal dúvida, apesar de todas as diligências efectuadas pelo Tribunal.
Sendo tal dúvida insanável e razoável, impõe-se que a mesma seja valorada em benefício da arguida, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, dando-se por isso como não provado que AA tivesse conhecimento da conduta ilícita que estava a ser empreendida pelo seu marido, o que determinou a decisão do Tribunal quanto à factualidade dada como não provada.
Por fim, a restante factualidade apurada relativa às condições pessoais e de vida dos arguidos, resultaram do teor das declarações de BB e de FF, sopesando-se ainda o teor dos relatórios sociais e CRC supra referidos.”
2.1.3.2. de direito
2.1.3.2.1. enquadramento jurídico
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
O crime de tráfico de estupefacientes, cujo tipo fundamental se encontra previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, consubstancia-se num crime de perigo abstracto, bastando-se para a sua consumação a criação de um perigo para o bem jurídico protegido – a saúde e integridade física dos cidadãos, ou seja, a saúde pública – não se exigindo para o preenchimento do tipo objectivo a verificação de um dano efectivo.
Dispõe o artigo 21.º, n.º 1 o seguinte:
“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Tal ilícito criminal tem ainda a natureza de crime exaurido, ou seja, um crime em que o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge, por regra, como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de actuação. Quer isto dizer que o crime fica consumado através da comissão de um único acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal almejado pelo agente, e mesmo que este venha a praticar vários actos subsequentes a esse primeiro acto de execução, daí que o crime em análise seja igualmente qualificado como um crime de execução continuada.
Revertendo o quadro normativo exposto para o caso em apreço, constata-se que no dia 31.07.2023 o arguido BB aceitou efectuar o transporte de dois fardos onde estavam acondicionadas 629 placas que continham mais de 61 quilos de resina de canábis, vulgarmente denominado haxixe, substância estupefaciente que integra a tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93.
Efectuou tal transporte entre o espaço comercial Freeport, em Alcochete – local onde lhe foi entregue o estupefaciente – e Lisboa, vindo a ser interceptado nesta cidade, na zona da Ameixoeira.
O arguido efectuou tal transporte com vista à obtenção de uma contrapartida monetária, de valor não concretamente apurado, pois que apesar de referir que se destinava ao pagamento de uma dívida de € 1.500,00, disse ainda BB que tinha a expectativa de ainda lhe ser paga alguma quantia monetária, como referiu nas declarações que prestou em audiência.
Actuou da forma descrita ciente de que não possuía qualquer autorização legal para deter ou transportar tal substância, conhecendo a sua natureza estupefaciente e ilícita, o que não o inibiu de adoptar a conduta descrita, que manifestamente sabia ser proibida e legalmente punida, o que, aliás, reconheceu.
Agiu, pois, dolosamente, na modalidade de dolo directo (art.º 14º, n.º 1 do Código Penal).
Resulta inequívoco que o arguido BB, com a sua conduta, cometeu o imputado crime de tráfico de estupefacientes, sendo que a concreta conduta empreendida, bem como a quantidade do estupefaciente em causa não permitem sequer equacionar a sua subsunção ao tipo legal previsto no artigo 25.º, sendo manifesto que a ilicitude é significativa, e não diminuída.
Já no que concerne à arguida AA, pelas razões profusamente enunciadas em sede de motivação da decisão de facto, entende-se que esta, apesar de conduzir o veículo em que o seu marido transportou o estupefaciente, não tinha conhecimento desse facto e, por conseguinte, não poderão considerar-se preenchidos, quanto a esta, os elementos típicos do ilícito, quer na sua dimensão objectiva, quer subjectiva, impondo-se a sua absolvição.
Por tudo quanto se deixa exposto, no que concerne ao arguido BB, verificados que estão os elementos objectivo e subjectivo do tipo do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, inexistindo qualquer causa que exclua a ilicitude da conduta ou a culpa do agente, impõe-se a sua condenação pela prática de tal ilícito criminal, incorrendo em pena de 4 a 12 anos de prisão, absolvendo-se a arguida AA da prática de tal crime.
2.1.3.2.2. dosimetria da pena
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
Conjugando o disposto nos artigos 40.º e 70.º do Código Penal, resulta que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária na validade da norma infringida (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
A pena, por seu turno, não pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que esta é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar.
Por outro lado, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Acresce que do disposto no artigo 71.º do Código Penal resulta que na determinação da medida da pena, importa apreciar e valorar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente do crime.
A medida da pena há-de ser dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. Esta protecção dos bens jurídicos assume aqui um significado que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção ou mesmo no reforço da vigência da norma infringida.
No que concerne ao tráfico de estupefacientes, as necessidades de prevenção geral são significativas, conhecidas que são as consequências altamente nocivas do consumo de substâncias estupefacientes e os seus reflexos sociais, quer a nível individual (na vida dos consumidores e suas famílias), quer numa perspectiva colectiva, atento o elevado índice de pequena e média criminalidade associado a tais consumos.
As necessidades de prevenção especial também assumem relevo, considerando o percurso criminal do arguido, que conta com dezassete condenações averbadas no seu registo criminal, duas delas pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, tendo já cumprido pena de prisão efectiva.
Aplicando os princípios sumariamente expostos ao caso em apreço, pondera-se:
- O grau de ilicitude do facto: que se situa num nível elevado, sopesando-se, por um lado, a significativa quantidade de estupefaciente (mais de 61 quilogramas), por outro a sua toxicidade (canábis), que se mostra menos significativa, designadamente no confronto com outras substâncias habitualmente transaccionadas em território nacional, como é o caso da heroína e da cocaína;
- A culpa: assumiu a modalidade de dolo directo e de elevada intensidade, tendo em conta a energia dolosa contida na concreta conduta empreendida pelo arguido e a necessária reflexão para o desenvolvimento da acção criminosa;
- As condições pessoais do arguido: a seu favor milita a inserção familiar evidenciada e o apoio dos familiares mais próximos de que beneficia, bem como o comportamento normativo que vem adoptando em meio prisional, onde se encontra a trabalhar. Contra o mesmo depõe a inserção laboral incipiente e os seus antecedentes criminais, tendo já cumprido pena de prisão pela prática de idêntico crime e, ainda que a maioria das condenações sofridas se reportem a crimes de distinta natureza, não pode deixar de ser factor atendível nesta sede, enquanto elemento revelador de uma personalidade desconforme com o dever ser jurídico.
Assim, tudo visto e ponderado, tendo presente a moldura penal abstractamente aplicável, julga-se adequado, suficiente e proporcional ao caso em apreço e à salvaguarda das finalidades da punição condenar o arguido BB na pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.
2.1.3.2.3. do perdimento
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
No caso que nos ocupa, para além dos produtos estupefacientes, mostram-se apreendidas nos autos as quantias monetárias de € 560,00 (ao arguido BB), € 70,00 (à arguida AA), e ainda o veículo automóvel de matrícula AR-..-PH e respectivo certificado de matrícula.
De acordo com o estatuído nos artigos 109.º, n.º 1 e 110.º do Código Penal serão declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos ilícitos, e ainda as vantagens obtidas através do facto ilícito.
Por outro lado, estatui o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01 o seguinte:
“1. São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.
2. As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.
3. O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto”.
Relativamente aos produtos estupefacientes apreendidos e respectivos invólucros serão naturalmente declarados perdidos do Estado e determinada a sua destruição, nos termos previstos no artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 15/93.
Quanto às quantias monetárias apreendidas, considerando que os arguidos eram beneficiários de prestações sociais do Estado (rendimentos social de inserção e abono de família dos filhos menores), sendo que o arguido também realizava “biscates” na área da construção civil, sendo certo que a actividade ilícita efectivamente apurada foi apenas o transporte de estupefacientes – note-se a inexistência de anteriores vigilâncias ou outras diligências probatórias que demonstrassem a venda directa a consumidores e/ou revendedores, acrescendo que a versão apresentada pelo arguido não foi infirmada por outros elementos probatórios, como se deixou expresso em sede de motivação da decisão de facto –, impõe-se a devolução de tais quantias aos arguidos, sem prejuízo do prévio pagamento das custas processuais, atentando-se no disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea d) do Regulamento das Custas Processuais.
Por fim, no que respeita ao veículo automóvel, demonstrou-se que o mesmo foi usado na prática do crime, pois que foi com recurso à referida viatura que se revelou possível efectuar o transporte daqueles fardos de haxixe entre Alcochete e Lisboa.
Ora, considerando a forma como se desenvolveu a actividade delituosa, a qual implicou o transporte de dois fardos de haxixe, com um peso total superior a 60 quilos, afigura-se evidente que o uso daquele veículo automóvel se revelou essencial para a prática do crime, não se mostrando viável, por exemplo, que o arguido tivesse recorrido a transportes públicos, ou que circulasse apeado, em face da quantidade de estupefaciente e causa e a distância que se impunha percorrer.
Foi, aliás, neste sentido que concluiu o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 4.04.2017 (processo n.º 7/16.6GIBJA.E1, disponível em www.dgsi.pt), decidindo sobre questão similar, aí se considerando que o “veículo deve ser declarado a perdido a favor do Estado por se apresentar como essencial para o desenvolvimento da actividade ilícita, face às distâncias entre as localidades envolvidas no tráfico em causa e a inexistência de uma rede de transportes públicos regulares que as una”, a tal não obstando o facto de a viatura ser propriedade de terceiro, tal como se mostra enunciado no citado aresto.
Perante o que se deixa exposto, decide-se declarar perdido a favor do Estado o veículo automóvel de matrícula AR-..-PH e respectivo certificado de matrícula.
2.1.3. Da declaração de voto
(SIC, com exceção da formatação do texto, optando-se pelo integral itálico, da responsabilidade do Relator)
“Votei vencida no Acórdão apenas na parte em que Tribunal Coletivo decidiu pela absolvição da AA, por não ter qualquer dúvida, após produção de prova, que a mesma agiu em co-autoria com o BB na prática dos factos a ambos imputados.
Vejamos porquê.
Uma vez que em audiência de julgamento o Arguido assumiu na integra a prática dos factos, eximindo a coarguida de qualquer responsabilidade ou de qualquer conhecimento dos mesmos, remetendo-se a Arguida ao silêncio, importa compatibilizar as declarações do Arguido com a demais prova produzida no sentido de aferir da verosimilhança da versão apresentada por este.
Assim, em declarações, o Arguido disse que se deslocou ao Algarve para aí passar alguns dias em família, com a Arguida e os dois filhos menores de tenra idade. No entanto, uma vez que tinha contraído uma dívida de € 1.500 junto de terceira pessoa, quando já estava no Algarve foi-lhe pedido que regressasse e combinasse a realização do transporte de estupefaciente descrito nos factos provados, a fim de saldar a dívida, tendo o Arguido concordado em fazê-lo sem o conhecimento da Arguida. Na versão do Arguido (cuja carta de condução estava apreendida), a Arguida (que na data dos factos não tinha carta, mas apenas uma licença de aprendizagem) - apesar de terem ido para o Algarve  passar uns dias em família - acedeu a regressar, sob o pretexto de irem buscar roupas para os menores ao Freeport e também nada perguntou ou questionou ao Arguido, apesar de ter assistido ao carregamento de dois fardos (que continham um total de 629 placas de resina de canábis, com o peso líquido total de 61.686,6 gramas), na bagageira do veículo conduzido pela própria (e que aliás era de sua propriedade), tendo seguido viagem desde o Centro Comercial Freeport sito em Alcochete até Lisboa sem nada perguntar ou questionar, apesar do intenso cheiro a estupefaciente que inundava o habitáculo, como foi atestado por pelo menos um dos Agentes da PSP que realizou a intercepção dos arguidos.
Ora, é manifesto que esta versão do Arguido não tem suporte em qualquer regra da experiência comum. Desde logo, se os Arguidos iam em família passar vários dias ao Algarve. e prepararam malas com roupa para os menores, não regressariam no dia seguinte para comprar roupa e ainda que faltasse roupa, certamente não a iriam comprar a cerca de 300 km de distância do local de destino; logo, este pretexto não justificaria o regresso a Lisboa um dia depois da partida, para qualquer pessoa com o mínimo de senso, pelo que a Arguida certamente não se bastaria com tal explicação, se desconhecesse os factos. Acresce que, apesar de terem entrado no Freeport, dali saíram sem qualquer roupa para criança, como foi atestado pela testemunha CC (e apesar de disporem de dinheiro para tal como decorre das apreensões de dinheiro na sua posse).
Diga-se ainda que o pretexto para a deslocação ao Algarve do Arguido está bem documentado nos autos na informação de serviço da PSP que deu ao início da investigação (fls. 1 a 7), onde se refere que das informações recolhidas o Arguido desloca-se com bastantes frequência à região do ... para se abastecer a desconhecidos de quantidades consideráveis de estupefaciente com a finalidade de a revender a terceiros que o pretendem adquirir (…). Do auto de notícia corroborado em audiência de julgamento pela testemunha CC também resulta que das informações recolhidas, o Arguido, quando se desloca ao ... para se abastecer de estupefaciente ou para tratar de assuntos relacionados com o tráfico, habitualmente regressa no dia seguinte a Lisboa. E certo é que foi apreendido ao Arguido na bagagem uma embalagem que continha canábis resina com o peso liquido de 62,711 g suficiente para 339 doses individuais (cfr. exame pericial de fls. 183 – [Facto provado nº 21] ) que pela quantidade e apresentação não se destinava a consumo, apesar de o Arguido o desmentir. E o acerto das informações recolhidas está plasmado no sucesso da operação de apreensão do estupefaciente descrita pormenorizadamente pelos Agentes da PSP CC, GG, HH e II, que montaram a operação de vigilância e descreveram de forma espontânea e clara a forma como o transporte foi efetuado, desde que os Arguidos chegaram ao ... até que saíram do local e foram interceptados na rotunda da Ameixoeira, em Lisboa [Factos provados nº 7-19].
Ora, desde logo se diga que o veículo utilizado pelos Arguidos estava em nome da Arguida, que nem carta de condução tinha, o que desde logo se estranha. O Arguido tinha a carta apreendida como resulta do documento junto em audiência de julgamento. Por outro lado, a Arguida conduziu o veiculo e certamente que a essa opção não é alheio o facto de pensarem que, numa viagem longa, ser menor a probabilidade de serem interceptados por OPC por viajarem com dois filhos menores, sendo a Arguida a conduzir e sendo a Arguida a proprietária do veículo (por haver uma coincidência entre o proprietário e o condutor). Ou seja, a intervenção da Arguida foi essencial ao transporte do estupefaciente, quer pelo facto de o Arguido ter a carta apreendida e não poder conduzir, quer pelo facto de a Arguida ser a proprietária do veículo e por isso levantar menos suspeitas.
A Arguida não desconhecia que o Arguido tinha guardado estupefaciente (que pela quantidade não se destinava a consumo) no interior de uma peça de roupa dos seus filhos menores, desde logo porque o estupefaciente é detectável pelo olfacto e ao colocar o estupefaciente nesse local, tão privado e ao qual os dois Arguidos tinham acesso, e não o esconder consigo, permite concluir que a venda de estupefacientes era um negócio a que o Arguido se dedicava e que esse assunto era conhecido e aceite pelos dois. O facto de o Arguido se dedicar à venda de estupefacientes é compatível com a quantidade de estupefaciente apreendido, quer na bagageira do veículo, quer na mala de viagem, dentro da roupa de criança. [Factos provados nº 20 e 21].
Ou seja, de acordo com as regras da experiência e pela forma expedita e rápida como os factos decorreram, pode concluir-se que o negócio da venda e transporte de estupefacientes faziam parte da vida comum. De realçar a descrição dos Agentes da PSP que estavam de vigilância e descreveram o percurso dos Arguidos, vindos do Algarve em direcção ao Freeport para depois se deslocarem para casa em Lisboa; a naturalidade com que os Arguidos saíram do Freeport com cada um dos filhos menores pela mão, colocaram cada um destes dentro do veículo, a Arguida de imediato se senta no lugar do condutor, enquanto o Arguido e o terceiro colocam os dois fardos referidos no [Facto provado nº 20] dentro da bagageira e sem qualquer hesitação abandonam o local, conduzindo a Arguida o veículo.
Reitera-se que a Arguida não podia desconhecer que transportava estupefaciente, não só pelas razões já expostas, como pelo facto de o cheiro ser intenso dentro do habitáculo do veículo como foi atestado pelo Agente da PSP EE, que interceptou os Arguidos na Rotunda da Ameixoeira. Acresce que, a Arguida, no momento em que foi interceptada não mostrou qualquer surpresa de monta (ainda que tenha perguntado ao agente porque a estavam a mandar parar, isso não é compatível com a gravidade dos factos e com a informação que o Arguido alegadamente apenas no momento lhe tinha transmitido; é uma expressão que qualquer pessoa diz numa situação banal de trânsito, mesmo que tenha praticado uma infracção) o que seria natural, caso o Arguido apenas lhe tivesse comunicado nesse momento a razão da intervenção policial (como o mesmo afirmou). Nesse caso, ditam as regras da experiência que a arguida de imediato diria que não tinha qualquer relação com o estupefaciente apreendido de forma veemente, atenta a gravidade da situação em que se encontrava envolvida pelo próprio marido, com os filhos menores no veículo. Repare-se que não se trata de uma situação em que a Arguida é vista a entrar e a conduzir um veículo já carregado de estupefaciente na bagageira sem saber o que ali se encontra. A Arguida acompanhou todo o trajecto de ida e vinda do Algarve com o Arguido (que já trazia estupefaciente com ele), viu o Arguido a encontrar-se com terceiro que estacionou o veículo ao lado do veículo por si conduzido, esperou e assistiu ao carregamento do estupefaciente na bagageira do veículo. Assistiu a tudo, é manifesto que sabia o que transportava. A sua atitude algo neutra no momento do carregamento apenas se compreende não pelo desconhecimento, antes pelo contrário, pelo hábito, por já saber o que estava a acontecer, ciente da necessidade de abandonarem rapidamente o local.
Também considero não provada a alegada submissão da Arguida ao Arguido, que aliás não é suportada pelos relatórios sociais, atento o facto de a mesma demonstrar, designadamente, ser capaz de se habilitar para conduzir e ter veículos em seu nome, bem como cuidar dos filhos e ter desejo de desenvolver actividade na área da estética de sobrancelhas, na qual fez formação ([Facto provado nº 37], tendo o 9º ano de escolaridade [Facto provado nº 38]. Diga-se que os rendimentos do agregado assentam sobretudo em prestações sociais e tendo em conta a precariedade do vinculo laboral de ambos os Arguidos e o que as percepções que as testemunhas de defesa manifestaram sobre a relação dos Arguidos no sentido de a Arguida ser submissa ao marido apenas é compatível com a versão que o Arguido apresentou no sentido de eximir a Arguida de responsabilidades e com alguns estereótipos de género e étnicos, não assentes em base factual. Assim, entendo que os [Factos provados nº 26-28] deveriam integrar a matéria de facto não provada.
Tudo para dizer que, da prova produzida em audiência de julgamento resulta que os Arguidos agiram em coautoria, tendo cada um deles tarefas bem definidas, sendo a da Arguida a de conduzir o veículo, tendo sido as movimentações combinadas ao pormenor pelo Arguido e pelo terceiro que trouxe o estupefaciente, tudo com conhecimento da Arguida e na execução de plano comum. O sucesso da operação, designadamente, a de proceder ao carregamento e transporte do estupefaciente, dependia do rigoroso cumprimento da estratégia que definiram em conjunto, não hesitando em envolver os filhos menores, que presenciaram os factos.
No que concerne ao conhecimento da ilicitude e voluntariedade da conduta da Arguida, resulta de forma evidente da conjugação de todas estes elementos, para o que se socorreu o tribunal das regras da lógica, com critérios de razoabilidade, sendo do conhecimento do cidadão comum que a detenção e transporte de estupefacientes é proibida e punida por lei.
Acresce que a Arguida em nenhum momento prestou declarações e se o silêncio não a pode prejudicar também não a beneficia porquanto a valoração da prova é realizada sem contar com o contributo da sua versão dos factos que a poderia infirmar, esclarecer ou pôr em dúvida.
Em suma, entendo que os [Factos não provados n.º a) a d)] deviam integrar os factos provados.
No que toca à medida da pena a aplicar à Arguida, as exigências de prevenção especial não são elevadas atenta a ausência de antecedentes criminais, a ilicitude é elevada, atenta a quantidade de estupefaciente transportada, assumindo uma gravidade relevante, atentas as consequências nefastas relacionadas com a proliferação do “mercado” do tráfico de estupefacientes, que gera comportamentos aditivos e danosidade social, desenvolvendo economia paralela e ilícita; o modo de execução revela preparação dos arguidos, actuando de forma cautelosa, o dolo, é directo e intenso, tendo a Arguida representado a ilicitude da respectiva conduta, bem sabendo não estarem autorizada, por qualquer meio, a deter e transportar resina de canábis.
Tudo sopesado, considero que a pena adequada e proporcional a aplicar à AA pelo crime que praticou, é a pena de seis anos de prisão.
2.2. Questão prévia
- Existe causa obstativa ao conhecimento parcial do recurso interposto pelo Arguido BB: do perdimento, a favor do Estado, do veículo AR-..-PH – da legitimidade/interesse em agir?
Dispõe o Acórdão condenatório que o veículo AR-..-PH, conduzido pela Arguida aquando dos factos, é pertença da mesma, o que funda na prova documental inerente a fls. 39 (certificado de matrícula 4833940Z5, de 7outubro2022, em que consta a AA como proprietária do veículo). Tendo servido o veículo AR-..-PH como elemento essencial para a prática dos factos, determinou o Acórdão condenatório o seu perdimento a favor do Estado, para tanto invocando base legal e citando jurisprudência.
A Arguida, absolvida da prática dos factos no dito Acórdão condenatório – o que urge apreciar na presente sede decisória, atenta a interposição de recurso pelo Ministério Público – não recorreu desta matéria.
Por seu turno, o Arguido logo coloca como primeira questão do seu recurso, ao nível de motivação (fls. 3 e 4 da peça recursiva), o que retoma nas conclusões V a VII, que formula como integrante de vício do art.º 410.º/1a)CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (indevidamente, desde já se adiante, independentemente do infra a decidir, mas assim desde já se afastando a necessidade de conhecimento oficioso, uma vez que não se trata de qualquer quadro de evidência de texto, sim de mera e substitutiva convicção levada a cabo pelo Arguido) – o perdimento em causa. Funda-o na alegação de que em sede de audiência prestou declarações afirmando que o veículo fora comprado com dinheiro que recebera a título de indemnização de acidente de viação, bem como de trespasse de café que o casal explorava, sendo pessoa trabalhadora, pelo que tendo sido a Arguida absolvida o veículo à mesma deve ser devolvido.
Tal atuação processual mereceu a resposta do Ministério Público, resumida nas suas conclusões 5.ª e 6.ª, onde firma o entendimento de operar falta de interesse em agir por parte do recorrente Arguido, peticionando a rejeição liminar desta parte do recurso, sendo que para tal afirma que “O Recorrente iniciou as suas Motivações com o que verdadeiramente o aflige: a perda do veículo, que a sua liberdade parece ceder ante o maior valor de um automóvel. O veículo de matrícula AR-71-PH, eis a grande prioridade do Recorrente. Depois de se insurgir contra a perda do veículo a favor do Estado (e só depois), o Recorrente mais defendeu que o transporte de 60 Kg. de estupefaciente era, afinal, um tráfico de menor gravidade (sim, do art.º 25.º).” mais dizendo que “O arguido pugna pela não declaração de perda do veículo onde transportava 60 Kg. de estupefaciente e dois filhos menores, conduzido pela companheira sem habilitação legal. 60 Kg. droga + 2 crianças + condutora sem carta. Sucede que o veículo não é sua propriedade, pelo que nem tem interesse em agir – art.º 401.º, n.º 2, do C.P.P.”
Decidindo.
A noção de recurso leva-nos à conclusão de que o mesmo é o caminho para corrigir erros cometidos na decisão judicial, ou seja, o instrumento que permite provocar a reapreciação da substância dessa mesma decisão.
Nem a responsabilidade penal, nem a legitimidade e interesse em agir são extensíveis a terceiros.
São estas, desde já, noções básicas que cumpre reportar, mesmo que o terceiro esteja nos autos com a específica qualidade de, igualmente, Arguida (coarguida), e com a particularidade de esta ser casada com o Arguido.
Nota que cumprirá reter. Quer aqui, quer em sede infra.
Nos termos do art.º 401.º/1b)/2CPP “Têm legitimidade para recorrer: o arguido (…) de decisões contra eles proferidas” (…) “Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.”
Nos termos do art.º 414.º/2CPP “o recurso não é admitido (…) quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer” (…)
Nos termos do art.º 414.º/3CPP “a decisão que admita o recurso (…) não vincula o tribunal superior”.
Dir-se-á, antes de mais, que a questão a decidir não se coloca sob o prisma do interesse em agir, mas sim ex ante sob o prisma da legitimidade. É dizer, tem o Arguido legitimidade para recorrer de decisão que só a terceiro Arguido – a Arguida (coarguida) - diz respeito, independentemente da relação familiar que com a mesma tem, ou essa relação familiar concede-lhe essa legitimidade, como que por osmose?
A questão sub judice insere-se no domínio da materialização do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, do art.º 20º/1CRP, uma vez que dos trechos supra citados do art.º 401.ºCPP resulta manifesto que o direito ao recurso pressupõe dois requisitos: legitimidade e interesse em agir. Se a legitimidade – avaliada a priori e de forma definitiva - resulta diretamente da norma legal que atribui esse direito, já o interesse em agir – avaliado a posteriori e de forma dinâmica ao longo da sequência do processado - é cotejado pela necessidade de tutela dos interesses da pessoa visada e, como tal, analisa-se à luz da posição concreta do sujeito em relação à decisão.
Como flui explicitamente da lei (art.º 401.º, do CPP), dois dos requisitos de que depende a admissão de um recurso penal são a "legitimidade" e o "interesse em agir" de quem lança mão de tal expediente. A "legitimidade" consubstancia-se na posição de um sujeito processual face a determinada decisão proferida no processo, justificativa da possibilidade de a impugnar através de um dos recursos tipificados na lei. Ou seja: diz-se parte legítima aquela que pode, segundo o Código, recorrer de uma determinada decisão judicial. Trata-se, portanto, aqui, de uma posição subjectiva perante o processo, que é avaliada "a priori". Outra coisa diferente é o "interesse em agir", que consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la. Portanto, o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, portanto, de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada "a posteriori"”. (neste expresso sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 8outubro2008, processo 08P2283, acessível in www.dgsi.pt/jstj)
Densificando a expressão “contra eles proferidas” contida na norma do art.º 401.º/1b) CPP, ensina Germano Marques da Silva (in Direito Processual Penal, Vol. 3, p. 313), que as decisões “proferidas contra o arguido são aquelas que lhe imponham uma pena e ainda as proferidas contra o que tiver requerido”.
Ora, no caso em apreço o perdimento decretado não o é contra bem pertença do Arguido, nem contra algo que o mesmo tenha requerido. Dai que, descendo ao concreto dos autos, não se logre descortinar como pode o Arguido ter legitimidade para recorrer dum perdimento que diz respeito a bem pertença da Arguida, ainda que a mesma consigo seja casada e na especificidade de, tendo esta sido absolvida do crime – quadro não definitivo face ao global objeto dos recursos em sede decisória – não ter interposto recurso desta parte decisória – o perdimento – a si respeitante.
É indiscutível que a legitimidade para recorrer nestas situações é, em primeira linha, da Arguida e também do Ministério Público, atento o disposto no artigo 401.º/1a)c)/2CPP, uma vez que a decisão de perdimento, atenta a pertença do bem em causa, não é proferida contra o Arguido, como exige a alínea b) do preceito, em relação ao recurso do Arguido. Do mesmo modo que as condenações de arguidos em situações de coautoria, apenas respeitam a cada um dos arguidos individualmente considerados, não podendo ser aferido o direito ao recurso de cada um deles, pela repercussão que as mesmas possam ter na posição de cada um dos restantes coarguidos, também a declaração de perdimento dum bem por parte da Arguida não confere ao Arguido, seu coarguido e mesmo que marido, o direito à legitimidade recursiva.
O decretamento de perdimento visa a Arguida, pelo que é esta quem tem legitimidade e interesse em agir para recorrer. O aqui Arguido recorrente é um terceiro ilegítimo em relação a esse perdimento, independentemente de serem coarguidos nos autos e serem entre si casados, não podendo o Arguido substituir-se – mesmo através da provada alegada posição de domínio (factos provados 26 a 29) - à Arguida no exercício do direito de recurso. Verdadeiramente, o Arguido recorrente está a pretender zelar e defender interesses que, mesmo tratando-se de casal, para os efeitos em apreço não são seus, nem estão na sua disponibilidade, sendo que o eventual interesse reflexo que o Arguido parece reclamar, não lhe confere legitimidade para recorrer, atento o que ficou dito anteriormente sobre o art.º 401.ºCPP.
Concluindo.
Não tendo o Arguido legitimidade e tendo em conta que a decisão de admissão não vincula este Tribunal de recurso (art.º 414.º/3CPP), o mesmo não é admissível nesta parte – questão do perdimento, a favor do Estado, do veículo AR-..-PH - devendo, por isso, ser rejeitado, o que se declara.
2.3. Objeto do recurso
As relações conhecem de facto e de direito” (art.º 428.ºCPP) devendo por isso, subsumir o direito aos factos”, (nesta específica expressão, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, 16maio2012, NUIPC 30/09.7GCCLD.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) sendo que o seu poder de cognição se mostra delimitado quer pelas conclusões extraídas pelo recorrente da sua fundamentação de motivação, já que é nelas que se sintetizam as razões da sua discordância com a decisão recorrida (arts. 402.º;403.º;412.º/1CPP) (Pereira Madeira, in Código de Processo Penal comentado”, António Henriques Gaspar, José Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires da Graça, Ed. Almedina, 2014, p. 1299), quer pelas questões de conhecimento ex officio, tais quais as nulidades insanáveis, ou que não se mostrem sanadas, que afetam o processado e os vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (art.º 410.º/2CPP) e que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, rel. Juiz Conselheiro Bernardo Fisher Sá Nogueira, 19outubro1995, in DR I-Série-A, 28dezembro995 e Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2005, rel. Juiz Conselheiro Armindo dos Santos Monteiro, 20outubro2005, in DR I-Série-A, 7janeiro2005, acessíveis in www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia).
O recurso interposto de uma Sentença abrange toda a decisão (art.º 402.º/1CPP) e mesmo que opere limitação do recurso a uma parte da decisão tal não prejudica o dever de o Tribunal ad quem retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art.º 403.º/3CPP). Mais, salvo se se fundar em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes (art.º 402.º/2a) CPP).
Resumindo, havendo tão só recurso em matéria de facto, a Relação conhece do objeto do recurso, e se modificar a matéria de facto, extrai as consequências jurídicas decorrentes; sendo o recurso de facto e de direito, conhece de ambos; sendo o recurso somente de direito, conhece do recurso, sem prejuízo do disposto no art.º 410.º/2/3CPP; havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo Tribunal competente para conhecer da matéria de facto (art.º 414.º/8CPP).
Ou seja: a função do Tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que o convocou o Tribunal ad quem a um juízo de mérito.
Impõem os art.º 368.º; 369.º CPP - por remissão do art.º 424.º/2CPP -, que o Tribunal da Relação conheça das questões que constituem o delimitado objeto do recurso pela seguinte ordem:
a) das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
b) das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.ºCPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410.º/2CPP;
c) das questões relativas à matéria de direito.
Distinguindo os recursos, porque de matérias diferenciadas e finalidades opostas cuidam
2.3.1. Recurso do Ministério Público
No caso presente o Acórdão foi elaborado em cumprimento da regra excecional contida no art.º 372.º/1/2CPP, contendo declaração de voto de vencido por parte da Juíza Presidente do Coletivo.
A questão inerente a esse dissenso radica no facto de, funcionando in casu o Tribunal a quo em modo colegial e, como tal a decisão se formar através da manifestação complexa de sentidos dos três Juízes que o compõem e subscrevem a decisão, ser admissível a discordância entre todos os quantos são responsáveis pela mesma, situação na qual é pela formação de maioria que se ultrapassa a não obtenção da desejada unanimidade. Inexistindo essa unanimidade, é precisamente pela forma da declaração de voto que o Juiz vencido apõe nos autos - com a clareza e precisão que nos presentes até ocorre - qual a sua posição.
Declaração de voto de vencido essa que a hodierna estrutura do CPP (desde a Lei 48/2007-29agosto) permite com a amplitude de incidência sobre matéria de direito e matéria de facto e que, como tal, mais não é do que a direta decorrência do que é a vida do judiciário prático. Vida a qual ficou expressada no Acórdão ora sob recurso, onde os motivos de declaração de voto do Juiz vencido não se afastam das provas produzidas e analisadas em audiência, nem excedem o seu objeto: os factos integrantes do objeto do processo, ali constando de declaração precisa. Precisão essa em harmonia e na sequência do disposto no art.º 374.º/2CPP, quando alude a exposição “concisa dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão”.
Concluindo, tal declaração de voto traduz uma das manifestações da integridade da liberdade intelectual do julgador, dando corpo à independência dos Tribunais dos quais os Juízes são os diretos representantes, numa exposição que os obriga a julgar segundo a Constituição e a Lei, de forma independente, por não estarem sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores. (art.º 4.º/1 LOSJ – Lei 62/2013-26agosto e art.º 4.º EMJ – Lei 21/85-30julho)
Descendo agora ao recurso interposto pelo Ministério Público, diretamente este assume a pretensão de alteração de factologia dada como não provada para provada, invocando o que entende ser caso de erro de julgamento, o qual na sua tese passa pela alegação da discordância entre a convicção formada pela maioria do Coletivo - que diz ser afrontosa das regras de experiência da vida - e a expressão da declaração de voto do Juiz de que se socorre, confessadamente sem inovadores argumentos e com recurso a plágio explicito que roga seja relevado.
E mediante este quadro, reportando o legítimo silêncio da Arguida, socorre-se (cfr. fls. 8 da peça de recurso, em sede de motivação) de declarações prestadas pelo Arguido em 1.º interrogatório (que não constam terem sido analisadas e ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, como decorre das atas de 11abril2024 – ref. 434582857 - e de 22maio2024 – ref. 435768159) e aponta com base nas mesmas e na conjugação destas com o que diz serem declarações do mesmo em julgamento a 10janeiro2024 (cfr. fls. 9 da peça de recurso, em sede de motivação) (consigna-se que a 10janeiro2024 decorreu o debate instrutório, tal qual consta da ata com a ref. 8686414) , apodando-as com integrantes duma versão “notoriamente fantasiosa”. Parte, de seguida, a peça recursiva para o campo opinativo da inverosimilhança e socorre-se para tanto, não de qualquer prova produzida ou analisada em sede de audiência, sim do teor de extratos da declaração de voto aposta ao Acórdão (cfr. fls. 10, 12 e 16 da peça de recurso, em sede de motivação), o que entremeia em reforço da sua tese, com base nas declarações de testemunhas, cuja sessão refere e o minuto de gravação coloca (cfr. fls. 10, 11, 13, 14 e 15 da peça de recurso, em sede de motivação).
E daqui extrai que tem a intervenção da Arguida como essencial aos factos à luz de regras da experiência, assim partindo para aquele que entende que deveria ter sido o modo comportamental da Arguida aquando da intervenção policial e que, por o não ter sido, como que se presume por ser o que trata como indubitável demonstração de participação.
Independentemente das questões de forma, infra a expor, certo é que desde já cumpre verificar a essência material do apresentado recurso do Ministério Público, em termos de este consubstanciar, ou não, recurso efetivo da matéria de facto.
O Ministério Público invoca erro de julgamento. Erro de julgamento (art.º 412.º/3CPP) o qual ocorre quando o Tribunal recorrido considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Contende com a apreciação da prova produzida em audiência, em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art.º 127.ºCPP. Trata-se, em suma, de erro no processo de valoração da prova por parte do Tribunal.
Situações estas que tipicamente ocorrem ao dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; ao dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; ao dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; ao dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; ao dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; ao dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; ao dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar. (Acórdão da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador Abrunhosa de Carvalho, 11março2021, NUIPC 179/19.8JDLSB.L1-9, acessível in www.dgsi.pt/jtrl)
Daí ser manifestamente errado o comum atuar recursório baseado na simples formulação de discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o Tribunal ad quem faça “um novo e segundo julgamento”(cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 17fevereiro2005, Proc. n.º 04P4324, acessível in www.dgsi.pt/jstj), com base na gravação da prova, uma vez que sequer a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto exige e envolve, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando tão só a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.
Para o êxito do “recurso efetivo da matéria de facto”, não basta que se apure a possibilidade de ocorrência de uma versão distinta.
Assim o é porque se não é suficiente para o Tribunal Superior a mera assunção ou a recuperação genérica da convicção ou dos termos da convicção do Tribunal recorrido, para nada alterar, igualmente não lhe basta uma diferente convicção ou avaliação quanto à prova produzida para a mesma alterar. Se perante duas versões, o Tribunal de 1.ª instância optou por uma, fundamentando-a de forma lógica e racional, inexiste erro de julgamento que permita ao Tribunal de recurso alterar o decidido.
Delimitando, como já supra se aflorou, na impugnação ampla o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações (realizadas obrigatoriamente, sob pena de nulidades, das declarações prestadas oralmente na audiência - art.s 363.;364.ºCPP – ou ali reproduzidas, como é o caso de reporte ao art.º 357.ºCPP que se sabe não ter ocorrido), antes é um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, na limitação da perspetiva dos concretos pontos de facto que o recorrente indique em cumprimento do ónus de tríplice especificação. (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, de 9março2006, Proc. nº 06P461, acessível in www.dgsi.pt/jstj; Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Maio 99 “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”; Damião Cunha, in obr. cit., em sentido idêntico sustenta que os recursos “…são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos»”)
Note-se, pela sua primazia de importância, que a lei refere as provas que “impõem” e não as que “permitiriam” solução diversa, pois haverá casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Daí que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção (art.º 127.º CPP). (neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Fernando Monterroso, 20março2006, Proc. 245/06-1.ª, acessível in www.dgsi.pt/jtrg)
Ora, o que o Ministério Público reporta quanto à matéria em causa – factos não provados a) a d) - mais não é do é que uma crítica ao formar de convicção por parte da maioria do Coletivo do Tribunal a quo, fazendo-o em abono da legítima, e sem desabono da mesma, tese expressa pelo Juiz vencido, quer no que tange à fundamentação, quer no que se reporta ao exame crítico, visando afirmar que à luz das provas produzidas em sede de audiência (e daquelas outras que chama à colação sem que na audiência tenham sido presentes) se extravasou o disposto no art.º 127.ºCPP.
Contudo, desde já se delimite, o modo de explanação da motivação e das conclusões apresentado revela que tão só é pretensão do Ministério Público substituir o labor de valoração de prova e subsequente convicção da maioria dos julgadores, pela sua própria convicção – que nenhuma novidade aponta em relação à convicção do Juiz vencido -, fazendo-o (o Ministério Público, já não o Juiz vencido) sem qualquer critério adequado, quão mais legal.
De facto, para tal “escolhe” o Ministério Público a sua pessoal interpretação de porções das declarações do Arguido e do depoimento de algumas testemunhas, firmando através disso uma narrativa que tão só conduz a uma adivinhação imotivável do que tenha sido o agir da Arguida. Assim o é, uma vez que o Ministério Público ao invés de atuar com a explanação de exame crítico e fundamentação exigida em diametral oposição àquela que foi aposta pela maioria dos julgadores, se limitou a como que reaproveitar os fundamentados e críticos dizeres do Juiz vencido, sem que o tenha feito nos moldes pelo mesmo expressos mas antes em jeito de vera inversão do básico princípio de presunção de inocência da Arguida.
Em recensão, a questão colocada como base do recurso alargado da matéria de facto simplesmente se funda numa leitura possível, mas não exclusiva, da questão de apreciação de prova, unicamente conduzível aos limites da convicção, e em nada se insere na questão da afronta dos princípios basilares do direito probatório. Assim o é porque a forma de descortinar o erro de julgamento (instituto que o Ministério Público apoda em momento do recurso) não passa, pois, pela mera alegação da discordância entre a convicção do Ministério Público, próxima da convicção efetuada pelo Juiz vencido, e aquela convicção que foi efetuada pelos Juízes que compuseram a maioria no Coletivo.
Só que esse não é o modo que permite conduzir ao erro de julgamento e ao recurso de matéria de facto nos termos de impugnação ampla. Para esse antes tem que passar pela demonstração inequívoca de que o Tribunal desdizeu as exigidas regras da experiência e afrontou princípios basilares do direito probatório (v.g. prova legalmente vinculada, provas proibidas, etc.). E isso não aconteceu. O que acontece é que a decisão firmada pela maioria do Juízes que formaram o Coletivo, na sua dependência e interligação com a convicção de prova que lhe está inerente, não agrada ao Ministério Público. Antes agrada aquela que foi a convicção firmada pelo Juiz vencido. O que legítimo é, mas não é meio para a afirmação de que por essa via se violaram as regras básicas da vida, aquelas que a lei qualifica de regras de experiência nos limites da livre convicção.
E daí que fazendo jus ao que escreve Souto Moura (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 15julho2008, processo 08P418-5.ª, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “I - Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detetarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.”
Tal processo de ataque à matéria de facto, pela via da sindicância da convicção, não é aquele que um Estado de Direito como Portugal determina em Lei. Neste são os julgadores em 1.ª instância quem, em nome do povo e em cumprimento do comando constitucional do art.º 202.º CRP, exercendo a função jurisdicional, cumprem para tanto as regras que lhe determinam o poder/dever de apreciar livremente a prova e, sendo caso conjugar a mesma com prova em que restrições legais operem. Apreciação que há-de ser, como foi no caso concreto, uma vez que só nesse campo operou, “recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo”. (neste sentido cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal – Coimbra Editora –1974, p. 202/205)
Por isso, quando o recorrente pretende apenas sindicar a livre apreciação da prova, o recurso amplo da matéria de facto estará irremediavelmente destinado à improcedência.
E assim o é porque antes é obrigação do Tribunal atuar de forma livre no conferir da credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento doutros – ou mesmo entre partes dum só depoimento -, uma vez que o faça de forma explicitada e convincente – o motive -, como é o caso. Cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos atos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Defendendo-se uma outra solução, o Tribunal de recurso acabaria “por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros” (neste sentido, cfr. Damião da Cunha, in O Caso Julgado Parcial, Publicações Universidade Católica)
Recorrendo às palavras da Juíza Desembargadora Eduarda Lobo (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, NUIPC 463/09.9JELSB.P1, 6outubro2010, acessível in www.dgsi.pt/jtrp) dir-se-á que efetivamente in casu “[o] recorrente não impugna de modo processualmente válido a decisão proferida sobre matéria de facto se se limita a procurar abalar a convicção assumida pelo Tribunal recorrido, questionando a relevância dada aos depoimentos prestados em audiência.”
Concluindo, nesta parte, o quanto é objetivado pelo Ministério Público no recurso como sendo materialmente integrante de sindicância ampla e efetiva da matéria de facto não assume essa natureza face ao concreto que o mesmo sindica, o que sempre força a sua rejeição.
Consequentemente, imutável fica a matéria de facto provada e não provada firmada pelo Tribunal a quo.
Certo é que assim materialmente não fosse, igualmente em termos de forma – aqui se retomando o supra – igual decisão haveria a tomar, como se explicita de imediato.
De facto, de acordo com o art.º 431.ºCPP “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.
Por outro lado, dispõe o art.º 412.º/3CPP que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”.
E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Assim dizendo, a especificação dos “concretos pontos de facto” (art.º 412.º/3a) CPP) traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente. Já a especificação das “concretas provas” (art.º 412.º/3b) CPP) só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação e demonstração da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a “especificação das provas que devem ser renovadas” (art.º 412.º/3c)CPP) implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no art.º 410.º/2CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. art.º 430.ºCPP). (cfr. Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 3/2012, de 8março2012 – DR 1.ªsérie, de 18abril2012, acessível in www.dre.pt - , onde fixou jurisprudência no seguinte sentido “[v]isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.
No recurso interposto, o Ministério Público não deu satisfação plena a todos estes requisitos e, como tal o recurso em causa não consubstancia uma forma de impugnação ampla da decisão de facto.
Não pode, consequentemente, este Tribunal ad quem reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, apenas podendo atender ao texto da decisão recorrida.
Poderia, ainda assim, a mera omissão de tais indicações nas conclusões do recurso conduzir à formulação de convite para as completar, nos termos do art.º 417.º/3CPP, se tais indicações constassem da motivação. No caso presente, porém, a falta de indicação das referidas menções não surge apenas nas conclusões da motivação, mas também na própria estrutura da motivação, o que invalida à chamada à colação do Acórdão do Tribunal Constitucional 320/2002 (9julho2002, processo 754/01, in DR, I-A, de 7outubro2002), visto o aperfeiçoamento previsto não permitir a modificação do âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art.º 417.º/4CPP).
Por conseguinte, desde já se decide não conhecer do mérito do recurso quanto à impugnação ampla da matéria de facto, o que constitui motivo da sua rejeição nesta parte, em conformidade com disposto nos art.s 417.º/6b);420.º/1a)CPP.
2.3.2. Recurso do Arguido BB
O recurso do Arguido apresenta-se de forma sui generis ao nível das questões efetivas e concretamente suscitadas na motivação e, por fim, sumariadas nas conclusões que este Tribunal ad quem tem de apreciar.
No concreto (fls. 9 da peça recursiva e em sede de motivação) o Arguido afiança que opera uma omissão de pronúncia no Acórdão, uma vez que o mesmo não transcreve trecho do Relatório Social quanto à situação dos seus filhos. Mais invoca a “prescrição” dos antecedentes criminais que, como tal, não deveriam ser considerados.
Nenhuma destas invocações retoma o Arguido em sede de conclusões, o que sempre obsta ao seu conhecimento, exceto fossem do conhecimento oficioso, que não são.
“Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». (cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., p 335)
Ainda assim, como mera delimitação do objeto do recurso, sempre se diga que, sendo certo que no Acórdão não consta o trecho “BB para além dos dois filhos da conjugue tem ainda quatro filhos, resultantes de um anterior relacionamento marital, respetivamente de, 21 anos e autonomizada, 19 e 18 anos que se encontram com medida tutelar de internamento em Centro Educativo aplicadas e o mais novo, com 16 anos de idade e portador de Síndrome de Down que se encontra à guarda da avó materna da ex-companheira.” , igualmente é certo que o interessante nessa matéria e em abono do Arguido consta do facto provado 40, quando ali se diz que “O arguido BB, tem ainda mais quatro filhos com 21, 19, 18 e 16 anos de idade, fruto de anterior relacionamento marital.” e dai que não se vislumbre em que é que a não referência do demais seja causa de omissão de pronúncia, mais quando é consabido que a mesma significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Traduz-se num non liquet. (neste sentido, Pires da Graça, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27abril2011, NUIPC 20/10.7S5LSB.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) Entendendo-se por questões os assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões e que se traduzem nos problemas concretos a decidir (o thema decidendum) e não os simples argumentos, opiniões, pontos de vista e doutrinas, expendidos pela acusação e pela defesa em amparo das teses em presença. Só em relação à primeira categoria, e já não em relação às demais, se podendo equacionar a possibilidade de o Tribunal ter omitido pronúncia. É dizer, a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos será irrelevante.
No caso invocado pelo Arguido estamos para além da insignificância. Trata-se sim, de absoluta desnecessidade de referência das particularidades reportadas, por em nada serem necessárias para o que quer que haja a decidir nos autos.
No mais, com relação aos antecedentes criminais, dir-se-á que o instituto a chamar à colação não é o da prescrição (quiçá a intenção de referência fosse a das penas) sim é o do cancelamento das decisões de inscrição vigentes no registo criminal, a operar pelas regras da Lei 37/2015-5mai - Lei da Identificação Criminal – mormente ao nível da articulação dos prazos reportados nos vários números do art.º 11.º (cancelamento definitivo).
Adiante, na certeza de que ambos os recorrentes dão apropriado cumprimento ao art.º 412.º/2CPP.
Ante tal temos que são as seguintes questões a decidir:
Recurso do Ministério Público:
1.ª – da apreciação da prova, em especial as regras de experiência e a livre convicção – opera violação?;
Recurso do Arguido:
2.ª – do enquadramento jurídico dos factos - crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade?;
3.ª – da medida da pena – excesso?;
4.ª – da suspensão de execução da pena de prisão – viabilidade?.

1.ª questão
- Da apreciação da prova, em especial as regras de experiência e a livre convicção – opera violação?
Imutáveis que estão os factos, ainda assim há que perceber se em sede de formação de convicção alguma viciação operou. É a este caminho que se reconduz a questão apresentada pelo Ministério Público, quando o mesmo entende que face às declarações do Arguido (uma vez que a Arguida silenciou em exercício de direito) e aos depoimentos testemunhais outra deveria ser a solução.
Por desnecessário o ser, sequer entraremos na questão da valoração das declarações do Arguido em sede de 1.º interrogatório.
O CPP cuida da validade das provas entre os arts. 124.º e 190.º frisando ab initio que “constituem objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis” (art.º 124.º/1CPP) e que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” (art.º 125.ºCPP).
Não se cuida in casu de métodos proibidos de prova à luz do art.º 126.ºCPP, sim da administração e valoração das provas validamente produzidas, perante as quais caberá ao Tribunal a sua apreciação e valoração no intuito de decidir sobre a matéria de facto segundo o princípio geral de apreciação “segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente” a não ser que a lei disponha de forma diferente (art.º 127.ºCPP).
Ora, considerando as provas validamente produzidas e analisadas em sede de audiência, nenhuma se liga a prova tarifada, todas inculcam no modelo base do art.º 127.ºCPP.
Não se descure, contudo, que existe sempre um fator humano envolvido na função jurisdicional, necessariamente a incutir em cada decisão uma vertente subjetiva inerente ao decisor (singular ou coletivo) dado que cada um coopera com o seu saber e experiência para o resultado que a final se produz. E daí a alusão do referido art.º 127.ºCPP à “livre convicção” com a significância de que o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária ou com uma valoração puramente subjetiva, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art.º 374.º/2CPP. É dizer, importa o mesmo a sujeição a critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, concreta e transmissível, pelo que o decisor tem que explicar as razões da sua decisão, e estas têm que ser sindicáveis pelo destinatário e, nesta sede, pelo Tribunal de recurso.
Muito sinteticamente aqui chegados, cientes da forma como tem que laborar o Tribunal em moldes de apreciação da prova, atendendo às provas que em concreto foram produzidas na audiência realizada no Tribunal a quo, considerando o modo como o mesmo fundamentou a prova em sede decisória, concatenando tal expressividade com aquela que é a fundamentação veiculada pela declaração de voto, em absoluta dissonância, dir-se-á que o quanto o Ministério Público pretende é impor uma decisão diversa àquela que foi a maioria que determinou ganho de posição, atacando-a de inexperiente.
Ora, o processo probatório, a prova, consiste em verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa, estando o Tribunal munido, para essa tarefa de uma racionalidade própria, uma racionalidade razoável. Daí que não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável à Arguida, mas apenas a chamada dúvida razoável. Enfim, a dúvida que há-de levar o Tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do Tribunal. “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, 27maio2010, NUIPC 11/04.7GCABT.C1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade.
E esse esforço de razoabilidade mostra-se efetivado na vertente que se cuida – a da maioria do Coletivo -, o que se mostra feito através da explicitação e uso de regras da experiência, em moldes de razoabilidade perante a liberdade de apreciação da prova e no sentido de que não se convenceu da verdade da acusação, mantendo a dúvida própria dum processado penal que sempre parte da dúvida para a certeza. E, por manter o laivo de dúvida, por mínimo que seja, sobre a veracidade de um facto em que se alicerça uma imputação delituosa, optou por não o ter como provado, assim obviando a uma condenação com base nesse facto. Cumpriu, assim, a máxima de na existência duma réstia de dúvida, não poder haver punição, sendo que não se vislumbra razão para afirmar que tinham os julgadores maioritários, face às regras de experiência e ao quanto nesse sentido explanaram, que adquirir ou formar a convicção no sentido da certeza da imputação feita à Arguida, com base nas provas produzidas.
A afirmação da dúvida feita pela maioria do Coletivo é relevante para este efeito, “há-de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida”. (Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, p. 205)
E, por isso mesmo não pode o Ministério Público pretender atacar tal atuação, uma vez que, como se disse supra é próprio do sistema o fator humano envolvido na função jurisdicional, pelo que como refere o Juiz Desembargador Agostinho Torres (Acórdão desta 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, 1fevereiro2011, NUIPC 153/08.0PEALM.L1-5, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) “[o] princípio in dubio pro reo, é um princípio probatório que procura solucionar um problema de dúvida em relação à matéria de facto (…); traduz o correspetivo do princípio da culpa em Direito Penal, ao garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos, é um corolário lógico do princípio da presunção de inocência do arguido”.
A esse patamar de prova não chegou a maioria do Coletivo, o que fundamentado e criticamente se mostra postulado nos autos, pelo que nenhuma violação do art.º 127.ºCPP opera.
Lida a decisão em apreço, conforme decorre claramente do texto da motivação, temos para nós que o Tribunal a quo, ainda que sem unanimidade, no exercício do poder e dever de julgar segundo a sua livre apreciação assentou a decisão numa fundamentação muito consistente e pormenorizada, explanando as suas dúvidas e afastando o que para além destas no seu entender consubstanciava arbítrio. É dizer, perpassou pelo espírito do julgador maioritário a dúvida, que explanou, explanação essa donde decorre que estabeleceu os factos em harmonia com o disposto no art.º 127.ºCPP, tudo a forçar a conclusão de que a decisão sob recurso não patenteia a alegada violação.
O Ministério Público não concorda, é certo.
Contudo, como já várias vezes foi dito – ainda que em lugar paralelo - em Acórdãos desta 5.ª Secção “só sabemos que o recorrente, se fosse o julgador, teria fixado os factos de modo diferente”. Só que tal discordância mais não é do que a inadmissível “inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.” (Acórdão do Tribunal Constitucional, 198/2004, rel. Juiz Conselheiro Moura Ramos, 24março22004, acessível in www.tribunalconstitucional.pt) na certeza de que a decisão esperada pelo Ministério Público será sempre uma que espelhe o cumprimento da legalidade.
E daí que fazendo jus ao que escreve Souto Moura (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 15julho2008, processo 08P418-5.ª, acessível in www.dgsi.pt/jstj) “I - Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detetarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. II - Por outro lado também não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. III - O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado – cf. Acs. de 15-02-2005 e de 10-10-2007, Procs. n.ºs 4324/04 - 5.ª e 3742/07 - 3.ª, respectivamente.”
Concluindo, nesta parte, improcede o recurso do Ministério Público, uma vez que inexiste fundamento para alterar o decidido pela 1.ª instância.

2.ª questão
- Do enquadramento jurídico dos factos - crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade?;
Entende o Arguido que a atuação objeto da acusação e da subsequente pronúncia, por si confessada, não integra a prática dos elementos típicos do art.º 21.º-DL15/93-22janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, sim – por se tratar duma atuação única, de transporte, de haxixe, qual tráfico de rua, sem efetiva disponibilização a terceiros – de tráfico de menor importância e significância, a enquadrar no art.º 25.º-DL15/93-22janeiro.
Em resposta o Ministério Público de 1.ª instância alega a referência de se estar “Diante de 60 Kg., (…) inexoravelmente no âmbito do grande tráfico de droga, da circulação de largo espectro, destinada ao abastecimento de massas. ” sendo que não há que dizer que “os “correios” mereceriam uma maior condescendência.” uma vez que os mesmos “não são vítimas, mas elementos essenciais (e conscientes) da distribuição ou escoamento do estupefaciente.” a apodar como “instrumentos de um mal”. sendo que “não são os “patrões” de uma rede de tráfico. Se o fossem, nem responderiam pelo crime de tráfico do 21.º, mas pelo de tráfico agravado e de associação criminosa. Mas também não são vítimas. Antes desempenham um papel essencial no “escoamento” (…), e fazem-no conscientemente.”
Dos factos resulta que o Arguido fez transportar em viatura 2 (dois) “fardos, que continham um total de 629 placas de resina de canábis, com o peso líquido total de 61.686,6 gramas.”
Onde enquadrar tal conduta típica, eis a questão a solucionar.
O Tribunal a quo, enquadrando a ação encetada pelo Arguido no âmbito do “transporte”, com vista à obtenção de contrapartida monetária, por quem não possuía autorização para detenção e transporte da substância em causa, conhecedor da sua natureza estupefaciente e ciente do caráter penal da conduta voluntariamente encetada, firmou estar-se perante “crime de tráfico de estupefacientes, sendo que a concreta conduta empreendida, bem como a quantidade do estupefaciente em causa não permitem sequer equacionar a sua subsunção ao tipo legal previsto no artigo 25.º, sendo manifesto que a ilicitude é significativa, e não diminuída.”
E bem andou o Tribunal, desde já se diga.
De facto, como bem se refere em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 18outubro2001, processo 1188/01, acessível in ou em www.pgdlisboa.pt) ”Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta II - Depois, nos tipo privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. III - E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples.”
Diz-nos o art.º 21.º-DL15/93-22janeiro, sob a epígrafe tráfico e outras atividades ilícitas que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.” (sublinhado e negrito da responsabilidade do Relator, por referência à provada conduta do Arguido)
Indubitável é que a conduta do Arguido cai no matricial art.º 21.º, na modalidade de detenção sem autorização, logo ilícita para os termos da norma, com vista a transporte de substância estupefaciente, crime este que é de perigo abstrato, ou seja, em que a simples detenção do produto, independentemente das motivações do agente para o crime se consumar, é punida em nome da relação finalística com o produto, encarado como de grande danosidade pessoal e social.
Com efeito, a canábis mostra-se prevista no âmbito da Tabela Anexa I-C, o Arguido detinha e transportava tal substância, agindo dolosamente.
Importa então perceber, como é pretensão do Arguido, se a sua conduta pode ser subsumida no art.º 25.º, norma que prevê uma moldura penal mais favorável caso se entenda que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída.
Esta norma dispõe, sob a epigrafe tráfico de menor gravidade que: “Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;”
Porque se mantém plenamente atual, há que reter ab initio a explicitação referida em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (rel. Juiz Conselheiro Santos Carvalho, 23novembro2011, NUIPC 127/09.3PEFUN.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) na qual se colhe que “o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra. (…) importa não transformar o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º numa raridade jurisprudencial, faremos uma tentativa de exemplificação teórica da situação factual que configura o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, cujo objectivo final é o de guiar a jurisprudência para alguma objectividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas. (…) a avaliação de uma actividade, seja ela qual for, obriga a uma definição prévia de critérios (ou de exemplos-padrão) e, portanto, dir-se-á que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:
a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);
b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;
c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;
d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.
e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;
f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;
g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;
h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.”
Em recensão, no crime de tráfico de estupefacientes, para se concluir no sentido de que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída, é necessário avaliar globalmente a conduta do agente e olhar a “imagem” do Arguido que resulta da ponderação do conjunto de factos que são dados como provados.
Perante esta enunciação e atendendo aos factos provados, resta dizer que de maneira alguma a posse e transporte de 2 (dois) “fardos, que continham um total de 629 placas de resina de canábis, com o peso líquido total de 61.686,6 gramas.” na conduta privilegiada do art.º 25.ºa) pode ser enquadrada.
De facto, a diminuição da ilicitude exigida pela norma, haveria de ser encontrada e justificada, num quadro factual em que claramente se percebesse um comportamento arcaico, impreparado, básico mesmo, do agente que age perante os produtos estupefacientes, que sabe serem proibidos, sem grandes elaborações intelectuais de ocultação e sem que o seu procedimento ou a quantidade ou a qualidade dos mesmos, cause repercussão significativa no meio em que desenvolve essa sua atividade, no fundo e grosso modo, o chamado vendedor de rua, ocasional e quase despreocupado, quadro fáctico que não é possível recortar nestes autos.
Improcede, consequentemente, a pretensão do Arguido, uma vez que se mostra correta a integração da sua conduta no tipo do art.º 21.º-DL15/93-22janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, como bem firmado está pelo Tribunal a quo.

3.ª questão
- Da medida da pena – excesso?
Firmou o Acórdão do Tribunal a quo uma pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Para tanto, após avaliar as necessidades de prevenção geral como significativas no âmbito dos crimes de tráfico de estupefacientes “conhecidas que são as consequências altamente nocivas do consumo de substâncias estupefacientes e os seus reflexos sociais, quer a nível individual (na vida dos consumidores e suas famílias), quer numa perspectiva colectiva, atento o elevado índice de pequena e média criminalidade associado a tais consumos” , expor que in casu as necessidade de prevenção especial são de relevo, uma vez que no seu percurso criminal e penitenciário o Arguido já “conta com dezassete condenações averbadas no seu registo criminal, duas delas pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, tendo já cumprido pena de prisão efectiva”, ponderou: a) a ilicitude, tendo-a como situada “num nível elevado” face à “significativa quantidade de estupefaciente (mais de 61 quilogramas)” à “sua toxicidade (canábis), que se mostra menos significativa, designadamente no confronto com outras substâncias habitualmente transaccionadas em território nacional, como é o caso da heroína e da cocaína” ; b) a culpa, a qual “assumiu a modalidade de dolo directo e de elevada intensidade, tendo em conta a energia dolosa contida na concreta conduta empreendida pelo arguido e a necessária reflexão para o desenvolvimento da acção criminosa; c) ponderando ainda as condições pessoais do Arguido, onde se referiu, a seu favor “a inserção familiar evidenciada e o apoio dos familiares mais próximos de que beneficia, bem como o comportamento normativo que vem adoptando em meio prisional, onde se encontra a trabalhar” e em desfavor “a inserção laboral incipiente e os seus antecedentes criminais, tendo já cumprido pena de prisão pela prática de idêntico crime e, ainda que a maioria das condenações sofridas se reportem a crimes de distinta natureza, não pode deixar de ser factor atendível nesta sede, enquanto elemento revelador de uma personalidade desconforme com o dever ser jurídico.”
Entende o Arguido que tal volume concreto de pena é “injustificadamente penalizador” (…) “manifestamente exagerada, desproporcional e desadequada” uma vez que se encontra “socialmente integrado, tem companheira, um filho de meses de idade a cargo, tanto a companheira como a sua família prestam-lhe todo apoio necessário e ainda agora mais pois, o arguido esforçou-se para deixar os consumos. e ter uma vida de acordo com as regras sociais.” (…) sendo que apesar dos crimes “cometidos na sua juventude, nem há notícia de quaisquer infrações posteriores aos factos aqui em análise” o caso dos autos demanda “especial cuidado”. Pugna pela aplicação duma pena que “deverá ser sempre inferior a 5 anos”.
Apreciando.
A fixação da medida concreta da pena envolve por parte do julgador uma certa margem de liberdade individual, a qual não lhe permite, contudo, um afastamento da aplicação estrutural do direito, devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, como disposto no art.º 40.ºCP. Nessa determinação concreta terá o Tribunal que considerar as funções de prevenção geral e especial das penas sem, contudo, perder de vista a culpa do agente (art.º 71.º/1CP) a qual determina o limite máximo concreto da pena. Deverá, pois, a medida da pena responder às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (art.º 71.º/2CP).
Retomando (Figueiredo Dias in Direito Penal …cit., p. 197), “a questão do limite ou da moldura da culpa [está] plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista [é] inadequado” (…) exceto se “tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”. Consequentemente, porque basilar para o consistente do presente Acórdão, nesta matéria da fixação da medida concreta das penas há que relembrar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que desde há muito vem entendendo que “apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Simas Santos, 11outubro2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt/jstj) (no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, rel. Juíza Desembargadora Olga Maurício, 5abril2017, NUIPC 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, onde nos é dito que “I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. II – Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.”; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador Artur Oliveira, 11julho2007, processo 0742984, acessível in www.dgsi.pt/jtrp, onde nos é dito que “A intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, excepto se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”)
Esta jurisprudência reflete a ideia, que acompanhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em primeira Instância ao fixar o quantum da pena, desde que se situe, como é o caso, entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada. Assim o é porque o Tribunal ad quem só pode intervir na pena, alterando-a, quando detete incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não pode visar nem pretender eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao Tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
Atendeu o Tribunal a quo às sobreditas circunstâncias concretamente aplicáveis, que valorou corretamente enquanto agravantes ou atenuantes?
Uma linha inicial cumpre esclarecer: a de que a concreta medida da pena se determina a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) e não a partir de considerações feitas pelo Arguido que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.
Perante os factos apurados e o que deles se pode deduzir, como veremos, no essencial, estamos de acordo com as considerações feitas pela Tribunal a quo, quanto à determinação da medida da pena individual que foi imposta ao Arguido, acima já transcritas, considerando a moldura abstrata (pena de prisão de 4 anos a 12 anos) do crime de tráfico de estupefacientes por si cometido.
O alegado pelo Arguido que extravasa o que se extrai dos factos dados como provados não pode ser atendido.
Nenhuma censura objetiva a tal apreciação pode ser feita à luz da justeza na mesma expressa ao nível das considerações de prevenção, geral e especial, culpa dolosa do Arguido, consciente ilicitude de reporte aos factos encetados e considerações, positivas e negativas, da esfera pessoal do Arguido.
Como tal, ao contrário do que alega o Arguido, não se vê que haja qualquer exagero na ponderação feita ao nível da fixação duma pena concreta que, ainda assim, perante os factos encetados e o passado – bem revelador das dificuldades de o Arguido levar uma vida conforme ao direito, como se extrai das várias condenações anteriores sofridas – é fixada abaixo da metade do limite abstrato.
Assim, tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do Arguido, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a fixada pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão que lhe foi imposta em 1.ª instância e agora se mantém, uma vez que a mesma favorece a sua reinserção social, como intenção reportada no art.º 42.º/1CP e 2.ºCEP.
Improcede, pois, totalmente a argumentação do Arguido, não tendo sido violados os princípios e normas por si chamados à colação.

4.ª questão
- Da suspensão de execução da pena de prisão – viabilidade?
Mantida a pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão, considerando o limite de pena a que se reporta o art.º 50.ºCP, necessariamente que esta questão fica prejudicada, o que se consigna.

III – DECISÃO
Nestes termos, em conferência, acordam os Juízes que integram a 5.ª Secção Penal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
a) em rejeitar, no que respeita à questão do perdimento do veículo AR-..-PH, a favor do Estado, o recurso interposto pelo BB, atenta a sua falta de legitimidade (art.s. 417.º/6b);420.º/1b)/2 ex vi art.s 414.º/2;401.º1b)/2, todos do CPP);
b) em rejeitar, no que respeita a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, o recurso interposto pelo Ministério Público;
c) em negar provimento ao demais constante do recurso interposto pelo Ministério Público, no que versa sobre matéria de direito e, consequentemente, confirmar na íntegra a decisão de absolvição da AA como decidido pelo Tribunal a quo;
d) em negar provimento ao demais constante do recurso interposto pelo Arguidos BB;
e) em fixar custas criminais a cargo do BB, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS, nos termos dos art.s 513.º/1;514.º/1;524.ºCPP e Tabela III anexa de reporte aos art.s 1.º;2.º;3.º/1;8.º/9, acrescidas dos encargos previstos no art.º 16.º, ambos RCP (DL34/2008-26fevereiro e alterações subsequentes), inexistindo lugar à fixação do acréscimo estatuído no n.º 3 do art.º 420.ºCPP, uma vez que a rejeição não é total.
Notifique (art.º 425.º/6CPP).
D.N.

Lisboa, 22outubro2024, data eletrónica supra.
• o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art.º 153.º/1CPC e com aposição de assinatura eletrónica - art.º 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio
Manuel José Ramos da Fonseca
Paulo Barreto
Ester Pacheco dos Santos