Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO BARRETO | ||
Descritores: | CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE BEM JURÍDICO PROTEGIDO OFENDIDO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/21/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
Sumário: | I - Em sede de direito penal, os conceitos devem seguir a amplitude da conduta criminosa (por ora apenas indiciária e na perspectiva do MP, sem qualquer intuito pré-condenatório, como serão todas as considerações que se farão ao longo do presente acórdão) sem se limitar ou fechar em conceitos estritamente jurídicos do direito civil e sobretudo do direito societário. II - No âmbito penal, o que interessa essencialmente são os interesses económicos que determinam toda a prática criminosa e os seus diversos ramos de acção. Assim, mais do que o conceito de pessoa colectiva (sociedade comercial), importa sobretudo ponderar um conceito de empresa, grupo económico, como topo de negócios e interesses jurídicos e económicos, com capacidade para influenciar as diversas pessoas colectivas societariamente consideradas. III - E é nesta perspectiva que se reconhece ao recorrente o direito de querer intervir no inquérito, pois face ao que se investigava, o aqui recorrente podia ser considerado ofendido e, como tal, tinha o direito de se constituir assistente em sede de inquérito. Porém, só pediu a intervenção como assistente depois da conclusão das investigações e do inquérito, que, como é consabido, encerra com o despacho de acusação ou de arquivamento. Também é certo que o objecto da acusação define o objecto do processo. IV - Do objecto da acusação tal como foi definido pelo MP não se extrai qualquer crime imputado aos arguidos por prejuízos causados que reflexamente levaria aos danos invocados pelo recorrente. V - Não é possível dizer-se que o recorrente pode ser admitido a intervir como assistente nesta fase processual, por estar em tempo para deduzir acusação por factos que não constam dos factos acusados pelo MP. (Sumariado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório No Juiz … do Juízo Central de Instrução Criminal foi proferido o seguinte despacho: “Dos pedidos de constituição como assistente, formulados por (…) AA (…). O detentor da acção penal deduziu oposição às requeridas constituições como assistentes. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 4.º do art.º 68.º do CPP, conforme despacho de fls.62678 e seg.s. Vieram (…) AA (…), requerer a respectiva constituição como assistente nos termos do art.º 68.º n.º 1, al. a) e 3, do Código de Processo Penal. Todos fundamentam os seus pedidos (como decorre dos pedidos de indemnização civil) na aquisição de acções da Portugal Telecom, Portugal Telecom, SGPS e/ou da PT Multimédia. Porém, verifica-se, como aduzido pelo titular da acção penal, tais instrumentos de dívida não são, todavia, objecto do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos no dia 14.07.2020, pelo que não têm os requerentes legitimidade para se constituírem assistentes no âmbito do presente inquérito, nos termos e para os efeitos do art.º 68° n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal. Assim, no âmbito do presente inquérito, corroboramos o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal de que não têm os requerentes legitimidade para se constituírem assistentes, nos termos e para os efeitos do art.º 68.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal, pelo que se indeferem os respectivos pedidos. Notifique”. * AA veio recorrer deste despacho, formulando as seguintes conclusões: “ I. Nos presentes autos os arguidos vêm acusados, entre outros, dos seguintes crimes: crime de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, infidelidade e branqueamento de capitais. II. O recorrente, também enquanto lesado/ofendido, veio requerer a respectiva constituição de assistente, nos termos do artigo 68°, n.º l, alínea a) do C.P. Penal. III. O Tribunal a quo indeferiu a constituição de assistente por parte do recorrente, alegando, para tal a sua falta de legitimidade, em virtude da mesma fundamentar o seu pedido na aquisição de ações da Portugal Telecom, Portugal Telecom SGPS e/ou PT Multimedia, PT International Finance BV e de tais instrumentos de dívida não serem objeto do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos no dia 14.07.2020. IV. O recorrente não se limita a fundamentar o seu pedido de indemnização e constituição de assistente na mera aquisição de acções da Portugal Telecom. V. Ao longo do seu pedido de indemnização civil e requerimento de constituição de assistente, o recorrente alega e contextualiza, utilizando para o efeito partes da acusação deduzida pelo Ministério Público, a relação entre a Portugal Telecom e o Grupo Espírito Santo, de modo a concluir que as condutas criminosas perpetradas pelos arguidos tiveram influência directa na perda do seu investimento. VI. A relação com a Portugal Telecom e com o Grupo Espírito Santo encontra-se discriminada, entre outros, nos pontos 5.2.2.1.1. e sgs. e ainda 7.4.5.2. da acusação. VII. À época da subscrição, como resulta da acusação (pontos 3711, ss) o Grupo PORTUGAL TELECOM (PT), liderado pela holding de topo, a PORTUGAL TELECOM SGPS (em 29.05.2015 redenominada PHAROL SGPS SA), até 2014 o principal operador no setor das telecomunicações em Portugal, foi, também, fonte importante de liquidez para o GES. VIII. Com efeito, BB, em conjugação de esforços com os demais arguidos, logrou que fosse implementada na PT uma política de gestão de recursos que beneficiou financeiramente o GES, seja através de depósitos do Grupo PT no BES, seja pela tomada de obrigações, até 2008 as comercializadas pelo Grupo BES e, a partir de 2010, as emitidas pela ESI. IX. Entre 2001 e 2013, BB conseguiu que a PT concentrasse montantes significativos da sua tesouraria em depósitos no BES e obrigações, representando tais investimentos 91 % do total de tesouraria da PT. X. A partir de 2010, BB, querendo dissimular a deterioração da situação financeira e patrimonial da ESI, conseguiu que o Grupo PT investisse os seus excedentes de tesouraria em obrigações emitidas por essa holding. XI. A ESI tinha capitais próprios negativos de, pelo menos, 1609,6 milhões de euros, valor que, se a participação sobre a ESFG fosse ajustada para a cotação em bolsa, atingiria a expressão negativa de 2.791 milhões de euros. XII. Parte da dívida da ESI foi transferida para a RIOFORTE alegando os arguidos que se trataria de uma reestruturação financeira do GES, passando a ser a nova holding do GES. XIII. A RIOFORTE faz parte do GES. XIV. Entre 2009 e Julho de 2014 BB exerceu controlo sobre todo o GES. XV. Nessa medida, e através de deliberações aprovadas nas diferentes reuniões dos Conselhos de Administração (CA) de cada uma das sociedades, foram "fabricados" instrumentos de divida emitidos pelas diferentes sociedades do grupo, foi falsificada documentação contabilística com vista à possível emissão de tais instrumentos de divida, foram promovidos produtos financeiros de sociedades já insolventes, foram emitidos valores mobiliários em franca contradição com deliberações proferidas pelo Banco de Portugal, enquanto entidade reguladora. XVI. Foi na sequência da influência de BB, em comunhão de esforços com as pessoas melhor identificadas na acusação, que a Portugal Telecom subscreveu obrigações das ESI e das empresas do grupo que dela faziam parte. XVII. Em janeiro de 2014, na execução do plano de "reestruturação" do GES gizado, mostrava- se essencial que a dívida ESI tomada pelo Grupo PORTUGAL TELECOM, que, a 31.12.2013, se cifrava em 750 milhões de euros fosse assumida na integra pela RIOFORTE (ponto 8662, da acusação). XVIII. Nessa altura, bem sabiam os arguidos que a ESI não tinha capacidade para reembolsar aquela dívida tomada pelo Grupo PT. XIX. Em janeiro de 2014, BB, referindo-lhe o plano de "reestruturação" do GES e apresentando a RIOFORTE como a nova holding de topo do GES, solicitou que os investimentos do Grupo PT em papel comercial da ESI fossem transferidos para Obrigações emitidas pela RIOFORTE, a serem sucessivamente roladas, pelo período de um ano, até fevereiro de 2015. XX. Toda a conduta que originou perdas para a PT de cerca de 897 milhões de euros encontra-se descrita nos pontos 8662 a 8682 da acusação. XXI. Em 05.05.2014, aquando da liquidação do aumento de capital da 0I, a PORTUGAL TELECOM contribuiu com os ativos que haviam sido transferidos para a PT Portugal, incluindo as Obrigações RIOFORTE no valor de 897 milhões de euros, subscritas pela PT SGPS e pela PT FINANCE. XXII. Consequentemente, depois de em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado estas Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros. XXIII. Estas perdas em 2014, causadas pela omissão deliberada da real situação financeira da ESI e da RIOFORTE e falsificação de diversos documentos, levaram a que, mais tarde, em 2016, a 01, tendo já a PT e a PTIF integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores. XXIV. A 01 admite que o crescimento da dívida foi o que originou os seus problemas financeiros. XXV. A posição da Pharol, SGPS, no capital social da Oi foi reduzida de 39,7% para 27,48%, na sequência da questão RIOFORTE, e, mais tarde, com a aprovação do plano de recuperação, para menos de 8%, porque foram convertidos 6,8 mil milhões de euros de dívida em ações, a favor dos credores, correspondentes a 72,12% do capital da operadora brasileira, como se pode verificar pelo relatório e contas da Pharol 2018. XXVI. Por isso, o principal ativo da Pharol - a posição acionista que tinha na Oi - foi drasticamente reduzida. XXVII. Ao invés de apresentarem a ESI/RIOFORTE à insolvência, o arguido BB, coadjuvado pelos demais co-arguidos, utilizaram a ESI/RFI para se financiar junto de terceiros. XXVIII. De modo a aparentar uma realidade que sabiam não existir, para que fosse possível manter a emissão de produtos financeiros da ESI/RFI, os arguidos/Demandados ordenaram ou executaram atos de manipulação das contas desta entidade por recurso a documentos que falsificaram ou mandaram falsificar. XXIX. Os arguidos/Demandados agiram com intenção de obter para si, ou para entidades do Grupo Espírito Santo, um enriquecimento ilegítimo. XXX. Para o efeito utilizaram, entre outras, as estruturas do BES de modo a que estas comercializassem produtos financeiros que os primeiros sabiam não deter valor ou serem pouco fiáveis. XXXI. Assim, o pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público. XXXII. Considerou o Douto despacho recorrido que os factos relatados e que fundamentam o pedido de constituição como assistente em causa, não são objecto dos autos. XXXIII. Porém, as condutas dos arguidos descritas no pedido de indemnização civil e constituição de assistente dizem respeito a factos constantes da Acusação (pontos 4013, 5.2.2.11 e seguintes e 7.4.5.2. da Acusação). XXXIV. Os factos descritos no despacho de acusação " ... dão corpo ao texto que os concretiza em sede de acusação, na qual são imputados os crimes de associação criminosa para a prática de crimes de falsificação, previsto no art.º 256.º burla (qualificada), previsto nos art.ºs 217º e 218º, infidelidade, previsto no art. ° 224º, branqueamento, previsto no art. ° 368ºA, todos do Código Penal, e de corrupção ativa e passiva no setor privado, previstos nos art.º 8º e 9º da Lei 32/2008, de 21.04, e de manipulação de mercado, previsto no art.º 379º do Código de Valores Mobiliários. Os factos descritos demonstram a existência de células organizadas, com domínio de assuntos de auditoria, de supervisão, do circuito bancário e do circuito de intermediação financeira para a prática deliberada de atos criminosos, e de todos os conexos a impedir a sua deteção e permitir a sua dissimulação na normalidade de uma atividade particularmente complexa. " (Fls. 84 da Acusação). XXXV. Considerando a sua versão da ocorrência, os factos descritos, os documentos que juntam e a perspectiva em que se colocam face aos arguidos, é manifesto que a legitimidade do recorrente para se constituir como assistente deve ser reconhecida. XXXVI. Independentemente de se virem, a final, a provar ou não as respectivas suspeitas, e perante a tipologia de crimes em causa, é perfeitamente aceitável admitir a constituição de assistente do recorrente/demandante, como titular dos interesses que a incriminação visou especialmente proteger, uma vez que, na sua óptica, viu o seu património afetado pelas condutas cuja prática é o objeto dos presentes autos. XXXVII. O Recorrente é titular de obrigações emitidas pela Portugal Telecom ou Portugal Telecom SGPS, sendo que os denunciados cometeram crimes de burla qualificada e infidelidade contra essa mesma sociedade, entre outros. XXXVIII. De acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, (Ac. 10/2010, DR 242 SÉRIE I de 2010-12-16), “ ... sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico da lesão) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas «expectativas comunitárias»), estaremos perante um bem jurídico protegido”. XXXIX. No crime de burla e de infidelidade o bem jurídico protegido é o património. XL. No crime de burla previsto e punido nos termos do art. 217.º do C.P. o legislador procurou acautelar o património, não só do burlado, como também de algum terceiro que, como consequência directa do engano provocado pelo agente sofra um prejuízo patrimonial. XLI. O mesmo acto ilícito pode provocar prejuízo a uma pluralidade de pessoas, e, portanto, provocar vários ofendidos. XLII. O prejuízo provocado pelos arguidos ao Recorrente não é apenas indirecto e reflexo, mas decorre, directamente, da conduta dos arguidos. XLIII. A burla qualificada na venda de papel comercial ESI e RIOFORTE teve consequências directas nas obrigações PT e na OI e/ou PTIF, originando a perda de valor das ditas obrigações. XLIV. No douto despacho recorrido considerou-se que as obrigações emitidas pela PORTUGAL TELECOM, PORTUGAL TELECOM, SGPS, SA (PT, SGPS), PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE, BV, (PTIF) e PT MULTIMÉDIA não são objeto do despacho de encerramento do inquérito proferido nos autos. XLV. Sucede, porém que as condutas referidas tiveram impacto na PT e posteriormente na OI. XLVI. O pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação. XLVII. Depois de, em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado as Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros. XLVIII. Perdas estas que levaram a que em 2016, a OI, tendo já a PT e a PTIF integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores (Cfr. Art.°s 54.° a 56.° do pedido de indemnização civil e requerimento de constituição de assistente). XLIX. O recorrente é a titular do interesse que constitui objeto jurídico imediato dos crimes de burla qualificada e infidelidade, interesse próprio e direto que não se consubstancia somente na pessoa do lesado, uma vez que está em causa não apenas o património mas a necessidade de garantir a integridade dos mercados financeiros e promover a confiança dos investidores. L. O recorrente é, por isso, titular de um interesse que a norma incriminatória procurou acautelar, e, portanto, tem legitimidade para apresentar a queixa e constituir-se assistente, dado que é ofendido, na extensão que o conceito deve ter, conforme fixado pelo Acórdão 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça. LI. O Meritíssimo Juiz a quo interpretou de forma errónea o disposto no artigo 68° n.º 1 al. a) do CPP, nomeadamente, quanto ao conceito de ofendido, já que deveria ter considerado que o recorrente, sendo titular de um interesse especialmente protegido pela norma, tem legitimidade para se constituir assistente. LII. Neste sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-02-2016, proferido no âmbito deste mesmo processo (324/14.0TELSB), acessível in, que diz o seguinte: “1. Têm legitimidade para se constituírem assistentes, os lesados por uma instituição bancária onde se investigam os crimes de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal, e cujo processo tem como arguido, entre outros, o Presidente do respectivo Banco. 2. Tem sido comumente aceite, que o conceito de ofendido para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o adotado para se aferir da legitimidade para apresentação de queixa, previsto no art.º 113.º, n.º 1, do cód penal. 3. Como condição dessa legitimidade exige-se a existência de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado. 4. Os lesados pelos gestores da instituição bancária na qual haviam depositado o seu dinheiro, mostram-se investidos na posição de titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com as incriminações que se indiciam.” LIII. O mesmo se conclui relativamente a eventuais crimes de falsificação e de abuso de confiança, atenta a descrição da factualidade alegada pelo recorrente. LIV. O crime de falsificação de documento é um crime contra a vida em sociedade, em que o bem jurídico segurança e confiança do tráfico probatório, a verdade intrínseca do documento enquanto tal é prevalente ou predominantemente protegido. LV. Mas não é o único bem jurídico particularmente protegido com a correspondente incriminação, atendendo ao conjunto do tipo. LVI. Como requisito subjectivo deste crime, exige-se que o agente tenha actuado com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou Estado ou alcançar para si ou para terceiro benefício ilegítimo. LVII. O mesmo é dizer que se não estiver presente esse elemento não perfecciona o respectivo tipo. LVIII. Quando for o caso, verificados os elementos materiais do iter criminis, é essa especial direcção de vontade do agente: prejudicar outra pessoa, que dita o completamento do crime. LIX. O que impõe a conclusão, face a este elemento subjectivo, de que o tipo em causa visa proteger aqueles valores, mas (também) em razão do prejuízo que os atentados contra eles podem causar a interesses de particulares. LX. Esses interesses particulares, se bem que não exclusivamente, são pois protegidos de modo particular pela incriminação, constituindo um dos objectos imediatos da incriminação. LXI. Se num caso concreto os arguidos visaram com a falsificação causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, neste caso todos os adquirentes de obrigações PT, estes poderão constituir-se assistentes. LXII. A análise do tipo legal de falsificação de documento do artigo 256.° do Código Penal permite concluir que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afastou, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, aquele cujo prejuízo o agente visava, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente. LXIII. Neste sentido, veja-se o Acórdão n.º 1/2003 - Processo n.º 609/02 - do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt que concluiu o seguinte que «No procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento. previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se constituir assistente.» " LXIV O Acórdão 1/2003, estabelece que o vocábulo " especialmente" usado pela lei significa "de modo especial, num sentido de particular e de não exclusivo" de sorte que" quando os interesses imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares ... a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua prática tem legitimidade para se constituir assistente." LXV O direito penal tem por encargo proteger os bens jurídicos e todos os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos que podem ser lesados cumulativamente ou alternativamente. LXVI. Neste caso, os interesses particulares, se bem que não exclusivamente, também são objecto imediato da protecção pela norma incriminadora. LXVII. A ampliação do conceito de ofendido acarreta o correto equilíbrio entre a necessidade de punir a necessidade que esta punição seja feita de forma justa e ponderada contribuindo assim para a realização de um processo penal mais equitativo e pacificador. LXVIII. Assim, impunha-se, face às circunstâncias particulares do caso e ao tipo legal de crime em causa que se concluísse que o Recorrente, surge como titular de um interesse digno de tutela e acautelado pela norma incriminadora em apreciação. LXIX. Neste contexto, AA, apresenta-se com legitimidade para se constituir assistente nos presentes autos. LXX. Razão pela qual, face ao supra exposto, o Douto despacho violou a alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo”. O Ministério Público apresentou Resposta, concluindo do seguinte modo: “1. Importa, perante o teor do recurso, aquilatar se o recorrente se mostra investido na posição de titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação no âmbito destes autos. 2. O conceito de ofendido, para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o conceito adoptado para se aferir da legitimidade para apresentação de queixa, previsto no art° 113° n° 1 do Código Penal, onde igualmente se estabelece que ofendido é o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. 3. A legitimidade do ofendido é aferida necessariamente em relação ao crime concreto que estiver em causa, e a delimitação do seu conceito encontrar-se-á na tipologia criminal concretamente expressa em lei. Só assim é possível determinar se uma pessoa viu os interesses que a lei quis especificamente proteger afectados pela conduta adoptada pelo arguido ou pelo suspeito. 4. É a norma incriminadora que fornece ao intérprete o interesse que o legislador quis proteger, ao tipificar determinada conduta como criminosa. 5. No caso vertente, o recorrente apresentou-se à constituição como assistente invocando apenas o disposto no art° 68° n° 1 al. a) do CPP, tendo o tribunal a quo necessidade de recorrer aos termos do pedido cível deduzido. 6. Sendo o seu fundamento na titularidade de 155.000 acções emitidas pela Portugal Telecom ou Portugal Telecom, SGPS, actualmente, com a designação "Pharol" e ISIN PTPTCOAM0009, sendo que o recorrente está prejudicado no montante de € 29.904,88. 7. Estes factos, como tal e como prejuízo de accionistas, não foram levados à acusação púbica deduzida pelo Ministério Público, que definiu o objecto do processo, no dia 14.07.2020. 8. Aliás, nestes autos apenas foi apresentada participação pela PHAROL em representação do património da PT e relacionada com a subscrição em 2014 de papel comercial da Rio Forte (Apenso Q188). 9. Por estes factos foi imputada a prática de crime de burla qualificada. 10. O facto de ser accionista da PT não confere ao recorrente legitimidade para apresentar queixa e consequentemente para se constituir assistente, já que a ofendida é a sociedade e não cada um dos sócios, pese embora o património destes possa ser indirectamente afectado. 11. O património afectado é o património da sociedade. E, "as pessoas dos sócios ( … ) são realidades distintas das sociedades para efeitos de legitimidade para intervirem na qualidade de assistentes e promoverem o prosseguimento do procedimento criminal ( ...)." 12. E, por isso, carece o recorrente de legitimidade para se constituir assistente. 13. Sempre se dirá, contudo, que não estando o recorrente investido na qualidade de ofendido, como pretende, sempre poderia ser admitido a intervir como assistente ao abrigo do que dispõe o art.º 68º nº 1 al. e) do CPP (o que não requereu), já que se procede por crimes de corrupção no sector privado. 14. Todavia, nos termos pretendidos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, por total falta de fundamento face ao que dispõe o art° 68º nº 1 al. a) do CPP, mantendo-se a decisão recorrida”. * O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo. Uma vez remetido a este Tribunal, a Exm.ª Srª. Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da improcedência do recurso. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP. Proferido despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência. * II – Objecto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões (já supra mencionadas) da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância – artigos 403º e 412º, nº 1, do Código do Processo Penal. Fundamentalmente, sustenta o recorrente que deveria ter sido admitido como assistente nos presentes autos de inquérito. * III – Fundamentação Comecemos por referir que, em sede de direito penal, os conceitos devem seguir a amplitude da conduta criminosa (por ora apenas indiciária e na perspectiva do MP, sem qualquer intuito pré-condenatório, como serão todas as considerações que se farão ao longo do presente acórdão) sem se limitar ou fechar em conceitos estritamente jurídicos do direito civil e sobretudo do direito societário. Isto para dizer que, no âmbito penal, não interessa tanto a pessoa colectiva A, B ou C, mas essencialmente os interesses económicos que determinam toda a prática criminosa e os seus diversos ramos de acção. Assim, mais do que o conceito de pessoa colectiva (sociedade comercial), importa sobretudo ponderar um conceito de empresa, grupo económico, como topo de negócios e interesses jurídicos e económicos, com capacidade para influenciar as diversas pessoas colectivas societariamente consideradas. Isto para dizer, e entrando no caso concreto, que ao pequeno accionista da PT tem que ser reconhecido o direito de ajudar/intervir na investigação criminal que incide sobre uma empresa (universo BES), responsável por condutas tomadas a montante, mas com reflexo muito a jusante no seu investimento na PT, que ficou prejudicado pelo colapso desta sociedade comercial causado por ter entregue ao Grupo BES cerca de 864 milhões de euros. E é nesta perspectiva que se reconhece ao recorrente o direito de querer intervir no inquérito. Porque se sente lesado pelas práticas criminosas a montante praticadas no âmbito do Grupo BES. Aqui chegados, é inquestionável que o direito a se constituir assistente entronca na legitimidade para apresentar queixa criminal. Como se refere no CPP Comentado - António Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes Pereira Madeira e Henriques da Graça, 2014, p. 239, em anotação ao art.º 68.º -, “a primeira - e verdadeiramente típica – categoria das pessoas que podem constituir-se assistentes no processo penal são os ofendidos, que a lei define como os titulares do interesse que a lei especificamente quis proteger com a incriminação, isto é, de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado; para este efeito, só será ofendido quem for titular de um interesse legítimo, tutelado pela lei, concretizado e inserido de modo funcionalmente relevante na relação teleológica-funcional entre o bem jurídico e o sujeito afectado”. Ora, face ao exposto, não oferece dúvidas que, face ao que se investigava, o aqui recorrente podia ser considerado ofendido e, como tal, tinha o direito de se constituir assistente em sede de inquérito. Porém, não o fez. Só pediu a intervenção como assistente depois da conclusão das investigações e do inquérito, que, como é consabido, encerra com o despacho de acusação ou de arquivamento. Também é certo que o objecto da acusação define o objecto do processo. Aqui chegados, vejamos qual o objecto do processo, especificamente em sede de crimes em que são feitas referências à PT: - crime de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º nº 1, 218º nºs 1 e 2 al. a), por referência ao artº 202º al. b), todos do Código Penal – Entre 2012 e outubro de 2013, o uso das Unidades do Grupo BES na venda de obrigações BES PT, BES LONDON e BES LUXEMBOURG, com prejuízo para o banco computado em 1.033.481.150€ (ponto 5.4.7.2); - crime de manipulação de mercado p. e p. pelo artº 379º nos 1 e 2, com referência aos artºs 7º e 311º, todos do Código de Valores Mobiliário: Entre 2009 e 2014 o BES vendeu dívida BES FINANCE, PT, LONDON e LUXEMBOURG a clientes de OST, SC, BES ORDENS e GDC (ponto 5.4.7, 7.1.3, 7.1.4, 7.1.1, 7.1.6, 7.1.7 e 7.1.8, a propósito de BRAX I, II e III). Por conseguinte, do objecto da acusação tal como foi definido pelo MP não se extrai qualquer crime imputado aos arguidos por prejuízos causados à PT, que reflexamente levaria aos danos invocados pelo recorrente. Os factos constantes da acusação a que alude o recorrente, ali estão como instrumentais dos crimes imputados aos arguidos, sejam os supra referidos, sejam todos os outros relativos ao universo BES. Termos em que andou bem o tribunal recorrido. Da acusação - objecto do processo – inexiste qualquer crime imputado seja a quem for por prejuízos à PT e reflexamente ao recorrente. Dizer ainda duas coisas: - Não é possível dizer-se que o recorrente pode ser admitido a intervir como assistente nesta fase processual, por estar em tempo para deduzir acusação por factos que não constam dos factos acusados pelo MP. E isto face à limitação dos factos carreados pelo assistente não poderem importar alteração substancial dos factos da acusação (284.º, n.º 1, do CPP), o que um crime diverso sempre constituiria (art.º 1.º, al. f), do CPP); e - Nem se pondera a questão do recorrente poder ou não ser admitido a intervir nos autos como assistente, ao abrigo da al. e), do n.º 1, do art.º 68.º, do CPP, por constar da acusação o crime de corrupção. E isto porque, tendo em conta que o recorrente não inclui esta matéria no objecto do recurso, só pode significar que, desde logo, se conformou com a eventual não admissão como assistente ao abrigo da mencionada al. e). E assim se improcede o presente recurso. * IV – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s. Lisboa, 21 de Dezembro de 2021 Paulo Barreto Manuel Advínculo Sequeira |