Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1901/24.6T9LSB-A.L1-9
Relator: ANA PAULA GUEDES
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
DEFENSOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I- Os pressupostos da busca encontram-se previstos no artigo 174 do CPP, e da conjugação deste artigo com os artigos 176º e 177º do mesmo diploma, resulta inexistir qualquer obrigatoriedade de assistência por defensor, quando o arguido é estrangeiro, e não domina a língua Portuguesa, não tendo aplicação o disposto no artigo 64, al. d) do CPP.
II- Estamos perante um meio de obtenção de prova, que pode ser realizado sem a presença do visado (ou arguido), e não é pelo facto de não dominar a língua Portuguesa que o mesmo se encontra numa situação de maior vulnerabilidade, inexistindo fundamento legal para distinguir tal situação daquelas em que o arguido não é estrangeiro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

A- Relatório:
No âmbito da carta rogatória 1901/24.6T9LSB, do DIAP de Lisboa, foram efetuadas buscas domiciliárias a AA, buscas essas devidamente autorizadas por despacho judicial.
Efetuada a busca, veio o suspeito suscitar a nulidade da mesma junto do Tribunal à quo, alegando a falta de assistência por advogado.
O Tribunal à quo julgou improcedente a nulidade invocada, por despacho datado de 7.6.2024
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Inconformado com esse despacho veio o visado interpor recurso, por requerimento datado de 19.7.2024
Apresenta as seguintes conclusões:
1ª – É obrigatória a assistência por defensor nos actos processuais sempre que o arguido seja desconhecedor da língua portuguesa, aqui se incluindo a busca domiciliária e consequente apreensão ainda que judicialmente determinada no âmbito de uma carta rogatória em que Portugal seja o Estado requerido.
2ª – O arguido é ... e não domina a língua portuguesa, tendo sido alvo de busca domiciliária e consequente apreensão judicialmente determinada no âmbito de uma carta rogatória em que Portugal é o Estado requerido e não foi assistido por advogado.
3ª - Tratando-se o recorrente de um cidadão americano, que não domina a língua portuguesa, o acompanhamento por advogado naquele acto era e é obrigatório, constituindo a sua ausência uma nulidade insanável, nos termos dos artigos 64.º, n.º 1, al d) e 119.º, al. c) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 146.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08.
4ª - A falta de assistência por advogado durante a busca, não só constitui a violação de uma norma elementar do nosso Código de Processo Penal, mas também de uma norma integrante do núcleo essencial de direitos liberdades e garantias, com assento constitucional no artigo 32.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
5º - A busca e apreensões assim feitas, são, como tal, nulas, e toda a prova apreendida é afectada pela referida nulidade, constituindo aliás prova proibida, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 8, da CRP, e do artigo 126.º, n.º 1, 2 e 3, do CPP, não podendo ser utilizada, como já se invocou, requerendo-se, em consequência, a declaração de nulidade e o reconhecimento da proibição de prova.
6º - Suscita-se a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1 e 3, da CRP, da norma extraída do artigo 64.º, n.º 1, al d), do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a assistência por defensor em busca e apreensão ao domicílio de pessoa que não domine a língua portuguesa, aplicável ex vi artigo 146.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de
7º - Suscita-se igualmente a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1 e 3, da CRP, da norma extraída do artigo 64.º, n.º 1, al d), do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a assistência por defensor em busca judicialmente ordenada ao domicílio de pessoa que não domine a língua portuguesa, aplicável ex vi artigo 146.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08.
8º - A obrigatoriedade de assistência por defensor decorre da exigência de uma tutela acrescida dos direitos daqueles que se encontrem em situação de vulnerabilidade por força do acto ou posição processual em causa ou de características pessoais que o tornem especialmente vulnerável, sendo que um arguido que não domina língua portuguesa encontra-se nessa situação.
9º - Situação de maior vulnerabilidade ainda quando, a essa característica, se soma o contexto da realização de um acto processual tão intrusivo com ao busca e apreensão domiciliária, extensível a todos os suportes e informação digital, que comprime os direitos fundamentais à privacidade e segurança do domicílio, à privacidade e intimidade, à protecção do segredo da correspondência e dos dados pessoais, e ao direito de propriedade (artigos 26.º, n.º 1, 34.º, 35.º e 62.º da CRP), todos eles com natureza de direitos, liberdades e garantias, ou análoga. Vulnerabilidade que só pode ser compensada pela presença e assistência por Advogado, tendo de entender-se que decorre daqueles preceitos constitucionais a exigência da presença de defensor no acto de busca e apreensão domiciliária de arguido que não domine a língua portuguesa, pelo que a lei teria sempre de obrigatoriamente indicar esses casos como de assistência obrigatória.
10º - Por outro lado, determinando a Constituição que a lei especifica “os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória”, e especificando o texto da lei que a assistência é obrigatória em qualquer acto processual em que intervenha arguido desconhecedor da língua portuguesa, a extracção do mesmo, por “interpretação”, de norma no sentido de a assistência não ser obrigatória a assistência por defensor em busca e apreensão ordenada ao domicílio, ainda que judicialmente ordenada, constitui redução teleológica ou interpretação restritiva contra legem da norma que viola claramente o artigo 32.º, n.º 1, e n.º 3, na dimensão do princípio da legalidade e da segurança jurídica quanto às normas processuais penais materiais, em concreto da norma que estabelece a obrigatoriedade de assistência por defensor, nos casos especificados na lei”.
O recurso foi admitido por despacho datado de 7.8.2024, a subir imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo.
O Ministério Publico respondeu ao recurso, em 14.8.2024.
Apresenta as seguintes conclusões:
“a) No passado dia 24 de Abril de 2024, no cumprimento de um pedido de cooperação internacional efetuado pelas Autoridades ..., foi emitido e executado um mandado de busca para a residência de AA.
b) Por requerimento, datado de 29 de Maio de 2024, veio o recorrente invocar que a busca domiciliária e as apreensões efetuadas na sua residência devem ser consideradas nulas, porquanto o mesmo não se encontrava assistido por defensor, tendo sido violado o preceituado no art.º 640 nº1 al. d) do Código de Processo Penal.
c) Nesta sequência, foi proferido despacho pela meritíssima Juiz de instrução que considerou que não se tratando de um ato processual, mas sim de um meio de obtenção de prova, não há lugar ao cumprimento da obrigatoriedade previsto no referido preceito.
d) Não se conformando com tal despacho, veio o recorrente reiterar que por ser cidadão desconhecedor da língua portuguesa, apenas na presença do seu mandatário seria possível proceder à realização das buscas, tendo, assim sido violado o disposto no art.º 64, nº 1 al. d) do Código de Processo Penal - que se encontra sancionado como nulidade insanável - e o disposto no art.º 32 da Constituição da República Portuguesa.
e) A busca domiciliária realizada foi precedida de despacho judicial que apreciou a sua pertinência e proporcionalidade, de forma fundamentada, antes de determinar a emissão dos mandados de busca domiciliária e apreensão, os quais foram emitidos.
f) A presença de defensor para a referida busca é desnecessária, pois em nada afeta a realização da diligência, razão pela qual a lei não a exige, sem prejuízo de vir a ser sindicada, através de contraditório, por defensor/mandatário, em momento próprio, posterior.
g) Ademais, o recorrente assinou o mandado de busca que lhe foi entregue, e devidamente traduzido — cfr. fls 66 e 67 —, decorrendo do mesmo que aquele poderia ser acompanhado por pessoa da sua confiança, nos termos do artigo 176º no 1 e 2 do Código de Processo Penal, o que aquele optou por não fazendo, parecendo-nos abusivo que o venha invocar mais de um mês depois de realizada a busca.
h) Toda a prova apreendida no âmbito da busca determinada judicialmente é lícita e foi licitamente obtida, pelo que tal prova pode ser validamente utilizada, não se verificando a nulidade prevista no art.º 119 do Código de Processo Penal, ou qualquer prova proibida, nos termos do art.º 126º do mesmo diploma legal.
i) A decisão proferida pela meritíssima Juiz de instrução é conforme à Lei, à Constituição da República Portuguesa, à Declaração Universal dos Direitos Humanos e à Convenção Europeia dos Direitos dos Homens, pelo que não merece qualquer censura”.
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Instruído o recurso em separado e remetidos os autos a este Tribunal, a Exm.ª Procuradora Geral Adjunta, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso e de ser mantida a decisão recorrida.
Foi cumprido o artigo 417, nº2 do CPP.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
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Da decisão recorrida:
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“Veio o arguido arguir a nulidade das buscas e apreensões efetuadas no seu domicílio no dia 24 de abril de 2024 (fls. 123 a 124 verso), por falta de assistência de advogado.
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O Ministério Público pronunciou-se pela inexistência de tal nulidade, alegando que a alínea d) do n.º 1 do artigo 64.º do Código de Processo Penal não é aplicável às buscas domiciliárias, enquanto meros atos de recolha de prova (fls. 136).
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Cumpre decidir.
O artigo 64.º do Código de Processo Penal consagra, no seu n.º 1, um elenco dos casos em que é obrigatória a assistência de defensor, estabelecendo a obrigatoriedade nos seguintes casos:
- Interrogatório de arguido detido ou preso (alínea a);
- Interrogatórios feitos por autoridade judiciária (alínea b);
- Debate instrutório e audiência de julgamento (alínea c);
- Em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída (alínea d);
- Nos recursos ordinários ou extraordinários (alínea e);
- Na tomada de declarações para memória futura em sede de inquérito e instrução (alínea f));
- Na audiência de julgamento realizada na ausência do arguido (alínea g);
- Nos demais casos em que a lei o determinar (alínea h).
A obrigatoriedade de assistência de defensor nas situações elencadas nas alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 64.º do Código de Processo Penal deve-se à circunstância de tais factos imporem a assistência do arguido por um profissional qualificado, em nome da justiça e da natureza equitativa do processo, atendendo às consequências determinantes que deles derivam para a posição do arguido (alínea a), à sua importância para o exercício do contraditório e para a apresentação e discussão de provas, no exercício do direito de defesa (alíneas b), e) e f) ou por neles o arguido se encontrar numa situação de especial fragilidade ou vulnerabilidade e necessitar de uma assistência efetiva (alíneas c), d) e g)- neste sentido.
Nos demais casos, não é obrigatória a assistência por defensor.
Ora, a busca domiciliária constitui um acto, judicialmente ordenado ou autorizado, de recolha de prova, e não um acto processual para efeitos do n.º 2 do artigo 92.º, da alínea d) do n.º 1 do artigo 64.º, dos artigos 176.º, 177.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 251.º do Código de Processo Penal. Com efeito, não se trata de praticar qualquer acto processual com o arguido (que exija a participação ou sequer da presença do arguido), antes do simples exercício da recolha de prova – configurando-se a busca domiciliária como mero meio de obtenção de prova.
Nesse sentido vide inter alia o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7 de maio de 2024 (Processo N.º 39/23.8PESTB-A-E1, Moreira das Neves), todos disponíveis em www.dgsi.pt sumariado da seguinte forma: “As buscas domiciliárias judicialmente ordenadas ou autorizadas, como mero meio de obtenção de prova que são, relacionadas com os indícios da prática de certos tipos de crime, não carecem na presença do buscado no domicílio nem de nomeação ou presença de defensor; não cominando a lei como nulidade (ou sequer irregularidade) o facto de se proceder a tais buscas sem a presença do buscado e/ou de defensor.”
In casu, foram cumpridas todas as formalidades legalmente impostas, a busca foi precedida de autorização judicial e o mandado de busca e apreensão constante de fls. 63 foi traduzido para língua inglesa ao suspeito aquando da realização da busca domiciliária (cfr. fls. 63 verso), pelo que o mesmo ficou a conhecer os fundamentos e o âmbito daquela diligência.
Em suma improcede a arguida nulidade”.
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B)- Fundamentação:
Impõe-se desde logo determinar quais são as questões a decidir em sede de recurso.
“É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”], sem prejuízo da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95- O objeto do recurso está limitado às conclusões apresentadas pelo recorrente -cfr. Ac. do STJ, de 15/04/2010:).
Assim, o conhecimento do recurso está limitado às suas conclusões, sem prejuízo das questões/vício de conhecimento oficioso.
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No caso em análise a única questão a decidir é a da nulidade da busca efetuada, por falta de nomeação de defensor ao requerido.
Desde logo, a busca que agora se impugna, através do recurso, foi ordenada no âmbito de um pedido de Cooperação Internacional Formulado pelos ....
Contudo, nos termos do artigo 146, nº 1 da Lei 144/99 deve ser cumprida em conformidade com a Lei Portuguesa.
De acordo com o artigo 119 do CPP:
“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;
b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º;
f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei”.
Acrescentando o artigo 64 do mesmo diploma que:
“1 - É obrigatória a assistência do defensor:
a) Nos interrogatórios de arguido detido ou preso;
b) Nos interrogatórios feitos por autoridade judiciária;
c) No debate instrutório e na audiência;
d) Em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída”
(…)
Pressuposto do cumprimento do artigo 64, al. d) do CPP é que a entidade que preside à diligência é conhecedora da inibição em causa, ou seja, que o arguido é desconhecedor da língua Portuguesa.
Em primeiro lugar, na situação em análise, não é o requerido arguido, nem teria, no âmbito da busca, de ser constituído como tal, uma vez que estamos perante uma diligência solicitada ao abrigo da cooperação internacional, limitando-se o Estado Português a cumprir o solicitado desde que verificados os pressupostos.
Acresce que, segundo o Professor Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, volume I, páginas 181) “os actos processuais integram-se no todo de que fazem parte e participam do fim comum; sendo por isso, verificável uma intrínseca interdependência funcional em todos os actos processuais”.
E, como sumariado no ac. da RC em que é Relatora a Senhora Desembargadora Alcina Ribeiro “I – O acto processual é toda a acção, comportamento ou actuação praticadas no processo, ou em vista do processo, e integram-se na dinâmica processual enquanto unidade perspectivada pela finalidade do processo penal, delimitando a sua relação sequencial o momento da prática de cada um deles” (in base de dados do igfej).
A diligência de busca não configura qualquer ato processual, mas um meio de obtenção de prova.
Citando a Professora Tereza Pizarro Beleza as buscas são um “modo de reunir indícios” (apontamento de direito processual penal, Vol. 2, pág. 149).
Os pressupostos da busca encontram-se previstos no artigo 174 do CPP e quando domiciliária é, sob pena de nulidade, ordenada por juiz (artigo 177). Acresce que nada obsta a que seja realizada na ausência do buscado, como resulta do artigo 176, nº 2 do CPP.
Da conjugação dos mencionados artigos facilmente se extrai que na realização da busca inexiste qualquer obrigatoriedade de assistência por defensor, mesmo que o arguido seja estrangeiro, não tendo aplicação o disposto no artigo 64, al. d) do CPP.
Como referido no ac. da Relação do Porto, de 23/10/2019, proferido no âmbito do processo 38/19.4PAMAI: “Uma busca domiciliária não configura um ato processual, tanto mais que a lei processual penal é clara ao admitir as diligências de revista e busca efetuadas por órgão de polícia criminal, enquanto medidas cautelares urgentes admitidas no artigo 251.º, n.º 1, alínea a) do Código Processo Penal, que permite a realização de revistas de suspeitos e buscas nos locais onde se encontrem, mesmo antes da abertura do inquérito, sem estarem autorizadas ou ordenadas pela autoridade competente, quando seja iminente a fuga e haja fundada razão para crer que neles se ocultam objetos relacionados com o crime ou suscetíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se. Podendo ter lugar antes mesmo de ser aberto um inquérito, tal exclui a sua natureza de ato processual que, por definição, pressupõe um processo. Não tendo a busca a natureza de “ato processual”, tal conclusão torna inaplicável a exigência de assistência por defensor no decurso da realização de uma busca domiciliária, por não se verificar o pressuposto enunciado “ab initio” na alínea d) do nº 1 do artigo 64º do Código de Processo Penal. A lei processual penal apenas prevê a possibilidade de nomeação de defensor ao arguido, a pedido do tribunal ou do arguido (artigo 64º, nº 2, do Código de Processo Penal), sempre que as conveniências do caso revelarem a necessidade ou a conveniência do arguido ser assistido - o que não sucedeu no caso em apreço”.
Na situação concreta as buscas foram efetuadas, na sequência do despacho proferido pela Senhora Juiz a quo. A busca foi efetuada na presença de interprete (apesar de não ser obrigatória), onde intervieram não só a PJ, mas também agentes Americanos. Ao visado foi entregue cópia do mandado de busca e do respetivo despacho, devidamente traduzido para inglês.
O requerido não teve qualquer intervenção na busca, tendo-lhe sido dado conhecimento dos fundamentos da mesma, quer por ter sido realizada na presença de interprete, quer por ter sido traduzido o despacho que a ordenou.
O visado não se encontrava, pelo facto de ser estrangeiro, numa situação de maior vulnerabilidade, inexistindo fundamento para distinguir tal situação daquelas em que o arguido não é estrangeiro.
Como referido não foi realizado qualquer ato processual em que o visado tivesse intervenção, ou que dependesse da sua vontade, mas uma diligência de obtenção de prova, já determinada, que poderia ter ocorrido sem a sua presença.
No entanto, o visado poderia ter solicitado a nomeação de defensor, o que não fez.
Pelo exposto, não foi violado qualquer direito de defesa.
Tal interpretação não viola o artigo 32 da CRP.
De acordo com tal disposição legal:
“1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
(…)
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
(…)
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Como referido a busca não é um ato processual, o recorrente não é arguido, nem solicitou a nomeação de defensor.
Acresce que o direito fundamental de reserva da intimidade da vida privada e de inviolabilidade do domicílio sofre restrições, cedendo perante outros direitos fundamentais, sendo uma dessas restrições a entrada no domicílio por mandado ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei.
Como tal, a interpretação da al. d) do artigo 64 do CPP no sentido de que não se aplicada às buscas não sofre de qualquer inconstitucionalidade, por não violar qualquer direito fundamental.
Atento o decido fica prejudica a questão da entrega dos bens apreendidos na sequência da busca efetuada.
C- Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º, nº1 do C.P.P. e 8º, nº 9, do Regulamento das custas Processuais e Tabela III, anexa a este último diploma).

Lisboa, 10 de outubro, de 2024
Ana Paula Guedes
Ana Marisa Arnedo
Eduardo José Capela de Sousa Paiva