Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
35474/11.5YYLSB-A.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACTA DE CONDOMÍNIO
TÍTULO EXECUTIVO
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
LEI INTERPRETATIVA
JUROS
TAXA DE ESGOTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):


I.Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10, na sua redação primitiva, a ata da reunião da assembleia de condóminos constitui título executivo na medida em que dela conste deliberação relativa a prestações devidas ao condomínio por um seu condómino por despesas necessárias à conservação e fruição de partes comuns, bem como ao pagamento de serviços de interesse comum.

II.Na expressão “contribuições devidas ao condomínio” constante daquele preceito legal cabem não só os encargos de conservação e fruição a que se refere o artigo 1424.º do CCivil, mas igualmente as «penas pecuniárias» indicadas no artigo 1434.º do mesmo diploma legal até ao limite estabelecida no n.º 2 daquele último preceito legal, sendo que o «rendimento coletável anual» (RCA) que aí se refere corresponde ao quociente da divisão por 15 do valor patrimonial tributário (VPT), RCA=VPT:15.

III.A Lei n.º 8/2022, conferindo nova redação ao artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, pode e deve ser considerada como uma lei interpretativa daquele preceito legal.

IV.Os juros moratórios e as penas pecuniárias têm natureza jurídica diversa, pelo que é possível cumular juros moratórios por atraso no pagamento de quotas de condomínio com penas pecuniárias, em razão de tal atraso, mas já não fazer incidir juros moratórios sobre as penas pecuniárias.

V.A taxa de esgoto cujo pagamento seja da exclusiva responsabilidade de um condómino, mas que foi, entretanto, paga pelo condomínio não pode ser objeto de execução com base na ata de condomínio, sem prejuízo do recurso por parte do condomínio à ação declarativa.

VI.Caso o condómino pague parcialmente dívida ao condomínio e a mesma integre quotas de condomínio, respetivos juros de mora e penas pecuniárias deve imputar-se a quantia paga sucessivamente (i) nas penas pecuniárias, (ii) nos juros moratórios e (iii) nas quotas de condomínio em causa.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.
RELATÓRIO.


Em 11.11.2011 o Exequente, CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO …, N.º …, EM LISBOA, deduziu execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, contra a Executada, A …, condómina das frações … e …, correspondentes ao ….º andar esquerdo e ….º andar esquerdo, liquidando em €6.066,84 a quantia exequenda, correspondente à adição das quantias de (1):
- €2.499,13, referente à falta de pagamento de quotas de condomínio da fração …, do 4.º trimestre de 2009 ao 4.º trimestre de 2011,
- €2.575,58, referente à falta de pagamento de quotas de condomínio da fração …, do 4.º trimestre de 2009 ao 4.º trimestre de 2011,
- €992,13 a título de penalidades por falta de pagamento daquelas quotas.

Com o seu requerimento executivo inicial, complementado pelo requerimento de 16.11.2011, o Exequente juntou, além do mais, as atas das assembleias de condomínio n.ºs … e ….

Em 14.04.2015 a Exequente veio proceder a uma cumulação sucessiva, liquidando esta no montante total de €25.100,87, corresponde ao somatório das seguintes parcelas:
- €6.849,34, referentes à falta de pagamento de quotas de condomínio da fração …, nos anos de 2012, 2013 e 2014,
- €8.240,21 quanto à falta de pagamento de quotas de condomínio da fração …, nos anos de 2012, 2013 e 2014,
- €5.903,16 respeitantes a penalidade por falta de pagamento daquelas quotas (€6.895,29 - €992,13),
- €1.390,87, por falta de pagamento de taxa de esgoto;
- €2.717,29, relativamente a juros moratórios «à taxa anual de 4% pelo atraso no pagamento das quotas de condomínio, acrescidas de penalidades» (€1.212,41 + €1.393,61 + €111,27).
Nestes termos, com a execução cumulada a Exequente computou em €31.167,71 a quantia exequente (€6.066,84 + €25.100,87).

Com o requerimento executivo da cumulação sucessiva, complementado por diversos requerimentos de 12.05.2015, o Exequente juntou, além do mais, as atas das assembleias de condomínio n.ºs … e … e alegou que «em 15 e 22 de dezembro de 2014 a Executada procedeu a pagamentos no valor global de €15.558,80», termos em que concluiu que dívida exequenda ficou reduzida a €15.608,91 (ou seja, €31.167,71 - €15.558,80) e a cumulação sucessiva deduzida cifrar-se, assim, em €9.542,07 (isto é €15.608,91 - €6.066,84).

Entretanto, a Executada apresentou embargos de executado à execução cumulada, concluindo, além do mais, no que aqui releva, nos seguintes termos:
«deve:
iv)-Ordenar-se a extinção da presente ação executiva, por inexistência de título executivo quanto aos montantes peticionados;
v)-Ou, caso assim não se entenda, ordenar-se a extinção da presente ação executiva quanto ao montante de €6.895,29, importância decorrente de penalizações por atraso no pagamento de provisões, por as mesmas não se encontrarem abrangidas pela força executiva atribuída pelo artigo 6.º, nº 1, do DL 268/94, de 25 de outubro;
vi)-Ou ainda, caso não se concorde com o supra peticionado, ordenar-se a extinção da presente ação executiva quanto ao montante peticionado a título de juros de mora por incompatibilidade de cumulação de cláusulas penais moratórias, com a indemnização determinada segundo as regras gerais do dano correspondente ao atraso no cumprimento da obrigação (indemnização moratória)».

Os embargos foram liminarmente admitidos.

Devidamente notificado para tal, o Exequente, ora Embargado, apresentou contestação, na pediu que os embargos de executado sejam julgados improcedentes.

Foi designado dia para uma tentativa de conciliação das partes, a qual não se logrou.

Em 24.04.2023 o Juízo de Execução de Lisboa proferiu sentença na qual julgou parcialmente procedentes os embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução para pagamento do valor de €4.305,46 e respetivos juros moratórios, declarando no mais a execução extinta.

Inconformado com aquela decisão, o Exequente/Embargado interpôs dela recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1.–O valor da execução e cumulação inicial era de 31.167,71 euros.
2.–Após o pagamento da executada em 15 e 22 de Dezembro de 2014, fora do âmbito do processo executivo e cumulação, no valor de 15.558,80, passou esta a dever à exequente a quantia de 15.608,91 euros.
3.–Nos termos do artigo 785.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital e a imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.
4.–A exequente nunca concordou em imputar a verba em primeiro lugar ao capital em dívida.
5.–A verba referente à taxa de esgotos consta da acta n.º14, a fls 38, verso, do livro de actas, e faz parte do título executivo.
6.–Deve, assim, a executada à exequente o valor de 15.608,91 euros, que é o valor da execução e cumulação.
7.–A decisão ora recorrida é ilegal, errou na aplicação da Lei e, consequentemente, deve ser mantido a totalidade dos pedidos constantes dos requerimentos executivos».
(…) Nestes termos e nos demais doutamente supridos por V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, ser considerado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, prosseguindo a execução os demais termos até final por todo o valor peticionado, fazendo-se assim a costumada Justiça».

Notificado do recurso, a Executada/Embargante não contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.

II.
OBJETO DO RECURSO.

Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelo Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, está em causa apreciar e decidir:
·Da exequibilidade da pena pecuniária,
·Do juro moratório, caso se conclua por tal exequibilidade;
·Da taxa de esgotos,
·Da imputação do cumprimento parcial.

Assim.

III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A factualidade a considerar na motivação de direito é a que consta do relatório deste acórdão, que aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os factos considerados como provados pelo Tribunal recorrido, os quais não foram impugnados, a saber:
«- No requerimento executivo apresentado pela exequente contra a executada a 14.04.2015, com a finalidade “Cumular a processo existente”, refere-se como valor da execução 9.542,07€ e como titulo executivo “Ata”, alegando-se a seguinte factualidade:
“Factos:
1O Condomínio do Prédio Sito na …, supra identificado Exequente, prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o número …, vem pelo presente requerer, nos termos do artigo 709º e 711º do Código de Processo Civil, a execução da Executada A …, com base no anterior título executivo (Documento 17 da acção executiva inicial) e em novo título executivo, constante das actas 11 e 14 da assembleia geral de condóminos, aqui juntas como Docs. 1 e 2, respectivamente de 27 de Janeiro de 2012 e de 24 de Fevereiro de 2014;
2– Nas quais se constata a manutenção da situação devedora da Executada, e a contínua necessidade da manutenção de acção executiva contra a pessoa desta para a obtenção do respectivo pagamento;
3–A Executada é detentora de duas fracções autónomas no prédio urbano supra identificado, mais especificamente a fracção …, relativa ao 3º andar esquerdo e a fracção …, relativa ao 12º andar esquerdo, detendo uma permilagem de 26.07 em cada uma delas, num total de 52.14, conforme documentos já anexados à acção executiva precedente.
4–A Executada recebeu notas de débito que à data de 22 de Dezembro de 2014, ascendiam a €9.424,92 (nove mil quatrocentos e vinte e quatro euros e noventa e dois cêntimos), relativamente à fracção …, e de €10.739,34 (dez mil setecentos e trinta e nove euros e trinta e quatro cêntimos), relativos à fracção …, conforme Documentos 3 e 4, que ora se juntam, e relativamente aos recibos nele identificados.
5–A este valor acrescem os valores relativos ao pagamento da taxa de esgotos, no valor de €1.390,87 (mil trezentos e noventa euros e oitenta e sete cêntimos), cuja tentada cobrança foi remetida à Executada em 25 de Junho de 2012 (conforme Doc. 5), nunca respondido.
6–Na acção executiva inicial, o último valor em dívida datava do terceiro trimestre de 2011, tendo, entretanto acumulado com os valores de 2012, 2013 e 2014, no valor de € 6.849,34 (sete mil cento e setenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), no que respeita à fracção …, e de € 8.240,21 (oito mil oitocentos e quarenta euros e vinte e um cêntimos), no que respeita à fracção …, acrescidos da taxa de esgotos, no valor de € 1.390,87 (mil trezentos e noventa euros e oitenta e sete cêntimos), o que perfaria um valor de capital adicional em dívida de €16.480,42 (dezasseis mil quatrocentos e oitenta euros e quarenta e dois cêntimos).
7–Que, acumulada com a anterior, totalizaria o valor de € 21.555,13 (vinte e um mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e treze cêntimos).
8–Acresce ainda que, ao abrigo do citado Regulamento de Condomínio, aprovado pela acta nº … da assembleia de condóminos, de 5 de Dezembro de 2006, junta como Doc. 1 à acção inicial, mais especificamente, no nº 4 do mesmo artigo 12º se refere que “A falta de pagamento das provisões no prazo estabelecido no número anterior sujeita o condómino a um agravamento da respectiva prestação, de 2% por cada mês em atraso, por fracção, contados a partir do termo do prazo referido no número anterior.”
9–Esta penalidade, em Dezembro de 2014, ascendia ao montante de € 3.202,68 (três mil duzentos e dois euros e sessenta e oito cêntimos) para a fracção I, e de € 3.692,61 (três mil seiscentos e noventa e dois euros e sessenta e um cêntimos) para a fracção ….
10–Há mesma data, o valor global dos juros de mora à taxa de 4%/ano pelo atraso no pagamento das quotas de condomínio acrescidas de penalidades ascendia ao valor de €1.212,41 (mil duzentos e doze euros e quarenta e um cêntimos) para a fracção …, e de €1.393,61 (mil trezentos e noventa e três euros e sessenta e um cêntimos) para a fracção …, sendo de € 111,27 (cento e onze euros e vinte e sete cêntimos), para a taxa de esgotos, interpelada em Fevereiro de 2012, conforme documento 5, supra junto.
11–O que perfaria um valor total em dívida de € 31.167,71 (trinta e um mil cento e sessenta e sete euros e setenta e um cêntimos).
12–Em 15 e em 22 de Dezembro de 2014, a Executada procedeu a pagamentos no valor global de € 15.558,80 (quinze mil quinhentos e cinquenta e oito euros e oitenta cêntimos).
13–Desta feita reduzindo a dívida Exequenda para € 15.608,91 (quinze mil seiscentos e oito euros e noventa e um cêntimos), cujo pagamento desde já se requer a execução.
14–Assim, ao valor da acção precedente, de 6.066,84 (seis mil sessenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), vem a Exequente requerer agora a cumulação de € 9.542,07 (nove mil quinhentos e quarenta e dois euros e sete cêntimos), a título de dívidas vincendas e não pagas pela Executada à Exequente.
15–As actas números 7, 10, 11 e 14 constituem títulos executivos, nos termos dos artigos 703º, nº 1, d) do Código de Processo Civil e do artigo 6º do Decreto-Lei nº 268/94 de 25 de Outubro.
Pelo que, nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, se requer a execução para o pagamento da quantia certa de € 9.542,07 (nove mil quinhentos e quarenta e dois euros e sete cêntimos) pela Executada à Exequente, acrescida do montante de juros moratórios que se vier a vencer até integral pagamento.”
- A exequente anexou dois documentos intitulados “conta corrente por condómino”, cópia de carta dirigida à executada, cópia de cheque, e cópia de três recibos emitidos pela Câmara Municipal de Lisboa, ora dados por reproduzidos.
- Em 12.05.2015 apresentou requerimentos onde requereu a junção de documentos (não permitida em função da limitação do espaço de entrega via programa Citius), anexando cópia de ata nº … e respetivos anexos, e cópia da ata nº … e respetivos anexos, documentos ora dados por reproduzidos».

IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Nesta sede, cumpre dilucidar (i) da exequibilidade da pena pecuniária, liquidada pelo Exequente, aqui Recorrente, com referência a dezembro de 2014, no montante de €6.895,29 (€3.202,68 + €3.692,61) e, caso se conclua por tal exequibilidade, (ii) do juro moratório (iii) da exequibilidade da taxa de esgotos, no valor de €1.390,87, e (iv) da imputação na quantia exequenda dos valores entregues pela Executada, ora Recorrida, em 15 e 22 de dezembro de 2014, no montante total de €15.608,91.
Vejamos.

1.Da exequibilidade da pena pecuniária.

(Conclusões 1, 2, 6 e 7 das alegações de recurso).
Nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do CPCivil, «[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva».
Conforme artigo 703.º n.º 1, alínea d), do mesmo Código, «[à] execução (…) podem servir de base [o]s documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva».
Segundo o artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10, na sua redação primitiva, aplicável ao caso, atento o disposto no artigo 12.º, n.º 2, 1.ª parte do CCivil, «[a] ata da reunião da assembleia de condomínio que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido na quota-parte».
Ou seja, por força do apontado regime legal, em razão, pois, de disposição especial, a ata da reunião da assembleia de condóminos constitui título executivo na medida em que dela conste deliberação relativa a prestações devidas ao condomínio por um seu condómino por despesas necessárias à conservação e fruição de partes comuns, bem como ao pagamento de serviços de interesse comum.
Na expressão “contribuições devidas ao condomínio” cabem não só os encargos de conservação e fruição a que se refere o artigo 1424.º do CCivil, mas igualmente as «penas pecuniárias» indicadas no artigo 1434.º, n.º 1, do mesmo diploma legal até ao limite estabelecido no n.º 2 daquele último preceito legal: «[o] montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento coletável anual da fração do infrator», sendo que o «rendimento coletável anual» (RCA) que aí se refere, numa perspetiva atualista, conforme artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422-C/88, de 30.11, é o que corresponde ao quociente da divisão por 15 do valor patrimonial tributário (VPT), ou seja, dito de outro modo, valor patrimonial tributável a dividir por 15 corresponde a «rendimento coletável anual», RCA=VPT:15.

Em particular quanto à pena pecuniária, enquanto elemento da ata do condomínio a considerar como título executivo, não se desconhece doutrina(2) e jurisprudência(3) o, em sentido diverso, seguindo uma interpretação que temos como mais literal e restrita do referido artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 269/94.
Sem olvidar o princípio da taxatividade dos títulos executivos, na consideração do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/94, da letra do seu artigo 6.º, n.º 1, e da respetiva teleologia normativa, temos, contudo, por mais adequado que nas “contribuições devidas ao condomínio” se compreendam designadamente as penas pecuniárias por falta de pagamento atempado de quotas de condomínio devidas ao condomínio, desde que previstas no regulamento de condomínio ou previamente aprovadas em assembleia de condóminos (4).
Com efeito, no preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 268/94 expressamente se refere que o mesmo tem «o objetivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal (…)».
Por outro lado, do ponto de vista estritamente literal, as “contribuições devidas” abarcam uma pluralidade de situações que vão além das chamadas quotas ordinárias ou extraordinárias de condomínio, integrando ainda prestações pecuniárias próprias à relação de condomínio estabelecida, desde que aprovadas e consignadas em ata.
Naquele contexto, por respeitarem à mesma situação jurídica, estranho seria que o incumprimento de algumas daquelas prestações fosse suscetível de fundar um título executivo e noutras casos tal não sucedesse, tanto mais quanto é certo que os direitos de defesa do condómino estão sempre salvaguardados pela dedução de embargos de executado.
Em função da teleologia normativa em causa justifica-se, pois, uma interpretação que não se reporte apenas às «despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns» ou ao «pagamento de serviços de interesse comum», sob pena de tautologia normativa, termos em que as «contribuições devidas» não devem ficar limitadas àquelas despesas e tais pagamentos, devendo o direito processual, enquanto instrumental, adequar-se ao direito substantivo.

Como refere na matéria Miguel Teixeira de Sousa no seu blogippc.blogspot.com, post Jurisprudência 2019 (174), sufragando uma «interpretação declarativa ampla do disposto no art. 6.º, n.º 1, DL 268/94, de 25/10», «[a]tendendo à posição instrumental do direito processual civil perante o direito substantivo, há uma orientação fundamental quanto à interpretação das regras daquele direito: essas regras devem ser interpretadas no sentido de facilitar a tutela das situações subjectivas concedidas pelo direito substantivo»(5).

A alteração decorrente da Lei n.º 8/2022, de 10.01, quanto ao artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 explicitou o regime jurídico aqui em apreço e nessa medida a Lei n.º 8/2022 pode e deve ser considerada como uma «lei interpretativa», pelo que a mesma «integra-se na lei interpretada», conforme artigo 13.º, n.º 1, CCivil, termos em que configura-se ora mais consistente a interpretação aqui preconizada no sentido das penas pecuniárias estarem compreendidas no título executivo por abrangidas na expressão «contribuições devidas ao condomínio» do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/98 na sua primitiva redação.
Com efeito, o artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 268/98, na redação da Lei n.º 8/2022 expressamente estabelece que «[c]onsideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio».
Em suma, a ata da reunião assembleia do condomínio constitui título executivo relativamente ao montante das «contribuições devidas ao condomínio», devendo incluir-se nesta expressão as penas pecuniárias a que alude o artigo 1434.º, n.º 1, do CCivil, com a limitação estabelecida no n.º 2 daquele preceito legal.
In casu.
A Executada, aqui Recorrida, não procedeu atempadamente ao pagamento de diversas prestações correspondentes à sua quota-parte nas despesas do condomínio: do 4.º trimestre de 2009 ao final de 2014.
Ora, nos termos do artigo 12.º, n.º 4, do Regulamento do Condomínio aqui em causa, conforme respetiva ata n.º 7, de 05.12.2006, junta pelo Exequente com o requerimento de 16.11.2011, «[a] falta de pagamento» daquelas prestações «no prazo estabelecido» para tal «sujeita o condómino a um agravamento da respetiva prestação, de 2% por cada mês em atraso, por fracção, contados a partir do termo do prazo de pagamento» da prestação em falta.
Nestes termos, procede o recurso quanto ao prosseguimento da execução para pagamento do montante correspondentes às penas pecuniárias devidas em razão daquele preceito regulamentar até ao limite estabelecida no n.º 2 do artigo 1434.º, n.º 2, do CCivil, sendo que o «rendimento coletável anual» que aí se refere corresponde ao quociente da divisão por 15 do valor patrimonial tributário das frações autónomas em causa, a liquidar oportunamente na 1.ª instância.

2.Do juro moratório.

No seu requerimento executivo de 14.04.2015 o Exequente peticionou juros moratórios à taxa anual de 4%.
Por sua vez, a Executada, na sua oposição à execução, veio pedir «a extinção da presente ação executiva quanto ao montante peticionado a título de juros de mora por incompatibilidade de cumulação de cláusulas penais moratórias, com a indemnização determinada segundo as regras gerais do dano correspondente ao atraso no cumprimento da obrigação (indemnização moratória)».

Em consonância com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, o Tribunal recorrido não apreciou aquele pedido da Embargante por ter excluído da execução as penas pecuniárias:
«Atenta a falta de título executivo relativamente aos valores peticionados a título de penalidades, fica prejudicada a apreciação da alegada inviabilidade da cumulação de cláusulas penais por atraso no cumprimento com indemnização de juros de mora».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).

Uma vez que este Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que as reclamadas penas pecuniárias integravam o título dado à execução nos termos apontados e, pois, esta prosseguia quanto àquelas penas naqueles termos, urge ora apreciar e decidir quanto a tais juros moratórios em causa, conforme disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPCivil, entendendo-se que as partes já se pronunciaram quanto a tal matéria na petição de embargos, na respetiva contestação e nas alegações de recurso, termos em que a abordagem da questão dos juros moratórios no presente acórdão não constitui por certo qualquer surpresa para as partes, pelo que não importa ora ouvi-las de novo sobre a matéria atento o disposto nos artigos 655.º, n.º 3, e 2.º, n.º 3, do CPCivil.

Apreciemos.

Os juros moratórios respeitam à indemnização do credor pelo atraso no cumprimento de uma obrigação pecuniária, conforme designadamente artigos 804.º, n.ºs 1 e 2, e 806.º, n.º 1, do CCivil.
Por sua vez, as penas pecuniárias por falta de pagamento de quotas do condomínio constituem uma forma de sancionar, compelir, constranger, o condómino a pagar pontualmente tais quotas, não sendo, contudo, em termos técnico-jurídicos nem uma cláusula penal, nem uma sanção pecuniária compulsória.
Como referem Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, edição UCE de 2021, página 510, as penas pecuniárias em causa «prosseguem uma função compulsória e, porventura, sancionatória, mas não indemnizatória; noutros termos, visam compelir o condómino relapso ao cumprimento e/ou sancioná-lo pelo não cumprimento pontual e integral (…)».
No mesmo sentido refere Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado, II, coordenação de Ana Prata, edição de 2017, página 289, tais penas pecuniárias afastam-se da cláusula penal, prevista e regulada nos artigos 810.º a 812 do CCivil, «por não dependerem do acordo de todos os que podem sofrê-las e, por outro lado, se afastam das sanções pecuniárias compulsórias previstas no artigo 829-A por não dependerem de decisão jurisdicional».
Os juros moratórios e as penas pecuniárias têm, pois, natureza jurídica diversa: no primeiro caso trata-se de ressarcir o credor pelo atraso no cumprimento da obrigação, ao passo que no segundo caso está em causa sancionar/compelir o devedor a cumprir pontualmente as suas obrigações, o que significa, dada aquela diversa natureza jurídico, que é possível cumular juros moratórios, por atraso no pagamento de quotas de condomínio, com penas pecuniárias, em razão de tal atraso, mas já não fazer incidir juros moratórios sobre as penas pecuniárias.
Na situação vertente, tal significa que a execução em causa abrange os juros moratórios relativos a cada uma das quotas de condomínio vencidas e não pagas, entre o 4.º trimestre de 2009 e o final de 2014, e não mais que isso em matéria de juros moratórios, os quais devem ser computados à taxa anual de 4%, conforme artigos 559.º n.º 1, e 806.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil, assim como Portaria n.º 291/2003, de 08.04.

3.Da taxa de esgotos.

(Conclusão 5 das alegações do recurso).
O Exequente, ora Recorrente, veio executar a quantia de €1.390,87 quanto a taxa de esgoto.
Na decisão recorrida indeferiu-se a execução quanto àquela quantia, referindo-se que nas atas dada à execução «não consta qualquer deliberação referente à taxa de esgotos, pelo que o respetivo valor não está coberto por título executivo, tendo que se exigido noutra sede».
No recurso, o Recorrente refere que «[a] verba referente à taxa de esgoto consta da acta n.º 14, a fls. 38, verso, do livro de actas, e [por isso] faz parte do título executivo».

Vejamos.

Procedem aqui as considerações tecidas anteriormente quanto ao artigo do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10.
A exequibilidade reporta-se a prestações devidas ao condomínio por um seu condómino por despesas necessárias à conservação e fruição de partes comuns, bem como ao pagamento de serviços de interesse comum.
Ora, a taxa de esgoto em causa não se insere em tal domínio.
Conforme decorre da ata n.º …, de 24.02.2014, e respetivo anexo I, juntos pelo Exequente em 12.05.2015, requerimento com a referência citius …, a referida taxa de esgoto não diz respeito ao condomínio, mas exclusivamente à condómina/Executada: conforme decorre do indicado Anexo I,
«Casa da Porteira.
Foi concluído com sucesso o processo de autorização/licenciamento junto da CML que possibilitou o aluguer a partir de Março de 2013 com uma renda mensal de 300 euros. Este processo junto da CML foi bastante moroso e burocrático, obrigando o condomínio a apresentar um projecto (recorrendo inclusive a um técnico) e a pagar a dívida de um dos condóminos à CML de forma a desbloquear a situação (1.390,87 euros que foi debitado na conta corrente do 12º Esq)».

No caso entende-se o pagamento feito pelo condomínio.

Contudo, a dívida que dele decorre não pode ser considerada como integrante da expressão “contribuições devidas ao condomínio” referida no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94 na sua redação originária, aqui aplicável, nos termos em que a mesma foi supra entendida.
De outro modo, haveria título executivo sempre que o condomínio pagasse uma dívida da exclusiva responsabilidade do condómino, o que por certo não foi querido pelo legislador e, assim, desvirtuaria o regime legal instituído por este, tudo isto sem prejuízo, claro, do recurso do condomínio aos meios comuns, designadamente a um processo de natureza declarativa.
Em suma, a taxa de esgoto em causa não é exequível nos presentes autos, pelo que improcede nesta sede o recurso, mantendo-se o decidido nesse domínio pelo Tribunal recorrido, embora com outra fundamentação.

4.Da imputação do cumprimento parcial.

(Conclusões 1 a 4, 6 e 7 das alegações do recurso).
O Tribunal recorrido decidiu o prosseguimento da execução «apenas para pagamento do valor de €4.305,46 e respetivos juros de mora».
Por sua vez, com referência à dívida exequenda, liquidada no montante de €31.167,71 em 14.04.2015, em razão de pagamentos da Executada em dezembro de 2014, no montante total de €15.558,80, o Recorrente entende que está em causa a quantia de €15.608,91, (€31.167,71 - €15.558,80), sendo que na imputação do cumprimento deve considerar-se em primeiro lugar os juros e penalidades e só depois o capital.
Analisemos.
Segundo o disposto no artigo 785.º, n.ºs 1 e 2, do CCivil, «[q]uando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital», sendo que «[a] imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes».
Ou seja, segundo tal normativo, salvo assentimento diverso do credor, a imputação do cumprimento por prestação parcial do devido faz-se sucessivamente nas despesas, indemnização, juros e capital.
Como refere Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição da UCE, 2018, página 1076, caso a prestação realizada não permita extinguir toda a dívida «a prestação deve começar por ser imputada nas despesas relacionada com a dívida que devam ser suportadas devedor. Em seguida, far-se-á a imputação nos juros remuneratórios em falta. Subsequentemente devem extinguir-se as indemnizações moratórias, onde se incluem naturalmente os juros moratórios e as cláusulas penais moratórias. Só, no final, se pode imputar a prestação no capital».
Na situação vertente, não ficou demonstrado que o Exequente, enquanto credor, tenha concordado na imputação do cumprimento, pelo que urge aplicar o apontado regime geral decorrente do Código Civil.
Em consequência, os pagamentos efetuados pela Executada em dezembro de 2014, no montante total de €15.558,80, devem imputar-se sucessivamente (i) nas penas pecuniárias decorrentes do referido artigo 12.º, n.º 4, do Regulamento de Condomínio até ao limite estabelecido no n.º 2 do artigo 1434.º do CCivil, conforme referido, (ii) nos juros moratórios e (iii) nas quotas de condomínio em causa.
Procede, assim, nesta parte o recurso.
*

Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».

Ora, in casu a pretensão do Recorrente procede em parte substancial, mas improcede na parte restante, pelo que na relação jurídico-processual recursiva ambas as partes são vencidas.

A liquidação do vencimento depende de apuradas contas que nesta instância não cumpre proceder, termos em que importa deixar consignado tão-só que as custas do recurso são suportadas por ambas as partes na proporção do respetivo vencimento, conforme liquidação que oportunamente será efetuada na 1.ª instância.

V.DECISÃO

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência,
1.– A execução deve prosseguir seus termos para pagamento pela Executada (i) das peticionadas prestações trimestrais de condomínio, entre o 4.º trimestre de 2009 e o final de 2014, (ii) dos respetivos juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral e efetivo pagamento, e (iii) das penas pecuniárias devidas em razão do artigo 12.º, n.º 4, do Regulamento de Condomínio até ao limite estabelecida no n.º 2 do artigo 1434.º, n.º 2, do CCivil, sendo que o «rendimento coletável anual» que aí se refere corresponde ao quociente da divisão por 15 do valor patrimonial tributário das frações autónomas em causa, a liquidar oportunamente na 1.ª instância.
2.–As quantias entregues pela Executada em dezembro de 2014, no montante total de €15.558,80, devem imputar-se sucessivamente (i) naquelas penas pecuniárias liquidadas, (ii) nos referidos juros moratórios e (iii) nas indicadas prestações trimestrais de condomínio.
Custas por ambas as partes na proporção do respetivo vencimento, conforme liquidação que oportunamente será efetuada na 1.ª instância.


Lisboa, 11 de julho de 2024


Paulo Fernandes da Silva- (relator, com assinatura eletrónica)
Pedro Martins - (1.º Adjunto, com assinatura eletrónica)
Atesto o voto de conformidade do Senhor Juiz Desembargador Orlando Nascimento - 2.º Adjunto, que não assina por não estar presente.
Paulo Fernandes da Silva- com assinatura eletrónica.



(1)Conforme retificação do requerimento de 16.11.2011.
(2)Como Rui Pinto Duarte, Código Civil Anotado, Volume II, coordenação de Ana Prata, edição de 2017, página 261, Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, edição de 2019, páginas 146 e 147, e Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, edição UCE de 2021, página 512.
(3)Neste sentido, sem pretensões de esgotar o elenco, referindo tão-só os mais recentes publicados, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.12.2022, processo n.º 4678/18.0T8ALM-A.L1-2, subscrito pelo aqui 2.º Adjunto, e de 30.03.2023, processo n.º 421/14.1TBCSC-C.L1-2, do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.02.2020, processo n.º 261/18.9TBAVV-B.G1, do Tribunal da Relação do Porto de 21.02.2022, processo n.º 5404/09.0T2AGD-D.P1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.04.2023, processo n.º 2251/22.8T8GMR.G1 e do Tribunal da Relação do Porto de 25.09.2023, processo n.º 681/22.4T8VLG-A.P1, todos in www.dgsi.pt, bem como os acórdãos neles referidos na matéria no mesmo sentido.
(5)Na doutrina, enquadrando igualmente as indicadas penas pecuniárias na expressão “contribuições devidas ao condomínio” do artigo 6.º do DL 268/94, veja-se Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, edição de 2009, página 319, e «Os animais e o regime português da propriedade horizontal», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II (2006), disponível in portal.oa.pt, revista, set de 2006/doutrina.