Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1102/07.8JDLSB-AR.L1-7
Relator: CARLA CÂMARA
Descritores: HABITAÇÃO PRÓPRIA PERMANENTE
PENHORA
ADMISSIBILIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i. Todos os bens do devedor suscetíveis de penhora respondem pelo cumprimento das suas obrigações, assistindo ao credor o direito executar o património do devedor, mesmo quando tal património é constituído pela habitação própria permanente do executado.

ii.O direito à habitação, constitucionalmente consagrado, não consiste no direito à propriedade do imóvel habitado pelo executado, nem à subtração desta propriedade à suscetibilidade de ser penhorada para responder pelas dívidas do executado.

iii.O principio da proporcionalidade constituiu um limite à penhora de bens, assente no respeito pela propriedade privada, direito constitucionalmente consagrado. A afetação da propriedade, deve limitar-se ao necessário para satisfazer a quantia exequenda e as custas do processo.

iv.A sua aplicação prende-se com a amplitude da penhora face à quantia exequenda e despesas da execução, mas não prescinde da consideração da existência de créditos a serem pagos com anterioridade face ao crédito exequendo, por beneficiarem de privilégio.

v.O princípio da proporcionalidade e da adequação apenas justificará o levantamento da penhora do imóvel que é habitação própria permanente do executado, quando seja previsível que da venda de tal bem não se alcance qualquer perspectiva de obtenção de pagamento, total ou parcial, da quantia exequenda.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

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A, executado nos autos de que estes são apenso, em que são exequentes B e outros, veio apresentar oposição à penhora alegando, em síntese, que o imóvel penhorado nos autos de execução constitui a sua residência, o que viola o princípio constitucional do direito à habitação, não tendo tal penhora prioridade sobre o credor hipotecário, mais acrescentando que se encontra numa situação financeira débil e deficitária e que necessita de cuidados médicos inadiáveis, pelo que deve ser determinado o levantamento da penhora sobre o referido imóvel.

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Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a oposição à penhora, com os seguintes fundamentos:
«(…) Ora, conforme decorre do disposto no art. 784º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a)- Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b)- Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c)- Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
Da disposição legal em apreço resulta claramente que ao executado apenas é lícito opor-se à penhora com qualquer dos fundamentos aí expressos.
No caso, a alegação do executado não tem correspondência com quaisquer dos fundamentos legalmente previstos, por não se enquadrar em qualquer das previsões do nº 1 do citado preceito.
Sempre se refira, apesar de tudo, que nenhum princípio constitucional – maxime, o invocado pelo executado – se afigura violado, com a simples penhora do imóvel efectuada nos autos de execução, dado que, a par da tutela da dignidade da pessoa do executado e do seu agregado familiar e respectiva residência, a acção executiva visa, efectivamente, obter a cobrança de um crédito da titularidade do credor/ exequente, e cujo sujeito passivo (devedor) é, precisamente, o executado. Tal crédito, plasmado num título (executivo) com força plena e bastante, como é óbvio, carece, de igual forma, de tutela e protecção.
Para além do mais, a lei define e estabelece critérios de proporcionalidade e adequação (art. 751º do CPC) para a realização da penhora de bens imóveis (incluindo os que constituam a residência do executado), os quais, no caso concreto, não se afiguram ultrapassados, e que, a par do princípio geral invocado, de modo genérico e singelo, pelo executado, possuem semelhante cobertura constitucional.
Acresce que a alegada débil situação financeira ou de saúde do executado não têm como consequência qualquer isenção de penhora, por falta notória de previsão legal para o efeito.
Por conseguinte, dado que os fundamentos apresentados não preenchem o elenco legal já referido, para além de serem manifestamente insuficientes para justificar qualquer outra apreciação menos sucinta, não prosseguirá a oposição à penhora deduzida.
Face ao supra exposto, indefiro liminarmente a oposição à penhora apresentada pelo executado – art. 732º, nº 1, al. b), aplicável ex vi do art. 785º, nº 2, do CPC.»

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Não se conformando com a decisão, dela apelou o executado, formulando as seguintes conclusões:
a)- Por sentença judicial indeferiu-se liminarmente a oposição à penhora;
b)- Foi alegado na oposição à penhora que a mesma incide sobre a casa de habitação do executado, tendo este uma situação muita precária e uma saúde bastante frágil.
c)- Que a casa possui várias hipotecas no valor total de 145.994,00€ tendo garantia hipotecária a Caixa Geral de Depósitos, documentos 11, 12 e 13 junto da oposição.
d)- Que a divida exequenda é de 28.344,23€, sendo este o somatório de vários valores solicitados por 6 exequentes.
e)- Após a penhora e do credor hipotecário ser acionado os exequentes não irão receber nenhum capital.
f)- Esta penhora não respeita o princípio da proporcionalidade nem da adequação.
g)- Os exequentes indicam como bem único à penhora o imóvel com o valor patrimonial de 49.962,26€.
h)- Esta penhora não beneficia os exequentes, sendo este o fim da ação executiva, ressarcir os exequentes e não apenas prejudicar os executados.
i)- Não se entende porque é que o tribunal a quo entende que as alegações do executado não têm qualquer fundamento no artº 751º do código de processo civil.
j)- Assim sendo e insistindo na penhora não se consegue visualizar o objetivo da mesma.
k)- Torna-se assim relevante o princípio constitucional em que o fim da execução visa ressarcir os exequentes.
l)- O valor patrimonial do imóvel é de 49.262,26€, mas foi onerado com vários reforços de hipoteca tendo o valor atual de divida hipotecária de 145.994,99€, o que numa breve análise o bem vendido não chegará para satisfazer o credor hipotecário.
m)- Assim, a penhora do imóvel não visa satisfazer os exequentes.
n)- O imóvel só poderia responder na falta de outros, e o agente de execução embora deva respeitar as indicações dos exequentes, não pode violar o principio da proporcionalidade da penhora ou infringir norma legal imperativa.
o)- É essencial que o agente de execução reconheça essa insuficiência.
p)- A venda deste bem não irá ressarcir os exequentes, mas ao invés irá ainda onerar a acção executiva, e não se pode nem deve utilizar esta ação para uma retaliação ao executado.
q)- Tais condutas foram violadoras dos artigos 8º; 735º, nº 3; 751º, nº 2 e 4; 784º, nº 1 alínea a), b) e c), todos do C.P.C.
r)- Pelo que a penhora não deve subsistir.
s)- A decisão proferida pelo tribunal a quo, deve ser substituída por outra que anule a penhora do imóvel.

TERMOS EM QUE
Deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser substituída a decisão do tribunal a quo que anule a penhora do imóvel por clara violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação, da igualdade, e da legalidade, e artigos 8º; 735º nº 3; 751º nº 2 e 4 e 784º nº 1 alínea a), b) e c) todos do C.P.C., como é de JUSTIÇA.

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Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão a decidir é a de saber se a penhora do imóvel que constituiu a habitação do executado, viola os princípios da proporcionalidade, da adequação, da igualdade, e da legalidade.

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Os elementos processuais relevantes que constam dos autos, para a apreciação do objecto do recurso, são os que constam do relatório que antecede.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Nos termos estabelecidos pelos artigos 601º do Código Civil e 735º, nº 1, do CPC, todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, respondem pelo cumprimento das suas obrigações, constituindo garantia geral do credor.
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito executar o património do devedor (artigo 817º do Código Civil).
São absoluta ou totalmente impenhoráveis os bens a que alude o artigo 736º do CPC, dispondo o artigo 737º do mesmo diploma sobre os bens relativamente penhoráveis e o artigo 738º do CPC sobre os bens parcialmente penhoráveis.
Tratando-se de habitação própria permanente do executado, não constitui obstáculo à penhora a circunstância de o executado nela habitar.
A lei estabeleceu, especificamente, no que se refere à penhora de imóvel que seja a habitação própria permanente do executado, que só pode ser penhorado: a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses; b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses – artigo 751º, nº 4, a) e b), do CPC.
No presente recurso, a questão em apreciação não se prende com a específica desaplicação deste artigo, sendo que o valor da quantia exequenda é superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, nada se referindo relativamente à existência de outros bens cuja penhora permitisse a satisfação do credor.
No que se refere à proteção da habitação, dispõem ainda os artigos 704º, nº 4 ( estando a sentença pendente de recurso, se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do executado, pode o juiz determinar que a venda aguarde a decisão definitiva, quando aquela seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável), 733º, nº 5 ( Se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, pode o juiz determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente irreparável), 756º, nº 1, a) ( no sentido de que constituindo o bem penhorado casa de habitação efetiva do executado, este será o depositário ) e 861º, nº 6 ( relativo à suspensão das diligências executórias nos casos aí previstos), todos do CPC.
Não é convocada a aplicação de nenhum destes preceitos e a circunstância de a penhora ter recaído sobre a «casa de habitação do executado, tendo este uma situação muito precária e uma saúde bastante frágil», não torna tal bem insuscetível de penhora.
Pretende o recorrente que se considere que a penhora não respeita o princípio da proporcionalidade nem da adequação.
Alega, para tanto, ainda que: o imóvel possui várias hipotecas no valor total de 145.994,00€; a divida exequenda é de 28.344,23€; o imóvel tem o valor patrimonial de 49.962,26€.
Conclui no sentido de que o bem imóvel, a ser vendido, não chegará sequer para satisfazer o credor hipotecário, pelo que os exequentes não serão ressarcidos, tendo esta penhora como único fim o de prejudicar o executado.
Vejamos.
Todos os bens do devedor suscetíveis de penhora respondem pelo cumprimento das suas obrigações, assistindo ao credor o direito executar o património do devedor, mesmo quando tal património é constituído pela habitação própria permanente do executado ( artigo 751º, nº 4, do CPC).
O direito à habitação, constitucionalmente consagrado (artigo 65º), não consiste no direito à propriedade do imóvel habitado pelo executado, nem à subtração desta propriedade à suscetibilidade de ser penhorada para responder pelas dívidas do executado.
Respondendo todos os bens do devedor, suscetíveis de penhora, pela divida exequenda, deve a mesma limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (artigo 735º, nº 3, do CPC).
São fundamentos de oposição à penhora, os elencados no artigo 784.º, nº 1, do CPC: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
A penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente, devendo o agente de execução respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou não se referiam aos bens porque deve começar a penhora (artigo 751º, nºs 1 e 2, do CPC).
A observância dos princípios da proporcionalidade e da adequação subjacentes à penhora, acautelam que o executado não seja colocado na posição de ver penhorados bens de valor superior ao necessário para o pagamento da divida exequenda e despesas previsíveis da execução.
A agressão do património do executado não se justifica, na pretensão do recorrente, na medida em que vendido o imóvel, o produto desta venda não chegará para satisfazer o crédito do exequente.
A sua pretensão não se mostra alicerçada no excesso de penhora, mas na insusceptibilidade de, pela venda do bem penhorado, os exequentes verem satisfeita a quantia exequenda.
Ora, o direito do exequente à satisfação do seu crédito não pode ser paralisado, sem mais, pela circunstância de existirem outros credores, com preferência na satisfação do crédito, como alega o recorrente, por referência ao credor hipotecário.
De facto, o principio da proporcionalidade (artigo 751º, nº 2, do CPC) constituiu um limite à penhora de bens, assente no respeito pela propriedade privada, direito constitucionalmente consagrado (artigo 62º da CRP). A afetação da propriedade, deve limitar-se ao necessário para satisfazer a quantia exequenda e as custas do processo.
Refere o recorrente que a quantia exequenda é de 28.344,23€, o imóvel tem o valor patrimonial de 49.962,26€, impendendo sobre o mesmo várias hipotecas no valor total de 145.994,00€, pelo que «o bem vendido não chegará para satisfazer o credor hipotecário», não sendo a penhora adequada à satisfação da quantia exequenda.
Relativamente aos créditos que o recorrente refere estarem garantidos por hipoteca, considerando os documentos apresentados extraídos através do serviço Caixadirecta e juntos com o requerimento de oposição à penhora, com data de 30.09.2019, pode constatar-se a menção ali efetuada a créditos, cuja soma ascende à quantia referida pelo recorrente, de 145.994,00€ (100.894,00€ + 35,100,00€ + 10.000,00€).
Em virtude dos pagamentos efetuados, o valor em dívida mencionado nos referidos documentos é inferior ao indicado pelo recorrente, subsistindo em dívida à referida instituição bancária, naquela data, as quantias de 79.550,24€ + 27.674,74€ + 8.670,22€, num total de 115.895,20€.
Mais resulta em cada um dos 3 documentos, no último dos quadros, frente a «Garantia» estar exarado «Tipo HABITAÇÃO PROPRIA».
Refere ainda o recorrente que a sua situação económica é «precária», que «não se recusou a liquidar as quantias exequendas, mas devido ao processo judicial que deu origem a estas quantias encontra-se sem acesso ao crédito e tendo esgotado todas as suas reservas financeiras.» e que os «exequentes indicam como bem único à penhora o imóvel.», bem como que «Esta penhora não beneficia os Exequentes, sendo este o fim da acção executiva, ressarcir os Exequentes, e não apenas prejudicar o Executado;».
O recorrente não invocou a existência de outros bens que pudessem responder pela quantia exequenda, cabendo-lhe fazê-lo, uma vez que sobre si impendia o ónus de alegar os factos concretos de que resultasse a impenhorabilidade do bem ou da inadmissibilidade da extensão da penhora, a subsidiariedade do bem penhorado para responder pela dívida exequenda ou que o bem penhorado não respondia pela dívida exequenda.
Invocando a violação do princípio da proporcionalidade da penhora e da adequação, cabia-lhe o ónus de alegar a existência de outros bens penhoráveis que pudessem satisfazer integralmente o crédito exequendo no lapso de tempo previsto no artigo 751º, nº 4 alíneas a) e b), do CPC.
A invocação do executado alicerça-se na sua precaridade financeira e na insusceptibilidade de o imóvel responder pela divida exequenda, considerando os créditos hipotecários que o oneram e a insusceptibilidade de o valor que vier a ser obtido com a venda do bem, satisfazer mais do que o pagamento do credor hipotecário.
Para além da alegação do recorrente relativa à existência de credor hipotecário e da menção constante dos documentos juntos a «Garantia» estar exarado «Tipo HABITAÇÃO PROPRIA», a instituição bancária Caixa Geral de Depósitos, à luz do que os autos permitem aferir, não reclamou ou por qualquer outra forma interveio nos autos.
A penhora do imóvel seria violadora dos princípios da adequação e da proporcionalidade, caso resultasse dos autos que o valor dos créditos hipotecários, fundados na garantia real de hipoteca e, assim, com privilégio, uma vez reclamados e determinado o seu pagamento pelo valor da venda do imóvel, pagos estes, nada viesse a sobrar para o pagamento do crédito exequendo.
Dos autos não resulta que os créditos hipotecários tenham sido reclamados – não resulta sequer que não estejam a ser satisfeitos – nem que o valor patrimonial do imóvel venha a ser o seu valor de venda, não podendo afirmar-se fundamentadamente que a penhora promovida pelos exequentes venha a revelar-se desadequada e desproporcional, por não resultar dela qualquer insusceptibilidade de os exequentes virem a ser ressarcidos do seu crédito.
A aplicação do principio da proporcionalidade, que se prende com a amplitude da penhora face à quantia exequenda e despesas da execução, não prescinde da consideração da existência de créditos que serão pagos com anterioridade face ao crédito exequendo, por beneficiarem de privilégio.
«Ocorrendo reclamação de créditos (art. 788º, nº 1), o juízo de prognose da proporcionalidade da penhora não pode deixar de ponderar também as regras relacionadas com a preferência atribuída aos credores privilegiados. Neste contexto, alguma jurisprudência vem entendendo que nos casos em que resulte dos autos, de forma clara e segura que, consumada a venda dos bens penhorados e realizado o pagamento aos credores reclamantes, nada sobrará para satisfazer o crédito exequendo, deverá obstar-se á penhora desses bens, em virtude de a diligência se revelar desproporcionada e inadequada (RL 27-6-17, 6331/08 e RL 6-4-17, 3449/09). Isto poderá ser especialmente pertinente quando esteja em causa a penhora de imóvel que constitua a habitação permanente do executado, mas que esteja onerado com hipoteca a favor de terceiro (v.g. instituição de crédito que financiou a aquisição), sem que exista uma situação de incumprimento da dívida. Num caso assim, em que, apesar da dívida exequenda, o executado mantém em dia os pagamentos referentes ao crédito hipotecário, sendo de prever que o produto da venda executiva se esgotará na satisfação do próprio crédito hipotecário, essa venda, além de não apresentar qualquer utilidade para o exequente, é suscetível de conduzir a um desfecho desproporcionado, à luz de uma equilibrada composição dos interesses em presença, na medida em que se perspetive que o executado perderá o imóvel onde habitava, sem vantagem alguma para o exequente ou para o credor hipotecário. Neste cenário, não estará afastada a possibilidade de encontrar no ordenamento jurídico uma solução diferente da que resulte da aplicação automática das simples regras sobre a garantia patrimonial dos créditos através da penhora e venda de bens do executado.»(1).

Considerando a factualidade apurada relativa ao valor do crédito exequendo e ao valor patrimonial do imóvel, bem como que se desconhece o valor de venda do imóvel, temos que concluir não resultar dos autos, que realizada a venda do bem penhorado e satisfeito o pagamento de credor hipotecário que exista, nada venha a sobrar para pagar a quantia exequenda.
Não é possível antever com segurança- nem o recorrente fez qualquer esforço argumentativo factualmente sedimentado - que da venda do bem penhorado não resulte qualquer quantia para satisfazer o crédito exequendo.
O princípio da proporcionalidade e da adequação apenas obviará à penhora de imóvel do executado, em claro desvio à regra de que estão sujeitos à execução todos os bens do executado, na circunstância excecional de se apurar que da venda daquele bem não resultarão proventos que permitam satisfazer o crédito exequendo. Tal constituiu um desvio ao regime geral dos artigos 601º e 735º do CPC, apenas justificado quando seja previsível que da venda do imóvel do executado - que dele se verá privado com o grave prejuízo de ser sua casa de habitação-, não se alcance qualquer perspetiva de obter o pagamento, total ou parcial, da quantia exequenda.
À luz destes preceitos e do equilíbrio de valores em confronto - por um lado o direito do executado a não ver afetada desproporcionalmente a sua propriedade e, por outro, o direito do exequente a ver ressarcido o seu crédito - e em face dos elementos constantes dos autos, não é possível concluir, com segurança, que a venda do imóvel penhorado não permita satisfazer, ainda que parcialmente, o crédito exequendo e, assim, a penhora do mesmo revela-se adequada e proporcional.
Improcede, consequentemente, a apelação.

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DECISÃO:

Em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e Notifique.


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Lisboa, 27.04.2021


Carla Câmara
José Capacete
Carlos Oliveira


(1)-António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 133.