Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13910/20.0T8SNT.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Sumário: Mesmo que no contrato de mediação imobiliária esteja prevista a exclusividade e se tenha verificado a violação dessa cláusula pelo cliente da mediadora, que celebrou o negócio visado com cliente conseguido por mediador concorrente da primeira, esta só tem direito à remuneração se tiver apresentado ao cliente/vendedor um negócio (com um certo comprador, por um certo preço) que apenas não se concretize por causa imputável ao cliente ou, pelo menos, se tiver desenvolvido alguma actividade que se possa presumir como estando ligada causalmente ao negócio visado que acabou por ser celebrado. Não tendo a mediadora alegado ter desenvolvido qualquer actividade durante todo o período de vigência do contrato, não tem direito à remuneração.



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo  identificados:


V-Mediação Imobiliária Lda., intentou uma acção contra S pedindo que o réu seja condenado a restituir à autora 14.145€, acrescida de juros legais vincendos desde a citação até ao integral e efectivo pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade comercial celebrou com o réu um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade e que o réu, no decurso da vigência do contrato, vendeu o andar objecto do mesmo com recurso a imobiliária concorrente  da autora.

O réu contestou, por si, isto é, sem advogado, pelo que a contestação foi mandada desentranhar e de seguida foram declarados confessados os factos alegados pela autora, nos termos do art. 567/1 do CPC.

Após foi proferido despacho saneador, julgando a acção improcedente por não provada, e em consequência absolvendo o réu do pedido.

A autora recorre deste saneador/sentença – para que seja revogado e substituído por outro que condene o réu nos termos pedidos – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, no essencial:
A estipulação no contrato de mediação de uma cláusula de exclusividade, mediante a qual a mediadora tem o benefício de não concorrência, altera a configuração e o regime do contrato: o cliente, quando seja proprietário do imóvel, fica obrigado a remunerar a mediadora, independentemente da celebração do negócio visado.
Pelo que havendo incumprimento da cláusula de exclusividade, pelo cliente, a mediadora tem direito à remuneração, com a celebração do contrato visado, com interessado que chegou ao cliente por intermédio de outra mediadora, mesmo que não haja nexo causal entre a actividade da mediador e aquela celebração.
Com essa actuação o cliente torna impossível a verificação da condição de que depende a remuneração da mediadora, uma vez que ninguém se poderá interessar na compra de um imóvel que já não se encontra à venda.
Neste sentido, veja-se, desde logo, o acórdão do STJ de 07/03/1967 e a anotação que Vaz Serra escreveu sobre o mesmo (ambos em RLJ 100, pp. 340-8).
Esta é também a solução que resulta da aplicação das regras gerais sobre incumprimento das obrigações: nos contratos bilaterais, se a prestação se torna impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação (cfr. artigo 795/2 do CC).
É esta também a solução conferida para o caso análogo do contrato de agência exclusivo, tendo o agente direito à comissão por actos concluídos durante a vigência do contrato (mesmo que não os tenha promovido nem tenham sido celebrados por clientes por si angariados), se gozar de um direito de exclusividade para uma zona geográfica ou para um circulo de clientes, e se os mesmos actos tiverem sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou circulo de clientes (vfr. artigo 16/2, conjugado com o nº. 1, do regime do contrato de agência – DL 178/86 de 03/07, alterado pelo DL 118/93 de 01/04).
E também o acórdão TRL de 14/06/2012, proc. 4620/05.9YXLSB.L1-6: Se tiver sido acordada a mediação imobiliária para a concretização do negócio em regime de exclusividade entre o mediador e o proprietário do imóvel, o direito à remuneração do mediador que tiver sido acordada também existe, independentemente de tal concretização.  
Donde, mal andou o tribunal a quo ao decidir no sentido em que o fez, designadamente ao entender que não havia lugar a remuneração por não ter intervindo a autora no negócio efectivamente concretizado.

O réu não contra-alegou.
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Questões que importa decidir: se a autora tem direito à remuneração contratada.
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Estão dados como provados os seguintes factos (o facto 8 foi alegado pela autora e está admitido por acordo por não ter sido impugnado; é acrescentado por este TRL ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4 do CPC):
1.–A autora é uma sociedade comercial que exerce a actividade de mediação imobiliária através de um conjunto de colaboradores e lojas espalhados por todo o território nacional.
2.–No âmbito do exercício da sua actividade de mediação imobiliária, a autora celebrou, no dia 23/06/2018, um contrato de mediação imobiliária com o réu.

3.–Nos termos do referido contrato:

Cláusula 1.ª (identificação do imóvel)
O 2.º contraente [réu] é o proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma […].
Cláusula 2.ª (identificação do negócio)
1-A mediadora [autora] obriga-se, em nome do 2.º contraente, a procurar destinatário para a realização de negócio jurídico de compra (…) pelo preço de 230.000€ desenvolvendo para o efeito acções de promoção, de divulgação e de publicitação do imóvel objecto do presente contrato.
(…)
Cláusula 4.ª (regime de contratação)
1.-O 2.º contratante contrata a mediadora em regime de exclusividade (…)
2.-Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto de contrato de mediação, durante o respectivo período de vigência. No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada.
Cláusula 5.ª (remuneração)
1-A remuneração é devida se a mediadora conseguir destinatário que celebra com o 2.º contraente o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no nºs l e 2 do artigo 19 da Lei 15/2013, de 08/02.
2- O segundo contratante obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração: a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, não sendo este inferior a 5000€ acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
(…)
Cláusula 8.ª (prazo de duração do contrato)
O presente contrato tem uma validade de 6 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo. Os contraentes podem impedir a renovação automática do presente contrato através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.
(…)”
4.-O contrato de mediação imobiliária não foi resolvido;
5.-Nunca foi deduzida qualquer oposição à renovação do referido contrato de mediação imobiliária.
6.-No dia 28/02/2019, o réu vendeu a terceiros, pelo preço de 220.000€, a fracção autónoma.
7.-A autora não teve intervenção na aludida venda.
8.-O contrato referido em 6 foi celebrado com um comprador angariado por mediadora concorrente da autora.
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Apreciação:
O saneador/sentença recorrido, segue, através do ac. do TRL de 24/09/2020, proc. 5061/19.6T8LRS.L1-2, os estudos de Maria de Fátima Ribeiro (os agora consultados: O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, SI, 2013, n.º 331Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, na Revista de Direito Comercial, 13/07/2017, páginas 215 a 252, especialmente páginas 248 a 251) e Higina Castelo (os agora consultados: O contrato de mediação, Almedina, Dez2014, especialmente páginas 430 a 432 e Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, RDC, 05/07/2020, páginas 1401 a 1462), e chega ao resultado de que, no caso, as partes celebraram um contrato de mediação imobiliária - previsto na Lei 15/2013, de 08/02 – com exclusividade simples, ou seja, o vendedor/réu podia, mesmo na vigência do contrato, vender por ele mesmo a fracção, só não o podia fazer através de uma outra mediadora (seria uma exclusividade reforçada se ele também não pudesse vender a fracção por si). E como considerou que a fracção tinha sido vendida pelo próprio vendedor, considera que a autora não tem direito à remuneração.

A autora considera que a venda efectuada pelo réu foi feita através de uma outra mediadora e que, por isso, houve violação da exclusividade e, assim sendo, tem direito à remuneração.

A autora tem razão quanto às circunstâncias da venda, isto é, que o comprador foi conseguido por uma outra mediadora, como resulta do facto acrescentado por este TRL (alteração que vem do projecto vencido).    
  
Fica assim a questão de saber se, quando se prova que houve violação da exclusividade, como no caso houve, a mediadora, só por isso, tem direito à remuneração.

O art. 16/2-g do regime da mediação imobiliária impõe que do contrato conste […a] referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.

Foi esse regime que as partes acordaram como se vê da cláusula 4/2 do contrato com remessa implícita para o art. 19 da Lei que dispõe: 1-A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação […] 2-É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel [as palavras riscadas estão manifestamente a mais, como explica Higina Castelo, quer na tese de doutoramento, pág. 430, quer no estudo publicado na RDC, pág. 35.]

A autora entende, com o apoio dos estudos de Higina Orvalho Castelo (na tese de doutoramento está nas páginas 435 a 437, no estudo publicado na RDC está nas páginas 1437 a 1440), que se verifica a hipótese prevista no art. 19/2 do regime referido, isto é, o negócio não se concretizou através da sua mediação por causa imputável ao cliente. Ou seja, basta que o cliente, violando a cláusula de exclusividade, tenha celebrado o contrato com terceiro conseguido por uma mediadora concorrente, impossibilitando a intervenção da mediadora inicialmente contratada, para que tenha que pagar a remuneração. Invoca-se também o disposto no art. 795 do CC, nos termos referidos nas conclusões do recurso.

A grande maioria da jurisprudência tem entendido que para se verificar a hipótese prevista no art. 19/2 do regime da mediação imobiliária, a mediadora inicialmente contratada tem de ter apresentado ao cliente/vendedor um negócio (com um certo comprador, por um certo preço) que apenas não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. No caso de apenas se provar a violação da exclusividade, poderá haver lugar, não à remuneração, mas a uma indemnização dos danos (que terão de ser alegados e provados) provocados por essa violação, que serão os gastos/despesas feitas pela mediadora por força da sua actividade de promoção subsequente à celebração do contrato e que foram frustrados por força daquela violação.

Assim, por exemplo, os dois acórdãos já citados no projecto vencido:
- do TRL de 04/10/2012, proc. 6916/10.9TBOER.L1-2:
“para que a sociedade mediadora possa receber a remuneração (…), esta tem de estar em condições de poder concluir o negócio, mas o mesmo não se concretiza, ou por recusa do cliente da mediadora em fazê-lo, ou por destruição do imóvel objecto da mediação, por culpa imputável ao cliente da empresa ou por qualquer outra situação a este cliente imputável. Não basta, a nosso ver, o cliente ter vendido o imóvel, com ou sem a intervenção de outra mediadora, uma vez que a venda do imóvel, só impede que a sociedade de mediação com a qual foi feito o contrato, em regime de exclusividade, a partir dali deixe de continuar a promover a angariação”.
- e do TRL de 05/06/2020, proc. 4/19.0T8RGR.L1, subscrito pela aqui 1.ª adjunta, não publicado:
“[s]ó no caso da empresa mediadora ter um interessado efectivo na conclusão do negócio visado é que podemos dizer que tem um prejuízo e que aquele não se concretizou por causa imputável ao cliente. A existência de um interessado angariado pela mediadora é em qualquer caso condição da sua remuneração. […] O requisito da existência de um interessado angariado para a concretização do negócio visado é elemento constitutivo do direito da empresa mediadora à remuneração, nos termos previstos no mencionado art.º 19.º n.º 2 competindo por isso à mesma alegar e provar tal facto, de acordo com o disposto no art.º 342.º n.º 1 do CPC se quiser haver a remuneração acordada, que aí sim, deixou de auferir por causa imputável ao cliente.”

Neste último acórdão invocam-se, no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 27/05/2010, proc. 9934/03.0TVLSB.L1.S1; do STJ 11/07/2019, proc. 28079/15.3T8LSB.L1.S1 [que refere os acórdãos do STJ de 15/11/2007, proc. 3569/07; de 19/05/2009, proc. 5339/06.9TVLSB; de 29/03/2011, proc. 2439/07.1TBPTM.E1.S1; e de 22/09/2016, proc. 1081/12.0TVLSB.L1.S1]; do TRL de 26/03/2019 proc. 19813/16.5T8LSB.L1-7; do TRL de 05/07/2018 proc. 85/17.0T8VFX.L1-7; do TRL de 04/10/2012, proc. 6916/10.9TBOER.L1-2, e do TRL de 19/11/2013, proc. 4545/11.9TBALM.L1-7.

Uma alternativa menos exigente, aceite por alguma jurisprudência, é dada por Maria de Fátima Ribeiro, estudo citado, páginas 105-106:
“A função da cláusula de exclusividade é, em qualquer caso, tão-só a de afastar a necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre a actividade do mediador e a conclusão desse negócio. Por outras palavras, também na presença de uma cláusula de exclusividade, o mediador só adquire o direito à comissão quando estejam presentes todos os requisitos necessários para a sua constituição. Nomeadamente, o mediador deve ter desenvolvido a actividade a que se obrigou; simplesmente, a existência desta cláusula "autoriza a presunção (de facto) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio [nos precisos termos em que tal vem formulado no acórdão do STJ de 10/10/2002 (Moitinho de Almeida); no mesmo sentido, cf. o acórdão do TRL de 08/04/2010 (Rui da Ponte Gomes).]

Em conclusão, deve entender-se que a cláusula de exclusividade afasta apenas a necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre a actividade do mediador e o contrato celebrado entre o comitente e um terceiro – o mesmo é dizer que o mediador apenas terá direito à remuneração se provar que desenvolveu a sua actividade. Uma solução diferente levaria a que o mediador pudesse vir a ser injustificadamente (e injustamente) remunerado [Deve, inclusivamente, ser questionada a validade de uma cláusula de exclusividade que estabeleça que o mediador conserva o direito à remuneração ainda que não fique demonstrado que desenvolveu a actividade adequada à produção do resultado pretendido pelas partes - de resto, a exemplo do que tem sido a orientação dos tribunais suíços. Cf. Sylvain Marchand, La clause d'exclusivité dans le contrat de courtage: un oxymore du Tribunal fédéral, cit., pp. 457 e segs.]”

Ou seja, a cláusula de exclusividade faz presumir o, de qualquer modo, sempre exigido nexo de causalidade entre a actividade do mediador e o contrato celebrado com terceiro, mas para tal o mediador tem de provar que desenvolveu a sua actividade.

Conceder-se a remuneração sem a verificação de qualquer actividade por parte da mediadora, com base na simples celebração do contrato e subsequente violação da cláusula de exclusividade, equivale à violação do princípio da reciprocidade e da equivalência das prestações, ou do sinalagma pressuposto no contrato, já que a mediadora sem nada fazer receberia à mesma o valor da prestação que devia ter realizado para ter direito a ela.
  
Ora, seguindo-se a posição maioritária da jurisprudência, ou a alternativa menos exigente da doutrina, o resultado no caso dos autos é o mesmo: a autora quer ser remunerada mas não alega ter feito seja o que for com vista à promoção do negócio visado durante os 8 meses que durou o contrato até à venda. Ou seja, ela quer receber um remuneração sem ter feito a correspondente actividade.

Isto afasta a via de solução de Maria de Fátima Ribeiro que a autora poderia aproveitar, ou seja, a da presunção de facto do nexo de causalidade entre a actividade do mediador e o contrato celebrado entre o comitente e um terceiro: a presunção de facto podia servir para prova desse nexo de causalidade, se a autora tivesse alegado, pelo menos, essa actividade. Mas ela não diz que teve qualquer actividade. Ela quer receber sem ter feito prova de ter feito fosse o que fosse. E isto, como diz, aquela autora, com o apoio de vária jurisprudência, seria injustificado e injusto. Assim sendo, não tem direito à remuneração.

Note-se que embora o ac. do TRL invocado pela autora e os dois acórdãos invocados no projecto vencido façam referência à tese do direito à remuneração pela simples violação da cláusula de exclusividade, e pareçam aceitá-la, todos eles acabam por analisar a actividade que a mediadora inicial teve e dois deles não concedem a remuneração e apenas um a concedeu concluindo pela substancialidade da actuação daquela, pelo que se pode dizer que, afinal, é esta actividade que está subjacente à concessão da remuneração (que aliás só acontece num caso, repita-se, que foi o do ac. do STJ), não a simples violação da cláusula da exclusividade.

Assim, o acórdão TRL de 14/06/2012, proc. 4620/05.9YXLSB.L1-6 (invocado pela autora), julgou a acção intentada pela mediadora improcedente, sendo concludente o teor do respectivo sumário:
1.–Sendo o contrato de mediação imobiliária um típico contrato de prestação de serviços, em regra a remuneração relativa à actividade de mediação imobiliária só é devida com a perfeição do negócio visado pela mediação.
2.–No caso de ter sido acordada exclusividade na mediação entre a mediadora e o cliente a remuneração é, porém, devida, independentemente da conclusão do negócio visado pela mediação, se a não concretização deste negócio se ficar a dever a causa imputável ao cliente;
3.–Em qualquer caso o direito à remuneração pressupõe que a mediadora cumpra a sua prestação contratual e pratique actos de mediação e promoção adequados e suficientes à conclusão do negócio;
4.–Incumbe à mediadora a prova dos elementos constitutivos do direito a remuneração e da relação de causalidade entre os actos de promoção e mediação levados a cabo e a perfeição do negócio visado;
5.–A simples inserção em página on-line da mediadora de anúncio de intenção de venda de uma fracção de um imóvel e o acompanhamento de uma visita por parte de um terceiro interessado, sem que se demonstre a realização de qualquer outro acto de promoção e mediação imobiliária não são, em si mesmos, suficientes nem causais da determinação das partes à conclusão do negócio;
6.–Nessas circunstâncias, tendo o contrato de mediação sido “anulado” por decisão unilateral do cliente, mesmo que o contrato visado venha a ser posteriormente celebrado entre o cliente e o terceiro a quem a mediadora acompanhou na visita á fracção, não é devida a remuneração da mediadora por inexistir relação de causalidade entre os actos de promoção e mediação levados a cabo e conclusão do negócio visado;
7.–Não há lugar á restituição por enriquecimento sem causa quando a lei faculta ao lesado meio de obter o ressarcimento dos danos alegadamente sofridos;
8.–Não se demonstrando que a actividade desenvolvida pela mediadora foi determinante da conclusão do negócio visado pela mediação não existe enriquecimento do cliente à custa da mediadora na medida da remuneração acordada.

O mesmo aconteceu no acórdão do TRL de 30/11/2018, proc. 21405/16.0T8LSB.L1-7, invocado pelo projecto vencido, que vai em sentido contrário ao desse projecto, pois que diz:
II.–Não se pode reconhecer que o mediador tem direito à retribuição nesta situação quando tenha obtido apenas um potencial destinatário no negócio, ou seja, alguém que se mostre interessado em celebrá-lo mas que não tenha manifestado acordo com a integralidade dos propósitos delineados pelo cliente do mediador. 

Quanto ao acórdão do STJ referido no projecto vencido, ac. de 22/04/2021, proc. 2952/19.8T8LSB.L1.S1, ele julga procedente o pedido da mediadora depois de ter amplamente demonstrado que esta teve uma actividade efectiva de promoção da venda, tanto que acaba por subscrever a fundamentação do acórdão do TRL que diz, “a venda não teve lugar, por ter sido inviabilizada pelos réus que, com fundamento na desistência/denúncia, não subscreveram o contrato-promessa e, por maioria de razão, não outorgaram a escritura […].

O mesmo se passa com os dois acórdãos invocados no último acórdão do STJ, cujos sumários são, só por si, significativos: ac. do STJ de 19/06/2019, proc. 7439/16.8T8STB.E1.S1 [IV - Concluindo-se que a autora, na sua qualidade de mediadora imobiliária, levou a cabo as diligências tendentes a alcançar a finalidade do contrato, angariando, no período de vigência do mesmo, pessoa genuinamente interessada na aquisição dos imóveis nas condições – designadamente de preço – pretendidas e aceites pela cliente, ora ré, sendo que só por razões exclusivamente imputáveis a esta, o negócio visado no dito contrato não se concretizou, tendo em consideração as cláusulas do contrato e o disposto no art. 19/2 da Lei 15/2013, de 08/02 (RJAMI), assiste o direito à remuneração acordada], e o ac. do STJ de 14/07/2016, proc. 130250/13.7YIPRT.L1.S1 […e implicando que a autora/mediadora tivesse efectivamente continuado a prestar serviços próprios da sua actividade à ré, traduzidos na publicitação, mediação e finalização das vendas dos lotes originariamente previstos no contrato celebrado por escrito, cooperando ainda [a ré] com a autora nessa sua actuação prática, trocando correspondência e facultando-lhe elementos para agilizar a negociação das ditas fracções].

Higina Orvalho Castelo refere um outro acórdão a favor da sua posição, que é o ac. do TRL de 09/10/2018, proc. 20340/16.6T8LSB.L1-7, mas também no próprio sumário do acórdão se diz que “comprovando-se que […] na vigência daquele contrato de mediação decorreram diligências tendentes à concretização da venda que veio efectivamente a ocorrer, […] a ré está obrigada a indemnizar a autora, pagando-lhe, conforme expressamente contratado, a remuneração acordada.”
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte, pela autora (que é quem perde o recurso).



Pedro Martins (relator por vencimento).
Inês Moura
Paulo Fernandes da Silva, com o seguinte voto de vencido:


Voto vencido nos seguintes termos:
Em causa está uma mediação com cláusula de exclusividade, sendo que o contrato visado com tal mediação foi celebrado na respetiva vigência e com intervenção de uma outra mediadora.
Nessa situação, partilho o entendimento de que o direito à remuneração convencionada no contrato de mediação decorre tão-só de o cliente da mediadora ter celebrado o negócio visado por intermédio de uma outra imobiliária na vigência da mediação e, pois, em violação manifesta da cláusula de exclusividade, impossibilitando de todo a realização do negócio visado com intermediação da mediadora.
Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.04.2021, processo n.º 2952/19.8T8LSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt/jstj «[e]nquanto em contratos de mediação simples a empresa não tem necessariamente uma obrigação, em contratos de mediação qualificados pela cláusula de exclusividade tem necessariamente a obrigação de diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização do negócio visado (…). Enquanto em contratos de mediação simples o cliente tem uma obrigação de remuneração em um único caso — no caso de conclusão de um contrato definitivo eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação, ou no caso de conclusão de um contrato-promessa eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação (…) —, nos contratos de mediação qualificados pela cláusula de exclusividade o cliente tem uma obrigação de remuneração da empresa em três hipóteses: em primeiro lugar, na hipótese de ter sido concluído um negócio eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade da empresa de mediação (…); em segundo lugar, na hipótese de o negócio visado só não ter sido concluído por causa imputável ao cliente e, em terceiro lugar, na hipótese de não cumprimento da obrigação de exclusividade (…)» (com negrito da autoria do subscritor).
Também o acórdão da Relação de Lisboa de 30.11.2018, processo n.º 21405/16.0T8LSB.L1-7, publicado em www.dgsi.pt/jtrl, refere que
«No caso de contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, a remuneração acordada é igualmente devida nos casos em que o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente – é o que estabelece o n.º 2 do artigo 19º RJAMI».
«Importa neste caso salientar que a aplicação desta norma implica a prova efetiva de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. A remuneração da mediadora depende, pois, aqui, quase exclusivamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso da mesma».
«Para além desta situação, uma outra faz incorrer o cliente da mediadora na obrigação do pagamento da remuneração acordada – aquela em que o cliente infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora (ou no caso de exclusividade absoluta, com interessado por si diretamente contactado)». (negrito da autoria do subscritor)
«Neste caso, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não demonstrando nexo de causalidade entre a sua atividade e o negócio celebrado. Tal não decorre do artigo 19º, n.º 2 citado, mas das regras gerais. Tratando-se de um contrato bilateral, a violação da exclusividade acordada torna a prestação da mediadora impossível por causa imputável ao cliente, não o desonerando da contraprestação, nos termos do disposto no artigo 795º, n.º 2 do Código Civil». (negrito da autoria do subscritor)
«A exigibilidade da remuneração e a eventual existência de uma cláusula de exclusividade estão intimamente ligadas: pela cláusula de exclusividade, as partes determinam que o mediador terá direito à remuneração se o contrato pretendido for celebrado durante o período de exclusividade acordado. No caso da exclusividade simples, tal acontecerá sempre que esse contrato tenha sido celebrado em consequência da atividade de outro mediador, mas já não quando resulte da atuação do próprio comitente. Na vigência de uma cláusula de exclusividade reforçada, o direito do mediador existe, qualquer que tenha sido a origem da atividade que levou à conclusão do negócio». (negrito da autoria do subscritor)
No caso vertente está em causa o incumprimento da cláusula de exclusividade e tão-só por isso a mediadora tem direito à remuneração convencionada, pois impossibilita de todo em todo a prestação da mediadora.
Como refere Higina Castelo, na revistadedireitocomercial.com, 2020-07-05, páginas 1438 e 1439, quando «está em causa um incumprimento da cláusula de exclusividade consubstanciada na celebração do contrato visado com um interessado angariado por uma mediadora concorrente (…) o cliente torna impossível a verificação da condição de que depende a remuneração da mediadora (torna impossível a celebração do contrato visado com eventual interessado a apresentar pela mediadora), pelo que, no fundo, torna impossível o bom sucesso da prestação da mediadora, pois ninguém se pode interessar verdadeiramente por comprar um imóvel que já não estará à venda».
«Neste quadro, o cliente deve pagar à mediadora exclusiva a remuneração acordada (…). Desde logo, porque se trata da solução que resulta da aplicação das regras gerais sobre o incumprimento das obrigações: nos contratos bilaterais, se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação (art. 795, n.º 2, do CC). Acresce que é também esta a solução conferida para o caso análogo do contrato de agência exclusivo: o agente tem direito à comissão por atos concluídos durante a vigência do contrato (mesmo que não os tenha promovido nem tenham sido celebrados por clientes por si angariados), se gozar de um direito de exclusividade para uma zona geográfica ou para um círculo de clientes e se os mesmos atos tiverem sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes (cfr. art. 16, n.º 2, conjugado com o n.º 1, do Regime do Contrato de Agência – DL 178/86, de 3 de julho, alterado pelo DL 118/93, de 13 de abril)».
Em consequência, atenta a factualidade apurada in casu, julgaria parcialmente procedente o presente recurso: a remuneração da A. reporta-se ao preço pelo qual foi transacionado o imóvel em causa e não ao preço indicado no contrato de mediação imobiliária, pelo que tendo o imóvel sido transacionado pelo valor de €220.000,00, o valor da remuneração da A. corresponderia a 5% daquela quantia, mais IVA, ou seja, cifrar-se-ia no montante de €11.000,00 (onze mil euros), acrescido de IVA, à taxa legal, se e nos termos em que fosse devida.