Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2131/19.4T8CSC.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
PENSÕES DE APOSENTAÇÃO
SUBSÍDIOS POR DOENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Na ação intentada contra a ex-entidade patronal (1.ª ré) do autor e o “Centro Nacional de Pensões” e o “Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social, I.P.” (identificados no proémio da PI como 2.º e 3.º réus) com vista a serem condenados solidariamente no pagamento das quantias relativas ao valor diferencial das pensões de aposentação e dos subsídios por doença a que o autor diz ter direito, não pode deixar de se constatar que, além da 1.ª ré, foi efetivamente demandado o Instituto da Segurança Social, I.P., tanto assim que até veio constituir mandatários judiciais e apresentou Contestação em que se defendeu invocando, além do mais, a falta de personalidade jurídica daqueles seus Serviços.
II - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer desta ação, em que o autor se arroga o direito a tais quantias (ainda que a título de indemnização), alegando terem sido efetuadas pela ré contribuições suplementares para a Segurança Social, após ter sido condenada, em processo laboral, a reconhecer que a retribuição mensal do autor era composta por certas parcelas e a proceder aos devidos acertos na retribuição – artigos 1.º, n.º 1, e 4.º, n.ºs 1, alíneas a), b), e f), e 2, do ETAF.
III - A entender-se que o litígio, na parte em que é demandada a ré, ex-entidade patronal, está excluído do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal por força da alínea b) do n.º 4 do art. 4.º do ETAF, continuaria a verificar-se a exceção de incompetência absoluta do Juízo Central Cível, pois então seria competente o Juízo do Trabalho – cf. artigos 117.º e 126.º da LOSJ.

SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados


I - RELATÓRIO


JOSÉ CARLOS…, Autor na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentou contra a PARQUES DE SINTRA..., o “CENTRO NACIONAL DE PENSÕES” e o “CENTRO DISTRITAL DE LISBOA DO INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P.”, interpôs o presente recurso do despacho saneador que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta e absolveu os Réus da instância.
Na Petição Inicial, apresentada em 02-07-2019, no Juízo Central Cível de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o Autor formulou o seguinte pedido:
- Que sejam a 1.ª Ré e o 2.º Réu (identificado como Centro Nacional de Pensões), de forma solidária, condenados a pagar ao Autor a quantia de 47.539,99 €, ao qual acrescem juros moratórios calculados desde a data da citação, a título de diferenças de valores de pensões, acrescendo ainda o montante diário de 66,84 € e atualizações que se vierem a quantificar, até pagamento integral dos valores peticionados;
- Que seja o 2.º Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de 10.864.55 €, valor ao qual acresce o montante diário de 6,21 € (parece existir lapso e que se pretendia indicar 6,12 €), calculados de 28-06-2019, a título de diferença do valor da pensão de invalidez, devida pelos dois anos de prestação de serviço militar, ao qual acrescem juros civis calculados desde a data de citação, até pagamento integral;
- Que sejam a 1.ª e o 3.ª Réus (identificado como Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social, I.P.) condenados solidariamente a pagar ao Autor a quantia de 166.256.62 €, correspondente à diferença devida a título de subsídio por doença, durante o período em que o Autor esteve de baixa médica entre 29-05-2006 e 18-08-2014, data em que passou a beneficiar da pensão de invalidez.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- A 1.ª Ré é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, de que são acionistas o Estado, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., o Turismo de Portugal, I.P. e o Município de Sintra;
- Para prosseguir os seus fins, a 1.ª Ré manteve com o Autor uma relação jurídica privada, enquanto entidade empregadora, desenvolvendo com ele uma relação laboral;
- Por sentença proferida em 27-02-2014 (transitada em julgado em 25-01-2016), no âmbito do proc. …54/08.0TTCSC, que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Cascais, foi a 1.ª Ré condenada a reconhecer que a retribuição mensal do ora Autor era composta por certas parcelas e a proceder aos “acertos a que haja lugar na retribuição”, pagando-lhe os montantes a liquidar correspondentes à diferença entre os valores mensais que foram pagos a partir de janeiro de 2007 e os valores devidos;
- Nessa sequência, Autor e 1.ª Ré celebraram, em 06-06-2014, um “acordo de reconhecimento de dívida e pagamento em prestações”, tendo em conta que não havia sido interposto recurso quanto a parte das decisões condenatórias, e foram efetuadas novas contribuições suplementares para a Segurança Social;
- Nesse processo veio a ser proferido, nos recursos interpostos por ambas as partes, acórdão da Relação de Lisboa, que transitou em 25-01-2016, e que compeliu a 1.ª Ré a reconhecer ao Autor a categoria profissional de Diretor e determinou a alteração (retroativa) das componentes da sua retribuição;
- O que levou à realização de novos acertos remuneratórios e à consequente celebração, em 13-09-2016, de novo acordo de regularização e pagamento de dívida e quitação global, tendo sido entregues novas contribuições suplementares para a Segurança Social;
- A alteração da carreira contributiva do Autor tem consequências diretas quer nas prestações que este auferiu a título de subsídio de doença, quer a título da pensão de invalidez, no período temporal a que se reportam as referidas decisões judiciais, pretendendo o Autor ser ressarcido pelos danos que teve emergentes do pagamento extemporâneo dos créditos laborais, já que apenas foram pagos por imposição judicial, danos estes que se consubstanciaram em diferenças devidas a título de baixas médicas e da pensão por invalidez;
- A 1.ª Ré, ao proceder ao acerto de retribuição nos termos determinados no acórdão da Relação de Lisboa, desde o ano de 2002 até à aposentação deste, o que ocorreu com efeitos a partir de 18-08-2014, procedeu a descontos para efeitos de IRS e Segurança Social, emitindo folhas de vencimento globais e sem especificação dos períodos a que se reportavam as quantias pagas, o que provocou danos patrimoniais ao Autor, nomeadamente a impossibilidade de obter a atualização da pensão de aposentação e a impossibilidade de ver reavaliadas e atualizadas as prestações de doença que auferiu na pendência do contrato de trabalho com a 1.ª Ré;
- Em 09-02-2015, na sequência da sentença proferida em 1.ª Instância e, consequentemente, na senda das primeiras contribuições suplementares, o 2.º Réu informou o Autor que: "(...) foi efectuado novo cálculo da pensão atribuída ao abrigo da legislação acima citada, dado se dispor de novos elementos relevantes. O valor da pensão por invalidez relativa, em resultado do novo cálculo é de 1625,76 Euros. (...)."
- Em 28-11-2017, após a realização de novas contribuições suplementares, o 2.º R. informou o Autor que: "(...) foi efectuado novo cálculo da pensão atribuída ao abrigo da legislação acima citada, dado se dispor de novos elementos relevantes. O valor da pensão por invalidez relativa, em resultado do novo cálculo é de 1720,63 Euros. (...)."
- O Autor comunicou a sua discordância relativamente a estes cálculos, tendo sido informado pelo 2.º Réu que poderia reclamar diretamente no Centro Distrital de Lisboa, a fim de regularizar a sua situação contributiva, acompanhado dos documentos comprovativos dos descontos efetuados;
- Em 03-03-2017, o Requerente apresentou requerimento junto do 3.º Réu, solicitando o devido acerto remuneratório de todas as baixas abrangidas pela referida decisão judicial e a devida correção na carreira contributiva correspondente;
- Em 25-09-2017, face à inércia dos 2.º e 3.º Réus, o Autor voltou a apresentar nova exposição escrita, tendo obtido, em 10-10-2017, a seguinte resposta do 3.º Réu: "Em resposta à reclamação apresentada e na sequência do processo, referente à entidade empregadora em referência, informamos que a possibilidade de reclamar sobre a omissão de descontos na Segurança Social, nos anos de 2002 a 2006, prescreveu naquela data e continua prescrito de acordo com a Lei 04/2007, de 16 de Janeiro, art.º 60. Nº 3 — Lei de Bases da Segurança Social. No entanto, o mesmo poderá eventualmente vir a ser regularizado, de acordo com o artigo 254º que tem por base, o pagamento voluntário de prestações prescritas";
- Não obstante as insistências, inclusivamente por notificação avulsa, o Autor continua sem obter resposta satisfatória, por parte do 2.º Réu, no que concerne à contabilização do valor da Reforma por Invalidez, considerando os acertos remuneratórios, e, por parte do 3.º Réu, no que respeita aos acertos das baixas médicas;
- Somente por missiva datada de 03-01-2018, rececionada pelo Autor em 16-01-2018, veio o 3.º Réu informar que "(...) foi efectuado novo cálculo da pensão atribuída (...), dado dispor-se de novos elementos relevantes";
- O Autor não se conforma com essa posição, pois, no que respeita às remunerações, os valores utilizados pelo Centro Nacional de Pensões para o (re)cálculo da pensão não estão corretos, face ao decidido pelo acórdão da Relação de Lisboa, por força do qual a remuneração de referência passou a ser de 4.630,28 €, pelo que a pensão devida, nos termos do art. 33.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, ascende ao valor de 2.014,77 €;
-No período de tempo compreendido entre 18-08-2014 e 01-01-2018, o Autor recebeu, a título de pensão, o valor global de 84.895,14 €, ao qual se deverá deduzir o valor de 1.067,99 €, adiantados pelo 3.º Réu a título de baixa, o que perfaz o montante de 82.347,70 €;
- Caso a pensão tivesse sido corretamente calculada (em 2.014,77€), o valor que deveria ter sido pago ao Autor, nesse período de tempo, seria de 94.744,41 €, pelo que o Autor ficou prejudicado, a título de pensões, no valor diário de 66,84 €, que, nesse lapso de tempo ascende ao montante total de 12.396,71 € e, até  ao dia 28-06-2019 perfaz o valor total de 47.539,99 €, quantia cujo pagamento o Autor reclama da 1.ª Ré e do 2.º Réu, de forma solidária, ao qual acrescem juros moratórios desde a data da citação, a título de diferenças de pensões, bem como o montante diário de 66,84 € e atualizações que se vierem a quantificar, até pagamento integral dos valores peticionados;
- Por outro lado, para o cálculo da pensão de invalidez, designadamente para a obtenção da Taxa de Formação, não foi considerado pelo 2.º Réu o período de 2 anos em que o Autor esteve a prestar serviço militar, apesar do requerido em 02-03-2017; de facto, o período contributivo determinante para o cálculo da pensão, ao invés de ser contabilizado em 26 anos, é de 28 anos; logo, a pensão devida, ao abrigo do art. 33.º do DL n.º 187/2007, tem o valor de 2.175,14 €;
- Como no período compreendido entre 18-08-2014 e 01-01-2018, o Autor teria direito a receber o montante de 102.285,80 €, ficou prejudicado no valor total de 7.541,39 € (considerando o valor diário de 6,12 € durante esse período), pelo que reclama do 2.º Réu o pagamento dessa importância, acrescida de 3.323,16 €, e ainda da quantia diária de 6,12 €, calculada desde 28-06-2019, a título de diferença do valor de pensão, até pagamento integral, valores estes a que acrescem juros, calculados desde a data da citação, até pagamento integral;
- Por fim, o Autor reclama (da 1.ª Ré e do 3.ª Réu) os acertos correspondentes aos valores pagos a título de subsídio de doença após 29-05-2006, visto que as contribuições incidentes sobre as diferenças salariais, foram regularizadas pela entidade empregadora, ora 1.ª Ré, mas as diferenças relativas aos subsídios de doença pagos e aqueles a que tem direito, resultantes dos aumentos salariais, não o foram;
- O Autor devia ter recebido durante o período de baixa o subsídio calculado em função da remuneração judicialmente fixada de 4.630,28 € (Salário base = 3.167,92 € + Subsídio de isenção de horário de trabalho = 791,98 € + despesas representação = 670,38 €), sendo o montante diário do subsídio calculado pela aplicação de uma percentagem à remuneração de referência do beneficiário, variando esta percentagem em função da duração da doença, nos termos do disposto no art. 16.º do Regime Jurídico de Proteção na Doença, aprovado pelo DL n.º 28/2004, de 04-02 de fevereiro (com as alterações introduzidas por vários diplomas legais, a saber DL n.º 146/2005, de 26-08, DL n.º 302/2009, de 22-10, Lei n.º 28/2011, de 16-06, DL n.º 133/2012, de 27-06, e DL n.º 53/2018, de 02-07);
- No período compreendido entre 29-05-2006 e 14-07-2007, o Autor esteve 411 dias de baixa médica; no período compreendido entre 19-10-2007 e 30-09-2010, esteve 1077 dias de baixa médica; no período de tempo compreendido entre 18-06-2011 e 24-04-2013, esteve 676 dias de baixa médica; e no período de tempo compreendido entre 20-06-2013 e 25-11-2014, esteve 523 dias de baixa médica;
- Considerando os valores judicialmente determinados, o Autor teria direito a receber o valor mensal de 3.472,71 €, a título de subsídio por doença, no total de 311.039,06 € durante todo o período em que se encontrou de baixa médica; como apenas recebeu a quantia de 144.782,44 €, tem direito ao valor diferencial de 166.256,62 € cujo pagamento o Autor reclama da 1.ª Ré e do 3.º Réu, solidariamente, acrescido de juros moratórios desde o último dia de baixa, ocorrido a 18-08-2014, data em que passou a beneficiar da pensão por invalidez;
- Encontram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil delitual pela 1.ª Ré e pelos 2.º e 3.º Réus, já que o 2.º Réu recebeu da 1.ª Ré o pagamento das prestações complementares efetuadas retroativamente, em resultado dos acertos remuneratórios efetuados, por ordem judicial, mas não aplicou, proporcionalmente, esses recebimentos, a favor do ora Autor, nas prestações sociais a que este tem direito; a atuação dos 2.ºs e 3.º Réus, contraria os princípios subjacentes ao Sistema da Segurança Social e as regras técnicas e de prudência comuns no relacionamento com os particulares.
Em 23-09-2019, o Instituto da Segurança Social, I.P. veio requerer a prorrogação do prazo para apresentar a sua contestação, juntando duas procurações (na primeira consta designadamente que O Instituto da Segurança, I.P. pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), neste ato representado por (…), Diretora de Segurança Social do Centro Distrital de Lisboa, no uso dos poderes que lhe foram delegados pelo Despacho (…) constitui seus bastantes procuradores forenses (…)”; na segunda procuração consta “(…), Director de Segurança Social do Centro Nacional de Pensões – Instituto de Segurança Social, I.P. (…) constitui bastantes procuradores do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, no âmbito da actuação do CENTRO NACIONAL DE PENSÕES, os advogados (…)”.
Os Réus vieram contestar, invocando, além do mais (incluindo a defesa por impugnação motivada) e no que ora importa, a exceção dilatória da incompetência absoluta, em razão da matéria.
Assim, a Ré Parques de Sintra – Monte da Lua, S.A. defendeu, na sua Contestação, apresentada em 23-09-2019, que:
- O Autor confessa que a Ré cumpriu pontualmente as decisões judiciais e os acordos celebrados, e alega que, tendo a 1.ª Ré feito todas as contribuições correspondentes aos acertos remuneratórios que resultaram do decidido judicialmente nos autos com o n.º …54/08.0TTCSC do Tribunal do Trabalho de Cascais, lhe são devidas prestações sociais - em suma, diferenças de pensões e de subsídios de doença, além do acréscimo pela contabilização dos anos de serviço militar no cálculo da pensão -, pretendendo a condenação no pagamento das mesmas (resultantes desses acertos remuneratórios e das contribuições correspondentes);
- Logo, o seu direito não se funda em qualquer relação jurídico-privada (muito menos, estabelecida com a ora 1.ª Ré), mas tem origem na relação jurídica contributiva, isto é, na relação de natureza obrigacional que liga ao sistema previdencial o trabalhador e a respetiva entidade empregadora, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), ou seja, numa relação jurídica administrativa, cabendo, assim, à jurisdição administrativa e fiscal a competência para apreciar os pedidos formulados pelo Autor, face ao disposto nos artigos 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16-01, e 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF;
- Ainda que tal não se entenda, a existir uma conexão entre os pedidos do Autor e um fundamento diferente da relação jurídica contributiva, essa conexão será a relação laboral com a 1.ª Ré que cessou em 18-08-2014, por aposentação do Autor, sendo então os Juízos do Trabalho os competentes para apreciar a pretensão do Autor, nos termos do art. 126.º, n.º 1, alíneas i) ou n) da LOSJ.
O Instituto da Segurança Social, I.P. (que, como melhor se explicará adiante se trata, na verdade, do outro único Réu), na sua Contestação, apresentada em 11-10-2019, invocou, como questão prévia, que o Centro Nacional de Pensões é um serviço pertencente ao Instituto da Segurança Social, I.P., não possuindo personalidade jurídica, e que o Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social é um serviço desconcertado (logicamente sem personalidade jurídica) da pessoa coletiva Instituto da Segurança Social, I.P., pelo que “É apenas o Instituto da Segurança Social, I.P., que tem legitimidade para intervir nos presentes autos como R., o que desde já se argui para todos os devidos e legais e efeitos.” Suscitou, de seguida, na parte dedicada à defesa por exceção, a incompetência absoluta em razão da matéria, alegando, em síntese, que:
- “aquilo que o Autor pretende é que o Réu-Instituto da Segurança Social, I.P. seja condenado à prática dos atos administrativos conducentes à reformulação do pagamento das prestações de subsídio de doença e de invalidez”;
- Logo, são os Tribunais administrativos os competentes para dirimir o litígio, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 64.º do CPC, 212.º, n.º 3 da CRP e 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF.
Em 23-09-2020, foi proferido despacho determinando a notificação do Autor para se pronunciar por escrito sobre a arguida exceção da incompetência absoluta do tribunal.
O Autor veio responder (como, aliás, já havia defendido nos artigos 1.º a 47.º da Petição Inicial, inteiramente dedicados a esta questão) que:
- Não obstante a 1.ª Ré ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, teve com o Autor uma relação laboral, ou seja, uma relação jurídica privada;
- Na presente ação não estão em causa créditos laborais, os quais já foram resolvidos judicialmente com a prolação da sentença proferida no âmbito do processo n.º ..54/08.0TTCSC;
- O direito de crédito do Autor não tem por fundamento direto e imediato a relação laboral que existiu entre as partes, mas a celebração do acordo de reconhecimento de dívida e pagamento a prestações, e os danos que emergiram do cumprimento extemporâneo do contrato de trabalho, em consequência das diferenças remuneratórias junto da Segurança Social;
- Deste modo, aferindo-se a competência material em face da natureza da relação jurídica material em litígio tal como a apresenta o Autor, a questão que se irá discutir na ação é uma questão de direito privado.
De seguida, em 12-10-2020, foi ainda determinada a notificação do Autor para se pronunciar sobre a exceção dilatória da falta de personalidade judiciária (invocada, embora não expressamente identificada como exceção), o que este fez, mediante requerimento apresentado em 23-10-2020, no qual defendeu a improcedência da exceção ou, caso assim não se entenda, que “seja a alegada ilegitimidade sanada pelo chamamento à demanda do interessado” (Instituto da Segurança Social, I.P.).
Após, em 25-11-2020, foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido o despacho saneador (recorrido), cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, declaro este tribunal materialmente incompetente para conhecer da presente acção e, em consequência, absolvo as RR. da instância.
Custas a cargo da A., nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
Inconformado com esta decisão, veio o Autor interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
I. - O presente recurso, vem interposto do Despacho Saneador, mediante o qual, o Tribunal a quo, julgou-se materialmente incompetente, para julgar e decidir a acção intentada pelo ora Apelante, contra os ora Apelados, quanto a todos os pedidos por este deduzidos;
II. - Entendendo que, para apreciar a pretensão deduzida contra a 1.ª Apelada, é competente o Juízo do Trabalho, e quanto á pretensão deduzida pelo Apelante contra os 2.º e 3.º Apelados, entendeu estar em causa uma relação de natureza administrativa. Ora,
III. - Salvo o devido respeito que, não deixa de ser muito, jamais podemos anuir. Senão vejamos,
IV. - A competência do tribunal, como pressuposto processual, afere-se pelo pedido e respectivo fundamentos, nos termos em que são configurados pelo autor.
V. - Tem-se entendido que a competência dos Tribunais do Trabalho está directamente dependente do exercício de um direito derivado de uma relação laboral ou conexa com essa relação.
VI. - Tem-se igualmente entendido que os Tribunais de Trabalho não têm competência para conhecer dos litígios respeitantes a relações que surjam entre as partes, após a extinção da relação de trabalho subordinado, ainda que essa possa ter sido a causa indirecta e remota daquelas.
VII. - Como claramente resulta da petição inicial formulada pelo Apelante, este estrutura a causa de pedir, não na existência de uma relação contratual de trabalho, uma vez que, não tem por fundamento, directo e imediato, a relação laboral que existira entre as partes; MAS,
VIII. - Antes, numa outra relação jurídica, mais propriamente a relação jurídica contratual que nasceu com a celebração do acordo, entre as partes, de reconhecimento de dívida e pagamento em prestações.
IX. - Na realidade, nos presentes autos, não estão em causa créditos laborais, os quais já foram resolvidos judicialmente, mediante Sentença proferida no âmbito do proc. …54/08.0TTCSC, que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Cascais.
X. - Nos presentes autos, o que o Apelante vem peticionar são os danos provocados na sua esfera jurídica, emergentes do pagamento extemporâneo dos créditos laborais os quais apenas foram pagos por imposição judicial; Ou seja,
XI. - Danos causados pelo cumprimento tardio daquilo a que o Apelante tinha direito e pela forma como foi efectuado.
XII. - O Apelante ao exigir o pagamento daquela concreta compensação, fundamenta-se não no contrato de trabalho, mas antes no acordo celebrado posteriormente e nos danos que emergiram do seu cumprimento extemporâneo (a este propósito, veja-se, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/02/2007, Proc. N.º 9972/2006 – 4, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador José Feteira, segundo o qual: “A autonomização da competência dos tribunais do trabalho deriva das especificidades sociais das relações jurídico-laborais e não da especificidade do seu regime jurídico. Por isso, cabe ao tribunal comum e não ao Tribunal do Trabalho decidir as questões que surjam entre um trabalhador e a entidade patronal depois da extinção da relação laboral e que não entronquem nesta.” (negritos nossos)).
XIII. - Deste modo, a competência material para a acção, afere-se em face da natureza da relação jurídica material, em litígio, tal como a apresenta o Autor da demanda; sendo que,
XIV. - A questão que se irá discutir na acção que se intentou, configurada como uma acção declarativa de condenação, é uma questão de direito privado, consistindo em condenar os Apelados, a ressarcir o Apelante, mediante o pagamento de prestações erroneamente calculadas, pressupondo a violação dos seus direitos.
XV. - In casu, a apreciação do regime da responsabilidade civil extracontratual, não exige qualquer especialização técnica por parte do Tribunal, nem pode significar que a justiça final é mais ou menos boa conforme o tribunal que dirimir a causa.
XVI. - O caso dos autos está deslocado da conflitualidade sócio-jus-laboral, inexistindo razões legais de direito positivo ou ponderosas para fazer intervir no processamento e julgamento, os tribunais especializados do Trabalho.
XVII. - Não estamos perante uma questão emergente de relações de trabalho subordinado.
XVIII. - Ora, em face da estrutura desta petição inicial, quando conjugada com as regras da competência legalmente estabelecidas e a que já fizemos anterior alusão, parece não restarem grandes dúvidas que, para a apreciação do litígio existente entre as partes e que constitui o objeto dos autos principais, se mostra competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais – Juízos Cíveis, mormente o Tribunal a quo.
XIX. - Acresce que, através da presente acção, o Apelante pretende obter dos Apelados, o pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais emergentes das diferenças de cálculo quanto à reforma por invalidez, da falta de acertos, correspondentes ao subsídio de doença e da falta de contabilização dos anos de serviço militar para o cálculo da pensão.
XX. - Os prejuízos que o Apelante pretende fazer valer, não decorrem directamente da sua relação estabelecida com os Apelados, mas, decorrem, antes, da decisão judicial proferida no âmbito do Proc. n.º …54/08.0TTCSC, que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Cascais; e, portanto,
XXI. - Decorrem de decisão judicial proferida pelos tribunais comuns sendo, por isso, competentes os tribunais da jurisdição comum.
XXII. - Deste modo, a competência material para a acção, afere-se em fase da natureza da relação jurídica material, em litígio, tal como a apresenta o Autor da demanda; sendo que,
XXIII. - A questão que se irá discutir na acção, que agora se intenta, configurada como uma acção declarativa de condenação, é uma questão de direito privado, consistindo em condenar as RR. a ressarcir o A., mediante o pagamento de prestações erroneamente calculadas, pressupondo a violação dos seus direitos.
XXIV. - E sendo o próprio autor que configura a acção intentada como sendo uma acção de condenação, sendo a competência para a mesma da jurisdição comum, nos termos dos arts. 211.º, n.º 1 da CRP e 64.º do CPC, já que não existe qualquer norma especial que a subtraia no âmbito dessa jurisdição, designadamente no ETAF.
XXV. - Poderia eventualmente, colocar-se um problema ligado ao direito público, se o Apelante se socorresse de regras de direito administrativo para titular e legitimar a sua pretensão, o que não é o caso.
XXVI. - Assim sendo, a competência material para decidir a acção, nos termos em que foi proposta pelo Apelante, pertence aos tribunais comuns; pois,
XXVII. - Como já referimos, o que se discute na acção intentada, configurada como uma acção de condenação, é uma questão de direito privado.
XXVIII. - Pelo exposto, é competente para decidir da matéria dos presentes autos o tribunal comum.
XXIX. - Importa ainda referir que, o Apelante na configuração que efectuou da acção, mais concretamente no pedido, efectuou pedidos de condenação solidária, pelo que, a remessa da presente acção para dois tribunais distintos, porque alegadamente competentes, poderá vir a originar uma excepção de litispendência, ofensa de caso julgado e, quiçá, sentenças diferentes entre si, senão mesmo contraditórias.
XXX. - Em suma, atento o supra exposto, e salvo o devido respeito, por opinião em contrário, deverá considerar-se o Tribunal a quo como competente, em função da matéria, para dirimir o presente litígio, não ocorrendo qualquer exceção dilatória de incompetência que obste ao normal prosseguimento dos autos, ao contrário do entendido na douta sentença, ora em crise, o que aqui vai defendido, com as demais consequências legais, e que implica a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outro, que considere o tribunal em causa, como competente para a presente acção.
O Autor-Apelante termina, pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que considere o Tribunal a quo competente para discutir e apreciar o presente litígio.
Foi apresentada alegação de resposta pela 1.ª Ré em que defendeu que se devia manter a decisão recorrida, concluindo designadamente que:
(…) B. Neste processo, o Recorrente veio pedir a condenação sob a forma solidária da Recorrida e demais Réus, no ressarcimento de eventuais danos que se consubstanciaram em alegadas diferenças devidas a título de prestações de incapacidade temporária médicas (subsídio de doença), da pensão por invalidez e pensão de velhice.
C. O Recorrente pretende, com os presentes autos, a condenação no pagamento de um conjunto de prestações sociais, pelo que, entende-se que o seu direito não se funda em qualquer relação jurídico-privada, mas sim, tem origem na relação jurídica contributiva, isto é, na relação de natureza obrigacional que liga ao sistema previdencial o trabalhador e a respetiva entidade empregadora, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS).
D. Os alegados direitos de crédito prestacional do Recorrente (enquanto direitos a prestações de segurança social) derivam da relação jurídica contributiva e prestacional, estabelecida entre o Recorrente e o sistema de previdência social, pelo que, o Recorrente funda o seu pedido numa relação jurídica administrativa, nos termos conjugados dos 10.º, 28.º do CRCSPSS, pretendendo uma alteração de atos administrativos d  competência administrativa de um instituto público, nos termos dos artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30 de março.
E. Nos termos do disposto no artigo 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro e nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, «Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais.» Nesse sentido, já se pronunciou o Tribunal de Conflitos, no Acórdão de 21-01-2015, no Proc. n.º 019/14, Relator Santos Cabral, disponível em www.dgsi.pt, (assim como no Ac. n.º 2/04, de 27.10.2004).
F. Dessa forma, todos os pedidos de condenação solidária formulados pelo Recorrente contra os Réus, inserem-se na competência material da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do disposto no artigo 64.º e 96.º, al. a) do CPC, pelo que foi legal a sentença que absolveu os Réus da instância.
G. Também não assiste razão ao Recorrente, quando sustenta que a competência material recaia nos tribunais comuns, designadamente, nos juízos centrais cíveis, baseando-se tal competência nos acordos de cumprimento da obrigação emergente das decisões proferidas pela jurisdição laboral.
H. Se a competência material não fosse da jurisdição administrativa, como se entende que é o caso, nesse caso, a conexão entre os pedidos e fundamentos alegados pelo Recorrente seriam a relação laboral com a Recorrida.
I. Verificando-se uma conexão com a relação laboral, também não seria o Tribunal a quo, o Tribunal o competente para conhecer dos pedidos formulados pelo Recorrente, nos termos do disposto no artigo 126.º, n.º 1, al. i) ou n) da Lei do Sistema de Organização Judiciária, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
J. Pelo que, também por este fundamento, não merece censura a Sentença que se declarou incompetente em razão da matéria para apreciação dos pedidos do Recorrente, absolvendo as RR. da instância, nos termos do disposto no artigo 99.º, n.º 1 do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações pelos “2.º e 3.º Réus”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Assim, em face do conteúdo da alegação recursória do Autor, a única questão a decidir é a de saber se a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, devia ter sido julgada improcedente.

No despacho saneador recorrido, fundamentou-se a decisão de procedência da exceção dilatória de incompetência absoluta, tecendo designadamente as seguintes considerações:
«Para aferir da competência em razão da matéria há que atender à natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, ou seja, confrontando o pedido e a causa de pedir, já que a competência não depende nem da legitimidade das partes nem da procedência da acção (cfr. Ac. Tribunal de Conflitos de 20.10.2011, P.013/11, in www.dgsi.pt).
No presente caso, o A. intentou a presente acção contra Parques de Sintra…, Centro Nacional de Pensões e Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social, I.P. peticionando a sua condenação nos seguintes termos:
(…) Estabelece o artigo 64.º do Código de Processo Civil que São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Trata-se do princípio da competência residual, nos termos do qual são da competência dos Tribunais Judiciais as causas não legalmente atribuídas aos Tribunais de outra ordem jurisdicional.
Deste modo, atentemos nas normas que delimitam a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Numa primeira análise, refira-se que a Constituição da República Portuguesa estatui que Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (artigo 211.º n.º 1) e que Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 212.º n.º 3).
Por seu turno, nos termos do n º 1 do artigo 1.º do ETAF Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto (…).
Este é o princípio basilar que, em concatenação com as demais normas processuais e de organização do sistema judiciário, permite delimitar a competência material de cada uma das jurisdições.
Assim, a atribuição de competência à jurisdição administrativa centra-se actualmente no conceito de relação jurídica administrativa e de função administrativa.
No entendimento de Vieira de Andrade (in A Justiça Administrativa, Lições, 2000, p. 79, citado no Ac. Tribunal de Conflitos de 13.02.2014, P. 041/13, in www.dgsi.pt) relação jurídico-administrativa é “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.
Do mesmo modo, citando o referido Ac. os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 815.), “a qualificação como relações jurídicas administrativas ou fiscais “transporta duas dimensões caracterizadoras: as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre «relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
Daqui resulta que continuam excluídas, em regra, as relações de puro direito privado nas quais a Administração é parte, ou seja, aquelas em que a Administração intervém enquanto privado, como sejam “(...) as actividades funcionalmente administrativas quando ou na medida em que se desenvolvam exclusivamente através de instrumentos jurídicos privatísticos (subvenções, fornecimentos de bens e de serviços, gestão de estabelecimentos públicos, intervenções no mercado).”
Por assim ser, entende-se que continua a ser necessário o julgador ater-se à distinção entre o direito público e o direito privado para efeitos de atribuição da competência jurisdicional em razão da matéria.
No presente caso, resulta claro face aos pedidos e à causa de pedir, que a 1.ª R. é accionada por força de uma relação jurídica de Direito Privado, em concreto em consequência da relação laboral existente entre as partes, não sendo lhe sendo imputada qualquer actuação a título de ius imperii.
Deste modo, conclui-se que que são competentes os tribunais comuns para o conhecimento da pretensão do A. contra a 1.ª R.
Vejamos agora se são os juízos centrais cíveis competentes para apreciar a pretensão do A. deduzida contra a primeira R.
Estabelece o artigo 117.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ que
1 - Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei.
(…) Por seu turno, estabelece o artigo 126.º, n.º 1, al. b) da LSOJ que Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.
No presente caso, fundamenta o A. a competência do Juízo Cível na circunstância do seu direito se fundar no incumprimento do acordo de pagamento celebrado entre as partes e não no litígio que ficou definitivamente resolvido no âmbito do processo n.º …54/08.0TTCSC, do Tribunal do Trabalho de Cascais.
Sucede, porém, que analisado o teor do aludido acordo, constata-se que o mesmo foi firmado na decorrência da decisão definitiva no aludido processo, sendo expressamente convencionado entre as partes na sua cláusula primeira que, pelo mesmo, estabeleciam um acordo de pagamento da dívida objecto da decisão proferida naqueles autos.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, não vislumbra o Tribunal como é que a questão submetida presentemente à apreciação não consubstancia uma questão emergente da relação de trabalho que vigorou entre as partes.
Pelo contrário, o teor do aludido acordo de pagamento a prestações e reconhecimento de dívida emerge unicamente da relação laboral que existiu entre as partes, não tendo qualquer outro fundamento na sua génese.
Por assim ser, cremos que a competência para apreciar a pretensão deduzida contra a primeira R. não é da competência deste Juízo Central Cível, encontrando-se, ao invés, acometida ao Juízo do Trabalho, pelo que resta senão concluir pela incompetência material deste tribunal.
Já no que concerne às restantes RR., entendemos que, considerando os pedidos e a causa de pedir, está em causa o vínculo do A. ao sistema previdencial, por via do qual o mesmo adquire o direito à protecção social na eventualidade de doença, parentalidade, desemprego, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte, nos termos previstos nos artigos 10.º e 28.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, cuja prossecução se encontra estabelecido a cargo do Instituto da Segurança Social, IP, nos termos do artigo 3.º do DL n.º 83/2012, de 30 de Março, este um instituto público de regime especial, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, do qual fazem as RR. parte nos termos do artigo 2.º do citado diploma legal.
Ora, quanto à relação do A. com estas RR. estamos indiscutivelmente perante uma relação de natureza administrativa, porquanto as RR. fazem parte integrante de uma entidade pública, cuja actuação é a de realizar o interesse público da protecção social do sistema de previdência. Actuam, portando, dotadas de ius imperii.
Assim sendo, não são os tribunais comuns materialmente competentes para apreciar a pretensão do A. deduzida contra as RR. Centro Distrital de Lisboa do Instituto da Segurança Social e o Centro Nacional de Pensões.
Nos termos do artigo 96.º, al. a) do Código de Processo Civil, a incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, sendo de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 578.º e 97, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Ainda, a incompetência absoluta em razão da matéria é uma excepção dilatória nominada cuja verificação determina a absolvição do réu da instância ou o indeferimento liminar - artigos 91.º, n.º 3, 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil).
Importa, por isso, declarar verificada a excepção e, consequentemente, julgar este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecimento de todos os pedidos deduzidos pelo A.».
Apreciando.
A competência constitui, como é consabido, um pressuposto processual relativo ao Tribunal, a apreciar em função dos termos em que a ação foi posta e a determinar pela forma como o autor estrutura o pedido e a respetiva causa de pedir (sendo esta, grosso modo, o conjunto dos factos juridicamente relevantes de que emerge o direito invocado pelo autor). Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STA de 27-02-2003 - proc. 0285/03 - e o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 05-05-2004 - proc. 0374 -, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
De referir que, salvo nos casos especialmente previstos na lei, a competência se fixa no momento em que a ação é proposta - cf. art. 38.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ) -, o que releva, além do mais, no sentido da aplicação ao caso dos preceitos legais na redação então em vigor.
Encontrando-se o poder jurisdicional dividido por várias “espécies” de tribunais segundo a natureza da matéria das causas, a competência em razão da matéria distribui-se por “categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas” (Antunes Varela, Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 207).
Dentro da organização judiciária, os tribunais judiciais gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, designadamente os da jurisdição administrativa e fiscal, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas. É o que resulta do art. 40.º, n.º 1 da referida LOSJ, do art. 64.º do Código de Processo Civil e do art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, normativos que consagram a regra da competência residual dos tribunais judiciais/comuns: a competência destes tribunais só se verifica quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal.
De entre os tribunais ditos “especiais” destacam-se precisamente os da jurisdição administrativa e fiscal, que são“(…) os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.” - art. 1.º, n.º 1, do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, na versão do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10 (anterior à Lei n.º 114/2019, de 12-09), em vigor à data da propositura da presente ação.
Assim, a “pedra de toque” para efeitos de determinação da competência material dos tribunais administrativos há muito que não reside na dicotomia “atos de gestão pública/atos de gestão privada”, mas sim no próprio critério constitucional plasmado no art. 212.º, n.º 3, da Lei Fundamental, ou seja, compete aos tribunais dessa jurisdição especial o julgamento de ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das denominadas relações jurídicas administrativas e fiscais (exemplificativamente, veja-se o acórdão do STJ de 20-10-2005, no processo n.º 05B2224, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Nesta linha se inserem as previsões das alíneas a) e o) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na versão do referido Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10, nos termos das quais compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; e o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores. Daqui resulta que incumbe, em princípio, à jurisdição administrativa e fiscal o julgamento de quaisquer ações que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais, ou seja, todos os litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada, com exceção dos que o legislador ordinário expressamente atribua a outra jurisdição.
Veja-se, a propósito, Ana Fernanda Neves, “Âmbito de jurisdição e outras alterações ao ETAF”, Revista Eletrónica de Direito Público, Vol. 1, n.º 2, junho 2014, disponível em www.e-publica.pt. Neste artigo, é feita uma análise da exposição de motivos do projeto de Proposta de Lei de revisão do CPTA e do ETAF (cf. Proposta de Lei n.º 331/XII), que veio a culminar na Lei n.º 100/2015, de 19-08, de autorização legislativa do referido Decreto-Lei n.º 214-G/2015.
Conforme se resume nas conclusões constantes deste artigo:
«1. As alterações propostas no projeto de revisão do ETAF vão no sentido de tornar mais clara a delimitação dos litígios cuja apreciação cabe aos tribunais administrativos; e de fazer coincidir o âmbito da jurisdição administrativa com o das controvérsias jurídico-administrativas.
2. O projeto de revisão do ETAF recupera para a jurisdição administrativa litígios jurídico-administrativos cometidos a outras ordens jurisdicionais e, através de disposição residual, chama a si o julgamento de outras “relações jurídicas administrativas” que não estejam já mencionadas pelo enunciado das suas alíneas.»
Explica a autora, nesse artigo, que «A exposição de motivos do projeto de proposta de lei de revisão do CPTA e do ETAF, no que se refere às alterações introduzidas neste, destaca como “a inovação mais significativa” a relativa à “definição do âmbito da jurisdição administrativa, mais concretamente, no que diz respeito ao seu artigo 4.º” e à relação deste com o artigo 1.º. O artigo 1.º, n.º 1, do ETAF perde o seu carácter de cláusula geral, ao remeter apenas para os “litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º”
Procura-se tornar mais abrangente, clara e, por isso, eficaz a delimitação pelo legislador ordinário da esfera de competências dos tribunais administrativos, por referência ao critério constitucional da “relação jurídica administrativa”.
(…) A modificação na “definição do âmbito da jurisdição administrativa” respeita à concentração desta delimitação no artigo 4.º do ETAF. Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal julgam os litígios previstos no artigo 4.º do ETAF.
A alteração é explicada com a intenção de clarificação dos “termos da relação que se estabelece entre o artigo 1.º e o artigo 4.º, no que respeita à determinação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal” e a intenção de “fazer corresponder o âmbito da jurisdição aos litígios de natureza administrativa e fiscal que por ela devem ser abrangidos”.
O artigo 4.º é significativamente alterado. É nele suprimido o advérbio “nomeadamente”, mas o elenco do n.º 1 contínua a ser um elenco aberto, pois a sua alínea q) [veio a ser a referida alínea o)] convoca, em geral, as “relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores". A norma da alínea q) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF assume-se como uma norma residual, omnicompreensiva dos litígios jurídico-administrativos não enunciados no mesmo n.º 1 do artigo 4.º».
De referir ainda, por outro lado, desde já se antecipando a sua relevância para o caso dos autos, as previsões das alíneas a) e f) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, nos termos das quais compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional [isto sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo, que não releva para o caso].
Importa ter presente que são pessoas coletivas de direito público, entre outras, os institutos públicos, e que o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS) é precisamente um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio – cf. art. 5.º, n.º 1, al. a), e 14.º do Decreto-Lei n.º 167-C/2013, de 31 de dezembro (que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social). Até à entrada em vigor dos diplomas orgânicos pelos quais se procede à reestruturação dos serviços e organismos do MSESS os serviços e organismos do MSESS continuam a reger-se pelas disposições normativas que lhes são aplicáveis. De entre esses Serviços (portanto, sem personalidade jurídica e judiciária à luz do disposto no art. 11.º do CPC – conforme foi, aliás, invocado nas Contestações), avultam, no que ora importa, o Centro Nacional de Pensões (CNP), que é o serviço do Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS), de âmbito nacional, responsável pela gestão das prestações diferidas do Sistema de Segurança Social e de outras que com elas se relacionem ou sejam determinadas pelo mesmo facto – cf. artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 83/2012, de 30-03 (Lei Orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P., abreviadamente designado por ISS, I.P.), e artigos 1.º e 20.º da Portaria n.º 135/2012, de 8 de maio (que aprovou os Estatutos do Instituto da Segurança Social, I.P.); e os Centros Distritais (incluindo o Centro Distrital de Lisboa), que são os serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS) responsáveis, ao nível de cada um dos distritos, pela execução das medidas necessárias ao desenvolvimento e gestão das prestações, das contribuições e da ação social – cf. artigos 1.º e 2.º do referido Decreto-Lei n.º 83/2012, e artigos 1.º e 17.º da referida Portaria (esta informação encontra-se resumida online no sítio http://www.seg-social.pt/). Em face destes normativos, desde já cumpre esclarecer que o Instituto da Segurança Social, I.P. é, bem vistas as coisas, além da 1.ª Ré, o outro único Réu, tanto assim que até veio constituir mandatários judiciais e apresentou Contestação em que se defendeu invocando precisamente, além do mais, a falta de personalidade jurídica daqueles seus Serviços.
Numa situação com elementos de contacto com a que nos ocupa, o STA, no acórdão de 28-02-2018, proferido no processo n.º 0907/17, disponível em www.dgsi.pt, dirimiu o conflito negativo de competência entre o Tribunal Administrativo do Porto e o Tribunal Tributário do Porto, tendo considerado que compete aos tribunais tributários conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra o Instituto da Segurança Social, I.P. na qual pede que seja reconhecido que exerceu atividade remunerada e que foram entregues, à Segurança Social, os descontos efetuados na retribuição do autor e que, caso assim não se decida, seja condenado o réu a receber do autor as contribuições devidas, ainda que prescritas. Nesse acórdão, depois de citar dois outros acórdãos do STA, refere-se designadamente o seguinte (apesar de extensa, fazemos esta citação pela sua utilidade no enquadramento jurídico da pretensão do autor; sublinhado nosso): “A jurisprudência, designadamente do Tribunal de Conflitos, tem vindo a considerar que os tribunais tributários são competentes para conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação desta a proceder aos pagamentos contributivos considerados em falta.
É que (i) a relação jurídica contributiva onde se inscreve o litígio submetido ao julgamento do tribunal é distinta da relação de trabalho subjacente ou de qualquer relação conexa com a relação de trabalho e (ii) a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico, sendo perante a Segurança Social que deve cumprir a sua obrigação contributiva.
(…) No que concerne à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter em atenção os preceitos aplicáveis do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (…), que, dando concretização ao referido art. 212.º da CRP, dispõe, logo no n.º 1 do seu art. 1.º, que «[o]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
Também o artigo 4.º do ETAF, dispondo sobre o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais estatui que lhes compete a apreciação de litígios que tenham por objeto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal (n.º 1, alínea a) e b)), ou que tenham por objeto “relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores” (nº 1, alínea o).
Simultaneamente exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, entre outras matérias, a «apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público» (n.º 4, alínea b)).
Mais especificamente, em relação à competência dos tribunais tributários, o art. 49.º do ETAF insere, no vasto elenco das matérias abrangidas, o conhecimento «[d]as ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal» (n.º 1, alínea c)).
O que, em princípio, releva para a apreciação da competência em razão da matéria são os termos em que a ação é proposta, o modo como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos.
O pedido referido insere-se no âmbito da relação jurídica contributiva e visa assegurar o cumprimento, pela entidade empregadora, da respetiva obrigação contributiva, que as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social têm vindo a estabelecer. Com efeito, quer a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto (art. 24.º), quer a Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (arts. 60.º e 62.º), quer a Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (arts. 45.º e 47.º, n.º 1), quer finalmente a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (arts. 56.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1) impõem a obrigação de contribuição para os regimes de Segurança Social aos beneficiários e, no caso de exercício de atividade profissional subordinada, às respetivas entidades empregadoras, estabelecendo mesmo a responsabilidade destas pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, pelo que devem, para o efeito, proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes, e fazer o respetivo pagamento juntamente com a contribuição própria.
A obrigação contributiva da entidade empregadora constitui-se – como também decorre dos diplomas citados – com o início do exercício da atividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço.
Está, assim, delineada, nestes diplomas, uma relação jurídica bilateral, de natureza contributiva, que impõe à entidade empregadora a obrigação de efetuar uma prestação pecuniária (a contribuição), correspondendo a tal obrigação o direito da Segurança Social a essa prestação. Embora fundada na relação laboral, esta relação jurídica contributiva não se confunde com ela, e apenas incide sobre um dos sujeitos da relação laboral, a entidade empregadora, pois que, como vimos, é esta a responsável pelo pagamento, mesmo na parte respeitante ao trabalhador.
Como tem vindo a ser referido pela jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, no âmbito desta relação jurídica contributiva a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico; é perante as instituições de Segurança Social, que integram a chamada administração indireta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente tendo poderes para intervenções coativas, que as entidades empregadoras têm de cumprir a sua obrigação contributiva.
Hoje, após uma longa discussão doutrinária sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social, é inequívoco que estas constituem verdadeiros impostos.
Seja como for, se é certo que a relação jurídica contributiva se estabelece tendo como pressuposto a existência de um contrato de trabalho, verdade é também que ela não emerge de relação conexa com a relação de trabalho. Ela concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral entre o empregador e o Estado, no âmbito da qual, a entidade empregadora se acha constituída face à Segurança Social numa obrigação a ser cumprida perante esta.
Sem prejuízo do que ficou dito, o trabalhador sempre terá o direito a que a sua entidade patronal cumpra com aquela obrigação perante a Segurança Social, pois desse cumprimento depende a possibilidade de ele poder vir a auferir da Segurança Social, e pelo montante correto, as prestações que a lei lhe reconheça.
Em face desse direito e da natureza indiscutivelmente tributária da relação jurídica em causa, a jurisprudência tem vindo a entender que é da competência dos tribunais tributários conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo a condenação a proceder aos pagamentos contributivos considerados em falta.
Pelo mesmo motivo é igualmente da competência dos tribunais tributários conhecer da ação intentada pelo trabalhador contra o Instituto da Segurança Social, pedindo a sua condenação a reconhecer que o A. exerceu atividade remunerada, que foram entregues à Segurança Social, os descontos efetuados na retribuição do A. e que, caso assim não se decida, seja condenado o R. a receber do A. as contribuições devidas.”
Transpondo estes preceitos legais e jurisprudência para o caso dos autos, parece-nos inevitável concluir que o litígio que opõe o Autor ao Réu (ISS, I.P.) tem por objeto uma relação jurídica administrativa e fiscal, pretendendo aquele fazer valer os direitos que se arroga no âmbito da mesma, questionando a legalidade dos atos praticados pelos referidos Serviços deste Réu (à luz dos diplomas legais que invoca), sendo certo que, nos termos do art. 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16-01 (que aprovou as Bases Gerais do sistema de Segurança Social), se estatui, sob a epígrafe, “Garantias contenciosas”, que “(A)s acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Reconhece-se que o Autor parece ter procurado, por razões que não vêm ao caso, “contornar” a via da impugnação judicial (direta) de concretas ações e omissões (embora se lhes refira), optando por o fazer indiretamente, ao formular os pedidos de condenação no pagamento de certas quantias - correspondentes aos valores diferenciais das pensões e subsídios da Segurança Social -, exigindo o cumprimento de obrigações pecuniárias que qualifica juridicamente como obrigações de indemnização. Porém, não há dúvida que, como fonte dessas obrigações, o Autor invoca a ilegalidade de tais ações e omissões, que reputa lesivas dos direitos que se arroga àquelas prestações sociais, o que também convoca a Lei n.º 67/2007, de 31-12 (que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas), continuando a ser manifesta a competência da jurisdição administrativa e fiscal para conhecer do presente litígio contra o Instituto da Segurança Social, I.P. - al. f) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF.
Quanto à demanda da 1.ª Ré, o Autor defende que a sua pretensão se fundamenta, não no contrato de trabalho, mas antes no acordo celebrado posteriormente e nos danos que emergiram do seu cumprimento extemporâneo. Porém, sem pretendermos entrar na apreciação da viabilidade ou mérito desta pretensão, não podemos deixar de dizer que nos parece algo artificial a “construção jurídica” que o Autor vem apresentar, já que, face ao alegado na Petição Inicial, o(s) dito(s) acordo(s) mais não visaram do que concretizar a forma de cumprimento das decisões judiciais proferidas numa ação laboral, em que grosso modo se apreciou do incumprimento do contrato de trabalho por parte daquele Ré.
Portanto, a causa de pedir, tal como resulta da alegação fáctica feita pelo Autor, vem o ser o (alegado) incumprimento em sentido amplo  - o cumprimento tardio e/ou incorreto - das obrigações contributivas emergentes da lei, face ao montante da retribuição devida por força do contrato de trabalho; dito de outro modo, a forma (tardia, errada ou deficiente) como a 1.ª Ré, ao efetuar os acertos da retribuição do Autor determinados por decisões proferidas em ação laboral (em que se apreciou, repete-se, questões emergentes de relações de trabalho subordinado), procedeu aos (legais) descontos para a Segurança Social, emitindo folhas de vencimento globais e sem especificação dos períodos a que se reportavam as quantias pagas, levando a que o Autor, segundo alega, ficasse impossibilitado de obter a devida atualização da pensão de aposentação, bem como ver reavaliadas e atualizadas as prestações de doença que auferiu na pendência do contrato de trabalho (durante as baixas médicas), o que o Autor entender configurar como responsabilidade civil extracontratual.
Numa situação próxima, o Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 30-05-2019, proferido no processo n.º 052/18, disponível em www.dgsi.pt, considerou que estando em causa um alegado direito indemnizatório da autora emergente da não regularização por parte da ré, sua ex-entidade empregadora (entidade privada), junto da Segurança Social relativa à cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, são competentes para conhecer do mérito da ação, os Tribunais da Jurisdição Comum. Embora o caso não tenho contornos idênticos ao dos autos, atentemos, pelo seu interesse, na fundamentação desenvolvida nesse acórdão, que, no essencial, não diverge da sustentada no acórdão do STA acima citado (sublinhado nosso):
“(…) resulta da petição inicial apresentada, que a autora pretende ver assegurada não só a condenação da Ré ao pagamento de contribuições junto da Segurança Social, que eram devidas e não foram atempadamente pagas, como ainda a condenação no pagamento de uma indemnização fundada na responsabilidade civil extra contratual, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido face à alegada omissão de comunicação da cessação do contrato de trabalho à Segurança Social, que cessou em 17.11.2011 [violação do disposto no artº 32º do Código do Regime Contributivo do Sistema de Segurança Previdencial de Segurança Social e artº 8º do DR nº 1-A/2001 de 30.01], o que alegadamente determinou que a autora tivesse perdido todas as prestações legais a que teria direito por força da sua situação de desempregada, nomeadamente, subsídio de desemprego, RSI, isenção de taxas moderadoras, pensão e reforma antecipada.
Ou seja, no essencial está a causa a existência do direito indemnizatório da autora com fundamento na não regularização por parte da sua ex-entidade empregadora, junto da SS da cessão do contrato de trabalho que vigorou entre as partes até 17.11.2011.
Estamos também perante pedidos cumulativos, sendo que tal facto, só por si, não assume consequências na competência em razão da matéria, para conhecer dos pedidos formulados, com excepção do primeiro dos pedidos, que tudo indicia pertencer à jurisdição administrativa e fiscal.
Com efeito, a apreciação da regularização da relação tributária que se firma entre as entidades empregadoras e a Segurança Social, face à natureza parafiscal das contribuições, pertence aos tribunais tributários nos termos do disposto no artº 49º, nº 1, al. c) do ETAF/versão de 2105, pois embora a prestação contributiva pressuponha a existência de um contrato de trabalho, a obrigação só se concretiza através de uma relação jurídica entre a entidade que procede aos descontos e o Estado (ISS) – cfr. neste sentido, jurisprudência proferida por este Tribunal de Conflitos, entre eles a título de exemplo, os proferidos em 04.10.2007, proc. nº 014/07 e em 17.01.2008, in proc. nº 016/07.
Mesmo assim, ou seja, ainda que se entenda que os tribunais tributários são os competentes para conhecer do primeiro pedido formulado pela autora – pedido de condenação da Ré à regularização de contribuições junto da Segurança Social – já não o serão para conhecer dos demais pedidos formulados na acção, que assumem natureza estritamente cível/laboral.
Na verdade, a incompetência da jurisdição comum para conhecer do pedido formulado em primeiro lugar pela autora, apenas assume como consequência a absolvição da instância da Ré quanto a esse pedido, como sucede nos casos de cumulação e pedidos e de coligação de réus – cfr. artº 555º e 37º, nº 1 do CPC e voto de vencido proferido no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 21.01.2015, in proc. nº 019/14.
Já quanto aos demais pedidos formulados pela autora, na petição inicial apresentada, é a jurisdição comum que assuma a competência em razão da matéria, para deles tomar conhecimento, uma vez que, o que está em causa, consiste unicamente em indemnizações por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes de alegada conduta ilícita por parte da Ré, que como supra se referiu se traduziu na não comunicação à Segurança Social da cessão do contrato de trabalho que vigorava entre as partes, tudo ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extra contratual, não havendo por parte dos sujeitos activo e passivo, qualquer entidade pública, ou mesmo qualquer sujeito privado investido de poderes públicos.”
De referir que na ação que deu origem a este acórdão apenas havia sido demandada a sociedade comercial que era a anterior entidade empregadora da autora, não se colocando obviamente ao Tribunal dos Conflitos a questão de saber se a competência para os demais pedidos cabia ao Juízo do Trabalho ou ao Juízo Central Cível. Embora isso não seja verdadeiramente relevante no caso que nos ocupa, como melhor se verá adiante.
Numa situação ainda mais próxima, pronunciou-se o Tribunal dos Conflitos no acórdão de 21-01-2015, proferido no processo n.º 019/14, disponível em www.dgsi.pt. Conforme resulta deste acórdão e também do voto de vencido, tratava-se de ação em que se pretendia o reconhecimento da responsabilidade extracontratual, culminando no pedido de condenação dos réus, uma entidade privada (a ré B) e um ente público (o ISS, I.P.), no pagamento de determinada indemnização, correspondente à soma das quantias que o aí autor deixou de receber a título de subsídios de desemprego e de doença. Considerou-se neste acórdão que a obrigação da ré entidade empregadora perante a Segurança Social é uma relação jurídica contributiva que assume natureza parafiscal; e que as normas de competência inscritas nos artigos 49.º, n.º 1, al. c), e 4.º, n.º 1, do ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2000, de 19-02, atribuem aos tribunais tributários a competência para as ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal, e que o “conflito” se devia decidir atribuindo competência para o julgamento desta ação à ordem dos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos tribunais tributários. Na declaração de voto vencido, referiu-se, é certo, que: “o pedido indemnizatório dirigido ao ISS não é cognoscível pelos tribunais comuns. Mas isso somente implica a absolvição da instância desse réu, por incompetência «ratione materiae» nessa parte – como é de regra nos casos de cumulação de pedidos e de coligação de réus (cfr. os arts. 470º, n.º 1, e 31º, n.º 1, do anterior CPC). De modo que o processo sempre prosseguiria na jurisdição comum contra a B…………, para conhecimento do pedido formulado contra ela – se nenhuma outra questão formal a isso obstasse.
A posição vencedora argumenta que a relação jurídica contributiva, entre uma empresa e o ISS, tem natureza parafiscal e é cognoscível nos tribunais tributários – o que considero exacto. Mas, como se deduz do que acima disse, as relações jurídicas de que emerge o pedido formulado na acção são bem diversas; pois trata-se de relações jurídicas alegadamente fundadas em responsabilidade civil e em que intervêm o autor, por um lado, e os réus, por outro. Daí que perca sentido remeter para os tribunais tributários um pleito onde, desde logo, se discute o direito do autor a receber uma indemnização da sua antiga entidade patronal, ademais de direito privado”.
Importa, contudo, ter presente que este acórdão é anterior às importantes alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10, parecendo-nos que continua atual a posição aí defendida e que perderam razão de ser as considerações constantes da declaração de voto. Com efeito, além dos normativos a que acima fizemos referência, importa atentar, com muito interesse para o caso dos autos, no que dispõe o n.º 2 do art. 4.º do ETAF, introduzido precisamente pelo art. 1.º daquele Decreto-Lei, preceituando que Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.”
Esta norma - que surge na esteira do que vinha sendo reconhecido na jurisprudência à luz do disposto no art. 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-02, ilustrada, a título exemplificativo, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 05-02-2016, proc. n.º 02163/10.8BEPRT, disponível em www.dgsi.pt) - refere-se a litígios “que cruzam as fronteiras do público e do privado”, não se esgotando no plano cível, administrativo ou fiscal, os quais passaram a estar expressamente incluídos na jurisdição administrativa e fiscal. Com a solução aí plasmada (e, aliás, já no n.º 7 do art. 10.º do CPTA, atual n.º 9), o legislador procurou obviar às dificuldades colocadas, nestes litígios “cruzados”, pela imposição legal de demandar diversos réus em tribunais de diferentes jurisdições.
Daí que as objeções suscitadas pelo Autor na sua alegação recursória (mormente na conclusão XXIX.), acabam por não ter razão de ser, tanto mais que, segundo alega, a responsabilidade dos Réus será solidária (cf. art. 497.º do CC) e o mesmo considera que o litígio contra a 1.ª Ré não decorre já do contrato de trabalho, o que afastará a previsão da alínea b) do n.º 4 do art. 4.º do ETAF.
Impõe-se, pois, concluir que a competência para a presente ação cabe à jurisdição administrativa e fiscal, a tanto não obstando a circunstância de também ter sido demandada a anterior entidade patronal do autor, uma sociedade comercial. Será, pois, aí que caberá, se for caso disso, considerar excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a demanda da Ré, entidade patronal, sendo certo que se, por hipótese, assim acontecer, será inevitavelmente por se considerar que o litígio decorre ainda do contrato de trabalho, pelo que a competência será do Juízo do Trabalho, nos termos do art. 126.º [designadamente da alínea b) do n.º 1] da Lei n.º 62/2013 (LOSJ), e nunca do Juízo Central Cível onde foi intentada, não se estando, evidentemente, perante uma ação declarativa cível da competência deste último (cf. art. 117.º da LOSJ).
De referir, por último, que esta posição em nada contraria a jurisprudência invocada pelo Autor, mormente o acórdão da Relação de Lisboa de 28-02-2007, proferido no processo n.º 9972/2006-4, o qual versa sobre questão distinta, atinente à interpretação e contagem do prazo de prescrição no caso de um acordo extrajudicial de rescisão de um contrato de trabalho.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, pelo que deve ser negado provimento ao mesmo, uma vez que se verifica a exceção de incompetência absoluta do tribunal, conducente à absolvição dos Réus da instância (sem prejuízo do eventual aproveitamento dos articulados), nos termos conjugados dos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. a), do CPC.

Vencido o Autor, é o responsável pelo pagamento das custas processuais, neste recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida e condenar o Autor no pagamento das custas do recurso.

D.N.


Lisboa, 29-04-2021


Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua


(Acórdão assinado eletronicamente)