Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1535/20.4T8AMD.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: EXECUÇÃO ESPECÍFICA
DIREITO LEGAL DE PREFERÊNCIA
PEDIDO RECONVENCIONAL
ADMISSIBILIDADE
FACTO JURÍDICO QUE SUPORTA A ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Numa acção em que a Autora invoca o direito legal de preferência, que exerceu junto do Réu e que por este não foi cumprido, tendo-lhe assim conferido o direito da execução específica relativo à compra do imóvel (na sua versão), não é legalmente admissível o pedido reconvencional estribado num (alegado) incumprimento de um acordo celebrado entre Autora e Réu num anterior processo judicial (em que ficou acordado que o imóvel seria vendido a terceiro), com pretensão de que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Autora e que, por via disso, decrete a transferência da propriedade do imóvel para terceiro à acção – artigo 266º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:   Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
A intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B , peticionando:
1 – que seja “proferida sentença que produza os efeitos da declaração do R. de venda à A. da parcela de terreno de 316 m2, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias sob o artº ... (que teve origem nº artº ...), e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº ... da dita freguesia (anterior 138, livro nº 1)”; e
2 – seja “fixado prazo à A. para, após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos termos do anterior ponto 1, efectuar a consignação em depósito do valor devido ao R. pela aludida venda nos termos constantes do acordo que constitui o doc. nº 2 junto a este articulado, isto é, € 37.500,00”.
Alegou, para o efeito, em síntese útil, que: no âmbito da acção que correu termos sob o nº 1927/2001 no Tribunal Judicial de Oeiras, por acordo homologado por sentença, Autora e Réu convencionaram “proceder à venda imediata a um terceiro das duas parcelas de terreno identificadas no artigo 2°, alínea c) da petição inicial, sendo o produto da venda dividido na proporção 3/4 para o Autor e 1/4 para a Ré; 4. A venda será feita através do mandatário do Autor em contacto com a mandatária da Ré, por um valor mínimo de € 25.000,00;” dessas parcelas de terreno, após loteamento, restou uma parcela de 316 m2, que ficou registada em nome da Autora e do Réu e descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº ... da freguesia da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias; por e-mail de 17/09/2020, o Réu comunicou à Autora, que, em cumprimento daquele acordo, o Réu iria proceder à venda do imóvel a terceiro, pelo preço de € 50.000,00; em resposta, a Autora, por email de 25/09/2020, comunicou ao Réu que, na sua qualidade de comproprietária, pretendia exercer o seu direito de preferência, ao abrigo do disposto nos arts. 1409º e 416º do Cód. Civil, nos precisos termos e condições da projectada venda, e que, para o efeito, compareceria no local, data e hora designados para a realização da escritura de compra e venda e que aí pagaria ao Réu o preço que lhe cabia na referida venda; nesta sequência,  o Réu, por email de 25/09/2020, informou a Autora que o interessado na compra do terreno havia desistido do negócio, motivo pelo qual o Réu iria desmarcar a escritura agendada para o dia 29/09/2020; nesta data, a escritura não se realizou; a aceitação, por parte da Autora, do negócio projectado pelo Réu, vincula o Réu na realização do contrato, nos precisos termos do projecto transmitido à Autora; a comunicação da intenção de venda por parte do Réu e a comunicação da intenção de compra feita pela Autora leva ao entendimento de que entre ambos se concluiu um contrato-promessa, com as respectivas consequências, entre as quais a possibilidade de a preferente obter decisão judicial que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, no caso, o Réu; desta forma, tendo-se o Réu obrigado a celebrar a venda do imóvel em causa  e não tendo cumprido a promessa, pode a Autora obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do Réu.
O Réu contestou, por excepção e por impugnação, alegando, para o que aqui releva, que: no acordo a que as partes chegaram no âmbito do mencionado processo nº 1927/2001 do Tribunal de Oeiras, a Autora e o Réu renunciaram expressamente ao direito de preferência na qualidade de comproprietários ao decidirem que o terreno seria vendido a terceiro; tal acordo, homologado por sentença, tem de ser cumprido: vender a terceiro pelo preço mínimo de € 25.000,00; assim, a Autora não pode, por via da presente acção, pretender exercer um direito, o de preferência, ao qual renunciou ao celebrar o aludido acordo em que ficou estabelecida a venda do imóvel a terceiro.
O Réu deduziu reconvenção, peticionando que “seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Autora faltosa e que, por via disso, decrete a transferência, pelo preço de €52.000,00 (cinquenta e dois mil euros) para S… da propriedade e da posse do prédio situado em Sete Castelos, Espargal, Rua de ..., Oeiras, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o art. ... da freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra e inscrito na matriz urbana sob o art. ..., da união das freguesias de Oeiras, e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias”.
Alegou, para o efeito, que: por força da desistência do inicial comprador pelo preço de € 50.000,00, o Réu manteve diligências para venda do terreno a terceiro, no estrito cumprimento do mencionado acordo celebrado no processo nº 1927/2001; por isso, o Réu contactou, de novo, o inicial terceiro interessado na compra pelo preço de € 50,000,00 ( S …) e informou-o da presente acção; este terceiro dispôs-se a apresentar nova proposta no montante de € 52.000,00, com a condição de a compra e venda se realizar até dia 30/06/2021; em face do incumprimento da Autora em vender o terreno a terceiro, como se obrigou no mencionado processo, fica o Réu obrigado a recorrer à presente acção para obter a condenação da Autora a vender o prédio, pelo preço de € 52.000,00, a S…, condenação a efectivar-se por sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Autora faltosa e que decrete a transferência para S … da propriedade do imóvel; sendo a notificação do comprador, S…, para a consignação em depósito prevista no nº 5 do art. 830º do Cód. Civil, a ocorrer na decisão final e a efectuar em prazo contado do trânsito em julgado dessa decisão, depositando ¾ do preço a favor do Réu e ¼ a favor da Autora.
A Autora respondeu, defendendo a inadmissibilidade legal da reconvenção, por não estarem verificados os pressupostos estabelecidos no art. 266º do Cód. Proc. Civil, uma vez que o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção da al. a) do nº 2 daquele preceito implica que o pedido formulado em sede de reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir da Autora ou da defesa do Réu, o que não acontece nos autos.
Em 28/08/2022, foi proferida decisão (sob a Referência Citius nº 135517642), indeferindo liminarmente a reconvenção, nos seguintes termos:
“CUMPRE DECIDIR
*
Nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 1 do CPC “(…) O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.”, sendo admissível a reconvenção “1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.”
Decorre do n.º 2 do mesmo artigo que “2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. nos termos da alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo.”
Verifica-se, na compaginação entre os fundamentos do pedido reconvencional com os pressupostos formais da respetiva admissibilidade que o pedido reconvencional deve ser liminarmente indeferido porque não integrador da previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 266.º do CPC.
Nestes termos e com tais fundamentos indefere-se liminarmente o pedido reconvencional.”.
Inconformado, o Réu recorre desta decisão, requerendo a respectiva revogação, “e, em consequência, a reconvenção deduzida pelo Réu ser admitida”; terminando as suas alegações de recurso com as seguintes Conclusões:
“a) Não pode o Réu/recorrente conformar-se com a decisão do Tribunal a quo que indeferiu o pedido reconvencional;
b) A decisão sobre censura fundamenta a rejeição do pedido reconvencional por não integrador da previsão de qualquer das alíneas do art. 266.º, n.º 2 do CPC;
c) A admissibilidade da reconvenção pressupõe uma conexão objectiva entre as duas ações, um nexo entre os objectos da causa inicial e da causa reconvencional;
d) O pedido reconvencional do Réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação existindo identidade de ambas as causas de pedir, a da ação e da reconvenção;
e) O pedido reconvencional do Réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa e faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, ou seja, questão capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido da Autora.
f) No caso dos autos está preenchido o factor de conexão previsto na al. a) do n.º 2 do art. 266.º do CPC;
g) O direito de acção que o Réu tem sobre a Autora por incumprimento do acordo/sentença dos autos n.º 1927/2001 no Tribunal de Oeiras, conduz, também, à admissibilidade da reconvenção de modo a melhor se alcançar os desígnios da celeridade, economia processual e concentração da prova, que conduza a solução mais coerente do litígio entre as partes;
h) O despacho sob censura violou, assim, o disposto al. a) do n.º 2 do art. 266.º do CPC.”.
A Autora/ora apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam.
Assim, o objecto do presente recurso consiste apenas em determinar se a reconvenção é ou não admissível.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam da parte I-Relatório desta decisão, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Réu deduziu reconvenção, peticionando: “seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Autora faltosa e que, por via disso, decrete a transferência, pelo preço de €52.000,00 (cinquenta e dois mil euros) para S..., da propriedade e da posse do prédio situado em Sete Castelos, Espargal, Rua de ..., Oeiras, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o art. ... (…)”.
A decisão recorrida concluiu que a reconvenção não é admissível porque os respectivos fundamentos não integram a “previsão de qualquer das alíneas do n.º 2 do artigo 266.º do CPC.”
O apelante discorda deste entendimento, considerando que se mostram verificados os pressupostos consagrados na al. a) do nº 2 do art. 266º do Cód. Proc. Civil
Apreciemos.
Estabelece o art. 266º, nº 1 do Cód. Proc. Civil que “o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor”.
Como ensina Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª ed., 1985, p. 323: “Na reconvenção, há um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor. Há uma contrapretensão (Gegenanspruch) do réu, há um verdadeiro contra-ataque desferido pelo reconvinte contra o reconvindo. Passa a haver assim uma nova acção dentro do mesmo processo. O pedido reconvencional é autónomo, na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes.”.
Com a dedução da reconvenção é o próprio conteúdo da relação processual que sofre uma significativa alteração, já que a reconvenção “representa uma cumulação sucessiva (não inicial) de objectos, tendo como principal especialidade a característica de este objecto ser um contra-objecto, já que se opõe àquele que é inicialmente proposto pelo autor.” – cfr. Marco António Borges, in “A Demanda Reconvencional, Quid Juris, 2008, p. 23.
Porém, a admissibilidade da reconvenção depende da verificação dos requisitos substantivos e processuais explicitados nos nºs 2 a 5 do mencionado art. 266º do Cód. Proc. Civil.
O nº 2 do art. 266º do Cód. Proc. Civil dispõe – para o que aqui interessa:
“2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;”.
Interpretando a al. a) desta norma, escrevem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, p. 302: “O facto jurídico que serve de fundamento à ação (al. a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele. Mariana França Gouveia, in “A causa de pedir na acção declarativa”, p. 270, afirma que “... a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra pretensões", ou seja, que "os factos alegados devem ser selecionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a ação e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito do art. 274º, nº 2, al. a)”. Assim, se autor e réu alegam o mesmo contrato como facto constitutivo das suas pretensões, verificada esta coincidência, entende-se que a causa de pedir da ação e da reconvenção é a mesma (p. 269)”.
Como se escreve a este propósito no Acórdão do TRG de 28/06/2018, relator José Alberto Moreira Dias, acessível em www.dgsi.pt: “É pacifico na doutrina e na jurisprudência que a expressão «quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa» é o mesmo que causa de pedir, isto é, de acordo com a primeira parte da enunciada previsão legal, admite-se a reconvenção quando o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir da ação, isto é, o mesmo facto jurídico (real, concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca. Já a segunda parte desse normativo tem o sentido de que ela só é admissível quando o réu invoque como meio de defesa, qualquer ato ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, ou seja, embora o pedido reconvencional não se enquadre estritamente na causa de pedir da ação, aquele emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta dos factos com os quais indiretamente se impugna os alegados na petição inicial”.
O pedido reconvencional emerge do mesmo facto jurídico quando tem a mesma causa de pedir que baseia o pedido da acção ou emerge do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, pretendendo-se, contudo, neste caso, obter um efeito diferente desse acto ou facto, reduzindo, modificando ou extinguindo o pedido do autor.
Quer dizer: no caso de a factualidade invocada pelo réu-reconvinte se enquadrar na causa de pedir que serve de fundamento à defesa, não basta que o réu alegue qualquer acto ou facto jurídico para que dele se possa extrair um outro efeito jurídico de que se pretenda fazer valer através do pedido reconvencional. É necessário um plus: que o facto alegado, a provar-se, produza o desejado efeito útil defensivo, isto é, tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor.” – cfr. Marco António de Aço e Borges, in ob. cit., p. 42.
Por sua vez, Jacinto Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. II, 3ª ed. revista e actualizada, 2000, p. 32, refere, quanto à reconvenção reportada a factos que servem de fundamento à defesa, que é necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza efeito útil, ou seja, tenha virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 3ª ed., Coimbra Editora, 2014, p. 517-518, esclarecem que a referência a facto jurídico que serve de fundamento à defesa deve entender-se como reportada às excepções peremptórias, ou seja, aos factos jurídicos susceptíveis de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor (cfr. art. 576º, nº 3 do Cód. Proc. Civil), ainda que a coincidência seja parcial.
Cfr., no mesmo sentido, Acórdão do TRG de 23/03/2017, relator Francisca Vieira; e do TRP de 01/07/2010, relator Amaral Ferreira, ambos acessíveis em www.dgsi.pt; salientando-se neste último Acórdão: “desde que se verifique uma coincidência parcial entre os factos que o R., ao contestar a tese do A., invocou para justificar os fundamentos da sua própria defesa, mantendo, todavia, outros que exorbitam estritamente dessa defesa uma conexão com eles, tanto basta para que a reconvenção seja admissível”.
Descendo ao caso dos autos, vemos que:
a) na petição inicial, a Autora invoca como causa de pedir o direito legal de preferência de que alega ser titular, em virtude de ser comproprietária do imóvel em causa nos autos, direito esse, que, na sua versão, uma vez exercido junto do Réu e não cumprido por este, lhe conferiu o direito da execução específica relativo à compra daquele imóvel;  
b) na contestação, o Réu invoca, como excepção, a extinção do direito de preferência da Autora enquanto comproprietária, quer (i) por caducidade, por a Autora não ter procedido ao depósito do preço devido nos termos do art. 1410º, nº 1 do Cód. Civil; quer (ii) por a Autora ter renunciado a tal direito (de preferência) ao celebrar o acordo, homologado por sentença, no processo nº 1927/2001 do Tribunal de Oeiras, em que ficou estabelecida a venda do imóvel a terceiro;
c) na reconvenção, o Réu alega que as partes se obrigaram, no acordo homologado por sentença no processo nº 1927/2001 do Tribunal de Oeiras, a vender o imóvel a terceiro por preço superior a € 25.000,00; a Autora aceita nos presentes autos o preço de € 50.000,00 para venda do imóvel; um terceiro dispôs-se a comprar o imóvel pelo valor de € 52.000,00; por isto, em face do incumprimento da Autora em vender o imóvel ao terceiro, pretende o Réu, nesta acção, obter a condenação da Autora a vender o imóvel pelo preço de € 52.000,00 ao mencionado terceiro, o que peticiona em sede de reconvenção.
Perante este circunstancialismo, é cristalino que o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, uma vez que este fundamento se consubstancia, como se viu, na não observância pelo Réu do direito de preferência legal da Autora como comproprietária, sendo certo que o Réu alega, na contestação, a inexistência desse direito de preferência e não é nessa inexistência que fundamenta o pedido reconvencional.
Por outro lado, perante o descrito circunstancialismo, é também evidente que o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, uma vez que o Réu invoca, como defesa, a inexistência, por extinção, do direito de preferência da Autora e não estriba o pedido reconvencional nessa inexistência, mas, antes e de per si, no incumprimento pela Autora do acordo celebrado no processo nº 1927/2001 do Tribunal de Oeiras e aí homologado por sentença.
Nesta conformidade, concluímos que não se mostra verificado o requisito de admissibilidade substantiva consagrado na al. a) do nº 2 do art. 266º do Cód. Proc. Civil relativamente ao pedido reconvencional – sendo manifesto que, no caso, também as demais alíneas daquele preceito legal não se mostram preenchidas, nem tal foi, sequer, invocado pelo Réu/apelante.
Uma última palavra para sublinhar que os desígnios da celeridade, economia processual e concentração da prova invocados pelo apelante (cfr. al. g) das conclusões recursórias) não podem, de per si, fundamentar a admissibilidade da reconvenção.
Com efeito, se é verdade que a reconvenção funciona como um instrumento jurídico de aplicação do princípio da economia processual, na medida em que viabiliza que, num mesmo processo, sejam reunidas pretensões materiais contrapostas, para além de proporcionar melhores condições para o julgamento unitário de todo o litígio estabelecido entre as partes, evitando a prolação de decisões divergentes a propósito de realidades próximas ou interdependentes (cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., Coimbra, 1997, p. 120), também é verdade que “a dedução da reconvenção não é, contudo, livre, estando submetida a requisitos materiais e formais que visam compatibilizar o princípio da economia processual com o da celeridade. Os de ordem material figuram no nº 2, pressupondo uma determinada conexão com a relação jurídica invocada pelo autor” - António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. e local cit.. Donde, no caso dos autos, não se verificando – como não se verifica – nenhum dos requisitos de admissibilidade substantiva consagrados no nº 2 do art. 266º do Cód. Proc. Civil, não existe fundamento legal para a pretendida admissibilidade do pedido reconvencional formulado.
Pelo exposto, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, concluímos pela total improcedência da apelação, sendo de manter a decisão recorrida.
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As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade do apelante - cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 16 de Maio de 2023
Cristina Silva Maximiano
Alexandra Rocha
Maria da Conceição Saavedra