Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5178/10.2TBCSC-C.L1-A-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: SUJEIÇÃO A CUSTAS
NOÇÃO DE PROCESSO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
TRAMITAÇÃO AUTÓNOMA DA EXECUÇÃO
TRIBUTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.- Atenta a noção de processo para efeitos de sujeição a custas, tal como decorre do n.º 2 do artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais, a reclamação de créditos no âmbito do processo executivo origina uma sequência de actos que configuram uma tramitação processual autónoma, que, não podendo ser qualificada como mero incidente inominado, está sujeita a tributação própria.
2 - A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça inicial inferior à devida equivale à falta de junção, originando, decorridos dez dias sobre a prática do acto processual sem que seja feita a demonstração do pagamento da taxa devida, a aplicação das cominações previstas no artigo 570º, n.º 3 e 5 do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S. A., SOCIEDADE ABERTA, com sede à Praça D. João I, 28 Porto intentou, em 6 de Julho de 2010, contra A  [ António .....]  e B [ Belmira ......] , residentes à Rua …, Carcavelos acção executiva para pagamento de quantia certa que corre termos sob o número 5178/10.2TBCSC, com base em título executivo constituído por escritura pública lavrada em 18 de Agosto de 2003, mediante a qual o exequente mutuou aos executados a quantia de 407 000,00 €, que deveria ser amortizado em cento e vinte meses, cujo cumprimento foi garantido por hipoteca sobre o prédio urbano, lote ....., Sassoeiros, freguesia de Carcavelos, descrito sob o número ... na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, conforme Ap. 54 de 2006/06/05, tendo os mutuários deixado de proceder ao pagamento das prestações vencidas a partir de 25 de Novembro de 2009, o que determinou o vencimento total da dívida, que ascende a 302 331,50 € de capital, acrescido de juros e sobretaxa, num total de 338 74,10 € (cf. Ref. Elect. 1843251 dos autos de execução).
Em 11 de Julho de 2011 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre o imóvel supra identificado, que veio a ser objecto de venda executiva (cf. Ref. Elect. 2380763 e 11249025 dos autos de execução).
Em 21 de Janeiro de 2019 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre o prédio urbano sito na Rua das Beiras, n.º ....., em Cabeço de Mouro, freguesia de São Domingos de Rana, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... e ainda sobre o prédio urbano sito em Mucarias, freguesia de Cambas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oleiros sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., da titularidade dos executados (cf. Ref. Elect. 14250111 dos autos de execução).
Em 10 de Maio de 2019, o credor com garantia real (hipoteca) incidente sobre o prédio urbano sito na Rua das Beiras, n.º ....., em Cabeço de Mouro, freguesia de São Domingos de Rana, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ... foi citado, nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 786º, n.º 1, b) e 788º do Código de Processo Civil[1] (cf. Ref. Elect. 14746856 dos autos de execução).
Em 24 de Maio de 2019, José ......, casado com Maria ......., veio deduzir reclamação de créditos com fundamento em empréstimo que efectuou aos executados, no montante de 247 000,00 €, conforme documento de confissão de dívida e hipoteca que juntou, sendo que, para garantia do pagamento da quantia mutuada, os executados constituíram hipoteca a seu favor incidente sobre o prédio urbano sito em Cabeço de Mouro, Rua das Beiras, n.º ....., São Domingos de Rana, Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., referindo que não foi paga qualquer quantia e pedindo que o seu crédito fosse verificado e graduado em função da garantia que detém (cf. Ref. Elect. 14785364).
Por requerimento de 27 de Junho de 2019, o exequente Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, S. A. veio deduzir impugnação relativamente ao crédito reclamado e juntou documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no valor de 51,00 €, com a referência de Documento Único de Cobrança[2] 702880068179472 (cf. Ref. Elect. 14994293).
O reclamante respondeu por requerimento de 8 de Julho de 2019 (cf. Ref. Elect. 15061393).
Com data de certificação Citius de 6 de Agosto de 2020, o exequente foi notificado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida, acrescida de uma multa de igual montante, pagamento a efectuar nos termos do n.º 1 do art.º 21º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, por Guia DUC, sendo que o prazo de pagamento, o montante, local e modo de pagamento da taxa de justiça e da respectiva multa constam da guia anexa, que tem o seguinte conteúdo (cf. Ref. Elect. 126231281 e 126231266):
Por requerimento de 18 de Agosto de 2020, o exequente requereu que fosse dada sem efeito a notificação para pagamento da “conta de custas”, por ter liquidado o valor devido ou, assim se não entendendo, que fosse determinada a emissão de nova guia que contemple apenas o remanescente devido a título de taxa de justiça pelo incidente, aduzindo os seguintes fundamentos (cf. Ref. Elect. 17285050):
Ø A guia remetida para pagamento padece de vício por não considerar o montante liquidado pelo exequente, no valor de 51,00 € para efeitos do valor da multa a liquidar, sendo que nos termos do art.º 30º, n.º 3, a) do Regulamento das Custas Processuais[3], a conta deve discriminar as taxas devidas e as taxas pagas;
Ø O valor da taxa de justiça devida pela impugnação dos créditos reclamados não é de 2 UC como consta da conta, pois o concurso de credores que se verifica no decurso duma acção executiva constitui um apenso do processo de execução propriamente dito, tendo natureza manifestamente incidental, como tem sido entendido pela doutrina, pelo que, como mero incidente, não pode o exequente ser forçado a liquidar a taxa de justiça aplicável ao credor reclamante quando apresenta a reclamação de créditos, pois já liquidou a taxa referente ao processo principal, devendo apenas pagar a taxa correspondente ao incidente, que é de 51,00 €;
Ø Estando paga a taxa de justiça devida não há fundamento para a aplicação do disposto no art.º 570º, n.º 3 do CPC;
Ø Ainda que assim não fosse, estaria em causa o pagamento de um valor inferior ao devido, para o que o art.º 145º, n.º 3 do CPC prevê a possibilidade de ser comprovado o pagamento da taxa devida no prazo de dez dias, pelo que a secretaria deveria ter notificado o exequente para efectuar o pagamento do remanescente no prazo de 10 dias.
A guia supra mencionada não foi paga (cf. Ref. Elect. 126714785).
Em 18 de Setembro de 2020 foi aberta nos autos conclusão com a seguinte informação (cf. Ref. Elect. 126715220):
“[…] a secção verificou que aquando do requerimento apresentado pelo Exequente a 27/06/2019 o mesmo apenas liquidou de Taxa de Justiça o montante de € 51,00 pelo que nos termos do Art.º 7º do RCP e da Tabela II o valor da Taxa de Justiça devida no âmbito dos Autos de Reclamação de Créditos é de € 408,00 face ao valor dos créditos aqui reclamados, assim deu-se cumprimento ao disposto do Art.º 570º n.º 3 do CPC relativamente à taxa em falta, o que se mantém pelo que atento o requerimento de 18/08/2020 V. Exas. ordenará o que tiver por conveniente.”
Em 3 de Novembro de 2020 foi proferido o seguinte despacho:
Concorda-se com a informação supra, que se mostra de acordo com os normativos legais.
*
Dê cumprimento ao art.º 570.º n.º 5 do CPC.”
Em 5 de Novembro de 2020 foi emitida a seguinte guia (cf. Ref. Elect. 127608614):
tendo, nessa data, o exequente sido notificado do teor do despacho proferido em 3 de Novembro de 2020 e para proceder ao respectivo pagamento (cf. Ref. Elect. 127608623).
Em 13 de Novembro de 2020, o exequente dirigiu aos autos um requerimento reiterando o teor do requerimento de 18 de Agosto de 2020 e solicitando que fosse dada sem efeito a notificação para pagamento da «conta de custas» ou emissão de nova guia para pagamento apenas do remanescente da taxa em falta, invocando ainda a omissão de pronúncia do tribunal recorrido quanto ao aduzido naquele requerimento (cf. Ref. Elect. 17792904).
Em 11 de Janeiro de 2021 foi proferido despacho que não se pronunciou sobre o requerimento de 13 de Novembro de 2020 (cf. Ref. Elect. 127775597).
Em 24 de Novembro de 2020 o exequente veio apresentar o presente recurso cujas alegações concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 17862424):
A. O Tribunal a quo proferiu despacho a ordenar que fosse dado cumprimento ao artigo 570.º n.º 5 do CPC, tendo a Recorrente sido notificada para liquidar Guia para pagamento de duas multas, uma no valor de €408,00, ao abrigo do artigo 570.º, n.º 3 do CPC e outra no montante de €510,00, ao abrigo do artigo 570.º, nº 5, acrescido do valor de €357,00 de taxa de justiça.
B. Ora, tais valores não são devidos pela Recorrente, conforme de seguida se demonstrará.
C. Em 17/06/2019 foi o ora Recorrente notificado da reclamação de créditos apresentada por José ....., para querendo, no prazo de 15 dias, impugnar aqueles créditos.
D. Em 27/06/2019, o Recorrente apresentou nos termos do disposto no artigo 789º n.º 2 do CPC, impugnação do crédito reclamado supra referido, tendo efectuado o pagamento de taxa de justiça no montante de €51,00, através do DUC com referência nº 702 880 068 179 472.
E. Através de ofício da Secretaria datado de 06/08/2020, com a referência 126231281, foi o Recorrente notificado, nos termos do artigo 570.º, n.º 3 do CPC para proceder à liquidação da taxa de justiça alegadamente devida no montante de €357,00 (408,00€ - 51€), acrescida de multa no montante de 408,00€, perfazendo o valor total de €765,00.
F. O ora Recorrente, não concordando com o pagamento da mencionada taxa de justiça e multa, por considerar que não era devido o pagamento das mesmas, apresentou reclamação em 18/08/2020, com a referência 17285050, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 30º e 31º do RCP.
G. Acontece que, o douto Tribunal a quo por despacho de 05/11/2020, de que ora se recorre, determinou que «Concorda-se com a informação supra, que se mostra de acordo com os normativos legais. * Dê cumprimento ao art.º 570.º n.º 5 do CPC.»
H. O douto despacho padece assim, salvo o devido respeito, de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, porquanto o douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento do ora Recorrente de 18/08/2020, com a referência 17285050.
I. De facto, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões com relevância para a decisão de mérito, designadamente relativamente à reclamação da conta de custas, limitando-se a ordenar nova notificação para pagamento de multa de valor superior.
J. Acontece que, o valor de taxa de justiça e de multas não é devido.
K. A guia ora recorrida mesma padece de vício, desde logo por não considerar o montante liquidado pelo Recorrente, no valor de €51,00 para efeitos do valor da multa a liquidar.
L. Refere o nº 3 do artigo 30º do RCP que “A conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, obedecendo aos seguintes critérios: a) Discriminação das taxas devidas e das taxas pagas;” (sublinhado nosso)
M. Pelo que forçoso será concluir que a conta elaborada não se mostra conforme com aquela disposição legal.
N. Ademais, resulta da conta de que se reclama que o valor da taxa de justiça devida pela impugnação dos créditos reclamados seria de 4 UC’s (€408,00).
O. Salvo o devido respeito por entendimento distinto, aquele valor não será aplicável à presente situação, conforme se passará a demonstrar.
P. O concurso de credores que se verifica no decurso de uma acção executiva constitui um apenso do processo de execução propriamente dito, tendo natureza manifestamente incidental.
Q. A Doutrina tem sufragado tal entendimento, veja-se a título de exemplo o entendimento do Prof. Artur Anselmo Castro, em “A Acção Executiva Singular Comum e Especial", Coimbra, 1970, pág. 263: “Caracteriza tal acção o visar directamente aos fins da execução, isto é, a sua índole meramente instrumental e auxiliar desta, o que lhe imprime configuração e regime em vários aspectos diversos do módulo normal dos processos declaratórios.”
R. Ou o entendimento do Prof. José Lebre de Freitas, "A Acção Executiva à luz do Código Revisto", 2ª edição, Coimbra, 1997, pags. 258 e 259: “Trata-se de mais um processo declarativo de estrutura autónoma, mas funcionalmente subordinado ao processo executivo".
S. Assim, tratando-se de um mero incidente na acção executiva, não pode o Exequente e ora Recorrente ser forçado a liquidar a taxa de justiça aplicável ao credor reclamante quando apresenta a reclamação de créditos, quando já liquidou a taxa referente ao processo principal.
T. Pelo que, tratando-se de um mero incidente verificado na acção executiva por si intentada, deverá ser exigido ao ora Recorrente apenas a taxa de justiça referente ao incidente por si deduzido, no montante de €51,00, taxa de justiça essa que o Recorrente efectivamente liquidou, pelo que não existem outros valores que devem ser exigidos ao Recorrente pelo incidente.
U. Em face do exposto, encontrando-se liquidada a taxa de justiça devida, não existe fundamento para aplicação do disposto no artigo 570º nº 3 do CPC, nem tão pouco para a aplicação do artigo 570.º, n.º 5 do CPC.
V. Ainda que assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, considerando que o valor da taxa devida é superior ao que efectivamente ao que o Recorrente liquidou, estamos, perante um pagamento de taxa de justiça em montante inferior ao devido, não existindo uma omissão total mas apenas, uma omissão parcial.
W. Sendo por isso situações distintas, que não podem ser tratadas de forma igual.
X. Ademais, o próprio artigo 145º nº 3 do CPC prevê outra actuação: “Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º.”
Y. Deste artigo resulta como regra geral, a impossibilidade de recusa imediata da peça processual apresentada quando não comprovado o pagamento da taxa de justiça de que dependa, admite a possibilidade de o interessado ainda cumprir o seu ónus sem sanções em prazo suplementar: “devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual”.
Z. Só depois poderá fazer-se operar as penalizações, “sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º”.
AA. Nesse sentido se tem pronunciado a Jurisprudência, veja-se o Acórdão desta Relação Guimarães de 25-03-2010, no processo 1658/06.2TAVCT-B.G1 disponível em www.dgsi.pt, onde se discutia igualmente o pagamento inferior ao devido, donde se extrai que o prazo de 10 dias para a parte pagar o resto da taxa devia ser apenas considerado desde a notificação da devolução.
“I – Constatada a falta de apresentação do DUC (comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida), no prazo de dez dias a contar da apresentação da oposição à execução a secretaria notificará o interessado para, em dez dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC’s, sem prejuízo do preceituado nos nºs 5, 6 e 7 do art. 486º-A, se for caso disso.
II – Na situação em apreço, porém, tento a Recorrente liquidado a taxa de justiça, embora de valor inferior ao devido, e apresentado o respectivo comprovativo, deveria ter-lhe sido dada oportunidade para completar o valor em falta, sem aplicação de multa.”
BB. Ou o Acórdão desta Relação Guimarães de 09-02-2017, no processo 473/10.3TBVRL-B.G1 disponível em www.dgsi.pt:
 “Como refere o Ministério Público, nas suas contra-alegações, os artºs 570º e 642º do NCPC são normas especiais face à regra geral do artº. 145° do mesmo Código, destinando-se a primeira à falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação e a outra relativa à interposição de recurso.
Todavia, às restantes situações não previstas especificamente na lei aplica-se a regra geral do
artº. 145° do NCPC, que no seu nº 3 estabelece que a falta de junção do documento referido no nº. 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artºs 570º e 642º.”
CC. Assim, entendendo-se que o valor liquidado a título de taxa de justiça é inferior ao devido, que não se concede, sempre deveria ter sido a Recorrente notificada para efectuar o pagamento do remanescente no prazo de 10 dias, e apenas caso o mesmo não fosse liquidado proceder à aplicação das comunicações previstas no artigo 570º do CPC.
DD. Do que se deixou acima demonstrado, não pode aceitar-se o despacho ora recorrido e a condenação da Recorrente no pagamento das multas, no valor de €408,00, ao abrigo do artigo 570.º, n.º 3 do CPC e no montante de €510,00, ao abrigo do artigo 570.º, nº 5, e no pagamento de €357,00 a título de taxa de justiça, devendo por isso o despacho e a guia serem revogados.
Conclui no sentido da revogação do despacho recorrido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A guia emitida em 5 de Novembro de 2020 não foi paga (cf. Ref. Elect. 128081272).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a) Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
b) Do erro na liquidação da multa;
c) Da tributação autónoma do apenso de reclamação de créditos e taxa de justiça devida pela dedução de impugnação de crédito reclamado;
d) Do pagamento parcial taxa de justiça; oportunidade para pagamento do valor em dívida.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Questão Prévia – Lei aplicável
Em 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 (cf. art. 8º deste diploma legal).
Dispõe o art. 6º, n.º 1 da Lei 41/2013, de 26-06 que o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo a tal lei, se aplica, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor.
E o n.º 4 desse normativo legal, torna aplicável o disposto no CPC aprovado por tal lei relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa deduzidos a partir da data de entrada em vigor daquela lei, como é o caso dos autos de reclamação de créditos, pelo que será às normas que dele emergem que se atenderá.
Por força do estatuído no art. 8º, n.º 1 da Lei 7/2012, de 13-02, o Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe foi dada por tal diploma legal, aplica-se a todos os processos iniciados desde a sua entrada em vigor, em 29 de Março de 2012, e, bem assim, aos processos pendentes (ou seja, todos aqueles que não possuam decisão final transitada em julgado ou despacho que os declare findos) nessa data, mas, quanto a estes, com a ressalva de tudo quanto se encontra previsto nos números seguintes daquele normativo legal.
Tal como prevê o n.º 2 do mencionado art. 8º, a aplicação do Regulamento, com a redacção dada pela Lei 7/2012, de 13-02, aos processos pendentes, apenas contenderá com os actos processuais neles praticados a partir de 29 de Março de 2012.
Ainda de acordo com o n.º 3 desse normativo legal, todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no RCP, na redacção que lhe foi dada por aquela lei.
Assim, independentemente da qualificação da reclamação de créditos como incidente ou como processo autónomo para efeitos de tributação, a lei aplicável em matéria de custas é a que decorre do RCP, na redacção vigente à data da prática do acto que originou a obrigação de pagamento de taxa de justiça.
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3.2.2. Da nulidade por omissão de pronúncia
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
Dispõe o art. 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.
Conforme impõe o n.º 3 do art.º 607º do CPC, o juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, observando o disposto quer nesse normativo, quer no respectivo n.º 4, ou seja, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art. 607º do CPC).
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
Quanto à omissão de pronúncia sobre questões suscitadas ou sobre pretensão deduzida, tem-se entendido que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as de conhecimento oficioso, mas tal não exige que se apreciem todos os argumentos (que são coisa diversa de “questões”).
O juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC, o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias soluções plausíveis de direito para a solução do litígio, tenham sido deduzidos pelas parte ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pp. 713 e 737.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005, processo n.º 05S2137[4] esclarece-se que:
“[…] a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas. Por isso […] não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas […] "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções […].”
Fazendo apelo, precisamente, à distinção entre questões a apreciar e argumentos ou razões expendidos pela parte, cumpre notar que, no caso em apreço, está em causa a decisão judicial que recaiu sobre a notada falta de pagamento integral da taxa de justiça devida, com notificação do exequente para proceder à taxa de justiça em falta, acrescida de multa, nos termos do art.º 570º, n.º 3 do CPC e reclamação deduzida em 18 de Agosto de 2020, que originou a informação da secretaria que precede a decisão recorrida.
Com efeito, na decisão de 3 de Novembro de 2020, o Tribunal recorrido, confrontado com o cumprimento do disposto no art.º 570º, n.º 3 do CPC, com a falta de pagamento da taxa de justiça, acrescida de multa, com a reclamação do exequente que, em função dos argumentos invocados – pagamento de taxa de justiça no pressuposto de que a reclamação de créditos configura apenas um incidente da acção executiva –, pretende obter que seja dado sem efeito a liquidação da taxa e multa, tal como foi efectuada pela secretaria e com a informação desta, resolveu a questão – qual seja, saber se era devida taxa de justiça indicada pela secretaria e a multa aplicada – afirmando concordar com o teor da informação da secretaria (supra transcrita), por estar de acordo com os normativos legais e determinou o cumprimento do disposto no art.º 570º, n.º 5 do CPC, ou seja, a notificação do exequente/impugnante para proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
Ora, as questões que se impunham decidir era saber se se verificava a falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da impugnação, o seu valor e a aplicação das multas legalmente previstas, questões que ficaram resolvidas com a decisão proferida em 3 de Novembro de 2020.
A decisão ora colocada em crise pode padecer de falta de fundamentação - embora não deixe de remeter para os argumentos vertidos na informação constante da conclusão aberta em 18 de Setembro de 2020 –, mas, em rigor, apreciou a questão que importava solucionar, qual seja, a de determinar se o impugnante deveria ou não proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa, tal como liquidado pela secretaria, o que foi resolvido em sentido positivo.
Se tal decisão padece de erro de julgamento é o que importará apreciar no âmbito da apreciação do presente recurso, mas o erro de julgamento é coisa diversa da omissão de pronúncia.
Por outro lado, aferindo-se que a decisão recorrida apreciou aquilo que cumpria decidir, ainda que não tenha apreciado, um a um, os argumentos aduzidos pelo exequente, poderá, eventualmente, padecer de escassa fundamentação, mas não de omissão de pronúncia.
Não ocorre, pois, a apontada nulidade da decisão, pelo que improcedem as conclusões A. a I. do recurso.
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3.2.3. Do erro na liquidação da multa, nos termos do art.º 570º, n.º 3 do CPC
O recorrente aponta a existência de um vício na guia emitida em 6 de Agosto de 2020 por nela não ter sido considerado o valor liquidado de 51,00 €, para efeitos do cálculo da multa a liquidar, convocando o estatuído no art.º 30º, n.º 3 do RCP, em relação ao qual tal liquidação estaria desajustada.
Não identificou a apelante que vício estaria aqui em causa, nem se vislumbra o que pretende sustentar com a invocação da norma referida, que diz respeito à elaboração da conta final do processo que, como é de meridiana clareza, não está aqui em causa.
Com efeito, tal como resulta do relatório supra, a questão em apreço nestes autos diz respeito ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de impugnação à reclamação de créditos apresentada por apenso ao processo de execução por credor reclamante.
Face à comprovação pelo impugnante do pagamento de uma taxa pelo valor de 51,00 €, entendeu a secretaria judicial que estava em falta o pagamento da taxa de justiça devida que, de acordo com a Tabela II – A anexa ao RCP, considerou ser de 4 UC, por estar em causa uma reclamação de créditos com valor superior a 30 000,01 €.
Assim, em cumprimento do estatuído no art.º 570º, n.º 3 do CPC e no art.º 21º, n.º 1[5] da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, a secretaria, tendo constatado a falta de comprovação do pagamento integral daquela que entendeu ser a taxa de justiça devida, notificou o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante.
O DUC, acompanhado de guia, é meio de pagamento de multas e outras penalidades previstas na mencionada Portaria n.º 419-A/2009, sendo exemplo disso, precisamente, a notificação da parte para o pagamento da taxa de justiça, no caso previsto no n.º 3 do art.º 570º do CPC – cf. Salvador da Costa, As Custas Processuais – Análise e Comentário, 7ª Edição, pág. 319.
Como tal, não está em causa a elaboração da conta do processo, cuja oportunidade para o efeito ocorre no momento fixado no art.º 29º do RCP, isto é, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final ou quando o juiz o determine, não se verificando, in casu, qualquer uma dessas situações. Com efeito, ainda não foi proferida decisão final no apenso de reclamação de créditos e não foi proferida qualquer decisão pelo tribunal recorrido a ordenar a elaboração da conta.
É nessa conta a elaborar a final que releva a disposição do n.º 3 do art.º 30º do RCP, que estatui sobre o processamento da conta, materializado pela secretaria com os meios informáticos previstos e regulamentados pela Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril (cf. art.ºs 3º, 6º e 7º), e onde se registam as taxas de justiça devidas e, entre elas, as já pagas, os reembolsos devidos ao Instituto, os pagamentos devidos a outras entidades ou serviços, as quantias em débito relativas a multas e penalidades, entre o mais, culminando com o encerramento do acto, após aposição da data, com a assinatura de quem o processou.
A situação em presença nada tem que ver com a elaboração da conta do processo, mas sim com o pagamento da taxa de justiça inicial devida pela prática do acto – impugnação do crédito - considerada em falta.
Neste âmbito, porém - se bem se compreende -, o impugnante/recorrente entende que a multa aplicada, tendo por base o valor integral da taxa de justiça que se considerou ser de 4 UC (408,00 €), padece de erro, porquanto a multa a liquidar teria de ser aferida pela taxa de justiça em falta, ou seja, 408,00 € deduzidos da quantia de 51,00 € já liquidada inicialmente.
Embora o apelante não fundamente ou justifique a sua posição pretenderá louvar-se – crê-se - na norma do n.º 3 do art.º 570º do CPC, onde se refere que, na falta de comprovação do pagamento, “a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante”.
Ora, esta norma está configurada, precisamente, para a situação de falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da comprovação desse pagamento, o que pressupõe a omissão total deste.
De todo o modo, independentemente de a parte ter procedido ao pagamento de quantia inferior ao montante devido, daí não resulta que o valor da multa deva ser fixado em função do pagamento em concreto omitido.
Atente-se que o art. 145º, n.º 2 do CPC, na redacção original, em vigor à data da apresentação da impugnação (a Lei n.º 97/2019, de 26 de Julho, entrou em vigor apenas em 16 de Setembro de 2019), estatuía: “A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.”
Significa isto que o pagamento de valor inferior ao devido equivale à falta de pagamento, o que se prevê como maneira de evitar situações que poderiam conduzir a um desvirtuamento do dever de prévio pagamento da taxa de justiça devida – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 174.
Logo, o pagamento de montante inferior, equivalendo à falta de pagamento e conduzindo ao mesmo efeito, não pode relevar para efeitos de determinação da multa aplicável, que há-de sempre ser fixada em função do valor total devido e que se tem por incumprido mesmo quando existiu um pagamento parcial.
Corrobora, aliás, esta interpretação do n.º 3 do art. 570º do CPC, a letra do n.º 5 desse mesmo normativo legal, onde se prevê, para a falta de pagamento da taxa de justiça e da multa aplicada nos termos do n.º 3, o acréscimo de uma multa “de valor igual ao da taxa de justiça inicial”.
Conclui-se, assim, que a multa aplicada e constante da guia n.º 703480077712838, de 6 de Agosto de 2020, corresponde ao montante legalmente previsto, ou seja, o correspondente à taxa de justiça em falta (no pressuposto de que a taxa considerada é a correcta), não estando afectada, nesse âmbito, de qualquer erro.
Improcedem também as conclusões K. a M..
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3.2.4. Da tributação autónoma do apenso de reclamação de créditos. Da taxa de justiça devida.
Sustenta o apelante que a reclamação de créditos tem natureza meramente incidental em relação à acção executiva, pelo que, tendo liquidado a taxa referente ao processo principal, ao contrário do que sucede com o credor reclamante, não tem que proceder ao pagamento de nova taxa de justiça pela apresentação de impugnação, devendo proceder apenas ao pagamento de 51,00 € pelo incidente deduzido, valor que liquidou, não havendo lugar à aplicação do disposto no art.º 570º, n.ºs 3 e 5 do CPC.
O art. 527º, n.º 1 do CPC estipula que “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.”
É sabido que as custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., volume 2º, 3ª edição, pág. 418; Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 19-04-2012[6] - “A taxa de justiça corresponde a uma prestação pecuniária que, em regra, o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou de que beneficiem, como contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no artigo 447.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.”
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art. 529º, n.º 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.º 2 do art. 529º), ou seja, nos termos do RCP, conforme o disposto nos seus artigos 5.º a 7.º, 11.º, 13.º a 15.º e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a “núcleos relevantes de dinâmicas processuais” como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso – cf. Salvador da Costa, op. cit., pág. 15.
A taxa de justiça deve ser paga no momento do respectivo impulso processual, em uma ou duas prestações (cf. art.ºs 13º e 14º do RCP), por meio de autoliquidação da parte, para o que esta deverá socorrer-se das tabelas anexas ao diploma e, no caso de processo cuja taxa seja variável, a parte liquidará a taxa pelo seu valor mínimo, pagando o excedente, se o houver, a final - cf. art.º 6º, n.º 6 do RCP.
A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 com o n.º 6 do art.º 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte (cf. art.ºs 532º e 533º do CPC) assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça.
Na verdade, em conformidade com o acima referido, a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça decorre automaticamente do respectivo impulso processual, por via, por exemplo, de petição inicial, contestação, requerimento de interposição de recurso, contra-alegação, requerimento de incidente ou de oposição, portanto, independentemente do decaimento ou do vencimento na causa.
Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 530.º do CPC, a taxa de justiça só é devida, incluindo a remanescente, em função do impulso processual da parte que demande na qualidade de autor ou de réu, de exequente ou de executado, de requerente ou requerido, de recorrente ou recorrido.
É a taxa de justiça devida por cada um desses impulsos processuais da parte que está aqui em causa.
Nos termos do art. 6º, n.º 1 do RCP, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e, atenta a sua natureza e fim, como contrapartida tendencial do concreto funcionamento do sistema judiciário, o interessado deve pagar a taxa de justiça devida, no momento em que desencadeie a sua actividade processual – cf. Salvador da Costa, op. cit., pág., 135.
Nos termos do art.º 786º, n.º 1, b) do CPC, concluída a penhora, são citados para a execução os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, para reclamarem o pagamento dos seus créditos.
O credor que goze de garantia real sobre o bem penhorado – como é o caso da hipoteca incidente sobre o imóvel supra identificado - pode reclamar, pelo respectivo produto, o pagamento do seu crédito, devendo fazê-lo no prazo de 15 dias, a contar da sua citação, com base num título exequível – cf. art.º 788º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Findo o prazo para a reclamação de créditos, são notificados o executado, o exequente, os credores reclamantes, o cônjuge do executado e o agente de execução, podendo o exequente e o executado impugnar as reclamações, no prazo de 15 dias, a contar da respectiva notificação – cf. art.º 789º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Se houver defesa por excepção há lugar a resposta por parte do reclamante (cf. art.º 790º do CPC) e se a verificação de algum dos créditos impugnados estiver dependente de produção de prova, seguem-se os termos do processo comum declarativo, posteriores aos articulados, sendo que no despacho saneador são declarados reconhecidos os créditos que o puderem ser, ficando a graduação de todos para a sentença final (cf. art.º 791º, n.º 1 do CPC).
São estes, em traços gerais e muito simples, os trâmites legalmente previstos para o concurso de credores e reclamação de créditos no âmbito do processo executivo.
As reclamações de créditos que hajam de ser deduzidas correm termos como uma acção declarativa, acessória ou instrumental da execução, constituindo um único apenso – cf. art.º 788º, n.º 8 do CPC.
Sobre a natureza da reclamação de créditos como processo autónomo ou mero incidente da acção executiva a jurisprudência tem divergido, sendo certo que tal questão assumiu especial preponderância à data da introdução de alterações no regime das custas judiciais (do então Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL 224-A/96, de 26 de Novembro) pelo DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, cujo art.º 14º dispunha que tais alterações apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.
Nesse contexto, diversos acórdãos dos tribunais superiores se pronunciaram no sentido da natureza incidental e subordinada do apenso de reclamação de créditos ao processo executivo, considerando que seria aplicável o regime de custas vigente à data da instauração da acção executiva e não da apresentação da reclamação de créditos, que seria apenas um incidente da execução propriamente dito. Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 3-07-2007, processo n.º 2887/2007-1; de 10-11-2005, processo n.º 7874/2006-6 e do Tribunal da Relação do Porto de 22-01-2007, processo n.º 0642745, de 17-01-2005, processo n.º 0457125 e de 21-11-2005, processo n.º 0555682.
No entanto, detecta-se jurisprudência que já então considerava que a reclamação de créditos constitui um processo declarativo de estrutura autónoma, embora funcionalmente subordinado ao processo executivo, não sendo um mero incidente da acção executiva, tratando-se antes de um enxerto declarativo nesta acção, como processo diferente e autónomo – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-03-2009, processo n.º 202-A/1999.L1-1 e de 27-06-2006, processo n.º 4062/2006-1 e do Tribunal da Relação do Porto de 11-05-2006, processo n.º 0632162.
Actualmente, tal como já acima se deixou consignado, face à aplicabilidade a todos os processos pendentes do regime do RCP, com a redacção introduzida pela Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro, a qualificação do apenso de reclamação de créditos como incidente da acção executiva ou como processo autónomo, apenas teria relevância se se pudesse entender que, como incidente, deveria ser integrado no conceito de “outro incidente”, a ser tributado nos termos do art.º 7º, n.º 4 do RCP e Tabela II, pela taxa de 0,5 UC, o que, como é evidente, não pode suceder.
O art. 7º do RCP, sob a epígrafe “Regras especiais” (estando em causa nessa norma regras especiais sobre a fixação da taxa de justiça), prescreve, no respectivo n.º 4, que “a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a Tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
A norma em referência abrange, assim, situações muito diversas, visando definir, à partida, o valor da taxa de justiça a pagar aquando do impulso processual referente a cada uma delas.
O legislador distinguiu os incidentes dos procedimentos anómalos embora tenha estabelecido, para ambos, que a taxa de justiça devida seja determinada pela Tabela II.
Por força da redacção do art. 1º do RCP – “1. Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no presente Regulamento. 2. Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde o momento que possam dar origem a uma tributação própria” -, depreendendo-se que o legislador quis que os incidentes sejam considerados “processo” para efeitos de sujeição a custas.
Na definição da taxa de justiça devida pelos incidentes partiu-se daquilo que se deva ter por incidente normal.
Salvador da Costa define o incidente normal como aquele que “envolve uma sequência de atos processuais tendente à resolução de questões relacionadas com o objecto do processo, mas que, pelas suas particularidades, extravasa da sua tramitação normal” – cf. op. cit., pág. 146.
A regra geral é a de que, nos incidentes em geral e nas reclamações, as partes assumem a obrigação de pagamento da respectiva taxa de justiça no momento do impulso processual.
Salvador da Costa alerta, contudo, para a circunstância de, no contexto dos processos em geral, terem lugar várias ocorrências processuais que não devem ser tidas como incidentes para efeito de sujeição autónoma a taxa de justiça e custas stricto sensu por já estarem incluídas na tributação geral do processo, dando como exemplo a reclamação do despacho identificativo do objecto do litígio e enunciado dos temas da prova ou a reclamação do relatório pericial ou do indeferimento do requerimento de diligências probatórias e ainda o pedido de condenação por litigância de má fé ou de suspensão da instância.
Não obstante, existem na lei processual vários incidentes, típicos e atípicos, nominados ou inominados, aos quais se aplica o normativo em referência, como é o caso dos previstos nos art.ºs 296º a 361º do CPC.
Diversos destes incidentes/procedimentos normais referidos no n.º 4 do art. 7º do RCP, são os procedimentos ou incidentes anómalos nele mencionados e que o n.º 8 do mesmo normativo legal densifica como sendo “as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”.
“São pressupostos dos referidos incidentes e procedimentos a extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, que seja suscitada alguma questão descabida no quadro da sua dinâmica” – cf. Salvador da Costa, op. cit., pág. 150.
E acrescenta:
“A conclusão sobre a anomalia dos incidentes e ou procedimentos só é apurada por via da dinâmica da respectiva tramitação, pelo que o mínimo da taxa de justiça para eles prevista na tabela II não pode servir como base do pagamento relativo ao impulso processual. Mas serve para o agravamento da taxa de justiça inicialmente paga pelo requerente ou requerido aquando do mencionado impulso.
Assim, a taxa de justiça correspondente ao impulso processual atinente a qualquer incidente ou procedimento, anómalo ou não, é a que lhe corresponda segundo este Regulamento, funcionando a prevista na tabela II como medida do acréscimo à paga pelo responsável por ocasião daquele impulso.”
Tais incidentes, porque constituem ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide, devem ser tributados quando deduzidos, como resulta do n.º 4 do art 7º, podendo, contudo, suceder que por força da sua extraneidade isso não se verifique, situação em que, ao menos, a final, devem ser sujeitos a tributação.
Ora, neste mesmo art.º 7º, n.º 4 do RCP inclui a lei a taxa de justiça devida pelas execuções que deve ser também determinada de acordo com a tabela II, onde figura expressamente a taxa devida pela reclamação de créditos, distinguindo a reclamação com valor até 30 000,00, cuja taxa de justiça normal é de 2 UC e a de valor igual ou superior a 30 000,01 €, cuja taxa é fixada em 4 UC.
Ora, tendo presente a noção de processo para efeitos de sujeição a custas, tal como decorre do n.º 2 do art.º 1º do RCP, é evidente que a tramitação da reclamação de créditos dá origem a uma tributação própria, não podendo a dedução da impugnação à reclamação ser entendida como mero incidente ou “outro incidente” inominado, para efeitos de aplicação da taxa prevista na Tabela II (0,5 UC), mas antes como acto integrado numa sequência de actos processuais que contribuem para o desenvolvimento desta específica lide.
Note-se que nem a posição da doutrina que qualifica a reclamação de créditos como mero incidente da acção executiva poderá conduzir a tal ilação, dela se retirando apenas que o regime de custas será o da execução.
Neste sentido, refere Rui Pinto, in A Ação Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 821:
O conjunto das reclamações de créditos corre como uma acção declarativa acessória, incidental ou instrumental da execução. Essa acessoriedade é-o tanto no plano procedimental – um incidente, fisicamente constituindo um único apenso (cf. artigo 788º n.º 8), não integrando o procedimento de execução – como no seu objecto – autónomo, mas conexo à funcionalidade executiva global da causa.
Por isso, a reclamação de créditos não subsiste sem a execução a que corre por apenso. E tendo natureza incidental, segue o regime de custas à data da instauração da execução.”
Independentemente de esta acção ter natureza acessória, incidental ou instrumental, não subsistindo sem a execução, seguro é que segue toda uma tramitação processual autónoma necessariamente sujeita a tributação.
Assim, referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., Volume II – Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2020, pág. 192:
Estruturalmente, a reclamação de créditos configura uma petição inicial, devendo o reclamante alegar a titularidade de um crédito sobre o executado suportado em documento dotado de força executiva (art. 788º, n.º 2, 1ª parte) e a circunstância de tal crédito dispor de garantia real sobre um bem penhorado na execução, concluindo com o pedido de reconhecimento desse crédito e da garantia e de pagamento à custa do produto da venda do bem objeto da garantia, no lugar que lhe competir, no confronto com o exequente e com outros eventuais credores reclamantes. Esta peça processual deverá ser instruída, nos termos gerais, com a documentação pertinente, a começar pelo título executivo respeitante ao crédito reclamado e pela demonstração da garantia sujeita a registo, quando for o caso. A reclamação de créditos está sujeita ao pagamento de taxa de justiça (arts. 6º, n.º 1, 7º, n.º 1 e 14º, n.º 1, do RCP), sem prejuízo da eventual obtenção de apoio judiciário, nos termos gerais. O reclamante deve constituir advogado quando o valor do crédito reclamado exceda a alçada da 1ª instância (art. 58º, n.º 2).
A entrada da reclamação em juízo marca o início de um processo de natureza declarativa que tem por objeto a verificação e graduação de créditos e cujo julgamento compete ao juiz (art. 723º, n.º 1, al. b)). Tal processo corre por apenso ao processo de execução, havendo um único apenso independentemente do número de reclamações (art. 788º, n.º 8).”
De igual modo, não é a circunstância de a reclamação de créditos reunir todas as reclamações deduzidas num único apenso que lhe retira a autonomia bastante para estar, por si, sujeita a tributação, pois, como refere Salvador da Costa, “a unidade processual relativa à inserção de todos os instrumentos de reclamação realiza o princípio da economia processual, e a própria solução de apensação é implicada pelo facto de o concurso de credores prosseguir em paralelo com a acção executiva propriamente dita” – cf. O Concurso de Credores, Coimbra 1998, pág. 248.
A estrutura autónoma do processo declarativo relativo ao concurso de credores é também afirmada por José Lebre de Freitas, não obstante estar funcionalmente subordinado ao processo executivo, sendo que essa natureza declarativa do procedimento também não é objecto de dúvidas no ordenamento jurídico português – cf. A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, pp. 365; 373, nota (50); cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa 1997, pág. 635 – “O processo executivo pode comportar alguns processos declarativos incidentais, nos quais são apreciadas certas matérias com importância fundamental para a admissibilidade e a efectivação da execução. É o caso, por exemplo, do incidente de liquidação pelo tribunal […], dos embargos de executado […], da oposição à penhora […], da reclamação de créditos […] e dos embargos de terceiro […]. Relativamente a estes processos declarativos incidentais, apenas importa referir que valem neles os princípios gerais de qualquer processo declarativo.”; cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-2008, processo n.º 08B2990 –“Acerca da estrutura e natureza da, mais propriamente chamada de acção de verificação e graduação de créditos, diremos que se trata de uma acção declarativa autónoma relativamente à acção executiva ficando, porém subordinada a esta, por razões de funcionalidade e é processada por apenso à acção executiva. A sua autonomia radica na sua especificidade de acção declarativa, no seu objectivo próprio, diferente do da acção executiva (acção principal), seguindo cada uma os seus próprios trâmites, por vezes simultaneamente.”
Enquanto processo com tramitação processual que envolve uma individualidade susceptível de configurar a autonomia exigível como pressuposto de sujeição a custas, resulta evidente que o exequente, ao deduzir a sua impugnação à reclamação de créditos, está sujeito à obrigação de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela oposição apresentada.
Na situação sub judice, estando em causa um crédito reclamado no valor de 247 000,00 €, a taxa de justiça inicial devida pela apresentação da impugnação é equivalente a 4 UC, ou seja, 408,00 €[7], tal como considerado pela 1ª instância.
Como tal, diversamente do sustentado pelo recorrente, a apresentação do DUC comprovativo do pagamento de 51,00 € não tinha a virtualidade de demonstrar o pagamento integral do valor da taxa de justiça inicial devida pela apresentação da impugnação.
Não estando demonstrado o pagamento da taxa de justiça inicial devida, cumpria à secretaria do tribunal, tal como se verificou, dar cumprimento ao disposto no art.º 570º, n.º 3 do CPC, isto é, notificar o recorrente para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante.
Atente-se, aliás, que a secretaria descontou no valor da taxa de justiça devida o montante já pago (51,00 €), pelo que o valor da taxa e da multa se cifrava, tal como consta da guia de 6 de Agosto de 2020, em 765,00 €, pelo que nada há a apontar ao procedimento adoptado.
Improcedem as conclusões N. a U..
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3.2.5. Pagamento parcial taxa de justiça; oportunidade para pagamento do valor em dívida
Por fim, sustenta o recorrente que se está perante um caso de pagamento de taxa de justiça inferior ao devido, resultando do disposto no art.º 145º, n.º 3 do CPC que nessas situações não há lugar à recusa imediata da peça processual, tendo o interessado a possibilidade de cumprir o seu ónus sem sanção suplementar, procedendo à junção do comprovativo nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, pelo que o exequente deveria ter sido notificado para efectuar o pagamento do remanescente em falta, no prazo de 10 dias, e apenas se não fosse liquidado seriam aplicadas as cominações do art.º 570º, n.ºs 3 e 5 do CPC.
Sobre a comprovação do pagamento de taxa de justiça dispunha o art.º 145º do CPC, na sua redacção original, do seguinte modo:
“1 - Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2 - A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.
3 - Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º.
4 - Quando o ato processual seja praticado por transmissão eletrónica de dados, o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º.
5 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte, é a parte notificada para que proceda à junção de comprovativo de pagamento ou da concessão de apoio judiciário, sob pena de ficar sujeita às cominações legais.
6 - No caso previsto no n.º 4, a citação só é efetuada após ter sido comprovado o pagamento da taxa de justiça nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, ou ter sido junto aos autos o referido documento comprovativo.”
A propósito deste artigo refere o professor Miguel Teixeira de Sousa[8]:
“1 O artigo regula a comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário. […]
(b) A taxa de justiça deve ser paga por quem demande – isto é, tenha participação activa – na qualidade de autor ou de réu, de exequente ou de executado, de requerente ou de requerido, de recorrente ou recorrido ou de interveniente principal (art. 530.º, n.º 1 e 2; tb art. 552.º, n.º 7, 570.º, 642.º e 724.º, n.º 4, al. c)) […]
4 (a) O n.º 1 determina a obrigação da comprovação da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário. (b) O n.º 4 regula os modos de comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário. (c) Quando o acto processual seja praticado por via electrónica, o documento comprovativo deve ser apresentado por transmissão electrónica de dados (n.º 4, al. b); art. 9.º, n.º 4, RTE).
5 (a) A falta da comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela entrega de p.i. ou de requerimento executivo ou da concessão de apoio judiciário ao autor ou exequente implica a sua recusa pela secretaria (n.º 3 1.ª parte; art. 558.º, n.º 1, al. f), e 725.º, n.º 1, al. e)). (b) Quanto a outros actos (contestação do réu e interposição de recurso), a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, mas a parte deve proceder à comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário nos 10 dias posteriores (n.º 3); o preceito “não concede à parte um prazo adicional de 10 dias para efectuar o pagamento da taxa de justiça, após a prática do ato, facultando apenas a possibilidade de comprovar o pagamento nos 10 dias subsequentes” (RG 7/5/2020 (233/13)).
Daqui decorre, como é evidente, que o n.º 3 do art.º 145º do CPC ressalva expressamente as normas específicas aplicáveis à petição inicial, decorrentes do estatuído nos art.ºs 558º, f), 559º e 560º do CPC, no confronto com as previstas para a apresentação de outras peças processuais, como é o caso da contestação ou interposição de recurso.
No entanto, a referência constante do n.º 3 do art.º 145º do CPC de que a falta de junção do documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça ou de concessão do benefício de apoio judiciário não determina a recusa da peça processual não tem relevo para a questão que aqui importa resolver, pois que o prazo de dez dias que a norma concede para a junção do documento em falta começa a correr a partir da prática do acto processual – apresentação da contestação – e não de qualquer notificação que haja de ser efectuada (cf. art.ºs 145º, n.º 3 e 570º, n.º 3, primeira parte do CPC).
Daqui decorre que, apresentada a impugnação à reclamação de créditos, tendo o recorrente apresentado um documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça em valor inferior ao devido, o que equivale à falta de junção, poderia ter ainda, nos dez dias subsequentes, comprovado o pagamento da taxa de justiça devida, o que não fez (sendo seguro que não haveria que notificá-lo para o efeito, por se tratar de decorrência legal, para além do que o prazo em referência nunca se iniciaria a partir da devolução do comprovativo inicialmente apresentado).
Assim, na falta da apresentação, com a contestação, do documento que prova o pagamento da taxa, a contestação não é recusada (nem aqui o foi), ao contrário do que sucede com a petição inicial.
Nesse caso, o processo aguarda durante 10 dias que a apresentação seja ainda feita e só depois desse prazo a secretaria notifica o réu para pagar nos dez dias posteriores, acrescendo à taxa devida a multa fixada no n.º 3 do art.º 570º - cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 555.
Se, não obstante isso, o réu se mantiver em falta quanto ao cumprimento desse ónus, a lei prevê ainda a intervenção do juiz no sentido de lhe dirigir um convite para proceder, em 10 dias, ao pagamento daquela taxa e da multa em falta e de uma multa fixada nos termos do n.º 5 do art.º 570º do CPC.
Foi o que sucedeu neste caso.
O recorrente apresentou a sua impugnação, comprovou apenas o pagamento de um valor inferior ao da taxa de justiça devida e decorridos dez dias sobre a prática do acto não comprovou o pagamento do valor efectivamente devido. A secretaria notificou-o para proceder ao pagamento da taxa e da multa a que alude o n.º 3 do art.º 570º do CPC, sem que tais montantes tenham sido pagos. Em face disso, o senhor juiz a quo ordenou o cumprimento do disposto no art.º 570º, n.º 5 do CPC, o que fez regularmente e em estrito cumprimento do legalmente estatuído.
Improcedem, assim, as conclusões V. a DD., pelo que o recorrente decai integralmente no presente recurso, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recurso interposto pelo impugnante improcede totalmente.
O reclamante/recorrido não influenciou a decisão recorrida nem a decisão deste recurso.
Estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso porque o recorrente procedeu ao seu pagamento (cf. Ref. Elect. 17862424) e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas em qualquer das suas vertentes (cf. art. 529º, n.º 4 do CPC).
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Sem custas.
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Lisboa, 22 de Março de 2022[9]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Adiante designado pelo acrónimo DUC.
[3] Adiante designado pela sigla RCP.
[4] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[5]O pagamento das custas e o pagamento antecipado de encargos, multas, taxa sancionatória excecional e outras penalidades é efetuado mediante a emissão de guia acompanhada do DUC, para além dos demais casos previstos na presente portaria, quando caiba à secretaria notificar a parte para o pagamento da taxa de justiça.”
[6] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.
[7] A unidade de conta está fixada em 102,00 €, correspondente a ¼ (arredondado à unidade de euro) do valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que em Dezembro de 2008 era de 407,41 €, conforme Portaria n.º 9/2008, de 3 de Janeiro e art.º 22º do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, na redacção dada pelo DL n.º 181/2008, de 28 de Agosto, valor que tem sido sucessivamente mantido inalterado pelas Leis do Orçamento de Estado. A actualização do valor da UC foi suspensa pelo art.º 178º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o que se manteve no art.º 232º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro.
[8] In CPC Online acessível em https://drive.google.com/file/d/1qzde5c6tXYwvik4b5A5uZkrBCbmwLLrP/view.
[9] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.