Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1118/18.9T8VRL.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) Em sede de danos patrimoniais com fundamento em perda de chance, por actuação de advogado em juízo, é indispensável o “julgamento dentro do julgamento” quanto à verificação da existência do dano e à sua quantificação.
II) Sendo a decisão de facto da Relação fundada em meios de prova sujeitos a livre apreciação a questão decisiva da acção, não pode o Supremo Tribunal de Justiça reverter a decisão.
III) Em tal caso, o incumprimento pelo mandatário das instruções do cliente para interposição de revista não é causa da perda da demanda.
(AAC)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO

A instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra N e SEGUROS…, S.A, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), ou outra a fixar pelo Tribunal, de acordo como seu prudente arbítrio e recurso a critérios de equidade, valor esse acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal civil em vigor, a contar da citação dos Réus para os presentes autos.
Alegou para tanto, em resumida síntese, que intentou uma acção para exigir o pagamento de €100.000,00 a uma empresa com quem contratara, tendo obtido vencimento em primeira instância, decisão revogada na Relação de Guimarães.
Após a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães contactou o Réu, uma vez que era outro o advogado que o patrocinava na acção, para obter opinião sobre a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao que o Réu respondeu afirmativamente, passando a patrocinar o Autor na acção, com a incumbência de interpor esse recurso, o que não fez no prazo legal, deixando de atender as tentativas de contacto feitas pelo Autor.
Em Setembro de 2016, o Autor teve conhecimento de que o Réu não havia intentado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e de que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães havia transitado em 13 de Maio de 2016.
A probabilidade de o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça obter procedência era grande, uma vez que a questão se centrava na interpretação de uma cláusula negocial, sendo a posição de primeira instância a que melhor se ajusta ao contratado pelas partes.
O Réu aceitou o patrocínio da causa em que o Autor era demandante e disse estar a preparar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça conforme instrução do Autor, o que não fez, razão pela qual o Autor perdeu a oportunidade de vir a receber a quantia de €100.000,00, cuja possibilidade de êxito estima em 100%.
A Ré contestou por excepção e por impugnação. Alegou a excepção peremptória de falta de cobertura temporal da apólice, tendo alegado que o seguro vigorou entre 1 de Janeiro de 2014 e as 0:00 de 1 de Janeiro de 2018 e que o sinistro foi pela primeira vez comunicado à Ré com a sua citação nos presentes autos a qual ocorreu em 04 de Junho de 2018.
Mais alega que, ainda que concretamente existisse uma actuação ilícita imputável ao Réu advogado no âmbito do referido alegado patrocínio assumido perante o Autor, a sua responsabilização civil dependeria sempre do apuramento dos danos e da relação de causalidade entre estes danos e a conduta negligente. Sendo assim, a obrigação alegadamente assumida pelo Réu era uma obrigação de meios e não de resultados.
De todo o modo, continua, a alteração da decisão de facto pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi determinante para o sentido da decisão e não podia ser revertida pelo Supremo Tribunal de Justiça o que determina que as hipóteses de sucesso do recurso fossem nulas.
Concluiu pela procedência das excepções e improcedência da acção.
O Réu contestou excepcionando a sua ilegitimidade e impugnando a existência de um contrato de mandato entre si e o Autor ou que lhe tivesse sido cometida a apresentação do mencionado recurso.
Pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé.
O Autor respondeu por escrito às contestações, a convite do tribunal, concluindo como na inicial.
Cumprido o demais legal, houve audiência de julgamento após a qual foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando os Réus a pagar ao Autor €50.000,00 e juros de mora.
O Autor interpôs recurso dessa sentença, o qual não foi admitido por intempestividade, decisão de primeira instância que foi revogada por esta Relação, sendo admitido o recurso. O Autor concluiu como segue as suas alegações:
PRIMEIRA CONCLUSÃO
No presente recurso estão os recorrentes a impugnar matéria de facto (artigo 640.º, do CPC) e matéria de direito, como o artigo 639.º, do mesmo CPC, possibilita também.
SEGUNDA CONCLUSÃO
Posto isto especifica-se, em cumprimento do artigo 640.º, do CPC, o seguinte:
A) O concreto ponto de facto que o recorrente considera que foi incorretamente julgado na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC), foi, o constante do ponto 1, sob a epigrafe factos não provados, de tal sentença.
Sendo tal facto, esclareça-se, aquele que, de seguida, vai ser indicado.
Estando, esclareça-se também, a referir-nos apenas a factos essenciais, que são até principais ou nucleares, e não meramente complementadores ou concretizadores, e não já a quaisquer factos instrumentais, factos instrumentais esse que, muito embora o Juiz tenha que os tomar em consideração, na sentença que profere, não precisam de, na mesma sentença, ser dados como provados, principalmente quando a prova dos mesmos é totalmente documental, maxime se se tratar de documentos autênticos.
Facto 1 - Durante os dias que se seguiram no mês de abril de 2016 e no mês de maio de 2016, o Autor tentou contactar o primeiro Réu, no sentido de saber o estado da situação.
B) Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação, nele processo realizada, que impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (artigo 640.º-1-b), do CPC), isto é, que impunham, que o facto 1, constante da alínea A) anterior, devesse ter sido dado como provado, é a prova por declarações de parte do recorrente A, meio probatório esse que, quando a sentença agora sob recurso, foi, em 03 de março de 2022, proferida, se encontrava já nos autos.
C) A decisão que, no entender do recorrente, deveria ter sido proferida, sobre a questão de facto impugnada (artigo 640.º-1-c), do CPC), isto é, sobre o facto 1, constante da alínea A) anterior, era, e é, ser, e ao contrário daquilo que sucedeu, esse facto ser considerado provado, passando pois a ter a matéria de facto a seguinte redação:
Facto 1 - Aquele que sob o ponto A foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 2 - Aquele que sob o ponto B foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 3 - Aquele que sob o ponto C foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 4 - Aquele que sob o ponto D foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 5 - Aquele que sob o ponto E foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 6 - Aquele que sob o ponto F foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 7 - Aquele que sob o ponto G foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 8 - Aquele que sob o ponto H foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 9 - Aquele que sob o ponto I foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 10 - Aquele que sob o ponto J foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 11 - Aquele que sob o ponto K foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 12 - Aquele que sob o ponto L foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 13 - Aquele que sob o ponto M foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 14 - Aquele que sob o ponto N foi, na sentença apelada, dado como provado.
Facto 15 - Durante os dias que se seguiram no mês de abril de 2016 e no mês de maio de 2016, o Autor tentou contactar o primeiro Réu, no sentido de saber o estado da situação.
TERCEIRA CONCLUSÃO
Por fim, e para finalizar esta temática da impugnação da matéria de facto, mencione-se, como se menciona, e atrás se referiu já, que, havendo, como há, meios probatórios invocados, como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, em CD, através do sistema de gravação digital, do Juiz 2, do Juízo Central Cível de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, através do programa Habilus, declarações de parte do recorrente, A, indicam-se, com exatidão, em cumprimento do comandado no artigo 640.º-2-a), do CPC, as passagens da gravação em que se funda, quanto à alteração da matéria de facto pretendida, o presente recurso, passagens essas, que, tomando como referência a ata da sessão de audiência de discussão e julgamento em causa, sessão essa que teve lugar no dia 19 de janeiro de 2022 , vão, no que toca ao facto em questão Dia 19 de janeiro de 2022 − Declarante de parte – A desde as 16 horas, 00 minutos e até às 16 horas, 16 minutos, desse depoimento resultando claramente provado o facto em causa.
QUARTA CONCLUSÃO
Passando agora à impugnação da matéria de direito, refira-se, como se refere, que tal impugnação consiste em ser entendimento do recorrente, que a probabilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi interposto obter êxito, seria de, 100%, e não de 50%, como foi considerado na sentença apelada.
O que decorre do cotejo dos fundamentos da sentença de 1ª Instância, com os do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães em causa, sendo certo que aqueles são muitíssimo mais convincentes do que estes.
QUINTA CONCLUSÃO
Devendo, por isso, ou seja, por erros, quanto ao julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até que seja, para com a Distinta Senhora Doutora Juíza que a proferiu, até porque, e como é por demais sabido, alli quando dormitat Homerus, Homerus qui Homerus erat , ser, a sentença em causa, posto que mui douta, anulada (artigo 639.º-1, in fine, do CPC).
SEXTA CONCLUSÃO
Prolatando-se, para isso, não menos douto acórdão, que considere que a sentença recorrida incorreu em erros no julgamento da matéria de facto e no da matéria de direito, e que, consequentemente, utilizando a vertente cassatória do nosso sistema de recursos, anule tal sentença (artigos 639.º-1-in fine, do CPC), e, lançando mão da vertente de substituição, do mesmo sistema revulsório, vertente essa prevista aliás, nomeadamente, no artigo 652.º, do mesmo CPC, determine, isso decidindo, que os réus deverão ser solidariamente condenados a pagar ao autor a importância mínima de 100.000,00 euros, o que tudo se peticiona a V. Exas.
Assim decidindo, como, temos disso a mais firme e completa certeza, não poderá, nem irá deixar de suceder, farão V. Exas., Exmos.(as). Senhores(as) Doutores(as) Juízes(as) Desembargadores(as) do Tribunal da Relação de Guimarães, a melhor e mais justa justiça, que aliás soem sempre fazer, pelo que a ela nos têm, e de uma forma sistemática, habituados.
A Ré interpôs recurso e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
1. Nos presentes autos o Autor invoca a prática de facto ilícito culposo decorrente do incumprimento do mandato que conferiu ao R. Advogado Dr. F, que mandatado para o efeito não interpôs recurso da decisão proferida no âmbito da acção n.º …/12.2TBVRL, não tendo sido apreciado o mérito do mesmo;
2. Em consequência, peticiona a condenação solidária dos Réus no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, computando-os na quantia de € 100.000,00;
3. Face à prova produzida o Tribunal a quo julgou provada responsabilidade civil profissional imputada ao Réu Advogado, julgando justa e adequada a fixação de uma indemnização por perda de chance no valor de €50.000,00;
4. A ora Recorrente Seguradora … foi também condenada, uma vez que o Tribunal a quo julgou improcedente a excepção peremptória relativa à falta de cobertura temporal da apólice de seguro titulada pela apólice n.º …, com o qual não se conforma, e que constitui fundamento/objeto do presente recurso;
5. De facto, e face à matéria de facto julgada provada e assente – em particular os pontos K, L, M e O – sempre aquela exepção peremptória deveria ter sido julgada procedente, termos em que caberá ao Tribunal ad quem revogar – nesta parte – a decisão proferia em primeira instância e absolver a ora Recorrente, sob pena de oposição entre os fundamentos e a decisão propriamente dita, o que constitui nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1 al. c) do CPC;
6. Mais, com o respeito que é devido, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente o disposto nos artigos 100.º e 101.º da Lei do Contrato de Seguro;
7. Do mesmo modo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o Tribunal a quo convocou e transportou para sentença condenatória tampouco foi devidamente interpretada e aplicada ao caso e factos da presente demanda, pelo que também por esta via terá o Tribunal ad quem que revogar – nesta parte – a decisão proferida, julgando procedente a exceção de falta de cobertura temporal da apólice contratada junto da Seguros…, o que se requer sob pena de violação das normas contratuais e do disposto no artigo 139.º, n.º 2 e 147.º, n.º 2, ambos da Lei de Contrato de Seguro;
8. De facto, nos termos previstos na cláusula 4.ª das Condições Especiais da apólice …, o contrato de seguro em apreço apenas será competente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador; b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto;
9. Prevê expressamente a cláusula 7.ª das condições especiais da apólice … (sob a epígrafe “ÂMBITO TEMPORAL”), que pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato;
10. E determina ainda a cláusula 10.ª das Condições Particulares do contrato que o “Período de Cobertura” da apólice será: temporário por 12 meses, com data de início às 0.00 horas do dia 01 de janeiro de 2017 e termo às 0.00 horas do dia 1 de janeiro de 2018;
11. A apólice de seguro n.º … reveste (à semelhança das demais apólices de seguro que, ao longo do tempo, têm sido contratadas pela Ordem dos Advogados), a natureza de apólice “claims made”, correspondendo a data do sinistro à data da primeira reclamação;
12. A qualidade ou natureza da apólice, quer seja de ocorrência quer seja de reclamação, permite, assim, delimitar o período da sua cobertura, evitando que as apólices garantam todo e qualquer sinistro ad eternam, o que não só é admissível ao abrigo do artigo 139.º, n.º 2 da Lei do Contrato de Seguros (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril), como lógico;
13. Da factualidade vertida no ponto K da sentença recorrida, a apólice de seguro de grupo de responsabilidade civil contratual celebrada com a Recorrente Seguros… esteve em vigor entre 01.01.2014 até 31.12.2017, tendo a primeira reclamação ocorrido em 04.06.2018 – cfr. Facto O – já durante o período de cobertura de outra apólice de seguro de grupo contratada pela Ordem dos Advogados junto de outra seguradora congénere;
14. Termos em que aplicando o direito aos factos julgados provados, a exceção perentória de falta de cobertura temporal da apólice da Seguros…, alegada em sede de contestação, teria que ser, necessariamente, julgada procedente, o que não ocorreu e terá que necessariamente corrigido pelo Tribunal ad quem;
15. Na verdade, admitir como possível que a presente apólice cubra temporalmente o sinistro em apreço, quando o mesmo foi reclamado posterior ao fim da vigência do contrato celebrado com a Seguros… e durante a vigência de outro contrato de seguro, é negar à apólice a sua qualidade de claims made, violando, por um lado, as normas do contrato de seguro – em concreto Cláusula 4.ª das Condições Particulares (sob epígrafe “DELIMITAÇÃO TEMPORAL”) e Cláusula 7.ª das mesmas condições (sob a epígrafe “ÂMBITO TEMPORAL”) – e, por outro, o disposto nos artigos 39.º, 40.º, 42.º, 139.º, n.º 2 e 147.º, n.º 2 da Lei do Contrato de Seguro, que admite a sua existência;
16. O Tribunal a quo julgou improcedente a exceção de falta de cobertura da apólice por entender (erradamente) que a mesma se reconduzia a uma exclusão da apólice por falta de participação, fundada no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro, termos em que não seria oponível à lesada ao abrigo do disposto no n.º 4, artigo 101.º da Lei do Contrato de Seguro;
17. Todavia, a exceção de falta de cobertura temporal da apólice não se reconduz a qualquer falta de participação ou incumprimento do dever de participação do segurado, prevista no artigo 101.º da Lei do Contrato de Seguro, antes à cessação do contrato de seguro, ancorada na Cláusula 4.ª das Condições Particulares (sob epígrafe “DELIMITAÇÃO TEMPORAL”) e Cláusula 7.ª das mesmas Condições Particulares (sob a epígrafe “ÂMBITO TEMPORAL”) e artigos 39.º, 40.º, 42.º, 139.º, n.º 2 e 147.º, n.º 2 todos da Lei do Contrato de seguro;
18. A (in)aplicabilidade temporal da apólice é a forma de limitação temporal do seu escopo, atenta a necessária data de início/fim do contrato, apresentando-se como uma questão antecedente a qualquer incumprimento de deveres de participação;
19. Acresce que, e com o respeito que é devido o Tribunal a quo sustenta a sua posição no acórdão proferido pelo STJ em termos errados;
20. Da leitura atenta do douto Aresto de 14.12.2016 – Processo n.º 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1 – resulta que naquela demanda foi julgada uma questão atinente ao contrato de seguro, a saber: (i) a exclusão das coberturas da apólice atento o pré-conhecimento do segurado;
21. Resulta, pois, com todo o respeito, um erro de raciocínio e de interpretação no qual o Tribunal a quo recaiu quando convocou o referido aresto, que apenas se limitou a julgar improcedente aquela exclusão das coberturas da apólice atento o pré-conhecimento do segurado, nada versando sobre a (in)aplicabilidade temporal da apólice;
22. Esta exclusão é contratualmente alicerçada no disposto artigo 3.º al. a) das Condições Gerais da apólice, sob a epígrafe “Exclusões”, que se reconduz ao incumprimento dos deveres de participação, conforme tem sido o entendimento da jurisprudência, mas que em nada se relaciona com a falta de cobertura temporal da apólice, que apenas delimita o seu escopo;
23. Em face da factualidade julgada provada nos presentes autos – em concreto os artigos K, M, L e O - sempre terá o Tribunal ad quem que julgar procedente, por provada a exceção de falta de aplicabilidade temporal da apólice contratada junto da Seguros…, tal como alegada em sede de contestação, revogando, nesta parte, a sentença proferida em primeira instância, sob pena de violação do clausulado da apólice e do disposto nos artigos 39.º, 40.º, 42.º, 139.º, n.º 2 e 147.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Contrato de Seguro. Sendo certo que, com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo, interpretando e aplicando incorretamente o disposto no artigo 100.º e 101.º da Lei do contrato de seguro e, bem assim, os arestos do Supremo Tribunal de Justiça, à exceção invocada de falta de cobertura temporal da apólice, por confusão com a exclusão de pré-conhecimento, termos em que também por esta via a sentença terá que ser substituída por outra que proceda à correta aplicação do direito aos factos, Só assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
O Réu interpôs recurso e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
A) O Tribunal “A quo” entendeu dar como provada a seguinte factualidade:
Al. D) Decidida que estava a causa no Tribunal da Relação, o Autor procurou o primeiro réu, no sentido de obter a sua opinião sobre a possibilidade de recurso.
Al. E) O Autor, após conferenciar com o primeiro réu, e de acordo com a opinião jurídica deste, decidiu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Al. F) O Autor deu indicações ao 1. Réu para recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça
Al) G) O que ocorreu no mês de Abril de 2016
Ora sobre a matéria em análise, unicamente a Testemunha RM prestou depoimento direto sobre tal, pelo que, a análise de tal tema, se recorta unicamente as suas declarações.
B) Elencada que esta o essencial da prova testemunhal prestada pela Testemunha RM, duvidas não restam que a al D) dos factos provados, terá de ser dada como não provada,” Decidida que estava a causa no Tribunal da Relação, o Autor procurou o primeiro réu, no sentido de obter a sua opinião sobre a possibilidade de recurso”.
C) Efectivamente, da prova produzida a testemunha, afirma e infirma, que era o mesmo que efetuava os contactos com o cliente, AM, era o mesmo que possuía procuração do mesmo e, em momento algum, refere que o A. se dirigiu ao 1.R, afirmando sempre ao longo do seu depoimento, que o mesmo era quem falava com a testemunha seu cliente, chegando inclusive a referir que o Sr. M não conseguiu falar com o 1. R.
D) Assim como tal, a matéria esplanada na alínea D) dos factos assentes terá obrigatoriamente de ser dada como não provada
E) Quando aos factos, dados como provados na aliena E) O Autor, após conferenciar com o primeiro réu, e de acordo com a opinião jurídica deste, decidiu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
F) Sobre tal, nenhuma prova cabal foi efectuada, sendo que inclusive a única testemunha directa de tal Dr. RM (percebendo-se a dificuldade em ter posição), depõe começando sempre o seu discurso com a expressão “Não me lembro; não me recordo”. Veja-se; não consegue precisar em que momento existiu uma única reunião com a mesma, o 1.º R. e o Autor, mas afirma perentoriamente que a mesma foi no verão.
G) Ora, salvo o devido respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, data de Abril de 2016... como é bem de ver, abril aguas mil! E é facto notório, que “No verão”, só pode a testemunha estar a referir-se aos meses de junho, julho e por diante. Muito depois de qualquer prazo, para recurso. Mas também, é a própria testemunha, que aceita que nada se alterou desde a primeira data; a procuração era a mesma, a realidade fáctica a mesma (era a testemunha que falava com o seu cliente), a testemunha não falava com o 1.R.
H) Mais nenhuma prova sobre tal, foi carreada para os autos, nem mesmo em sede de depoimento de parte do A.! E veja-se que em tal propalada data, a testemunha confessou já não partilhar o mesmo espaço físico do 1. R. Pelo que, tal facto deverá ser dado como não provado.
I) Quanto a matéria vazada na al. Al. F) O Autor deu indicações ao 1. Réu para recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça
J) A bem da verdade, o depoimento da testemunha, esclarece indubitavelmente que o mesmo não pode ser dado por assente: minuto - 8 38 Testemunha: “Eu quando apresento o Dr. M ao Dr. AC já lhe tinha dito que era uma ação relativamente grande e no início de carreira não me sentia muito à vontade...” Meritíssima Juíza: “Mas eu estou, parece que não me fiz entender. Vou tentar reformular; quando recebe o acórdão da Relação de Guimarães que vai revogar a sentença de primeira instância contatou com o Dr. N?” Testemunha: “Sim ou pelo menos terei lhe enviado o acórdão.” Meritíssima Juíza: “Quando fala na combinação para quem interporia o recurso foi uma situação que se passou entre o Dr. N e o Dr. R e que depois terá sido comunicada ao autor?” Testemunha: “Eu já não sei...” Meritíssima Juíza: “Ou foi o autor, foi aqui o Sr. A que disse: não quem vai fazer o recurso é o Dr. N”. Testemunha: “Eu não sei em que termos foi.... porque nós... eu realmente recordo-me dessa reunião no verão ali na Costa da Caparica e recordo-me foi isso que ficou estabelecido.” Minuto 3 54: Testemunha: “Quando lhe digo que nós concordamos fazer desta maneira já não me recordo de falar na reunião presencial que tivemos cá em Lisboa ou se foi através de algum contato telefónico mas vamos lá ver Sra. Dra. se eu vou dizer ao cliente que nós combinamos de uma determinada maneira é porque se eu vou dizer ao cliente que não sou eu a fazer o recurso mas é o Dr. N é porque eu falei com o Dr. N antes nestas situações as coisas são como são até podia dizer ao senhor M sou eu que vou fazer o recurso seja o que Deus quiser se eu lhe disse que tínhamos combinado.”
K) A testemunha em causa, é absolutamente contraditória, num espaço de minutos, dando o dito por não dito, acabando por não responder em concreto.
Veja-se, a instâncias da Advogada da 2.R: Minuto – 13.50 Testemunha: “...nós, realmente quando falei com ele disse-lhe... foi o que lhe disse estamos a analisar também não concordamos em princípio. Isto será para fazer recursos para o Supremo......sim, sim.”
Advogada da Seguradora: “Sr. Dr. e quando diz nós analisarmos e não concordamos o Sr. Dr. disponibilizou o acórdão ao Sr. Dr. AC e foi na sequência da opinião do Sr. Dr. AC que enviou ao seu constituinte, autor esta análise na diagonal; o Sr. Dr., Isto é só para perceber, aqui é dito que a determinada altura terá havido uma reunião em que terá decidido recorrer”.
Testemunha: ”Ô Sra. Dr. eu não consigo precisar em que altura quando é que foi decidido a interposição do recurso isso não lhe consigo mas em termos de lógica Exatamente pela maneira de trabalhar e nós recebermos o acórdão naturalmente via sítios ser feito um print em que disse ao Dr. AC, se estava no escritório ou não se estivesse provavelmente iria olha quando tiveres tempo para ver eventualmente terá ficado na Secretária e eu terei falado para o Sr. M nessa altura foi o ainda não ouvimos seria para analisar o objetivo seria intentar recurso. Isto como lhe digo foi o primeiro ímpeto e, entretanto, começou a correr o prazo e, entretanto, não sei o que se terá passado.”
Advogada da Seguradora: “Mas não houve nenhuma reunião consigo com o Sr. N e com o cliente presencial?”
Testemunha: “Nós tivemos uma reunião como eu referi foi no verão eu aí não consigo precisar se foi dentro do prazo de recursos ou depois do prazo de recursos e realmente aí também falou se e discutiu-se seria para avançar com um recurso.”
Advogada da Seguradora: “O Sr. Dr., mas já foi antes ou depois do recurso?
Testemunha: “Eu não sei é assim, entretanto nós começamos com a situação do cliente... não sei se o prazo do recurso terminaria depois das férias ou se, entretanto, o prazo terminou se já foi uma reunião para tentar remediar alguma coisa.”
Advogada da Seguradora: “Se calhar fará algum sentido não Sr. Dr.”
L) A única testemunha sobre o facto em causa, não consegue precisar se em algum momento o 1.º R., esteve com o A., sendo que a precisar algum momento terá sido no Verão (naturalmente de acordo com as regras comuns, depois do prazo em causa) e, o Tribunal “ A quo” consegue extrair a ilação de que em Abril o 1.ºcR terá recebido instruções do A.
M) E como confessadamente aceita, a mesma já não partilharia o mesmo espaço físico com o 1. R..... pelo que, salvo o devido respeito, a matéria dada como assente, na alínea F) O Autor deu indicações ao 1. Réu para recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, não pode ser dada como provada, porquanto mais nenhum meio de prova foi carreado para os autos, relativamente a matéria em análise.
N) O mesmo valendo para a matéria vazada na Al) G) O que ocorreu no mês de Abril de 2016, da matéria dada como provada, terá de seguir idêntico caminho.
O) Com efeito, não existe nada nos autos, seja prova documental ou testemunhal que corrobore a conclusão em causa; efectivamente a única testemunha com conhecimento directo, não consegue apontar qualquer data ou momento, antes sim afirmando que a reunião a ter existido foi no Verão, e que, não se recorda se antes ou depois do termo de prazo para recurso.
P) Pelo que, a matéria dada como assente, sob alínea G), deve ser dada como não provada.
Q) Entendeu o Tribunal “ A quo”, dar como provada, a existência de um contrato de “prestação de serviços na forma de mandato”, pese embora sobre tal factualidade unicamente a testemunha Dr. R Advogado do A., a data dos factos e bem assim ao que se sabe ainda advogado do mesmo, depois.
R) Recorta-se claro no Ponto 5 da matéria dada como “NÃO PROVADA”, o seguinte facto: “O Réu aceitou o patrocínio da causa e sempre disse ao Autor que estava a preparar o recurso para o STJ”
S) Em momento algum, se demonstrou que o R. tenha aceite o patrocínio da causa e que o mesmo tivesse dito ao autor que estava a preparar o recurso para o STJ
T) No entanto, Decidiu o Tribunal “A Quo”, entender que “Ainda assim, resultando apurado que o A. incumbiu o 1. R de interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães para o Supremo Tribunal de Justiça, e que este se comprometeu a tal, que o R. se obrigou a prática de um acto jurídico e, como tal, foi entre ambos celebrado um contrato de prestação de serviços na modalidade de mandato; No entanto, não se mostra possível, não aceitar o patrocínio da causa e ao mesmo tempo aceitar um CONTRATO DE PRESTAÇAO DE SERVIÇOS NA MODALIDADE DE MANDATO para recorrer nessa mesma causa? Ora, não tendo ficado demonstrado nos autos que o 1. R., tenha aceite o patrocínio da causa, como pode o Tribunal “A quo” concluir, pela existência de um contrato de prestação de serviços na modalidade de mandato. - cfr. página 30 da sentença em sindicância.
U) Parece o Tribunal “a quo” esquecer, que para haver um contrato de prestação de serviços de natureza jurídica (i.e., especialmente para representação em juízo junto do STJ), o mesmo terá de ser aceite pelo mandatário. Sendo que, conforme ficou demonstrado, a Testemunha “R, confirmou o seu patrocínio do A., na aludida Acão judicial que correu os seus termos, tendo subscrito as respetivas peças processuais, para o que foi devidamente mandatado pelo A- mandato esse que ainda hoje se mantem - “ A testemunha referiu expressamente não ter renunciado à procuração (inexistindo quaisquer elementos nos autos que infirmem tal declaração) – cfr. sentença.
V) O Código Civil define mandato no art.º 1157º como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra”. O mandato judicial é então um contrato pelo qual o advogado, mandatário, se obriga a representar a parte, mandante, em litígio. É, portanto, o meio pelo qual se constitui advogado, e deve assumir a forma, de documento público ou particular (nos termos do Código do Notariado e da legislação especial) ou de “declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo”. A sua eficácia depende da aceitação – expressa ou tácita – do mandatário. (art.º 44.º do CPC)
W) Como é bem de ver, não existe qualquer prova nos autos, que o A., tenha aceite o Putativo contrato de prestação de serviços ( ao que parece de mandato...), seja de forma expressa seja de forma tácita. Com efeito, a sentença em análise, corrobora tal , nos seguintes termos: Pág. 30 in fine : “ Depois de ter havido ganho de causa, terá sido interposto recurso da contra-parte, altura em que a testemunha elaborou as contra alegações “ a meio” com o R. N. Vinda a decisão do Tribunal da relação de Guimarães, acordaram entre si recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo ficado o R. de elaborar as alegações de recurso, as quais entrariam em juízo mediante a intervenção da testemunha, apesar de, nesta altura, já não trabalhar com o R., acrescentando que não contou o prazo para a interposição do recurso.
X) Pelo que, a ser dado como provado, o limite seria que entre o advogado do A. e o 1. R, teria havido um acordo (não se sabendo, em que termos) em momento algum existiu qualquer acordo com o A., por parte do primeiro R.
Y) é condição de eficácia do mandato, a aceitação do mesmo, decorre UNICAMENTE de 2 atuações por parte do mandatário, a saber a Manifestada no próprio documento (publico ou privado) ou Resultar de comportamento concludente do mandatário.
Z) Não se atinge assim, como a mera declaração de uma testemunha, RM, para mais “entalado entre duas posições adversas”, consiga suprir, tal desiderato, i.e., não existência de qualquer declaração de aceitação por parte do 1.R., nem o mesmo ter adoptado qualquer (ou melhor nenhum) comportamento que levasse a que pudesse ser entendido, que havia aceite o mandato!!! Unicamente diz que existiu um acordo entre ele (testemunha) e o 1.º R, que iriam recorrer para o STJ e que seria o primeiro R. o responsável para produzir as mesmas, mas que seria a testemunha responsável por enviar o mesmo sendo que a data (2016), nem a desculpa do CITIUS serve... as alegações, (como é facto notório, não carecendo de prova), para o STJ, seguiam a forma escrita e em suporte de papel.
AA) Como é obvio, o papel do 1.R., nesta realidade seria de aconselhar e ajudar a Testemunha- advogado do A., face a sua propalada inexperiência, como sucede diariamente nas relações entre advogados que partilham o mesmo espaço físico. Mas em momento algum, assumiu o patrocínio fosse do que fosse, eram assuntos tratados dentro do escritório, sendo todos os contactos efectuados pela Testemunha com o seu cliente, aqui A.
BB) Pelo que o Tribunal “A quo” violou normas legais, fazendo uma incorrecta aplicação do disposto nos Art.ºs 44.º e 373.º ambos do CPC e 342.º do Código Civil (ónus da prova).
CC) A sentença em causa, viola de forma directa o Acórdão de fixação de jurisprudência 2/ 2022 publicado no DR N.º 18/2022 DE DIA 26 DE JANEIRO DE 2022, CONQUANTO A SENTENÇA EM SINDICANCIA DATA DE 2 DE MARÇO DE 2022.
DD) Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art.º 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art.º 629º, nº 2, al. c), do CPC.
EE) Pelo que, é por demais evidente, que desviando-se o Tribunal “ A Quo” da matriz imposta (solução), por um AUJ (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência), o seu dever de fundamentação deverá ser de profundíssima reflexão, assim como de elevada craveira jurídica, porquanto o dissenso entre soluções deverá ser reforçadamente explicada, ao ponto de na mente da parte que não obteve vencimento, mas esperando decisão que comportasse entendimento experimentado, lhe possa fazer sentido posição diversa, ainda que unicamente na sua vertente lógico-dedutiva legal.
FF) NENHUMA alusão a existência do aludido AUJ é efectuada pelo “Tribunal A Quo”, agindo tale qual e como se o mesmo não existisse na ordem jurídica; em momento bastante anterior, a prolação da sentença agora em sindicância.
GG) Ainda que destituída de força obrigatória geral, por via de imposição constante em norma legal, a jurisprudência uniformizadora acaba por se impor aos tribunais inferiores e até ao próprio STJ em recursos posteriores, na medida em que persistam os pressupostos que a determinaram.
HH) Assim, tendo em conta o sentido e o valor que se atribuiu à jurisprudência uniformizada, parece óbvio que, enquanto se mantiverem as circunstâncias em que se baseou a tese do Supremo, os Tribunais Judiciais devem acatá-la, na medida em que, não o fazendo, além de esse não acatamento poder representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados, podem ser provocados graves danos na celeridade processual e na eficácia dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição de recurso.
II) Sobre a mesma matéria em análise, i.e., perca de chance processual e no seio da mesma legislação em vigor, foi entendido pelo STJ, uniformizar jurisprudência, no seguinte sentido: “O dano, perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”
JJ) Andou mal o Tribunal “A quo”, conquanto, para alem de ignorar jurisprudência firmada do STJ, não justifica de forma cabal a razão de se afastar de entendimento sancionado pelos Tribunais Superiores (Mormente STJ- AUJ), criando um absoluto vazio na sua decisão.
KK) Entende, afastar o “julgamento dentro do julgamento”, facilitando a vida ao A., mas esquecendo-se de que em momento algum qualquer matéria foi alegada sobre tal; em momento algum o A., aventou factos que pudessem de forma cabal, sustentar que a sua chance era seria e consistente, decidindo ( sem nunca explicar onde como e porque), afirmar que a decisão do Tribunal de Guimarães de 1 Instancia seria mais que suficiente para fundamentar a existência de um dano serio e consistente, afastando por completo a realidade de que um Tribunal Superior –Relação de Guimarães, revogou na integra tal decisório singular da primeira Instancia! Recordamos que estamos perante um acórdão que revoga uma Sentença!
LL) Pelo que a sentença em sindicância viola orientação sufragada em Acórdão Uniformizador de jurisprudência, razão de ser per si susceptível de recurso, nos termos do artigo 692 N. 2 al. C) do CPC, para alem do disposto no art.º 342.º do Código Civil.
MM) Na sua contestação o 1.R., alertou o Tribunal “A quo” da inexistência de matéria de facto suficiente, que permitisse, caso a tese do A. obtivesse provimento, ser extraída qualquer condenação do mesmo.
NN) Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida. Uma "chance" puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade - não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as "perdas de chance" que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.
OO) Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade - o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida - tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em "dano certo" e sem este não pode haver indemnização. No entanto o Tribunal “A quo” afastou-se de tal....
PP) Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o já chamado "julgamento dentro do julgamento".
QQ) Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este - face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil ( 483.º do Código Civil), lhe coloca (cf. 342.º/1 do Código Civil) - que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).
RR) Porquanto, não nos esqueçamos, na situação em sindicância estamos perante um Acórdão dos Tribunais da Relação, que enjeita na totalidade a fundamentação jurídica do pleito, restando unicamente ao Recorrente a justificação do quadro legal aplicável (i.e., na sua maioria matéria de direito ...)
SS) O Tribunal “ A quo” ignorou tal, decidindo “ Assim, apesar de nos presentes autos, não ter havido lugar ao “ julgamento dentro do julgamento”, por não terem resultados apurados factos que permitissem tal exercício, a verdade é que, tendo já um Tribunal de primeira instância, no caso, Um juízo central cível, julgado a pretensão do A. totalmente procedente, entendemos que se mostra satisfeito o ónus do A., considerando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual do R. TT) Só por desacerto se pode enunciar tal paradigma..... aceita o Tribunal “A Quo” a inexistência de factos que permitissem efectuar um “julgamento dentro do julgamento”, para concluir de forma absolutamente inesperada, que tal ónus da prova, resulta provado, pois um tribunal de 1.ª instância deu total provimento a pretensão do A.- recordamos tao só que estamos perante tribunal singular ....
UU) Ainda que por mera lógica dedutiva, o raciocínio aventado será no mínimo peregrino, roçando o limiar do “non sense”, não se encontrando qualquer lógica em tal argumentario! Se não existe matéria que permita efectuar o “ julgamento dentro do Julgamento”, como pode o Tribunal “ A quo” decidir sobre a pretensão seria e consistente do A?
VV) Questão diferente, é a já referida questão da avaliação e fixação do quantum indemnizatório devido em caso de perda de chance consistente e séria podendo dizerse, aqui chegados, que será um pouco sofístico, invocar que pela teoria da diferença, consagrada entre nós no art.º 566.º/2 do C. Civil,
WW) Após confissão do próprio Tribunal “A Quo”, de que não possuía elementos para efectuar o “julgamento dentro do Julgamento”, entendeu fazer tábua rasa de tal e qual passe de mágica, seguir directamente para um qualquer quantum indemnizatório...!!!
XX) "A intervenção do art.º 566.º/3 do C. C. só pode operar num momento em que o tribunal já estabeleceu a existência de uma chance séria e consistente, ainda que num intervalo de probabilidade mínima e máxima, mas permitindo o limite mínimo desse intervalo afirmar a existência de uma chance séria, faltando apenas quantificar a indemnização. Se persiste a dúvida quanto à existência de uma chance e à seriedade da mesma, o art.º 566.º/3 não pode ser convocado para, com recurso à equidade, resolver um problema de falta de prova, nomeadamente em termos salomónicos. Esta norma destina-se a estabelecer um critério de quantificação da indemnização, não da prova dos factos."
YY) Nestes termos a sentença em sindicância violou de forma ostensiva o disposto nos artigos 483 do C. Civil, 342 N.1 do Código Civil e 366 N.2 e N. 3 do C. Civil.
Termos em que com o mui douto suprimento de V. Exas, deve a presente apelação ser julgada procedente e em contrapartida serem os RR., absolvidos do peticionado.
Caso assim não se entenda, devem ser mandados baixar os presentes autos, para o Tribunal “ A Quo”, apurar matéria relativa aos elementos da responsabilidade civil de acordo com a LEI, e bem assim a seriedade e consistência da “ perda de chance” seguindo o processo o seu iter normal, assim se fazendo ACOSTUMADA JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações quanto aos recursos interpostos pelos Réus.
A Ré Seguros… apresentou contra-alegações quanto ao recurso interposto pelo Autor defendendo a sua intempestividade e a inadmissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por incumprimento dos ónus a que alude o artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Os recursos dos Réus foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, vindo o do Autor a ser admitido nesta Relação na sequência do provimento de reclamação interposta nos termos do artigo 643.º, do Código de Processo Civil.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção as conclusões dos Recorrentes - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre apreciar as seguintes questões, considerando os três recursos interpostos:
1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
2. Dos pressupostos da responsabilidade civil do Réu
3. Do âmbito temporal do seguro

III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Impugnação
1.1. A Ré Seguros… defendeu que a impugnação da decisão de facto apresentada pelo Autor não pode ser admitida por incumprimento do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, quanto à concreta especificação da decisão colocada em causa por identificação do facto a que se reporta, do sentido de decisão entendido adequado e dos meios de prova fundamento dessa pretensão.
O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, estabelece que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição os (i) concretos pontos de facto, os (ii) concretos meios probatórios e a (iii) decisão que deve ser proferida.
É entendimento pacífico o de a norma não possibilitar a prolação de despacho de aperfeiçoamento, pelo que, a verificar-se a situação que o Recorrido defende, a conclusão seria a que indica: rejeição do recurso nessa parte.
O Recorrente indica pretender impugnar a decisão quanto ao ponto 1, sob a epigrafe factos não provados na sentença que, como bem refere a Recorrida tem o seguinte teor: Nas circunstâncias referidas em C), a representação ocorreu até à decisão do Tribunal da Relação de Guimarães. Prosseguindo na alegação, o Recorrente refere sendo tal facto, esclareça-se, aquele que, de seguida, vai ser indicado. Fazendo essa indicação consta seguidamente: Facto 1 - Durante os dias que se seguiram no mês de abril de 2016 e no mês de maio de 2016, o Autor tentou contactar o primeiro Réu, no sentido de saber o estado da situação.
Pese embora aquela primeira indicação entendemos ser claro qual o facto cuja decisão pretende impugnar.
Na alínea B) das alegações, subsequente ao que se transcreveu, o Recorrente indica que o meio de prova que entende fundar a prova daquele facto são as declarações de parte do Autor, A. Entendemos estar indicado o concreto meio de prova fundamento da impugnação.
Por fim, na alínea C), indica que o sentido da decisão devia ser o oposto, reproduzindo a matéria de facto decidida e não impugnada e nela incluindo como facto 15 o que impugna.
Não sendo um modelo de clareza, entende-se que permite concluir que pretende que o facto julgado não provado com o teor que transcreveu, que é afinal o ponto 3 dos factos julgados não provados, deve ser julgado provado, atentas as declarações de parte do Autor que concretiza.  
As indicações constam das conclusões.
Pelo que expusemos, entendemos que os ónus foram cumpridos.
1.2. Pretende o Réu recorrente que seja julgada não provada a matéria de facto constante das alíneas D) a G) da sentença recorrida, ou seja, o que respeita à existência de contrato de mandato entre o Autor e o Réu.
(…) Improcede a impugnação.
2.2. Nas suas declarações de parte o Réu negou ter acordado com o Autor patrociná-lo em qualquer fase da demanda em causa.
(…) Entendemos (…) que improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3. Fixação da matéria de facto
Estão assentes os factos constantes da decisão de primeira instância, na ausência de impugnação procedente ou reapreciação oficiosa:
A. Do acórdão proferido em 7/04/2016 pelo Tribunal da Relação de Guimarães transitado em julgado em 13/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º …/12.2TBVRL que correu termos no Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2, em que era A. A e R. N SA, cfr. Certidão judicial junta como doc. 1 com a petição inicial, consta que:
A intentou a presente ação declarativa com a forma de processo comum ordinária contra "N, SA", anteriormente designada por "N…, SA", pedindo que se condene esta a pagar-lhe euros 100.000,00.
Alegou, em síntese que, no âmbito da negociação de determinados imóveis entre si e a Ré, para aproveitamento e implementação de recurso eólicos, cedeu a esta diversos estudos de vento e estudo de impacto ambiental.
No decorrer das negociações, propôs à Ré o valor de euros 120.000,00 para venda de tais estudos, ao que a mesma, a 03-08-2008, apresentou a proposta de pagar euros 100.000,00 pelos estudos em seu poder e, no dia seguinte, expressou à Ré que aceitava a proposta após o que remeteu os aludidos estudos à Ré, que passou a ter acesso ao respectivo conteúdo e procedeu à sua utilização.
A Ré não procedeu ao pagamento da quantia de euros 100.000.00.
A Ré apresentou a contestação onde, além de impugnar factualidade alegada pelo Autor, concluiu pela procedência da excepção de prescrição e pela procedência da excepção de locupletamento do Autor.
Alegou, em síntese, quanto às excepções em referência, que a venda do estudo invocada pelo Autor estava associada à venda de imóveis ao mesmo pertencentes para instalação de um parque cólico, respeitando os mesmos às condições de vento e ambientais dos terrenos cuja aquisição foi negociada, o mesmo é dizer que, se a venda de terrenos não se efectivasse, de nada serviriam a si os referidos estudos, em sintonia com a proposta de negociação referida no documento n.º 3 junto com a petição inicial:
i) cedência total dos imóveis em questão e respectivas benfeitorias pelo preço de euros 5.000,00 por hectare, a que acresceria o valor dos estudos, no montante de euros 100.000,00;
ii) cedência do conjunto da área ao longo de 12 km da faixa da cumeada e possibilidade de parceria no conjunto da área sobrante.
A proposta de venda dos estudos era acessória à de venda/cedência dos terrenos, sem a qua) não teriam utilidade, sendo que a aquisição dos terrenos não chegou a ocorrer.
Apesar de ter entregue os estudos, os mesmos foram-lhe devolvidos sem terem sido utilizado, a aquisição dos estudos não se concretizou pelo que não assiste ao Autor o direito a receber o respectivo preço.
Sem conceder, se o direito invocado pelo Autor existisse, o mesmo teria por fundamento a responsabilidade pré-contratual, regulada no artigo 227° do Código Civil (mostrando-se o mesmo prescrito, ao abrigo do artigo 498° do Código Civil, por decurso do prazo de três anos nele previsto.
Os estudos remetidos pelo autor em sede de negociação foram-lhe devolvidos sem que deles tivesse retirado alguma utilidade, pelo que o mesmo não pode peticionar a condenação no pagamento do respectivo preço sem incorrer em locupletamento ou enriquecimento sem causa.
A Ré, no articulado em referência, deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada passiva das empresas que, com a própria, integraram o Agrupamento P…, que pretendia apresentar proposta ao concurso para injecção de potência na rede elétrica do serviço público no Concelho de Torre de Moncorvo, em vista da qual ocorreram as negociações invocadas na lide, que são "P…, SA", "I…, SA" e "E… - Sociedade de Risco, SA".
O autor apresentou a réplica onde concluiu pela procedência da ação e improcedência das excepções invocadas pela Ré, além de pugnar pela improcedência do incidente de intervenção principal provocada acima referido.
Quanto ao mérito da acção, alegou, em síntese que a aquisição dos estudos é independente da aquisição dos terrenos, não convoca, para sustento da sua pretensão, a responsabilidade pré-contratual da Ré, pelo que não ocorre a excepção de prescrição invocada e não ocorre enriquecimento sem causa.
O incidente de intervenção principal provocada foi liminarmente indeferido.
O incidente de intervenção de terceiros foi deduzido novamente pela Ré, tendo sido indeferido.
Em sede de audiência preliminar, relegou-se a apreciação da excepção de prescrição para sentença e procedeu-se à selecção da matéria de facto pertinente para apreciação do litígio.
Realizou-se julgamento com observância do legal formalismo e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de euros 100.000.00.
Desta sentença apelou a Ré, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
- entendeu o tribunal a quo que, dos emails trocados pelas partes, não resultava que a venda dos referidos estudos de vento se encontrasse sujeita (i) nem à condição do Agrupamento liderado pela Recorrente ser adjudicatário do concurso público para injecção de energia na rede pública, (ii) nem à condição da venda dos terrenos pelo que, constando dos mesmos todos os elementos necessários à perfeição do negócio, foi a Recorrente condenada a pagar ao Autor o valor acordado pelos estudos, independentemente de os ter pouco depois devolvido;
- o tribunal a quo errou na apreciação da prova, o que inquinou o sentido da decisão:
- a sentença recorrida fez errada apreciação da prova inquirida nos artigos 9.º, 10.º, 12.º, 17.º e 18.º da Base Instrutória ("BI");
- e quanto à matéria inquirida no quesito 10.° da BI, foi a mesma considerada não provada; porém, quer do depoimento da Testemunha FF (depoimento de 21.01.2014, aos 11 minutos e 30 segundos) quer do depoimento apresentado por escrito pela Testemunha LM (nos Requerimentos de 15.10.2014 e de 20.01.2015) resulta absolutamente claro que é prática usual no sector sujeitar o contrato de aquisição ou de arrendamento à condição de o lote em causa ser adjudicado à empresa adquirente;
- a própria sentença, na "fundamentação da resposta à matéria da base instrutória", na p.8. e novamente na p.11, não só se apoia naqueles depoimentos para considerar provada a matéria quesitada no artigo 10.º, como refere que não foram contrariados por qualquer outro meio de prova, mostrando-se evidenciada a matéria constante da resposta ao artigo 10., pelo que tal matéria deve considerar-se provada;
- a contradição verificada na sentença recorrida eiva-a ainda de nulidade, por ambiguidade na sua fundamentação, vício que, nos termos do artigo 615.º, n.ºs 1, c) e 4 do Código de Processo Civil;
- quanto à matéria quesitada nos artigos 9.° e 12.° da BI, apesar de se ler na sentença recorrida que foi dada por "não provada", a testemunha LM depôs no sentido da sua verificação (Requerimentos apresentados a 15.10.2014 e de 20.01.2015) e, como referido na p. 10 da própria sentença recorrida, "evidenciou, de modo seguro e inequívoco a matéria constante das respostas aos artigos em referência, não se mostrando bastante para evidenciar a demais matéria quesitada", pelo que esta mesma sentença apreciou erradamente a prova produzida, já que devia ter considerado a matéria provada nos exatos termos quesitados;
- também esta contradição eiva a sentença recorrida de nulidade, por ambiguidade na sua fundamentação, vicio que, nos termos do artigo 615.º, n.ºs 1, c) e 4 do Código de Processo Civil, é susceptível de ser arguido na presente sede;
- ainda quanto ao quesito 12.° da BI., que inquiria sobre se o Autor sabia, desde o início, que era condição essencial para o Agrupamento ser adjudicatário do concurso público para adquirir os terrenos, sendo a aquisição dos estudos meramente acessória à aquisição dos terrenos, o tribunal a quo errou quando considerou a matéria não provada, por entender que nada constava dos emails trocados entre as partes;
- ao invés, no email remetido pelo Autor à Ré e junto como documento n.º 3 à petição inicial, pode ler-se que foi o Autor que propôs, com a venda dos terrenos para a implantação de um parque eólico, que fossem também vendidos estudos de vento que tinha na sua posse, de tal forma que, ao preço da venda dos terrenos, acresceria o custo dos estudos de vento, o que prova que a venda dos estudos era inequivocamente acessória e se encontrava dependente da venda dos terrenos;
- nesse email pode ainda colher-se as declarações do Autor de como tem vindo a fazer grandes esforços financeiros para rentabilizar os seus terrenos, nomeadamente ao nível da energia eólica, com estudos de vento, pelo que erra a sentença recorrida quando não considera o Autor uma pessoa familiarizada com o negócio das energias renováveis e, logo, conhecedor do facto (básico) de só se poder instalar um parque eólico depois de se ser adjudicatário no concurso público para injecção de energia na rede pública;
- se a aquisição dos terrenos se destinava à implantação de um parque eólico, como vai referido no email do próprio Autor, junto como Documento n.º 3 à petição inicial e se o Autor demonstrou ter conhecimentos no sector das energias, então não pode ser dado como não provado que o Autor soubesse, desde o início da negociação, que era condição essencial para a venda dos terrenos que o Agrupamento fosse adjudicatário do concurso público (o que foi igualmente confirmado pelo depoimento da testemunha LM nos requerimentos de 15.10.2014 e de 20.01.2015);
- a sentença recorrida devia ter considerado provada a matéria inquirida no artigo 12.º da BI., nos exactos termos da sua redação, com base nos elementos de prova supra indicados e, logo, considerado provado que a venda dos estudos de vento, proposta pelo Autor, era meramente acessória e acrescia à venda dos terrenos;
- quanto à matéria inquirida nos artigos 17.° e 18.° da BI., voltou a laborar em erro a sentença recorrida ao ter considerado provado apenas que os estudos de vento diziam respeito aos terrenos do Autor, pois não só foi feita prova que os estudos de vento diziam unicamente respeito aos terrenos do Autor, como também foi feita prova que não teriam qualquer interesse para a Recorrente, se não adquirisse os terrenos (documento n.º 2 junto à petição inicial com os Requerimentos do Autor de 11.06.2013 e 04.07.2013, depoimento da Testemunha LM, nos Requerimentos de 15.10.2014 e de 20.01.2015 e da testemunha FF, no registo de 21.01.2014, aos 14m e 10 seg. e 16 m e 03 s);
- pelo exposto, deveria a sentença recorrida ter considerado provada a matéria inquirida nos artigos 9.º, 10.º, 12.º, 17.º e 18.º da BI;
- considerada provada a matéria inquirida naqueles quesitos, a única decisão possível teria sido a de considerar a acção improcedente, por não provada, com absolvição da Ré do pedido porquanto, frustrando-se a venda dos terrenos do Autor, frustrou-se igualmente a venda dos estudos de vento a que diziam unicamente respeito e que a Recorrente nunca pretendeu adquirir sem tais terrenos, razão pela qual devolveu os estudos pouco depois de lhe terem sido entregues.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, sendo alterados os concretos pontos da matéria de facto supra indicados e substituída a decisão por outra, que considere improcedente a acção e absolva a Recorrente do pedido.
O Autor apresentou contra alegações em que defende a improcedência do recurso.
Cumpre-nos agora decidir.
Sendo certo que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões da alegação - artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que as questões submetidas à nossa apreciação consiste em verificar se, em face da prova produzida, diversa deveria ter sido a decisão da I° instância sobre a matéria de facto e, no caso de procedência dessa impugnação, apurar as consequências de direito daí decorrentes.
De acordo com o disposto no artigo 662º, n.º 1 do Código de Processo Civil, "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa".
Por seu turno, o artigo 640° do mesmo diploma estabelece: 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Cremos que a Apelante dá cumprimento aos ónus que acabámos de descrever pelo que nada obsta à apreciação do recurso nessa parte.
São os seguintes os factos em questão com referência à base instrutória:
9° A Ré transmitiu desde o início ao Autor que estava interessada em adquirir os terrenos desde que o contrato estivesse sujeito à condição do Lote I lhe ser adjudicado? Não provado.
10° É prática usual no sector sujeitar o contrato de aquisição ou arrendamento à condição do Lote em causa ser adjudicado à empresa adquirente? Não provado.
12° O Autor sempre soube que aquela condição era essencial para o Agrupamento adquirir os terrenos, sendo a aquisição dos estudos meramente acessória à aquisição dos terrenos? Não provado.
17º No que concerne aos estudos de vento e impacte ambiental relativos aos terrenos propriedade do Autor, uma vez que as negociações se frustraram, não havia interesse em adquiri-los? Não provado.
18º Os estudos em causa diziam unicamente respeito àqueles terrenos do Autor, pelo que não tinham qualquer utilidade para a Ré se não acompanhassem a aquisição dos terrenos? Provado que os estudos referidos na alínea A) da matéria assente e na resposta ao artigo 3° diziam respeito aos imóveis que a Ré propôs adquirir ao autor a 23 de Maio de 2008.
Devemos, antes do mais, reconhecer que a decisão da l° instância sobre a matéria de facto, designadamente em relação aos factos cuja decisão vem impugnada, enferma de obscuridade e mesmo contradição entre essa decisão e os fundamentos da mesma; porém, tais deficiências não consubstanciam qualquer das nulidades de sentença previstas no artigo 615° do Código de Processo Civil, como defende a Apelante, mas determina que este tribunal delas conheça, ainda que oficiosamente só dando, no entanto, azo à anulação da decisão no caso de não constarem do processo todos os elementos que, nos termos do n.º 1 do artigo 662°, permita a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto - n.º 2, c) do mesmo artigo. Não é este o caso deste processo, pelo que a supressão de tais deficiências há-de resultar da reapreciação dessa decisão por este tribunal com base nos elementos de prova constantes do processo.
Passámos em revista todos os elementos de prova juntos ao processo, em especial a correspondência trocada entre os contraentes tendo em vista o acerto do negócio projectado de compra e venda dos terrenos, lemos o depoimento prestado por escrito pela testemunha LM que representou a Ré nas negociações e que, por isso, estava em situação priveligiada para conhecer os factos em apreço e procedemos à audição da gravação dos depoimentos prestados em audiência e entendemos que os factos cujo julgamento vem impugnado resulta com clareza dos depoimentos daquela testemunha e bem assim do da testemunha FF, na altura, exercia funções numa das empresas que integravam o agrupamento liderado pela Ré, que não foram contrariados por qualquer outro meio de prova, não obstando a esta conclusão a circunstância de quer o condicionamento do negócio estar condicionado pela adjudicação ao agrupamento do Lote I, quer a natureza acessória da aquisição dos estudos de vento e impacte ambiental relativa aos terrenos adquirendos não constarem da correspondência trocada entre as partes.
É, para além do conteúdo daqueles depoimentos, o senso comum que impõe tal conclusão: com efeito, para que quereria o agrupamento os terrenos se esse lote lhe não fosse adjudicado, assim inviabilizando a projectada instalação do parque eólico, sabendo-se que, na proposta enviada ao Autor foram rejeitados os terrenos que não se destinavam àquele fim, designadamente a área relativa ao chamado "santuário de aves" ou seja, a charada área protegida" - ver folhas 24; e qual a utilidade dos referidos estudos se a instalação do parque se encontrava inviabilizado.
A conjugação daqueles elementos de prova com a experiência comum impõe, assim, que se considerem aqueles factos como provados.
Como assim, são os seguintes os factos provados:
1. no âmbito da negociação de determinados imóveis entre o Autor e a Ré para aproveitamento e implementação de recursos eólicos, o Autor cedeu à Ré diversos estudos de vento e estudo de impacte ambiental;(A);
2. no dia seguinte, 4 de Junho de 2008, o Autor expressa à Ré que aceita a proposta; (B);
3. a Ré devolveu os estudos que lhe tinham sido entregues pelo Autor, por carta datada de 7 de Agosto de 2008; (C);
4. no dia 23 de Maio de 2008, o Autor remeteu, por correio eletrónico, à Ré documento escrito que consta de folhas 18 a 22, cujos termos aqui se dão por reproduzidos, atenta a respectiva extensão, no qual, por referência aos imóveis e estudos referidos em 1 e 3, aquele propôs a esta, uma das duas possibilidades de negociação:
"1. cedência total, por venda, do conjunto dos espaços em questão e respectivas benfeitorias, pelo preço de euros 5.000 (cinco mil euros) por hectare.
Este preço é acrescido dos custos de estudos de ventos, durante os 4 anos já referidos, bem como do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), no total de euros 125 mil;
2. cedência do conjunto da área ao longo dos cerca de 12 km da faixa de cumeada e possibilidade de parceria no conjunto da área sobrante." (1° e 19°);
5. no dia 03 de Junho de 2002 a Ré, em resposta ao referido na resposta aos artigos l° e 19º, remeteu ao Autor, por correio eletrónico, a seguinte mensagem, que se alcança a folhas 23 e 24:
"Senhor AM,
Conforme o combinado, tomo a liberdade de lhe apresentar uma contraproposta em relação à proposta que teve a amabilidade de me formular.
1 - começo por referir que a área de que necessitamos é, aproximadamente, de 110.000 m2, sendo que cerca de 50.000 m2 seria a área necessária para a implantação dos aerogeradores e os restantes - aproximadamente 65.000 m2 – a chamada área de ocupação, designadamente para acessos e distância a observar entre os aerogeradores;
2 - por outro lado, prescindimos da área relativa ao chamado "Santuário das Aves ", ou seja, a chamada "área protegida”
3 - assim, estaríamos dispostos a adquirir aquela área (110. 000 m2) pelo valor global de 1,5 milhões de euros (um milhão e meio de euros);
4 - por outro lado, estamos disponíveis para pagar o valor de euros 100 mil euros pelos estudos em seu poder, designadamente estudos de ventos e de carácter ambiental.
Nesta conformidade, fico a aguardar as suas notícias, por forma a que, tão rápido quanto possível, possamos tomar decisões;"(2° e 20°);
6. após o dia 04-06-2008, em data não apurada do mesmo mês ou do mês seguinte (Julho de 2008) a pedido da Ré, o Autor entregou a esta os estudos referidos em 1, a que ambos se reportam nas comunicações referidas em 4 e S, supra; (3°);
7. em resposta ao referido em 5, no dia 04 de Junho de 2008, o Autor remeteu à Ré, por correio eletrónico, a mensagem cujo teor se alcança a folhas 28, com o seguinte teor, além do mais:
Serve a presente para informar V. Exa. de que aceito a contra proposta enviada ontem.
Hoje mesmo já recusei outras propostas, pelo que estou na disposição de V. Exa. para qualquer informação adicional ... "
8. o Autor entregou os estudos à Ré nos termos referidos em 6 para cumprimento da proposta efectuada pela Ré que o mesmo declarou aceitar conforme referido em 7; (4°);
9. a Ré não pagou ao autor a quantia de euros 100 000,00 referida em 5; (4°);
10. a Ré era líder do agrupamento P, constituído para apresentar proposta ao concurso para injeção de potência na rede elétrica do serviço público e ponto de recepção associado para energia elétrica produzida na central eólica, lotes 1 e 2; (5°);
11. para apresentação de candidatura do agrupamento referido em 10 ao concurso aí mencionado em relação ao lote 1, a Ré entendia ser necessário assegurar que o mesmo agrupamento tinha a disponibilidade sobre os terrenos onde destinava instalar o parque eólico respectivo; (6°);
12. era entendimento da Ré que os terrenos onde o agrupamento referido em 10 destinava instalar o parque eólico mencionado em 11 deveriam situar-se no Concelho de Torre de Moncorvo e ter vento suficiente para gerar energia eólica; (7°);
13. a Ré e outro membro do agrupamento referido em 10 contactaram o Autor para acordarem com o mesmo o arrendamento ou a aquisição de terrenos deste para o agrupamento mencionado apresentar candidatura ao concurso mencionado no mesmo ponto em relação ao lote 1; (8°);
14. a Ré transmitiu desde o início ao Autor que estava interessada em adquirir os terrenos desde que o contrato estivesse sujeito à condição de o Lote I lhe ser adjudicado;
15. se o lote 1 não fosse adjudicado ao agrupamento, o parque eólico não podia ser pelo mesmo nele instalado; (11°);
16. o Autor sempre soube que aquela condição era essencial para Agrupamento adquirir os terrenos, sendo a aquisição dos estudos meramente acessória à aquisição dos terrenos:
17. a Autor sabia que a aquisição dos terrenos se destinava à instalação de um parque eólico; (13°);
18. no que concerne aos estudos de vento e impacte ambiental relativos aos terrenos propriedade do Autor, uma vez que as negociações se frustraram, não havia interesse em adquiri-los;
19. os estudos em causa diziam unicamente respeito àqueles terrenos do Autor, pelo que não tinham qualquer utilidade para a Ré se não acompanhassem a aquisição dos terrenos.
Na aplicação do direito aos factos, Autor e Ré acordaram na aquisição por
esta de uns terrenos pertencentes àquele, mediante proposta da Ré que viria a ser aceite pelo Autor, numa área de 110.000 m2, pelo valor global de 1,5 milhões de euros, declarando-se a Ré disponível para pagar o valor de euros 100 mil euros pelos estudos em seu poder, designadamente estudos de ventos e de carácter ambiental.
A aquisição tinha em vista o aproveitamento e implementação de recursos eólicos pelo agrupamento P de que a Ré fazia parte mediante a instalação de um parque eólico, o que era do conhecimento do Autor e, assim, a celebração do contrato ficou sujeito à condição de o Lote I lhe ser adjudicado, sem que o parque eólico não podia ser pelo mesmo nele instalado, sendo que o Autor sempre soube que aquela condição era essencial para o Agrupamento adquirir os terrenos.
Subordinaram, deste modo, os contraentes a produção dos efeitos do negócio acordado a um acontecimento futuro e incerto, qual fosse a adjudicação ao agrupamento do referido Lote I.
O Lote I não foi adjudicado ao agrupamento, mas não é daí que decorre a questão que se nos coloca.
Como se referiu, na proposta que apresentou ao Autor, a Ré disponibilizou-se para pagar o valor de euros 100 mil euros pelos estudos em seu poder, designadamente estudos de ventos e de caráter ambiental; na sequência da aceitação da proposta da Ré, o Autor entregou-lhe os estudos, mas a Ré não lhe pagou a quantia acordada de euros 100.000,00.
Do que se trata é de saber se a aquisição pela Ré daqueles estudos integra um negócio autónomo em relação ao da aquisição dos terrenos ou não passava de uma cláusula acessória do mesmo de modo que os efeitos do respectivo acordo também se encontrava sujeito à dita condição, para o que importará interpretar o acordo havido, determinar o sentido das declarações negociais, tendo em vista os termos, o sentido e o fim visado, isto é, teremos de "determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações" - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, página 44 - tarefa que decorre no plano dos factos.
Para o efeito, haverá que lançar mão da chamada teoria da impressão do destinatário razoável consagrada no artigo 236° e seguintes do Código Civil: em princípio, "A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele." - artigo 236°, n.º 1.
Porém, "Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida." - n.º 2 do mesmo artigo -sendo que, em caso de dúvida, ... prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio nas prestações," artigo 137° do Código Civil.
No caso deste processo, está provado que o Autor sempre soube que a dita condição era essencial para o agrupamento adquirir os terrenos, sendo a aquisição dos estudos meramente acessória em relação a essa aquisição, ou seja, está provado que o Autor conhecia a vontade real da Ré, no sentido de que se não tratava de um negócio autónomo mas tão só de uma cláusula acessória do negócio de aquisição dos terrenos, pelo que é com esse sentido que a declaração terá de ser emitido.
E uma vez que se não verificou a condição a que foi subordinada a produção dos efeitos jurídicos do negócio, não tem a Ré que pagar ao Autor a quantia acordada.
Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e absolver a Ré, "N…, SA" do pedido.
Custas pelo Autor.
B. O primeiro R. é advogado.
C. Desde o início da acção referida em A), o Autor foi representado pelo Dr. R, Advogado, portador da cédula profissional número …, com domicílio profissional em ….
D. Decidida a causa no Tribunal da Relação, o Autor procurou o primeiro réu, no sentido de obter a sua opinião sobre a possibilidade de recurso.
E. O Autor, após conferenciar com o primeiro Réu, e de acordo com a opinião jurídica deste, decidiu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
F. O Autor deu indicações ao 1.º Réu para recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
G. O que ocorreu no mês de Abril de 2016.
H. O Réu não recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, nem deu qualquer conhecimento desse facto ao Autor.
I. Em Setembro de 2016, o A. teve conhecimento que o primeiro Réu não tinha recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça.
J. Com a conduta omissiva do Réu, o Autor perdeu a chance de ver apreciado o objecto do recurso, que poderia ter o mesmo resultado já obtido no Tribunal de 1.ª Instância.
K. Por apólice de seguro n.º …, datada de 1/01/2014, cfr. doc. 1 junto com a contestação da R. Seguros…, a Ordem dos Advogados transferiu a responsabilidade civil dos advogados com inscrição na Ordem dos Advogados que exerçam a actividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional, com capital seguro de €150.000,00 até 1/01/2018.
L. No artigo 2.º, n.º 1 das Condições Especiais de Responsabilidade Civil Profissional consta que:
Mediante o pagamento do prémio, e sujeito aos termos e condições da apólice, a presente apólice tem por objectivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada pelo segurado, durante o período do seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados.
M. Do artigo 7.º Condições Especiais de Responsabilidade Civil Profissional consta que:
ÂMBITO TEMPORAL
O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade.
Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da actividade seguradora.
Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes comunicações:
a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais;
b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento, em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;
c) Por outra via, entende-se por reclamação qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida “prima facie” pelo tomador do seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou accionar as coberturas da apólice.
(…)
N. Do Ponto 9. das Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil consta que:
FRANQUIA:
Estabelece-se uma franquia de 5.000,00 Euro por sinistro, não oponível a terceiros lesados.
O. O sinistro foi pela primeira vez comunicado à Ré com a sua citação nos presentes autos, a qual ocorreu em 04 de Junho de 2018.

2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O Autor pede a condenação do Réu em indemnização decorrente de lhe imputar negligência no exercício de mandato, causadora de danos. A Ré é demandada com fundamento na transferência da responsabilidade civil do Réu mediante contrato de seguro entre ambos celebrado.
Numa primeira vertente, o Réu funda a sua pretensão recursória em alteração da decisão de facto, no sentido de não estarem provados os factos integrantes da celebração com o Autor de contrato de mandato para a prática de actos processuais.
2. Como resulta da decisão supra, não foi acolhida tal pretensão, tendo-se mantido a decisão de primeira instância da qual resulta que, após a revogação da sentença favorável de primeira instância pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o Autor procurou o primeiro réu, no sentido de obter a sua opinião sobre a possibilidade de recurso e que, após conferenciar com o primeiro Réu, e de acordo com a opinião jurídica deste, decidiu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça dando indicações ao 1.º Réu para recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, o que ocorreu no mês de Abril de 2016.
Tais factos consubstanciam a celebração entre o Autor e o Réu de contrato de mandato – artigo 1157.º do Código Civil – uma vez que por ele o Réu se obrigou a praticar actos com indubitável natureza jurídica por conta do Autor.
Tais actos consistiam na interposição de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o Réu a inexistência de procuração como determinante de que não possa considerar-se que as partes celebraram um contrato de mandato.
3. O artigo 43.º do Código de Processo Civil, estatui que o mandato judicial pode ser conferido: a) por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código de Notariado e da legislação especial; b) por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.
Indicando a natureza informal do contrato de mandato, refere o Professor Menezes Cordeiro[1] que os mandatos especiais podem requerer formas solenes. Assim sucede com o mandato judicial, nos termos do artigo 43.º do Código de Processo Civil.
O artigo 262.º do Código Civil estabelece que a procuração é o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
O contrato de mandato da previsão do citado artigo 1157.º e a procuração do artigo 262.º, pela qual são outorgados poderes de representação, constituem figuras distintas, embora a procuração seja o instrumento adequado para conferir os poderes de representação que o mandato judicial exige.
Veja-se a respeito da distinção, por mais claramente não podermos expor, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 2021, proferido no processo 1021/16.7T8CSC.L2.S1 (Fernando Batista):
Procuração é um negócio jurídico pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação e que pode, ou não, coexistir com um mandato [3].
O Código Civil português trata a procuração como negócio jurídico unilateral, fonte da representação voluntária.  Na terminologia do art.º 262º, nº 1, do CC, procuração é “o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”.
A procuração está disciplinada na parte geral do Código, desgarrada, portanto, dos contratos que lhe podem estar subjacentes, normalmente o mandato. Tal tratamento é o que é regra noutros ordenamentos civis próximos[4], nomeadamente no alemão e no italiano, e vem na sequência da teoria da abstracção da procuração com origens na pandectística alemã do séc. XIX, segundo a qual o poder de representação provém de negócio jurídico unilateral abstracto, autónomo do mandato ou de outra eventual relação subjacente que, de acordo com as posições mais extremas, pode até não existir[5]. A regulamentação autónoma da representação voluntária tem o mérito de distinguir figuras efectivamente distintas – negócio unilateral que confere poderes de representação e negócios que podem conferir-lhe razão de ser – embora pareça artificial a ideia de uma procuração desgarrada de qualquer outro negócio [6].
A procuração, sendo um negócio jurídico unilateral, implica liberdade de celebração e de estipulação e surge perfeita com uma declaração de vontade [7], que é interpretada segundo as regras previstas nos artigos 236.º e sgs. do CC.
A figura da procuração aproxima-se, assim, muito do mandato (artigo 1157º e seguintes do Código Civil). E de tal modo que as diferenças entre si são ténues.
ADRIANO VAZ SERRA [8] explicou assim a fronteira entre elas: «Efectivamente, o mandato não se identifica com a procuração, como claramente se verifica confrontando os art.ºs 262º e segs. e 1157º e segs. do CC (…).
A procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação, isto é, para, em nome dela, concluir um ou mais negócios jurídicos (art.º 262º, nº 1; o mandato, diversamente, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art.º 1157º) (…)
A procuração é, pois, o acto pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação, tendo por consequência que, se o procurador celebrar o negócio jurídico para cuja conclusão lhe foram dados esses poderes, o negócio produz os seus efeitos em relação ao representado (…)
O mandato é independente da procuração, podendo ser com representação (art.ºs 1178º e segs.) ou sem ela (art.ºs 1180º e segs.) (…) A procuração, salvo disposição legal em contrário, tem de revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar (art.º 262º, nº 2), ao passo que o mandato não está sujeito a forma especial, podendo, por isso, ser concluído livremente, nos termos gerais (CC, art.º 219º)»[9].
Ainda batendo na distinção entre procuração e mandato, bastará atentar, por exemplo, que não é essencial à existência do mandato a outorga da procuração.
Ao contrato de mandato não são essenciais, aliás, os poderes de representação, como resulta do disposto nos artigos 1180.º e ss do Código Civil. A exigência de forma apenas consta quanto à outorga de procuração atribuindo poderes de representação essenciais na demanda forensa.
Concluímos, pois, com a sentença recorrida que a inexistência de procuração não obsta a que se considere celebrado entre as partes contrato de mandato e o Réu vinculado a praticar o acto nele expressamente incluído de interposição de recurso da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães.
4. Temos então que o Réu é advogado e, nessa qualidade, foi contactado pelo Autor e por ele incumbido de interpor o recurso que o próprio Réu aconselhou.
No caso dos autos está assente que o Réu não interpôs o mencionado recurso.
Nos termos do EOA, em qualquer situação de patrocínio, convencional ou legal, deve o advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade – artigo 100.º, alínea b), do EOA -, tendo o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas – artigo 97.º, n.º 2, do EOA – e  de atuar com diligência e lealdade na condução do processo – artigo 108.º, n.º 1, do EOA.
A omissão de um acto processual preclusivo como o de interposição de recurso, do qual decorre o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável ao mandante, após o cliente ter consultado o advogado, este ter aconselhado tal recurso e ter sido incumbido da sua interposição pelo cliente, constitui indubitavelmente uma violação destes específicos deveres do advogado e das normas que os consagram.
Do que decorre estar demonstrado o incumprimento da obrigação que vincula o advogado ao seu patrocinado, ou seja, o Réu ao Autor.
5. Verificado o incumprimento, decorre do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, uma presunção de culpa do obrigado, no caso o Réu, presunção que determina deva este provar que tal culpa não se verifica.
Considerando o critério normativo que resulta do artigo 487.º, n.º 2, ex vi artigo 799.º, n.º 2, ambos do CC, tem de concluir-se por facto imputável ao Réu a título culposo na modalidade de negligência, mesmo quando a presunção não existisse.
Demonstrada se encontra a prática pelo Réu de um facto ilícito e culposo.
 6. A obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade civil encontra o seu assento global genérico nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, sendo seus princípios basilares que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artigo 562.º - sendo que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Previamente, importa considerar que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – artigo 563.º.
O que concita os restantes pressupostos da responsabilidade civil - dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O conceito jurídico de causalidade, excluída que está a causalidade puramente naturalística, é e foi objecto de diversas abordagens e teorias sempre com vista a encontrar o conceito de causa apropriado à realização dos objectivos específicos do direito e, mais concretamente, tendo-se em vista os princípios que inspiram a responsabilidade civil (…)[2].
Partindo dos conceitos de condição de ocorrência de um facto e causa do mesmo, as teses dividiram-se entre dois grandes grupos, consoante aceitavam como causa todas as condições sem as quais o facto não teria ocorrido (doutrina da equivalência das condições ou da conditio sine qua non) ou, pelo contrário, distinguiam de entre as condições aquelas que podiam merecer o qualificativo de causa (doutrinas selectivas).
O legislador português consagrou no artigo 563º supra transcrito a denominada tese da causalidade adequada[3], a saber, considera-se causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo.
(…)
Assim, deverá entender-se, no primeiro domínio [factos ilícitos], que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais[4].
 Este o quadro em que deve analisar-se o facto ilícito em causa nos autos e a sua repercussão danosa.
7. O Autor indicou que dano considera ter-se produzido e que está em causa neste recurso, como resulta do artigo 76.º da sua petição: ato este [omissão de interposição do recurso] que fez com que o Autor visse precludida a possibilidade de poder valer os seus direitos de apreciação do acórdão do TRG perante o órgão jurisdicional competente – o STJ.
Na perspectiva da responsabilidade civil, pode dizer-se, liminarmente, que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica[5].
Os danos podem ser classificados segundo diversos critérios[6]. Avultando a tradicional classificação entre danos patrimoniais e não patrimoniais, muitas outras são possíveis, quer escapando àquela dicotomia, quer enfatizando o momento de produção dos danos, quer sublinhando a diferença entre a perda de um valor ou de um ganho. Múltiplos critérios que, afinal, apenas pretendem conseguir o desiderato principal da responsabilidade civil: conseguir que o lesado resulte indemne quanto a prejuízos que lhe não são imputáveis e a que o direito atribui relevância.
Uma primeira dimensão de consideração do dano tem uma expressão naturalística, a recolher da realidade da vida, que importa integrar numa dimensão jurídica que incorpora a sua relevância indemnizatória.
Como refere o Professor Menezes Cordeiro:
O dano é a supressão ou diminuição de uma situação favorável: uma noção natural de dano, a confrontar com o correspondente conceito jurídico.
O dano jurídico, ou simplesmente dano, tem, na sua génese, a ideia naturalística atrás aludida. Simplesmente, deriva de uma valoração operada pelo Direito, de tal forma que pode não coincidir totalmente com o primeiro.
Em sentido jurídico, diremos que o dano é a supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito[7].
8. É esta situação favorável que importa considerar na reponderação que tanto o Autor como o Réu suscitam, face à sentença que julgou demonstrada a verificação de um dano. O primeiro por entender que deve ser dado inteiro provimento ao seu pedido, o segundo que deve ser julgada improcedente a acção com a sua consequente absolvição.
Conjuntamente se apreciarão uma vez que em ambos os recursos está convocada a questão da verificação do dano.
Lê-se a respeito na sentença recorrida:
No presente caso, apurou-se que o Tribunal de primeira instância proferiu uma sentença inteiramente favorável ao A., condenando a ali R. no pagamento da quantia de €100.000,00, tal como peticionado.
Face a esta factualidade, parece-nos razoável sustentar que o A. tinha uma probabilidade séria e consistente de obtenção de uma vantagem ou benefício processual, caso o 1.º R. tivesse interposto o recurso do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que revogou a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Assim, apesar de, nos presentes autos, não ter havido lugar ao denominado “julgamento dentro do julgamento”, por não terem resultados apurados factos que permitissem tal exercício, a verdade é que tendo já um tribunal de primeira instância, no caso, um Juízo Central Cível, julgado a pretensão do A. totalmente procedente, entendemos que se mostra satisfeito o ónus do A., considerando-se preenchidos os  pressupostos da responsabilidade civil contratual do R.
Em suma, a primeira instância entendeu que a existência de uma sentença favorável em primeira instância, embora revogada no recurso interposto para a Relação, demonstra que o A. tinha uma probabilidade séria e consistente de obtenção de uma vantagem ou benefício processual.
Mais referiu que, apesar de não ter ocorrido o “julgamento dentro do julgamento”, característico das situações de perda de chance na necessária avaliação da probabilidade de ganho de causa, por carência de factos que o possibilitassem, a demonstração do dano basta-se com aquela divergência de decisões judiciais.
9. A exigência de que o dano indemnizável seja um prejuízo certo[8] não exclui a consideração na doutrina e na jurisprudência de situações em que o dano efectivo e final não é passível de determinação senão probabilística, considerações que, numa das suas vertentes, têm vindo a ser tratadas e desenvolvidas sob a denominação geral das teorias da perda de chance.
Embora o problema se ponha em geral na responsabilidade civil, a experiência prática permitiu distinguir em vários países diversos grupos de casos em que a ressarcibilidade da perda de chance é mais frequentemente questionada: (…) casos de perda de oportunidades processuais, por responsabilidade do advogado, em que se não sabe qual teria sido o resultado do processo caso o advogado tivesse procedido diligentemente, mas pode dizer-se que o lesado perdeu uma hipótese ou possibilidade de conservação ou satisfação dos seus direitos[9].
A doutrina da perda de chance[10] é susceptível de enquadramentos que vão desde a consideração de uma causalidade probabilística até à definição da perda da oportunidade como dano emergente autónomo indemnizável, estabelecendo-se entre este dano “intermédio” e o facto uma causalidade directa e adequada[11].
Assim, uma abordagem pretende resolver o problema em sede de causalidade alargando o limiar de relevância desta, e bastando-se, quando necessário, com a mera elevação do risco[12] enquanto outra consiste, justamente, na autonomização da protecção da chance para efeitos de responsabilidade civil. Esta solução apresenta-se já, não no plano da causalidade, mas sob o perfil do bem atingido, autonomizando a chance como bem ressarcível. Segundo ela, em casos de causalidade probabilística (“probabilistic causation”) pode dizer-se que o evento lesivo privou o lesado de determinadas oportunidades (de cura, sobrevivência ou obtenção do benefício do processo), as quais deveriam ser ressarcidas. Para tanto, dever-se-ia condenar o lesante pelo prejuízo que se verificou, ou vai verificar, mas reduzindo o montante da indemnização na razão da probabilidade de que o dano se tivesse igualmente produzido se o lesante não tivesse destruído a chance ou oportunidade[13].
Embora a inserção conceptual seja diversa, o resultado em sede de imputação de responsabilidade civil tem similitudes, sabendo-se que as fronteiras entre a causalidade e o dano não têm a nitidez que uma visão conceptual pretenderia salvaguardar, vista a noção jurídica e não naturalística de um e outro, a delimitação do dano através da causalidade e a ponderação desta em relação com aquele. Ou seja, a questão releva mais do sistema móvel de perspectivação global dos conceitos do que da sua rígida distinção.
Ao invés, eu tentei encontrar uma «ordem interna» para o direito da responsabilidade civil pressupondo que este instituto não se deixa reconduzir a uma ideia unitária, mas antes resulta de um jogo de pontos de vista, que podem ser apreendidos científica e legalmente como elementos ou, como doravante o quero formular, como forças móveis.
O método aqui proposto destina-se a conformar o sistema do direito privado de tal modo que, sem perda da sua consistência interna, adquira a aptidão para receber em si mesmo as múltiplas forças da vida. Isto tem, antes de mais, um significado dogmático. A sua utilização para o direito positivo é uma questão de «técnica legislativa» e, na medida em que a doutrina e a praxis contribuem para o desenvolvimento do direito, uma questão de temperamento jurídico[14].
Acolhemos a perspectiva de que a perda de oportunidade pode ser considerada um (i) dano autónomo intermédio (ii) susceptível de ser indemnizado na (iii) medida da viabilidade (de 0% a 100%) do resultado perdido.
10. Tendo tal horizonte em vista, analisar-se-á o caso concreto. Verifica-se uma perda da oportunidade de recorrer cujo nexo de causalidade com o facto ilícito (apresentação do requerimento fora de prazo) é directo, aplicando a doutrina da causalidade adequada a que acima se fez referência e nos termos do disposto no artigo 563.º do Código Civil.
Todavia, todos os sistemas que admitem o dano da perda de chance têm que colocar exigências quanto ao tipo de chance que estão dispostos a tutelar: como se verá terá de se tratar de uma chance séria ou de uma expectativa que não poderá ser meramente fáctica[15].
A viabilidade da pretensão surge quase sempre como um requisito da indemnização em situações de perda de chance, nomeadamente nas caracterizadas quanto a contratos públicos pela Directiva 92/13/CEE do Conselho de 25 de Fevereiro de 1992, relativa à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público artigo 2.º, n.º 7[16], ou nos princípios UNIDROIT 2010[17] em cujo ponto 7.4.3. 2 se lê compensation may be due for the loss of a chance in proportion to the probability of its occurrence.
Como refere Júlio Gomes num texto mais recente do que o anteriormente citado[18], a hesitação da nossa jurisprudência é inteiramente compreensível face à delicadeza do tema: a doutrina da perda de chance aparenta ser apenas o reconhecimento de uma determinada espécie de dano como um dano autónomo, mas, na verdade, traz consigo uma outra visão do problema da causalidade incerta.
No que se refere à perda de oportunidades processuais imputável ao advogado, vem o Supremo Tribunal de Justiça[19] defendendo a realização de um julgamento dentro do julgamento[20]com vista a apurar a viabilidade de êxito da pretensão perdida[21] única possibilidade de indemnização (exceptuados os casos em que a indemnização se refere a danos de natureza não patrimonial relacionados com angústia ou sofrimento causados pela atitude negligente do advogado em quem se confia, o que não está em causa).
Assim, a chance só adquire relevo e consistência em função dos resultados que se esperam. (…) A única utilidade que pode retirar-se de uma chance resulta da sua eventual realização e, portanto, da verificação do resultado favorável esperado: resultado de que só poderá beneficiar, geralmente, quem tem essa expectativa[22].
Em suma, a certeza da ausência de causalidade adequada que referimos no ponto anterior, é desde logo um limite à aplicabilidade do regime da perda de chance.
11. Do que vimos dizendo, ressalta a divergência com a primeira instância, com o devido respeito pela posição expendida, por isso que entendemos ser indispensável o “julgamento dentro do julgamento” tanto quanto à verificação da existência do dano como, posteriormente, à sua quantificação.
No que a tal se refere, ou seja, fazendo o julgamento dentro do julgamento, importa atentar no teor do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transcrito na factualidade assente, salientando qual a situação que nele e na sentença de primeira instância foi julgada e a razão de julgar numa e noutra instância.
Fazendo-o, temos que o montante que o Autor exigia na acção à aí Ré era relativo ao pagamento de uns estudos de vento que lhe entregara no contexto de um contrato de compra e venda de terrenos destinados à instalação de um parque eólico. A posição do Autor era a de que a entrega dos estudos e o pagamento do seu preço era independente da venda dos terrenos, que não chegara a concretizar-se. A Ré, por sua vez, defendeu que a entrega dos estudos era instrumental da venda dos terrenos e apenas interessava se essa venda se concretizasse, o que não aconteceu.
Neste contexto da demanda, a primeira instância deu como não provados os factos relativos à ligação entre os dois negócios e a segunda instância, na reapreciação da decisão de facto, deu como provado que os estudos de vento se referiam aos terrenos e que ambas as partes sabiam que só interessava à Ré adquiri-los se adquirisse os terrenos a que esses estudos se reportavam e nos quais pretendia instalar um parque eólico.
Entendemos que face ao regime jurídico de recursos aplicável não pode entender-se demonstrada a igual probabilidade de o Autor, no recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, obter ou não vencimento de causa.
Na verdade, a questão decisiva não era uma questão jurídica em que a primeira instância tivesse seguido uma orientação e a Relação uma outra, podendo o Supremo optar por uma ou outra (negligenciando eventuais questões de jurisprudência maioritária, unânime ou fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça).
A questão decisiva é a de facto. E a decisão de facto é, em última instância, da Relação uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça não conhece de facto no que respeita aos meios de prova sujeitos a livre apreciação, como o são os que motivaram a decisão das instâncias.
É o que resulta do artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Para concluir, entendemos que o “julgamento dentro do julgamento” determina se considere que a probabilidade de o recurso obter provimento não está demonstrada face aos factos apurados, que o mesmo é dizer, não está demonstrada a existência de um dano por perda de uma situação favorável.
12. O Supremo Tribunal de Justiça[23] uniformizou recentemente jurisprudência no sentido de que o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.
Refere o Supremo Tribunal de Justiça justamente o caso em que o “julgamento dentro do julgamento” não permite concluir pela probabilidade de êxito no processo, nomeadamente não permite afastar a improcedência total da pretensão, como é o caso.
Lê-se no aresto:
Assim, em casos como o do Acórdão fundamento, após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluindo-se que “se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, a conclusão imediata e “automática” será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, que não se provou um dano de perda de chance suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dano (29), à fixação duma indemnização com base na equidade (nos termos do art.º 566.º/3 do C. Civil).
Concluímos por isso pela procedência do recurso do Réu e pela improcedência do recurso do Autor, por não demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil assacada ao Réu, o que determina fique prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso da Ré, por a sua absolvição decorrer da absolvição do Réu.   
IV) DECISÃO


Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedentes as impugnações da decisão de facto, improcedente o recurso do Autor e procedente o recurso do Réu, revogando a decisão recorrida e absolvendo os Réus do pedido.
Custas em ambas as instâncias pelo Autor/Recorrido – artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
*
TRL, 11 de Maio de 2023
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Nuno Lopes Ribeiro
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[1] In Tratado de Direito Civil, XII, Almedina 2018, p. 521.
[2] Cf. Professor Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, Almedina, 1979, p. 515.
[3] A asserção não é completamente pacífica como dá nota Júlio Gomes em Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, Cadernos de Direito Privado, n.º especial 2, Dezembro de 2012, p. 27.
[4] Idem, p. 518-519.
[5] Professor Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, Almedina, 1979, p. 391.
[6] Professor Mário Júlio de Almeida Costa, op. cit. p. 392 e ss, Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1999, p. 373 e ss, Professor Gomes da Silva, O dever de Prestar e o Dever de indemnizar, Lisboa, 1944, p. 117 e ss.
[7] In Tratado de Direito Civil, Almedina, 2017, vol. VIII, p. 511, indicando a p. 528 as posições tomadas pelos diversos autores portugueses mais sif«gnificativos.
[8] Cf. Pessoa Jorge, op. cit. p. 385-387.
[9] Paulo Mota Pinto in Perda de chance processual, RLJ, ano 145, Março –Abril de 2016, p. 174-175.
[10] Sobre características da chance cf. António Pedro Santos Leitão in Da Perda de Chance Problemática do Enquadramento Dogmático, Dissertação em Ciências Jurídico-Civilísticas, Universidade de Coimbra, Julho 2016, p. 35, consultado em file:///D:/AAA%20Docs%202019/doutrina/Perda%20de%20chance/Tese%20-%20Perda%20de%20Chance1.pdf
[11] Sem escamotear o carácter probabilístico da causalidade adequada consagrada no direito português, nomeadamente em conjugação com o princípio da livre apreciação das provas e da verosimilhança do facto, a que se referem Júlio Gomes e Paulo Mota Pinto, entre outros.
[12] Idem, p. 179.
[13] Ibidem, p. 181.
[14] Cf. Guichard Alves in A ideia de um sistema móvel, em especial no domínio da responsabilidade civil - tradução de Walter Wilburg “Desenvolvimento de um sistema móvel no Direito Civil”, Revista Direito e Justiça, Vol. XIV, 2000, Universidade Católica, p. 63-64 e 71-71.
[15] Cf. Júlio Gomes in Em torno do dano da perda de chance – algumas reflexões, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Gomes, vol.II, BFDUC, 2008, p. 305, no que foi o primeiro tratamento entre nós da matéria, manifestando dúvida quanto à operacionalidade da tese face ao direito português constituído.
[16] In
https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CONSLEG:1992L0013:20070101:PT:PDF: Quando uma pessoa introduza um pedido de indemnização por perdas e danos relativo aos custos  incorridos com a preparação de uma proposta ou a participação num procedimento de celebração de um contrato, apenas terá de provar que houve violação do direito comunitário em matéria de celebração dos contratos ou das normas nacionais de transposição desse direito e que teria tido uma possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação.
[17] Consultado em
https://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-principles-2010/406-chapter-7-non-performance-section-4-damages/1035-article-7-4-3-certainty-of-harm.
[18] In Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, Cadernos de Direito Privado, n.º especial 2, Dezembro de 2012, p. 18.
[19] Acórdão de 26-10-2010, proferido no processo 1410/04.OTVLSB.L1.S1 (AZEVEDO RAMOS), Acórdão de 06-03-2014, proferido no processo 23/05.3TBGRD.C1.S1 (PINTO DE ALMEIDA), Acórdão de 30-04-2015, proferido no processo 338/11.1TBCVL.C1.S1 (MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), Acórdão de 16-02-2016, proferido no processo 2368/13.0T2AVR.P1.S1 (GABRIEL CATARINO), Acórdão de 11-01-2017, proferido no processo 540/13.1T2AVR.P1.S1 (ALEXANDRE REIS), Acórdão de 30-03-2017, proferido no processo 12617/11.3T2SNT.L1.S1.S1 (OLINDO GERALDES), Acórdão de 21-03-2018, proferido no processo 917/11.7TAGMR. G1.S1 (PIRES DA GRAÇA), Acórdão de 17-05-2018 e de 05-07-2018, proferido no processo 236/14.7TBLMG.C1.S1 e 2011/15.2T8PNF.P1.S1 (MARIA DA GRAÇA TRIGO), Acórdão de 30-05-2019, proferido no processo 6720/14.5T8LRS.L2.S2 (ROSA TCHING), Acórdão de 15-11-2018, proferido no processo 296/16.6T8GRD.C1.S2 (ROSA TCHING) , Acórdão de 19-12-2018, proferido no processo 1337/12.1TVPRT.P1.S1 (FONSECA RAMOS), Acórdãos de 10-01-2019 e de 30-11-2017, proferidos nos processos 3595/16.3T8GMR.G1.S1 e 12198/14.6T8LSB.L1.S1 (TOMÉ GOMES), Acórdão de 14-03-2019, proferido no processo 2743/13.0TBTVD.L1.S1 (HELDER ALMEIDA), Acórdão de 30-05-2019, proferido no processo 22174/15.6T8PRT.P1.S1 (TOMÉ GOMES), Acórdão de 10-09-2019, proferido no processo 1052/16.7T8PVZ.P1.S1 (GRAÇA AMARAL),
[20] Cf. Luis Medina Alcoz in Hacia una nueva teoría general de la causalidad en la responsabilidad civil contractual (y extracontractual): La doctrina de la pérdida de oportunidades consultado em file:///D:/AAA%20Docs%202019/doutrina/Perda%20de%20chance/Luis%20Medina.pdf: La locución “juicio dentro del juicio” (trial within the trial; procès dans le procès) no es más que una forma plástica de expressar la exigência fundamental de que se aprecie el nexo causal a través un juicio probabilístico en una concreta serie de casos de responsabilidade civil: los que plantean las actividades forenses y, en particular, los de culpa de abogados e procuradores, por falta de interposición de un recurso.
[21] O que coloca aliás dificuldade face a uma obrigação, como a do advogado, que é de meios e não de resultado, uma vez que o pode tornar como garante do resultado. A questão é enunciada por Paulo Mota Pinto, op. cit. p. 200, mas não releva o seu desenvolvimento no caso dos autos.
[22] Júlio Gomes op. cit. p. 310.
[23] Acórdão 2/2022, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 26 de Janeiro de 2022.
Decisão Texto Integral: