Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | AÇÃO DE PREFERÊNCIA DIREITO DE PREFERÊNCIA DIREITO REAL DESTINO DO PRÉDIO UTILIZAÇÃO POSSÍVEL | ||
Nº do Documento: | RP20240912537/16.0T8MCN.P2 | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Numa acção de preferência, baseada na confinância, são factos constitutivos da excepção positivada no artigo 1381.º, alínea a) do Código Civil, a cargo dos Réus, a alegação e prova de que o prédio alienado (objecto da preferência) se destina a um fim que não a cultura, e, alegando-se o destino para a construção, que esse destino seja legalmente possível. II - O que releva, para afastar a preferência, não é propriamente a atribuição do direito de construir pelo acto de licenciamento, mas a comprovação das possibilidades objectivas do aproveitamento do terreno, a sua concreta aptidão construtiva, avaliada em função dos planos e da Lei. III - Competiria aos Réus, ora Recorridos, alegar e provar a intenção inequívoca da mudança do fim agrícola do prédio que adquiriram e da possibilidade legal dessa alteração, que tem de ser contemporânea do acto de transmissão e não pode ser condicionada por circunstâncias futuras, sob pena de a sua concretização poder ser uma mera ficção. IV - Não se compreenderia que assim não fosse, uma vez que justificando-se a consagração do direito de preferência no artigo 1380º, nº 1 por razões de interesse público - ligadas à necessidade de alteração da estrutura fundiária do país e à manutenção da estabilidade ecológica - não podiam essas razões ser contornadas com base em meras intenções declaradas e apenas remota e hipoteticamente possíveis. V - A possibilidade de afectação a finalidade diferente depende sempre de decisão da autoridade administrativa competente devendo o adquirente alegar e provar que o diferente destino que pretende dar ao terreno é, à data da aquisição, legalmente possível. Em suma, quando o fim é o da construção é necessário fazer prova da sua admissibilidade legal. VI - No caso vertente, os Recorridos não demonstraram os factos considerados pelo direito substantivo aplicável (parte final da al. a) do artigo 1381º, do Código Civil) impeditivos da pretensão (direito de preferência) dos Recorrentes, enquanto estes provaram os factos integradores dos aludidos pressupostos do direito real de preferência atribuído pelo artigo 1380º, do referido diploma. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2024:537/16.0T8MCN.P2 AA e mulher, BB, residentes na Avenida ..., ... Freguesia ..., Marco de Canaveses instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum contra CC e marido DD, residentes na Avenida ..., ... Freguesia ..., Marco de Canaveses, EE, residente na Avenida ..., ... Freguesia ..., Marco de Canaveses e FF e mulher GG, residentes na Rua ..., ... Freguesia ..., Marco de Canaveses, onde concluem pedindo: a) sejam os AA. declarados e reconhecidos como proprietários do prédio identificado nos artigos 1º e 2º da PI; b) seja declarado e reconhecido que o prédio identificado em 8º e 9º confronta e confina com o prédio propriedade dos AA. c) seja declarado e reconhecido que o prédio identificado em 8 e 9 deste articulado esta onerado com uma servidão legal de passagem a referida nos artigos 26 a 33 e a favor do prédio dos AA. d) seja declarado e reconhecido aos AA. o direito de preferência na venda do prédio rústico, feita pelos 1º RR e 2ª R ao 3º RR. por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de HH em 9 de Outubro de 2015, exarada a fls. 112 e a folhas 113V, do livro de notas para escritura diversas número ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha nº ... aí definitivamente inscrito pela ap. ..., de 30-07-204, a favor dos 3º RR., ao abrigo e por força, além do mais, das disposições combinadas dos artigos 1380º, nºs 1 e 4 e 1410º, nº 1, do Código Civil. e) Sejam os 3º RR. condenados a entregar o referido prédio aos AA. livre e desocupado; f) Seja ordenado o cancelamento das atinentes inscrições, matricial e registral, a favor dos 3º RR. e quaisquer outras que, eventualmente, hajam sido ou venham a ser feitas em consequência da compra do supra referido prédio, sempre com todas as demais consequências que, ao caso, couberem; g) Sejam os RR. condenados nas custas, custas de parte e em tudo o mais que for de lei a favor dos AA. * Notificados, os réus FF e GG contestaram a acção.* Os autores responderam à matéria de excepção.* Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.* Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu:a) Declarar os Autores como legítimos proprietários do prédio misto denominado “Quinta ...” composto por cultura, ramadas, pastagem, pinhal e mato e casa de dois pavimentos, palheiro e eira anexa e outra casa de dois pavimentos, sito no lugar ..., freguesia ..., actual Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, com área total de 32298 m2, ou seja, superfície coberta de 274.5 m2 e descoberta de 32023.5 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 10 de Setembro de 1992. b) Declarar que o prédio rústico composto por terra culta, com pastagem e batata, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 30 de Agosto de 2004 da freguesia ..., atual Freguesia ... confronta e confina com o prédio pertencente aos autores pelo seu lado nascente com o lado poente do prédio dos autores, numa extensão de cerca de 90 metros. c) Declarar constituída uma servidão de passagem sobre o prédio rústico, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 30 de Agosto de 2004 da freguesia ..., atual Freguesia ..., em benefício do prédio misto denominado “Quinta ...”, composto por cultura, ramadas, pastagem, pinhal e mato e casa de dois pavimentos, palheiro e eira anexa e outra casa de dois pavimentos, sito no lugar ..., freguesia ..., actual Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 10 de Setembro de 1992, com o seguinte conteúdo e configuração: Tem início na extrema sul do prédio ...-r, com uma largura de cerca de 4 metros no seu troço inicial, estreitando até a uma largura de 2,5 metros, e um comprimento de cerca de 21 metros, terminando o seu leito na estrema sul do lado nascente do prédio propriedade dos AA., conforme identificado no doc. n.º 12 junto com a petição inicial, onde se assinala a amarelo o caminho de servidão e a laranja a Rua ... (visualizável, apenas, electronicamente uma vez que não é possível imprimir a cores). d) Absolver os réus dos restantes pedidos formulados. * Não se conformando com o assim decidido, recorreram AA e mulher, BB.* Por decisão singular deste Tribunal da Relação foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, determinar a realização de uma segunda perícia colegial, na especialidade de engenharia/topografia, a incidir sobre a factualidade vertida na primeira, anulando-se a decisão de facto e a sentença proferida.* Foi realizada uma perícia colegial.* Foi proferida nova sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu:a) Declarar os Autores como legítimos proprietários do prédio misto denominado “Quinta ...” composto por cultura, ramadas, pastagem, pinhal e mato e casa de dois pavimentos, palheiro e eira anexa e outra casa de dois pavimentos, sito no lugar ..., freguesia ..., actual Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, com área total de 32298 m2, ou seja, superfície coberta de 274.5 m2 e descoberta de 32023.5 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 10 de Setembro de 1992. b) Declarar que o prédio rústico composto por terra culta, com pastagem e batata, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 30 de Agosto de 2004 da freguesia ..., atual Freguesia ... confronta e confina com o prédio pertencente aos autores pelo seu lado nascente com o lado poente do prédio dos autores, numa extensão de cerca de 90 metros. c) Declarar constituída uma servidão de passagem sobre o prédio rústico, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 30 de Agosto de 2004 da freguesia ..., atual Freguesia ..., em benefício do prédio misto denominado “Quinta ...” composto por cultura, ramadas, pastagem, pinhal e mato e casa de dois pavimentos, palheiro e eira anexa e outra casa de dois pavimentos, sito no lugar ..., freguesia ..., actual Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 10 de Setembro de 1992, com o seguinte conteúdo e configuração: Tem início na extrema sul do prédio ...-r, com uma largura de cerca de 4 metros no seu troço inicial, estreitando até a uma largura de 2,5 metros, e um comprimento de cerca de 21 metros, terminando o seu leito na estrema sul do lado nascente do prédio propriedade dos AA., conforme identificado no doc. n.º 12 junto com a petição inicial, onde se assinala a amarelo o caminho de servidão e a laranja a Rua ... (visualizável, apenas, electronicamente uma vez que não é possível imprimir a cores). d) Absolver os réus dos restantes pedidos formulados. * Não se conformando com o assim decidido, recorreram AA e mulher, BB, concluindo as suas alegações da seguinte forma:I.O presente recurso versa a reapreciação, quer a da matéria de facto, quer da matéria de direito; II. Recorre-se: • Da reapreciação e valoração da prova testemunhal gravada; • Da reapreciação e correta leitura de documentos juntos aos autos pelas partes; Espera-se: • Correta leitura e interpretação da prova pericial e consequentes esclarecimentos prestados; • A reapreciação do que “dizem os documentos” (levantamento topográfico e PIP) e prova pericial contrapondo com o alegado pelas partes e, também, com o referido pelas testemunhas. III. Entendemos que, com uma correta leitura da prova, essencialmente da prova documental e pericial, a decisão sido outra, nomeadamente a improcedência da exceção invocada pelos Recorridos (artigo 1381º alínea a) do CC). IV. Em concreto, o presente recurso tem como fundamento: - Incorreta interpretação e aplicação do direito, designadamente do artigo 1381º alínea a) do Código Civil; - Incorreta apreciação da prova produzida (testemunhal, documental e pericial), o que necessariamente levaria a improcedência da exceção invocada pelos RR., ora Recorridos, os quais não lograram provar a intenção de dar ao prédio objeto de preferência fim diverso da agricultura e a sua capacidade construtiva. V. Transcreveram-se quer as peças processuais, quer parte da sentença, que para efeitos de conclusões se dão por integralmente reproduzidas; VI. Com todo o respeito se diz, salvo melhor e mais douta opinião, a douta sentença é confusa e contraditório em diversos pontos, nomeadamente contrapondo a matéria dada como provada com a matéria dada como não provada e os próprios documentos (PIP e relatório pericial/esclarecimentos). Não faz sentido, quer do ponto de vista factual, quer de direito - não se aceita. VII. Aquando da primeira perícia realizada nos presentes autos, constatou-se que os prédios objeto de preferência – artigo rustico ... e consequentemente o prédio propriedade dos Recorridos (urbano ...) - confrontante com o primeiro, encontravam-se mal inscritos na matriz e descritos na Conservatória de Registo Predial, no que as áreas se reporta. VIII. Consequentemente e para lograr obter respostas aos quesitos rigorosas e conforme com a realidade dos prédios em causa, determinou-se a realização de levantamento topográfico, tendo sido elaborados dois levantamentos totpograficos, umas vez que, as partes defenderam limites do prédio objeto de preferência distintos, dos quais resultaram que: - Os Recorrentes entendem que o prédio objeto de preferência (rústico ...) tem área total de 1883 m2, ao passo que os Recorridos entendem ser de 1262 m2; bem como, e consequentemente, - Entendem os Recorrentes que o prédio propriedade dos Recorridos (urbano ...) tem área total de 1783 m2, ao passo que os Recorridos dizem ter 2404 m2. IX. A resolução de tal diferendo por parte do Tribunal de 1ª instância era, não só essencial à descoberta da verdade, como questão fundamental para uma completa e clara resolução do litígio, motivo pelo qual, foi ordenada a realização de perícia colegial, após recurso interporto pelos Recorrentes para o Tribunal da Relação do Porto. X. Só assim poderia o Tribunal formar a sua convicção quanto ao alegado pelas partes, nomeadamente e concretamente, se o prédio objeto de preferência (rústico ...) tem ou não capacidade edificativa. XI. Diga-se que, o Tribunal a quo entendeu, conforme sentença agora proferida (29-01-2024), que o prédio objeto de preferência tem uma área de 1262 m2, ou seja, os limites e configuração indicados pelos RR. aquando realização de levantamento topográfico nos presentes autos – factualidade que os ora Recorrentes aceitam. XII. Encontrando-se assente tal factualidade, isto é, tendo o prédio objeto de preferência a área de 1262 m2 e configuração apresentada pelos RR., importava determinar se o mesmo tem ou não capacidade edificativa, e se os Recorridos adquiriram o mesmo com intenção de o destinarem a fim diferente da agricultura. XIII. Da incorreta interpretação e aplicação do artigo 1381º alínea a) do Código Civil, bem como, errónea apreciação da prova gravada, documental e pericial: Entendeu o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, em sede de motivação, entre outros considerandos, que “Em síntese - a prova apurada em audiência não deixa margem para duvidas quantos aos seguintes aspetos: (…)- Capacidade construtiva do prédio ...-r (essencialmente prova pericial, nos termos vistos anteriormente)(…).” XIV. Discordam os Recorrentes TOTALMENTE de tal afirmação, pois que, numa breve análise da prova documental e essencialmente da prova pericial constatamos que tais considerandos são incorretos, imprecisos e divergentes da informação constante de tais documentos. XV. Repare-se que o Tribunal a quo, em sede de matéria dada como provada, refere que “(…) 39º O destino e interesse dos réus/contestantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... era a construção urbana, nomeadamente de uma casa da habitação e garagem sendo que esse prédio tem capacidade construtiva.(…). XVI. Para em sede de matéria dada como não provada afirmar precisamente o oposto, ou seja, que os RR., ora Recorridos, não lograram prova que, “(…) 24º A aquisição efectuada pelos réus em 2008 destinava-se a melhorar a acessibilidade que os mesmos têm aos prédios que já tinham no local e bem assim à edificação de uma casa de habitação e garagem precisamente no prédio inscrito na matriz sob o artigo .... 25º Sendo legalmente possível a edificação naqueles prédios, que só ainda não avançou, pois os autores teimam em não cumprir a Douta Sentença e o Acórdão, não entregando as partes que ilicitamente ocupam e inviabilizam a imediata construção. 26º Tanto assim é que previamente à compra contactaram o Município e técnicos na área da arquitetura e engenharia para averiguar a aptidão construtiva dos mesmos e só avançaram com a compra depois de lhe terem dito que os prédios eram aptos à construção.” . XVII. Em que é que ficamos? Provaram a intenção e capacidade construtiva ou não? Nós respondemos negativamente, ou seja, XVIII. Os Recorridos não lograram provar que foi com o animo de construir no prédio objeto de preferência que o adquiriram, tanto assim é que nada construíram, não obstante estarem na posse do mesmo desde 2008. XIX. E mais importante, por condição sine qua non, não provaram a capacidade edificativa do referido prédio, muito pelo contrário, no prédio objeto de preferência não é possível a construção de um qualquer prédio urbano. XX. Quanto à capacidade construtiva do prédio objeto de preferência - rústico ... - o Tribunal a quo fundou a sua convicção essencialmente na prova pericial, o que é curioso, uma vez que, da mesma, nomeadamente do relatório peritagem/esclarecimento datados de 15/07/2019, resultou o seguinte: • Quesito 13º (dos AA) “(…) quanto ao seu uso urbanístico, tendo em conta a localização e configuração do prédio objeto de preferência, o mesmo não dispõe de frente urbana suficiente, capaz de ao mesmo permitir a sua urbanização/edificação. • Quesito 14º (dos AA) “É viável a construção de uma habitação e garagens nesse mesmo prédio de acordo com as normas e regras de construção atualmente impostas? Não.(…)” • Quesito 8º (dos RR.) “É legalmente possível a edificação de uma casa de habitação no prédio inscrito na matriz predial rustica sob o artigo ... (…)? Tendo em conta a localização e os instrumentos de gestão territorial, PDM/Marco de Canaveses, verifica-se que o prédio encontra-se classificado em Solo Urbanizado - espaços residenciais nível II. Ora, tendo em conta a sua área., a sua frente urbana. Etc., o prédio rustico NÃO tem capacidade edificativa(...). XXI. Por sua vez, do relatório da perícia colegial, datado de 05/09/2022, no que a capacidade edificativa diz respeito, resultou que: c) O prédio rustico objeto de preferência, de acordo com PDM 2015, e com o levantamento topográfico com os limites indicados pelos RR., ou seja, com áreas de 1262 m2, se localiza em solo rustico – espaço agrícolas (reserva agrícola nacional) e em espaço residenciais de nível II – pagina 8 do relatório perícia colegial; d) Os peritos nomeados pelo tribunal e AA., engenheiros civis, entenderam que, “(…)com base no Plano Diretório Municipal de Marco de Canaveses (PDM) atual, o prédio insere-se parcialmente em “solo Urbano – Espaços Residenciais de Nível II”, contudo verifica-se a impossibilidade de proceder a construção de uma edificação, uma vez que não dispõe de frente urbana com 8 metros, não cumprindo com o disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 13º do regulamento do PDM, pelo que não apresenta capacidade edificativa.(…)” XXII. Desconhecemos qual a prova pericial analisada pelo Tribunal a quo e que levou o mesmo a concluir que o prédio objeto de preferência tem capacidade construtiva, pois que, a constante dos autos não foi certamente. Não basta que o prédio se localize em solo urbanizado ou urbanizável, é pois necessário e perentório que o mesmo cumpra as demais regras edificativas impostas para permitir a construção de uma habitação de acordo com o PDM. XXIII. O facto de o prédio não ter frente urbana, como é o caso, faz com que o mesmo não tenha capacidade edificativa. XXIV. Repare-se nas conclusões retiras pelo Tribunal a quo, em sede de motivação, relativamente ao relatório pericial elaborado pelo Eng. II: “(….)O único impedimento que poderia surgir seria o da confrontação com o caminho público uma vez que a parcela não tem frente urbana.(…)” Concluímos nós - Não é o único impedimento que poderia surgir, mas sim, o impedimento verificado em sede de perícia, pelo que real, comprovado por documento (prova pericial e levantamento topográfico). Não é um impedimento hipotético, possível e futuro - o prédio objeto de preferência não tem efetivamente frente urbana - pelo que existe um impedimento à construção e edificação - um impedimento real, inabalável e inalterável - o que impede que opere a exceção invocada pelos Recorridos. XXV. Relativamente ao relatório elaborado após perícia colegial, concluiu o Tribunal a quo que: “(…) Ainda assim, este relatório pericial foi devidamente valorado e serviu para aprofundar a nossa convicção relativamente a dois aspetos: a área do prédio ... (objeto de preferência) e a sua capacidade construtiva.(…) Já quanto ao segundo aspecto, a capacidade edificativa do prédio ...; A resposta dos peritos sobre esta matéria é a seguinte: "Os peritos nomeados pelo Tribunal e AA informam o seguinte: "Com base no Plano Diretor Municipal de Marco de Canaveses (PDM) atual, o prédio insere-se parcialmente em "Solo Urbano - Espaços Residenciais de Nivel II", contudo verifica-se a impossibilidade de proceder à construção de uma edificação, uma vez que não dispõe de frente urbana com 8 metros, não cumprindo com o disposto na alinea d), do n.º 1 do artigo 13.º do regulamento do PDM, pelo que não apresenta capacidade edificativa. O perito nomeado pelos RR informa o seguinte: "De acordo com o PDM atual, apesar da existência de frente urbana de 8 metros para o caminho de acesso poder suscitar algumas dúvidas na sua interpretação e aplicação relativamente a este caso, proprietário tem sempre a possibilidade de alterar a configuração do polígono limite em coordenação com os confrontantes, aplicando os mecanismos legais existentes." Com base nas respostas dos peritos o tribunal mantém a sua convicção de que o terreno tem capacidade construtiva. É verdade que o PIP apresentado na CM do ... está errada, mas não é menos verdade que todos os peritos confirmaram que uma alteração de áreas entre os terrenos (contíguos e do mesmo proprietário) permite a capacidade edificativa. O terreno 570 está parcialmente em solo urbano - espaço residencial de nivel II, pelo que bastaria um acerto de áreas na frente urbana de modo a atingir 8 metros de largura para que uma operação de construção fosse validada. Esse ajuste de áreas é perfeitamente possível e trata-se, segundo se infere dos esclarecimentos dos peritos, de uma operação usual e fácil de concretizar (considerando que os terrenos são contíguos e do mesmo proprietário). Assim sendo, como é, ficamos convencidos de que o terreno 570, em abstrato, possui capacidade edificativa - o que já anteriormente tinha sido afirmado pelo perito Eng. II ouvido na audiência final. (…)” XXVI. No entanto, entendem os Recorrentes que é flagrantemente errada a conclusão chegada pelo Tribunal de 1ª instância, pois que, f) O prédio objeto preferência não tem capacidade edificativa, porque não tem frente urbana; g) Toda a prova pericial teve como objeto a análise da capacidade edificativa do prédio objeto de preferente artigo rustico ... com área de 1262 m2; h) Os RR. nunca alegaram, nem tal foi objeto das perícias realizadas, que a capacidade edificativa do prédio objeto de preferência seria obtida às custas do artigo urbano ...; i) Nunca os RR. concretizaram qual o prédio que pretendiam construir no artigo rustico ..., com que dimensões, e onde seria implantado; j) Nunca os RR., mesmo anexando área do artigo ..., implantariam o prédio a construir no artigo rustico ... (objeto preferência), tendo em conta a sua localização em cerca de 65% em solo agrícola – vide página 26 (polígono a azul – artigo rustico ... com 1262m2) por confronto com a página 27, ambas do relatório da perícia colegial. XXVII. No nosso entendimento, a exceção constante do artigo 1381º alínea a) do Código Civil, refere-se tão só ao prédio objeto de preferência, ou seja, tem que ser provada e comprovada a capacidade edificativa desse prédio e só desse. XXVIII. Não pode colher a alegação de que o prédio poderá ter capacidade edificativa às custas de outro prédio confrontante, ou seja, não pode a aptidão construtiva do prédio objeto de preferência ser transferida de outro prédio, quando por si só não a tem. Para além de que, XXIX. através de uma mera consulta aos autos, nomeadamente leitura e análise das peças processuais e documentação junta, caraterizadores e delimitadores da causa de pedir e pedido formulado pelos RR./Recorridos em sede de contestação, podemos constatar que a necessidade de anexação de área para dotar o prédio objeto de preferência de capacidade edificativa, não se coaduna com o por si defendido nos diversos articulados apresentados. XXX. Esta “ideia” dos Recorridos de dotar o prédio objeto de preferência de capacidade edificativa através de um suposto arredondamento de estremas tão só surge agora, já decorridos os articulados, já proferida sentença, apresentado recurso pelos AA./aqui Recorrentes e ordenada, pelo Tribunal da Relação, a descida dos autos à 1ª instância para realização de perícia colegial. XXXI. Repare-se ainda que, confrontados com a citação da petição inicial, os Recorrentes apresentaram a sua contestação (28/10/2016) alegando que pretendiam, entre outras coisas, destinar o prédio objeto de preferência a fim diferente da cultura, alegando para tal o seguinte: “(…) 67º A aquisição efetuada pelos réus em 2008 destinava-se a melhor a acessibilidade que os mesmos têm aos prédios que já tinham no local e bem assim à edificação de uma casa de habitação e garagem precisamente no prédio inscrito na matriz sob o artigo .... 68º A finalidade da compra do artigo ... rustico não era, nem é cultivo agrícola. 69º O destino e interesse dos réus/ contestantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... era a construção urbana, nomeadamente de uma casa de habitação e garagem. (…) 71º Tanto assim o é que previamente à compra contactaram o Município e técnicos na área da arquitetura e engenharia para averiguar a aptidão construtiva dos mesmos (…)” XXXII. Por sua vez, quando notificados para apresentação dos quesitos, indicaram os Recorrentes, através de requerimento datado de 18/12/2017, com ref.ª 27671661, o seguinte: “(…) Queira o Senhor Perito responder ás seguintes questões: 1. Os prédios inscritos na matriz sob os artigos ...... e ...... são contíguos, estão materialmente unidos e cercados por um mesmo muro? 2. O prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... constitui o prolongamento do logradouro e é parte integrante e componente do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...? 3. Sendo que a sua venda separada causaria uma perda acentuada no seu valor unitário? 4. O prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... e o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... ficavam depreciados individualmente e perdiam valor caso fossem vendidos em separado? 5. O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... é contiguo e forma uma unidade predial juntamente com o rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., estando unidos e delimitados dos prédios confrontantes pelo mesmo muro? 6. O artigo ... é parte integrante do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e só matricial e fiscalmente estão separados? 7. Sendo complementares e sem qualquer valor ou interesse que não seja conjunto, formando uma propriedade toda unida e delimitada das restantes? 8. É legalmente possível a edificação de asa de habitação no prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... (existe informação prévia da CM...)? 9. O prédio dos autores confronta com a via pública, com a Rua ..., através de uma faixa de terreno com a largura de 4 metros? 10. O prédios dos autores é servido por caminho que se inicia na Avenida ... e se prolonga até ao seu prédio, com a largura de 6 metros, tendo o seu leito compactado e estabilizado com pó de pedra? 11. O caminho que os autores chamam de servidão é um caminho público e denomina-se Rua .../...? (…)” XXXIII. Ou seja, nunca os Recorrentes nos seus articulados, em sede de apresentação de quesitos e audiência de julgamento alegaram que adquiriram o prédio objeto de preferência para, após anexada área do prédio urbano ..., aí construir uma habitação e garagem. Muito pelo contrário, os Recorridos alegaram que adquiriram para construção e melhorar a acessibilidade aos outos prédios detidos no local, para AGORA e, afinal de contas, alegarem que pretendem retirar área aos outros prédios que detém para construir no prédio objeto de preferência. Nada mais contraditório. XXXIV. Tendo em conta as supostas diligencias realizadas pelos Recorridos previamente à compra, deveriam já, à data da apresentação da sua contestação, ser sabedores e conhecedores das limitações edificativas do prédio objeto de preferência, nomeadamente a localização de parte do mesmo em Reserva Agrícola Nacional e insuficiência de frente urbana e, portanto, terem alegado essa projetada necessidade de arredondamento de estremas – o que não fizeram. XXXV. Nunca os Recorridos pretenderam construir no prédio objeto de preferência, muitos menos fazer arredondamento de estremas, para além de que, a capacidade edificativa tem de se verificar quanto ao prédio objeto de preferência, enquanto unidade predial, e não às custas de hipotéticos prédios confrontantes. XXXVI. Ainda que se equacionasse que a exceção invocada pudesse proceder dotando o prédio objeto de preferências às custas do confrontante, o que se equaciona por hipótese meramente académica, tal como prescrito na lei, deveria verificar-se à data da compra do prédio objeto de preferência e ter sido alegado pelos Recorrentes em sede de contestação - o que não foi; XXXVII. Não basta os Recorridos alegarem que, caso dotassem o prédio de frente urbana, teria o prédio objeto de preferência capacidade edificativa, sendo necessário os Recorridos alegarem como pretendem fazê-lo. Quantos metros vão necessitar? Onde é que podem e vão implantar a suposta habitação e garagem? No prédio objeto de preferência? Ou vão anexar a área e implantar a habitação precisamente na área anexada? XXXVIII. Note-se que o prédio objeto de preferência não tem tão só a limitação da frente urbana, conforme apregoado pelos Recorridos, mas limitações quanto à localização e classificação do solo, ou seja, mesmo que dotado de frente urbana não poderia, a hipotética habitação que os Recorridos pretendem construir ser implantada em solo classificado como Reserva Agrícola Nacional, sendo que tal limitação se estende a grande parte do prédio objeto de preferência - vide página 27 do Relatório da perícia colegial datado de 05/09/2022. XXXIX. Embora a anexação de área de outros prédios seja possível, à data da realização da primeira perícia e da perícia colegial, não tinham os RR. Recorridos, nem têm hoje, anexada qualquer área ao artigo ..., mantendo, até à data de hoje, os mesmos 1262 m2 e a impossibilidade de construção por inexistência de frente urbana. XL. Ou seja, essa limitação a capacidade construtiva, não pode ser contornada através de uma hipotética anexação de área que os RR. não alegaram, não quesitaram, e portanto, não foi objeto de perícia colegial e, consequentemente, não resultou provado. XLI. Repare-se que a afetação do terreno a fim diverso da cultura deve ser objetiva, documentada e vinculativa (como seja, a título exemplificativo, através da obtenção de uma licença ou a construção de um prédio urbano), no sentido de não ser possível, a todo o tempo, afetar aquele terreno, novamente, à agricultura, sob pena de se frustrar a ratio legis da norma e servir de mecanismo de escape ao direito legal de preferência dos proprietários dos terrenos confinantes. XLII. Salvo mais douto entendimento, não pode o Tribunal a quo, dar relevo jurídico a simples manifestações subjetivas de vontade, quiçá ficcionadas, e invalidar a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante. XLIII. Da sentença ora recorrida, pode ler-se ainda, no que à perícia colegial diz respeito, mais concretamente quanto aos esclarecimentos prestados pelo perito Eng. JJ (nomeado pelos AA. /Recorrentes), o seguinte: “(…)Em sede de esclarecimentos de peritos ouviu-se em primeiro lugar o Eng. JJ, engenheiro civil. Esclareceu que fizeram a análise com base nos dois levantamentos topográficos juntos aos autos. Se o prédio tivesse a configuração apresentada no PIP poderia ter capacidade construtiva. Contudo, ressalva o que escreveu no relatório pericial quanto a essa matéria. O perito entende que no caso o prédio não cumpre com a norma em questão uma vez que o arruamento tem que ser uma via pública, não pode ser um caminho de servidão.(…) O perito esclareceu ainda que seria possível um reajustamento de áreas entre dois artigos diferentes, retirando área a um terreno e incorporando no outro, desde que existisse acordo entre os dois proprietários. Esta possibilidade credibiliza a opinião do perito indicado pelos réus no que concerne à possibilidade de edificação naquele terreno.(…) O perito foi à CM verificar o PIP que tinha sido pedido e utilizou essa consulta para o relatório pericial. Constatou que as áreas indicadas no PIP estão erradas e são completamente diferentes das áreas dos dois levantamentos topográficos efetuados (…)” XLIV. Desconhecemos como é que o Tribunal a quo formou a sua convicção, para considerar que resultou provado que o prédio objeto de preferência tem capacidade edificativa, pois que, veja-se o seu depoimento transcrito e anexo ao presente recurso, em que o perito foi perentório ao afirmar o prédio objeto de preferência, com os limites que lhe foram apresentados por ambas as partes nos autos, não tem frente urbana, pelo que não tem capacidade edificativa, conforme o dita o PDM e a sua experiência, enquanto engenheiro civil, que diariamente trabalha com a Câmara Municipal .... XLV. O perito referiu que o único levantamento com confrontação com via pública e que permitiria a construção é o apresentado em sede de pedido de informação prévia pelos RR./Recorridos, pedido esse submetido à Câmara Municipal ..., conforme supra já exposto, em data posterior ao intentar da presente ação e com limites diferentes do indicado pelos RR. recorridos nos presentes autos, pelo que, sem qualquer valor probatório. XLVI. Diga-se ainda que, efetivamente, o Sr. perito esclareceu que é possível a anexação de área de um artigo para o outro, no caso, do artigo urbano ... para o rústico ..., mas também esclareceu que teria de fazer um estudo para saber qual a área a anexar e que, ainda assim, tudo dependeria do que se pretenderia construir, pois existem outras normas a serem respeitadas em sede de construção, nomeadamente afastamento aos limites da parcela, alinhamento com demais prédios etc. XLVII. Resulta ainda dos esclarecimentos prestados pelo perito Eng. JJ que, analisado o pedido de informação prévia, mesmo que o prédio ... tivesse a configuração apresentada em sede de pip (ou seja, 2900), ou seja, mais do dobro da área que efetivamente tem, a habitação a construir seria implantada na área anexada do artigo ..., tendo em conta que a área que primitivamente compõe o artigo rustico ... se encontra grande parte em zona agrícola. XLVIII. A suposta anexação e arredondamento de extremas sequer foi objeto da perícia realizada, tendo os RR./Recorridos procurado fazer tal prova, em sede de pedido de esclarecimentos, fazendo dos peritos testemunhas, relativamente a matéria que sequer foi alegada - o que salvo mais douto entendimento não poderá proceder. XLIX. Escreve ainda o Tribunal a quo na sentença da qual se recorre, quanto aos esclarecimentos prestados pelo perito nomeado pelos RR. – Eng. KK, engenheiro higiene e segurança e topógrafo, o seguinte: “(…)O perito KK, engenheiro de segurança, mas com formação em topografia, foi o perito indicado pelos réus. (…) Reafirmou o que tinha dito no relatório pericial no que concerne à possibilidade de reorganização do prédio de modo a que pudesse passar a ter capacidade construtiva. Poderia até nem alterar a área, bastaria altear a configuração do prédio. O perito disse ainda que faz habitualmente o arredondamento de extremas entre dois prédios de dois proprietários. No caso os acertos dos terrenos seriam entre o ... e ... que pertencem ao mesmo proprietário. Exemplificou no levantamento topográfico essa possibilidade de alteração do terreno de modo a que o mesmo pudesse ter capacidade edificativa em toda a sua extensão. (…)” L. Veja-se o seu depoimento em sede de esclarecimentos, o qual se anexa ao presente recurso, pois que, reportando-nos, desde logo, à parte final do depoimento, quando questionado o Sr. Perito - Eng. KK, acerca do local onde seria implantado o imóvel a construir, caso fosse anexada área do artigo urbano ..., o mesmo refere que depende da configuração da casa que pretendam construir - ou seja, não concretiza, limitando-se, mais uma vez, a considerar uma possibilidade hipotética de contornar uma limitação real e comprovada - falta de frente urbana. LI. Sendo ainda curioso, o facto de o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo referir que a concretização do local onde seria possível implantar uma construção no prédio objeto de preferência, se anexada uma hipotética área, não é objeto da perícia - que não está quesitado. Entendimento esse, com o qual concordamos, mas que o Tribunal a quo não aplicou em sede de sentença, pois considerou provada a capacidade edificativa do prédio objeto de preferência através de vagos comentários efetuados em sede de esclarecimentos, sobre matéria não alegada e peticionada - que não se encontrava quesitada. LII. Salvo mais douto entendimento, a única conclusão que o Tribunal a quo poderia retirar dos esclarecimentos prestados pelo Eng. KK é que situações há em que é possível a anexação de área de um prédio confrontante para outro, mas, por outro lado não resultou provado que os RR. Recorridos poderiam efetuar em concreto tal anexação, nem qual área necessária, e muito menos que seria possível implantar uma habitação do prédio objeto de preferência. LIII. Quanto aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito nomeado pelo Tribunal -Eng. LL, pode ler-se na douta sentença o seguinte: “(…) Finalmente ouviu-se o perito LL, engenheiro civil, indicado pelo Tribunal. Confirmou que seria possível, acertar áreas entre os dois terrenos "dentro de algumas condicionantes" de modo a viabilizar a construção no prédio ....(…)” LIV. Veja-se o depoimento transcrito e anexo ao presente recurso, pois que, contrariamente ao preconizado pelo Tribunal a quo, de tais esclarecimentos não resulta que seria possível construir no prédio objeto de preferência - O Eng. LL confirma integralmente o relatório efetuado, ou seja, que o prédio objeto de preferência não tem frente urbana, pelo que não tem capacidade edificativa. LV. O Ex. Sr. Perito LL, tal como os demais peritos, admite tão só que seria possível efetuar uma anexação para dotar o prédio de frente urbana, mas que teria de respeitar alguns condicionalismos que o mesmo não soube explicar, pois que, sequer objeto da perícia realizada. LVI. Repare-se no seguinte trecho dos esclarecimentos prestados, quando questionado o Sr. Perito acerta da configuração que o prédio rustico ... teria de ter para ser dotado da frente urbana: Mandatário dos Réus: Sim... Olhe, oh sr. engenheiro, se... se... se eu pedir ao sr. dr. Juiz para o confrontar ali com a... com a... com a planta topográfica que os senhores se serviram, o senhor sabe dizer qual é... qual é, digamos, esse espaço residencial nível 2 onde se localiza, e qual seria a configuração que teria de ter o prédio rústico por forma a permitir a ter esses 8 metros de frente de via pública? Eng. LL: Isso... vamos ver uma coisa... Juiz: Doutor... isso excede, excede... excede... excede a função do sr. perito aqui, que é prestar esclarecimentos ao perito... ao relatório, não é estar a fundamentar possíveis hipóteses baseadas na opinião de outro perito, não é...(..,.) LVII. Se a tal matéria extravasava a função dos peritos nomeados - conforme mencionado em sede de esclarecimentos pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, porque é que o Tribunal a quo ignorou o constante do relatório no que a capacidade edificativa do prédio objeto de preferência diz respeito e valorou informação vaga, prestada em sede de esclarecimentos sobre matéria que sequer foi objeto da perícia? LVIII. O Tribunal a quo ignorou o objeto da perícia e conclusões certas e inequívocas alcançadas pelos peritos nomeados pelos Tribunal e pelos AA. /recorrentes, engenheiros civis, quanto à capacidade construtiva do prédio objeto preferência, valorando, incompreensivelmente, o vagamente referido pelo perito indicado pelos RR., topógrafo, e vagamente abordado pelos demais peritos em sede de esclarecimentos – o que não se aceita. LXIX. Os Recorridos para além de não terem alegado convenientemente quais os procedimentos, área, etc., necessários para dotar o prédio objeto de preferência de capacidade edificativa e também não demonstraram ser viável a construção do que alegadamente tinham projetado, pois limitaram-se a “lançar” uma hipotética situação, não provaram tal possibilidade - oiça-se os depoimentos transcritos, nomeadamente do R. FF e das testemunhas MM, NN e OO. LX. Não basta dizer que era possível, é preciso materializar, demonstrar como seria executada e mais importante, que as autoridades competentes permitiam tais alterações à configuração dos prédios. LXI. Não consta dos autos nenhum documento, nenhuma testemunha, nem nenhuma alegação que nos indique em que concretos termos é que no prédio objeto de preferência é possível edificar a habitação projetada pelos Recorridos: Não há projeto; Não há croqui da habitação; Não há planta de localização da obra; Não há licença, nem pedido de licença. LXII. Na douta sentença não há sequer um paragrafo ou um facto provado, que refira que os Recorridos lograram provaram que a capacidade edificativa do prédio rustico ... era viável retirando determinada área ao prédio urbano. Há tão só um pedido de informação previa (fls. 223 e 225) que diz respeito à construção de uma habitação unifamiliar a implantar numa parcela de terreno com 2900 m2 - Ou seja, que em nada está relacionado com o prédio objeto de preferência, o qual, conforme levantamento topográfico, revelou ter área inferior. LXIII. Conforme pode ler-se da douta sentença, não obstante depois não aplicado ao caso concreto, “(…)esta intenção não pode resumir-se a um mero estado subjetivo, devendo existir uma possibilidade real, física e legal, desse destino diferente da cultura do prédio verificar-se.” (…)O funcionamento desta exceção, impeditiva do exercício do direito de preferência, acarreta para quem a invoca o ónus da respetiva prova. Para que a preferência seja afastada não basta, no entanto, a prova de que pretende dar ao prédio adquirido uma outra afetação que não a cultura, sendo necessária a provar de que a projetada mudança de destino é permitida por lei. (…)” LXIV. desse mesmo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/05/2013, usado pelo Tribunal a quo, pode ler o seguinte: “(…)V - Para o apuramento da viabilidade legal da construção que os compradores pretendem levar a cabo no prédio adquirido revela-se suficiente, inexistindo razões que ponham em causa a legalidade da pronúncia administrativa, a demonstração que a entidade administrativa competente para licenciar essa construção a autoriza. VI - Não tendo os Réus logrado provar que a sua intenção de construírem uma moradia unifamiliar no prédio em cuja aquisição os Autores pretendem preferir era legalmente admissível no momento em que foi celebrado o respetivo negócio de compra e venda, não se encontra demonstrada a causa impeditiva do direito de preferência prevista no art.º 1381.º, a), 2.ª parte, do C. Civil(…)” LXV. Nos presentes autos - A entidade administrativa competente sequer se pronunciou sobre a legalidade de construção no prédio objeto de preferência, mas sobre outro, com outra área; Não lograram, conforme já alegado, provar que a construção projetada era legalmente admissível; Não lograram provar quais as diligencias necessários para alteração da matriz dos prédios. LXVI. A jurisprudência é clara ao referir “esta intenção (de construir) não pode ser meramente platónica, devendo existir uma possibilidade real desse destino diferente da cultura do prédio verificar-se” (Ac. da RP de 23110/2006, in www.dgsi.pt) Caberia aos RR., ora Recorridos alegar e provar a intenção inequívoca da mudança do fim agrícola do prédio que adquiriram e da possibilidade legal dessa alteração, que tem de ser contemporânea do ato de transmissão e não pode ser condicionada por circunstâncias futuras, sob pena de a sua concretização poder ser uma mera ficção – conforme é nos presentes autos. LXVII. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2013, o qual reitera que “a admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno (que no momento da aquisição tinha uma destinação agrícola ou florestal) tem que existir no momento da aquisição e deve ser reconhecida pelas autoridades administrativas competentes (…) Não se compreenderia que assim não fosse uma vez que justificando-se a consagração do direito de preferência no artigo 1380º nº 1 por razões de interesse publico - ligadas à necessidade de alteração da estrutura fundiária do país e à manutenção da estabilidade ecológica – não podiam essas razões ser contornadas com base em meras intenções declaradas e apenas remota e hipoteticamente possíveis. (…)” LXVIII. De forma totalmente artificiosa, os Recorridos limitaram-se a provar que efetuaram um pedido de viabilidade, conforme infra se exporá, posterior à citação para presente ação, o qual foi merecedor de despacho de concordância, mas que, no entanto, dizia respeito à possibilidade de construção numa parcela do terreno com 2900 m2 e não à dos autos. LXIX. A possibilidade de afetação a finalidade diferente depende sempre de decisão da autoridade administrativa competente devendo o adquirente alegar e provar que o diferente destino que pretende dar ao terreno é, à data da aquisição legalmente possível - aptidão juridicamente reconhecida através de licença concedida pela administração publica. LXX. Os Recorridos não demonstraram os factos considerados pelo direito substantivo aplicável (parte final da al. a) do artº 1381º, do CC) impeditivos da pretensão (direito de preferência) dos Recorrentes, enquanto estes provaram os factos integradores dos aludidos pressupostos do direito real de preferência atribuído pelo artigo 1380º, do CC. Pelo que, impõe-se a alteração do ponto 39 da matéria dada como provada, a qual necessariamente deveria ter sido considerada como não provada, tendo em conta relatórios periciais e esclarecimentos prestados. LXXI. Quanto ao uso destinado pelos Recorridos compradores ao prédio objeto de preferência, não obstante o supra alegado, o que necessariamente é prejudicial a esta segunda questão, Não basta a intenção de construir é necessário que esta seja viável. LXXII. Entendeu o Meritíssimo Juiz “(…)que se provou que os réus compraram o prédio para construir uma casa de habitação com garagem (artigos 38º e 39º dos factos provados)(…)” - fundou a sua convicção na prova testemunhal, mais concretamente, nos seguintes depoimentos prestados, cuja transcrição dos mesmos se anexa ao presente recurso, tendo em conta a requerida reapreciação da prova gravada, MM, NN, OO e FF - R. /Recorrido. Discordam os Recorrentes de tais considerandos, uma vez que da prova produzida não resultou tal factualidade, conforme infra se explicitará e comprovará. LXXIII. Quanto a testemunha NN, o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância, ainda que incompreensivelmente, fundou a sua convicção relativamente a intenção dos RR. Recorridos destinarem o prédio objeto de preferência à construção, referindo que, “(…) A testemunha analisou ainda o projecto de fls. 222 dos autos esclarecendo que no caso concreto seria quase impossível não ser aprovado um projecto com capacidade de construção atendendo a que o terreno tem carácter urbano no PDM. O depoimento da testemunha também utilidade para se dar como provada a intenção dos réus de destinarem esse prédio à construção de uma moradia.(…)” LXXIV. Salvo devido respeito, o Meritíssimo Juiz certamente não ouviu o mesmo depoimento que os Recorrentes ouviram, uma vez que tais considerandos são divergentes do depoimento prestado pela mesma (vide transcrição do depoimento), pois que do mesmo, adversamente ao constante da sentença, resultou que a intenção do RR./Recorridos em construir no prédio objeto de preferência só surge após a compra, mais de um ano após, pois que o mesmo refere claramente que o Sr. FF (Recorrido) já era dono do prédio quando ele elaborou e submeteu o PIP. Pelo que, em nada releva o depoimento para demonstrar que os Recorridos compraram com intenção de construir. LXXV. Mais curioso ainda é a testemunha referir, que efetuou levantamento topográfico para submeter o referido pedido de informação prévia e o mesmo não ter sido, convenientemente, junto aos presentes autos pelos Recorridos, uma vez que, efetuado com área divergente da constante dos presentes autos e da realidade apresentada aos peritos. LXXVI. Apenas podemos concluir que o depoimento da referida testemunha é irrelevante para o presente processo, tal e qual como o pedido de informação prévia por si submetido, pois que a ter avaliado a capacidade construtiva de um prédio propriedade do Recorrido FF, foi de outro que não o dos presentes autos e em data posterior à compra. LXXVII. Veja-se o Acórdão da Relação Porto de 23/10/2006, do qual pode ler-se que: “(…) o conceito "intenção" teria que ser preenchido com elementos donde se pudesse extrair tal conclusão: a de que os 2°s Réus, antes e no momento da compra do prédio tinham já a intenção de dar ao terreno destino diverso da cultura, como seja, v.g. a feitura de diligências junto da edilidade competente para aferir da viabilidade de construção do prédio, ou a feitura de quaisquer diligências acerca do projeto de construção da dita habitação, antes da compra etc.(…)” LXXVIII. Refere-se ainda no douto Acórdão que “(…) A intenção de afectar o terreno a fim diverso da cultura terá que existir logo no momento da compra, pois que, se assim não fosse, sempre os novos adquirentes, perante uma "ameaça" de exercício de direito de preferência de imediato alegariam que o terreno se destinava a uma habitação futura e o legal direito de preferência dos proprietários confinantes cessaria!(…)” LXXIX. Repare-se que o PIP é datado de 07/2016, sendo a resposta da Câmara Municipal de 29/12/2016, ao passo que a presente ação foi intentada em 02/07/2016. Ou seja, os Recorridos só após terem tido conhecimento do exercício do direito de preferência por parte dos Recorrentes é que submeteram pedido à Câmara Municipal ... para assim “inventar uma defesa” e impedir que a pretensão dos Recorrentes fosse avante. LXXX. A comprovação da intenção tem que ser objetiva, que não é, pois que o PIP constante dos autos não pode prevalecer - tal pedido de informação prévia teria de ser anterior e não posterior à aquisição. LXXXI. Isto para dizer que, por muito que considerássemos o PIP e declarações prestadas pela testemunha NN, que não consideramos, é posterior à aquisição, pelo que tão só demonstraria que os Recorridos após a compra decidiram construir, não resultando de tal, pelo que permanece no desconhecido, qual a intenção quando adquiriram. LXXXII. Conforme se pode verificar do depoimento transcrito da testemunha NN, “É claro como a água”, que a intenção de construir foi tão só alegada pelos Recorridos, para impedir o exercício do direito de preferência por parte dos Recorrentes. LXXXIII. Baseou também o Tribunal a quo a prova da intenção em destinar o prédio objeto de preferência a destino diverso da cultura nas declarações da testemunha MM, referindo que: “(…) A testemunha clarificou que o único objectivo que o seu cunhado FF tinha com a compra, era a de poder construir uma casa de habitação para ter todos os filhos reunidos. Assim, quando a casa estava à venda a testemunha ajudou o seu cunhado a perceber junto da Câmara Municipal se o terreno em causa tinha viabilidade de construção. A testemunha tentou perceber junto da CM se o terreno tinha essa possibilidade - porque tinha sido funcionário da CM durante vários anos. (…) O tribunal valorou o depoimento da testemunha tendo o mesmo servido para darmos como provado que a intenção dos réus ao comprarem o prédio ...-r é construírem uma habitação.(…)” LXXXIV. Veja-se o depoimento da testemunha transcrito, uma vez que contrariamente ao indicado pelo Tribunal a quo, resulta do depoimento da testemunha que a sua principal intervenção na compra dos prédios - artigo ... e ... - foi há já vários anos e limitou-se a arranjar ao cunhado, pessoa entendida na área para determinar se o prédio tinha capacidade edificativa, mais concretamente estabeleceu contacto entre o R. FF e a testemunha PP, depoimento que sequer foi valorado pelo Tribunal a quo, pelo que, também não se entende como é que o depoimento da testemunha MM foi valorado, uma vez que o seu conhecimento dos factos não é direto. LXXXV. Repare-se que nada é mencionado pela testemunha acerca da necessidade de anexação de área do artigo ... para o rústico ..., para assim dotar o mesmo de frente urbana, limitando-se a testemunha a referir que o cunhado pretendia juntar os três filhos e reparar as construções existentes. O que salvo mais douto entendimento, tendo em conta a relação familiar existente e o facto de até a presente data os RR./Recorridos não ter efetuado qualquer projeto ou iniciado qualquer construção, não confere credibilidade ao preconizado pelos RR., ou seja, o destino diferente da cultura. LXXXVI. Acrescente-se ainda que, do depoimento da testemunha não resulta de forma clara o que é que os RR./Recorridos pretendiam construir e como, sendo sempre efetuadas menções vagas a vontade de ter os filhos todos reunidos, ou seja, nada é dito sobre se os RR./Recorridos iriam fazer a construção com recurso a crédito bancário, que a mesma iria importar um custo de x, que teriam de anexar área, NADA. LXXXVII. Bem como, pouco ou nada releva o facto de a testemunha referir que foram à Camara Municipal e que pelo Eng. QQ foi confirmada a capacidade construtiva, pois que, conforme resultou da perícia colegial efetuada, nem hoje, nem em 2015, nem em 2008, o prédio objeto de preferência tinha capacidade edificativa tendo em conta os 1262 m2, pois não dispunha, nem dispõe, de frente urbana. LXXXVIII. Quanto ao depoimento da testemunha OO, entendeu o Tribunal a quo que: “(…)O depoimento da testemunha foi útil para se perceber que a intenção dos réus com a compra do prédio era a de construir uma casa(…)”, no entanto, veja-se o depoimento da testemunha transcrito em sede de motivação, do qual não resultou de forma cabal que os RR./Recorridos adquiriram os prédios para a construção, tendo o mesmo referido de forma vaga que o pai pretendia construir uma casa para a irmã, mas sem nunca explicar o que é que pretendia construir, quais os custos da construção, como é que seria financiada a obra. LXXXIX. Salvo mais douto entendimento, para demonstrar uma real intenção de construir, não basta dizer que o pai disse que queria comprar para construir, é necessário demonstrar que há data foram praticados atos inequívocos dessa vontade, nomeadamente apurar os custos da construção, o tipo de construção, o local de implantação, etc. – o que não fizeram. O que ainda assim, não seria viável, pois conforme supra se expôs, quer hoje quer em 2008, o prédio objeto de preferência não dispunha de frente urbana, pelo que não tinha capacidade construtiva. XC. Por fim, fundou o Tribunal de 1ª instância a sua convicção da intenção de construir no prédio objeto de preferência nas declarações do R. FF, o qual tal como os demais pouco ou nada refere, senão veja-se o depoimento transcrito, pois que, nada é concretizado pelo R./Recorrido, o qual efetivamente diz que comprou para construir, para os seus negócios, mas nunca refere que teria de anexar área, nunca refere qual o prédio que pretendia construir, se uma casa com dois andares, em pedra ou em tijolo, NADA. XCI. Nunca quiseram os Recorridos construir, ou pelo menos, dos autos não resultou que foi com essa intenção que adquiriram - não provaram o animus com que adquiriram, nem por documento, nem com a prova testemunhal - a qual de resto seria insuficiente, pois que não corroborada por elementos objetivos. XCII. Aqui chegados entendemos que não resultaram provados os factos 38º e 39º, pelo que, deve a sentença proferida ser substituída por outra que considerando tais factos como não provados, julgue a ação totalmente procedente. * Foram apresentadas contra-alegações.* Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento dos recursos, cumpre decidir.O Tribunal considerou provados os seguintes factos: 1.Encontra-se inscrito favor dos autores na competente Conservatória de Registo Predial o direito de propriedade sobre um prédio misto denominado “Quinta ...” composto por cultura, ramadas, pastagem, pinhal e mato e casa de dois pavimentos, palheiro e eira anexa e outra casa de dois pavimentos, sito no lugar ..., freguesia ..., actual Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, com área total de 32298 m2, ou seja, superfície coberta de 274.5 m2 e descoberta de 32023.5 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 10 de Setembro de 1992, a confrontar: - Norte com RR; - Nascente com caminho de servidão; - Sul com herdeiros de SS e herdeiros de TT; - Poente com EE. 2. Tal prédio misto encontra-se inscrito na respectiva matriz da freguesia Bem Viver sob os artigos: - Urbanos ... e ...; - Rústico .... 3. Direito de propriedade esse titulado por escritura de partilha outorgada no Cartório Notarial de Marco de Canaveses no dia 9 de Agosto de 1995 e exarada a fls. 32v a 36v do livro ... C. 4. Os AA. por si e seus legítimos antecessores, estão na posse e fruição exclusivas de tal prédio há mais de 20, 30, 50 anos, ininterruptamente, 5. Conservando-o, melhorando-o, colhendo os frutos, pagando os respectivos impostos, fruindo todas as utilidades, à vista de toda a gente, inclusive dos RR., sem oposição de quem quer que seja, convictos de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios, em tudo se comportando como plenos proprietários do referido imóvel. 6. Os primeiros e segunda RR. eram donos e legítimos proprietários do prédio rústico composto por terra culta, com pastagem e batata, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória de Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 30 de Agosto de 2004 da freguesia ..., atual Freguesia .... 7. O identificado prédio encontra-se descrito na respectiva matriz sob o artigo ..., que corresponde ao anterior artigo ... da extinta freguesia ..., atual Freguesia ..., a confronta: - Norte com herdeiros de UU; - Nascente com herdeiros de RR; - Sul com caminho e herdeiros de SS. - Poente com VV. 8. Por escritura de compra e venda, outorgada no dia 9 de Outubro de 2015, no Cartório Notarial Dr. HH, sito na Travessa ..., ..., concelho de Marco de Canaveses, e exarada a fls. cento e doze a cento e treze V do livro de notas para escrituras diversas n. ... A, os primeiros e segunda R. venderam aos terceiros RR., que por sua vez compraram, o prédio rústico identificado nos artigos anteriores, declarando o seguinte: “que, eles e a representada da outorgante mulher são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: Rústico, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses (…) Que pela presente escritura e pelo preço já recebido e do que dão quitação, de quinze mil euros (15.000,00 euros) vendem, ao segundo outorgante o prédio atrás identificado, contíguo ao qual não possuem qualquer outro prédio rústico.” 9. Tal prédio rústico, objecto da compra e venda referida no artigo anterior, confina pelo seu lado nascente com o lado poente do prédio dos AA., melhor identificado em 1º da presente p.i., numa extensão de cerca de 97 metros. 10. É composto por videiras, fruteiras, pastagem e cultivo de diversos produtos agrícolas, como batata, cebolas, alfaces, milho, e muitos outros produtos. 11. Os prédios em causa (os identificados em 1, 8 e 9 da petição inicial) são distintos e desde sempre estiveram e estão afectos à exploração agrícola, são contíguos entre si. 12. Tais terrenos mantêm aptidão para a produção dos referidos produtos desde que trabalhados e amanhados. 13. O solo ou terreno que integra tais prédios sempre foi trabalhado, dele se extraindo diversos produtos - milho, centeio, produtos hortícolas, vinho, azeite, pastagem de gado, mato para as cortes e depois transformado para estrumar a terra. 14. Tanto o prédio dos AA. como o prédio ...-r são terrenos aptos e destinados à agricultura. 15. O prédio ... tem uma área total de pelo menos 1262 m2 e o prédio ... tem uma área total de pelo menos 1783 m2. 16. O prédio cujo direito de propriedade se encontra registado em nome dos réus, prédio ... tem área inferior a Unidade de Cultura que é de 4 hectares (40.000m2), considerando que não estamos perante “Terreno de Regadio”. 17. Os terceiros réus são proprietários de um prédio urbano, composto por casa de dois pavimentos e quintal, sito no lugar ..., freguesia ..., actual Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, com área total de 1799 m2, ou seja, superfície coberta de 99 m2 e descoberta de 1700 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha ... de 30 de Agosto de 2004, a confrontar: - Norte com RR; - Sul e Nascente com WW; - Poente com Caminho público – doc. n.º 9 18. Tal prédio urbano encontra-se inscrito na respectiva matriz da Freguesia ... sob o artigo ..., anterior artigo ... da extinta freguesia .... 19. O acesso ao prédio dos AA., é efectuado por um caminho público denominado Rua ..., com inicio na estrada municipal (Rua ...), com extensão de cerca de 89 metros, e largura de cerca de 2,5 metros, seguindo o sentido norte-sul até ao metro 60, começando a direccionar-se em sentido poente-nascente até atingir a extrema sul do prédio ...-r. 20. Com início no prédio objecto de compra e venda, hoje propriedade dos 3º RR., na parte mais a sul e que confronta com o caminho público supra descrito, tem início um caminho de servidão cujo seu termino é no inicio da propriedade dos AA., conforme identificado no doc. n.º 12 junto com a petição inicial, onde se assinala a amarelo o caminho de servidão e a laranja a Rua ... (visualizável, apenas, electronicamente uma vez que não é possível imprimir a cores). 21. O identificado caminho de servidão tem o seu leito, configuração e composição da seguinte forma: • Tem início na extrema sul do prédio ...-r, com uma largura de cerca de 4 metros no seu troço inicial, estreitando até a uma largura de 2,5 metros, e um comprimento de cerca de 21 metros, terminando o seu leito na estrema sul do lado nascente do prédio propriedade dos AA. 22. Os AA. têm acesso ao seu prédio com inico na estrada municipal, percorrendo o caminho público descrito, entrando na propriedade dos 3º RR. e atravessando-a, conforme alegado. 23. Tal um caminho serve o prédio dos AA. há mais de 20, 30, 50 anos, sendo o único acesso ao mesmo e como tal utilizado. 24. Os AA. utilizam permanentemente o caminho em causa, tendo procedido à sua beneficiação e conservação, mantendo o seu leito e piso em boas condições de circulação, ou seja, calcetaram o mesmo há mais de 15 anos. 25. Ou seja, sempre constituiu acesso a pé, de tractores e com veículos automóveis, tendo por isso leito próprio, bem coteado e demarcado, com uma largura média de 2,5 metros, o que sempre se revelou por sinais visíveis e permanentes, nomeadamente através existência de duas colunas em pedra, colocadas pelos RR., no início do seu leito. 26. A aquisição pelos AA. do mencionado prédio permitiria que o prédio de que são proprietários tivesse acesso directo ao caminho público, evitando a passagem por prédio alheio. Da contestação: 27. Os autores intentaram a presente acção em 02.07.2016. 28. A ré EE enviou aos autores que a receberam a carta que se encontra junta aos autos a fls. 92 datada de 4 de Novembro de 2008, com o seguinte conteúdo: “Direito de Opção” 29. No âmbito do processo n.º 141/10.6TBMCN, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canaveses, foi apresentado pelos autores uma contestação na qual alegam o seguinte nos artigos 6º a 8º: “6º com data de 4 de Novembro de 2008 a A. EE, por escrito – vide doc. nº 1 comunicou aos RR AA e BB, a sua intenção de vender o prédio ora em discussão, 7º conferindo, nos termos legais, aos RR - AA e BB o direito de preferência sob o mesmo prédio. 8º E o certo é que, poucos dias após ter enviado a dita carta, o referido prédio rústico, passou a ser ocupado, por outrem, que não os AA, que, de resto, se intitulam proprietários” 30. Os autores não responderam à referida carta. 31. Em 10 de Dezembro de 2008, por Escritura Pública lavrada no Cartório Notarial do Dr. HH, os réus declararam o seguinte: “Que eles e a representada da outorgante mulher são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios: - Rústico, denominado ...”, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, inscrito na matriz sob o artigo ..., ao qual atribuem o valor de cinco mil euros (€5000,00). - Urbano composto de casa de dois pavimentos e quintal, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, inscrito na matriz sob o artigo ..., ao qual atribuem o valor de setenta mil euros (€ 70.000,00). (…) Que pela presente escritura e pelo preço global já recebido e do que dão quitação, de setenta e cinco mil euros (75.000,00), vendem, ao segundo outorgante os prédios atrás identificados.” 32. Na ocasião não foi escriturado o prédio objecto da presente acção, pois os aqui autores estavam a ocupar uma parte deste prédio (inscrito na matriz sob o artigo ...). 33. Foram os aqui 1.º e 2.º réus quem demandou os aqui autores, e após uma longa acção, que correu termos sob o n.º 141/10.6TBMCN, do J1 deste Tribunal, os aqui autores ficaram condenados a “a) declarar que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio identificado em 1.) dos factos provados, b) reconhecer que a parcela de terreno referida no ponto 3) da matéria assente, com as características, configuração e área aludida, faz parte integrante do prédio identificado no ponto 1) dos factos assentes. c) condenar os réus a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a posse dos autores sobre o seu imóvel e sobre a dita parcela de terreno. d) condenar os réus a reporem os marcos em pedra nos locais onde se encontravam antes de por eles serem retirados, bem como, a retirarem os tubos e redes metálicas colocadas sobre o caminho de servidão”. 34. Tal acção foi objecto de recurso, mas por douto Acórdão da Relação do Porto de 23.02.2015, transitado em 01.04.2015, foi confirmada a decisão da primeira instância. 35. Os prédios inscritos na matriz sob os artigos ...... e ...... são contíguos, estão materialmente unidos e cercados por um mesmo muro. 36. O prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... é contíguo ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., assemelhando-se a um logradouro deste prédio, no entanto, não é parte integrante do prédio urbano. 37. Os réus/contestantes são donos e legítimos proprietários de: - prédio composto de casa de dois pavimentos e quintal, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, inscrito na matriz sob o artigo ..., cuja parte rústica (quintal) confronta de Nascente com o prédio relativamente ao qual os autores pretendem exercer direito preferência, com a área total de 1799m2. - prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no lugar ... ou ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., que confronta de Norte e Nascente com o prédio objecto da presente acção com a área total de (ha) 0,112000. 38. A finalidade da compra do artigo ... rústico não era, nem é o cultivo agrícola. 39. O destino e interesse dos réus/contestantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... era a construção urbana, nomeadamente de uma casa da habitação e garagem sendo que esse prédio tem capacidade construtiva. Da resposta 40. A escritura datada de 09-10-2015 tem como objecto a venda de apenas um prédio (prédio objecto da preferência) pelo preço de € 15.000,00 (quinze mil euros) e não os € 90.000,00 (noventa mil euros) propostos em 2008. 41. É no prédio ...-r que se encontra um poço de água cujo fim é ser utilizada nas lides agrícolas. 42. Já têm os terceiros RR. quatro casas de habitação na área onde se encontra o terreno objeto de preferência - uma que habitam, outra onde habita a filha e duas arrendadas.(…)”. * O Tribunal não considerou provados os seguintes factos: Da petição inicial Desenvolvendo, os aqui AA., no prédio de que são proprietários, ao longo de vários anos, criação de gado, sendo os mesmos alimentados com produtos produzidos na terra culta do referido prédio, e tendo para tal construído estábulos e cercas, etc. Têm, ainda, os AA. destinado para tal prédio dois projectos para produção de mirtilos. De resto, o prédio identificado em 8º e 9º, no passado, pertenceu ou fez parte do prédio hoje pertença dos AA., e estes, já em anos recentes e a pedido dos primeiros e terceira R. amanharam e cultivaram o prédio objecto da compra e venda. Por último, os RR. nada comunicaram aos AA. relacionado com a mencionada venda do referido prédio rústico, nem antes, nem posteriormente à dita venda, seja a pessoa do comprador, seja o preço, sejam as condições de pagamento e demais cláusulas contratuais. Os AA. apenas tomaram conhecimento dos elementos essenciais do contrato de compra e venda e respectiva escritura, no dia 17 de Junho de 2016, já a mesma havia sido outorgada. Ou seja, só após a obtenção da cópia certificada do título de compra e venda (escritura) no dia 17 de Junho de 2016 é que tomaram conhecimento do seu teor, estando até então completamente alheios à mesma. Os terceiros RR. (compradores) não são proprietários de qualquer prédio rústico confinante com o prédio alienado. Da contestação Os autores e a generalidade das pessoas do lugar e da freguesia tomaram conhecimento das condições do negócio antes mesmo da sua realização, sendo aliás do conhecimento público. Os aqui 1.º e 2.º réus notificaram os aqui autores, em 04 de Novembro de 2008, para querendo declarar se pretendiam fazer uso do direito de opção pelo preço de 90.000 €, nos termos que melhor constam do documento ora junto sob o n.º 1 cujo conteúdo dá aqui como inteiramente reproduzido para os devidos e legais efeitos – provado apenas o envio da carta pela ré EE, o recebimento da carta pelos autores e ainda a tomada de conhecimento do respectivo conteúdo por parte dos autores. Os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ... e ... e o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ... constituíam a totalidade dos bens que foram herdados pelos 1.º e 2.º réus de XX e YY, no lugar ... e freguesia ..., o que era do perfeito conhecimento dos autores, atentas as relações familiares existentes. Dúvidas não há que a venda foi projectada e feita de forma conjunta e por preço global e os autores não declaram pretender exercer qualquer direito de preferência ou levantaram qualquer óbice. A aquisição efectuada pelos réus destinava-se a melhorar a acessibilidade - única - que os mesmos têm aos prédios que já tinham no local e bem assim à construção urbana, mediante a edificação de uma casa de habitação e garagem precisamente no prédio inscrito na matriz sob o artigo .... Não sendo possível uma solução rápida e consensual do litígio que opunha os 1.º e 2.º réus e os autores, ficou acordado entre os aqui contestantes e os 1.º e 2.º réus a venda de todos os prédios e que se formalizava a venda dos prédios que não tinham qualquer litígio e seriam eles - 1.º e 2.º réus - a demandar e reivindicar dos aqui autores a parte ocupada. Ficaram os 1.º e 2.º réus de litigar e resolver o apontado litígio com os autores quanto à delimitação e direito de propriedade e só após solução seria escriturado o prédio, que nessa data era vendido em conjunto com os demais. A escritura pública de 09.10.2015 mais não é do que a formalização e conclusão do negócio firmado e realizado em 2008 que foi feito em conjunto e por um preço global. Dúvidas não há que os autores foram notificados para querendo exercer o direito de preferência pelo preço de 90.000 € e não exerceram o seu direito. Sendo certo que a venda foi feita em conjunto e era essencial para ambas as partes (vendedores e compradores) essa venda em conjunto. Sendo que a sua venda separada causaria uma perda acentuada no seu valor unitário, motivo pelo qual os vendedores (1.º e 2.º réus) exigiram a venda em conjunto e os 3.º réus também só compravam em conjunto. O prédio rústico (preferido) e o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... ficavam depreciados individualmente e perdiam valor caso fossem vendidos em separado. Os autores são trabalhadores por conta de outrem e não exercem actividade agrícola ou pecuária. Em 2008, os contestantes contactaram os 1.º e 2.º réus no sentido de lhes comprar os seguintes prédios: 1 - Prédio rústico denominado “...”, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, inscrito na matriz sob o artigo .... 2 - Prédio urbano composto de casa de dois pavimentos e quintal, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, inscrito na matriz sob o artigo .... 3 - Prédio rústico composto de terra culta com pastagem e batata, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, inscrito na matriz sob o artigo .... Acertaram a compra e venda pelo preço global de 90.000 €. Nem os 1.º e 2.º réus vendiam os prédios de forma separada, nem os réus/contestantes compravam um ou uns sem os outros. Sendo complementares e sem qualquer valor ou interesse que não seja conjunto, formando uma propriedade toda unida e delimitada das restantes. Os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ... e ... e ... urbana constituíam a totalidade dos bens que foram herdados pelos 1.º e 2.º réus de XX e YY, no lugar ..., o que era do perfeito conhecimento dos autores, atentas as relações familiares existentes. A aquisição efectuada pelos réus em 2008 destinava-se a melhorar a acessibilidade que os mesmos têm aos prédios que já tinham no local e bem assim à edificação de uma casa de habitação e garagem precisamente no prédio inscrito na matriz sob o artigo .... Sendo legalmente possível a edificação naqueles prédios, que só ainda não avançou pois os autores teimam em não cumprir a Douta Sentença e o Acórdão, não entregando as partes que ilicitamente ocupam e inviabilizam a imediata construção. Tanto assim é que previamente à compra contactaram o Município e técnicos na área da arquitectura e engenharia para averiguar a aptidão construtiva dos mesmos e só avançaram com a compra depois de lhe terem dito que os prédios eram aptos à construção Não sendo possível uma solução rápida e consensual entre 1.º e 2.º réus e os autores, ficou acordado entre os aqui contestantes e os 1.º e 2.º réus a manutenção da venda de todos os prédios e que se formalizava a venda dos prédios que não tinham qualquer litígio (artigos U-... e ...-R) e seriam eles - 1.º e 2.º réus - a demandar e reivindicar, dos aqui autores, a parte ocupada e após a solução seria escriturado o prédio aos 3.º réus. Na ocasião não foi escriturado o prédio objecto da presente acção (artigo ...) pois existia o apontado litígio entre autores e réus quanto à delimitação e propriedade e os 1.º e 2.º réus obrigaram-se a resolver judicialmente o problema. A escritura pública de 09.10.2015 mais não é do que a formalização e conclusão do negócio firmado e realizado em 2008 que foi feito em conjunto e por um preço global. O contrato e o negócio datam de 2008, mas devido ao processo judicial optou-se e só se pode escriturar em 2016. Sendo certo que a venda foi feita em conjunto e era essencial para ambas as partes (vendedores e compradores) essa venda em conjunto. Sendo que a sua venda separada causaria uma perda acentuada de valor unitário, motivo pelo qual os vendedores (1.º e 2.º réus) exigiram a venda em conjunto. Os 1.º e 2.º réus não vendiam em separado os prédios e os 3.º réus não compravam os prédios se não fosse em conjunto. O prédio dos autores confronta com a via pública, com a Rua ..., através de uma faixa de terreno com a largura de 4 metros. Mas, para além de confrontar com a via pública os prédios dos autores são servidos por caminhos de acesso, a pé e veículos ligeiros e pesados. Um desses caminhos inicia-se na Avenida ... e prolonga-se até ao prédio dos autores e que estes e quem se dirige ao seu prédio desde sempre utilizou diariamente, de dia e de noite, de forma pública e pacífica. Esse caminho, utilizado desde tempos imemoriais, parte da Avenida ..., com a largura de 6 metros, estando o leito compactado e estabilizado com pó de pedra. Acresce que o caminho que os autores chamam de servidão é um caminho público e denomina-se Rua .../.... Da resposta Os AA., desde já reafirmam, que quer os primeiros RR. quer a segunda R., nada lhes comunicaram relacionado com a venda do rústico objeto da presente ação: - Não comunicaram a pessoa do comprador; - Não comunicaram quais os prédios objeto de compra e venda, em concreto o prédio objeto da presente ação; - Não comunicaram as demais cláusulas contratuais. Os AA., conforme o já exposto em sede de pi, apenas tomaram conhecimento dos elementos essenciais do contrato de compra e venda no dia 17 de Junho de 2016, data em que obtiveram cópia da respetiva escritura. Até então, encontravam-se completamente alheios ao negócio e aos seus termos. * A convicção do Tribunal formou-se a partir da análise conjugada de toda a prova produzida no processo e em audiência de julgamento.Iniciou-se a audiência com o depoimento do perito Engenheiro II, responsável pelo relatório pericial junto aos autos. Pelo perito foi dito que no local existe um posto de média tensão que permite a construção, desde que a mais de 5 metros e meio. A testemunha esclareceu ainda que no seu ponto de vista o terreno objecto de preferência tem capacidade de construção. O único impedimento que poderia surgir seria o da confrontação com o caminho público uma vez que a parcela não tem frente urbana. No que concerne aos caminhos existentes nos terrenos confirmou o teor do relatório pericial. O tribunal valorou o depoimento do perito na medida em que o mesmo demonstrou conhecimento directo dos factos sendo que as suas declarações serviram para credibilizar o relatório pericial junto aos autos. No que respeita ao relatório pericial, o tribunal valorou-o integralmente uma vez que se encontra bem fundamentado e não foi colocado em causa pelas partes. Neste ponto cumpre esclarecer que nos estamos a referir ao relatório pericial datado de 04 de Abril de 2018, junto aos autos a fls. 240 e seguintes, aos esclarecimentos prestados pelo perito a 15.07.2019, fls. 322 e seguintes e aos esclarecimentos prestados a 11.11.2019, fls. 337 e seguintes. Consta do acórdão do Tribunal da Relação do Porto o seguinte: “Reportando-nos, agora, ao caso vertente, constatou-se que aquando da perícia singular realizada nos autos, os prédios objecto de preferência - artigo rustico ... e consequentemente o prédio propriedade dos Recorridos (urbano ...) - confrontante com o primeiro, encontravam-se mal inscritos na matriz e descritos na Conservatória de Registo Predial, no que às áreas diz respeito. Tal circunstância levou a resposta aos quesitos não conforme com a realidade dos prédios, nomeadamente no que tange ao relatório pericial datado de 04/04/2018. Consequentemente e para lograr obter respostas aos quesitos rigorosas e conforme com a realidade dos prédios em causa, o Tribunal a quo determinou a realização de levantamento topográfico. Sucede que, porém, as partes defendem limites do prédio objecto de preferência distintos, motivo pelo qual, foram elaborados dois levantamentos topográficos, dos quais resultam que os Recorrentes entendem que o prédio objecto de preferência (rústico ...) tem área total de 1883 m², ao passo que os Recorridos entendem ser de 1262 m²; bem como, e consequentemente, entendem os Recorrentes que o prédio propriedade dos Recorridos (urbano ...) tem área total de 1783 m², ao passo que os Recorridos dizem ter 2404 m². Afigura-se-nos, assim, que a resolução do referido diferendo é, não só essencial à descoberta da verdade, como questão fundamental para uma completa e clara resolução do litígio, motivo pelo qual, é matéria constante dos próprios temas da prova, enunciados em sede de despacho saneador. De resto, o Tribunal limitou-se a transcrever as áreas constantes dos documentos autênticos juntos (vide ponto 1º, 15º e 17º da matéria dada como provada). Ora, é contraditório e inquina a resolução do litígio levado a juízo, sendo imprescindível determinar-se, pelo menos quanto ao prédio objecto de preferência, qual a sua configuração, delimitação e área exactas, pois que, só assim poderá o Tribunal a quo formar a sua convicção quanto ao alegado pelas partes, nomeadamente e concretamente, se o prédio objecto de preferência (rústico ...) tem ou não capacidade edificativa. Assim, no caso vertente, afigura-se-nos, atenta a natureza da factualidade em causa, ser insuficiente a prova produzida, devendo o Tribunal a quo socorrer-se da prova pericial (2ª perícia colegial) para superar as dúvidas existentes.” No seguimento do decidido pelo Tribunal da Relação do Porto foi elaborada nova perícia colegial tendo, depois disso, os peritos prestado esclarecimentos e comparecido na audiência final para novos esclarecimentos. Analisemos então os novos meios de prova (relatório pericial e esclarecimentos de peritos): Em sede de esclarecimentos de peritos ouviu-se em primeiro lugar o Eng. JJ, engenheiro civil. Esclareceu que fizeram a análise com base nos dois levantamentos topográficos juntos aos autos. Se o prédio tivesse a configuração apresentada no PIP poderia ter capacidade construtiva. Contudo, ressalva o que escreveu no relatório pericial quanto a essa matéria. O perito entende que no caso o prédio não cumpre com a norma em questão uma vez que o arruamento tem que ser uma via pública, não pode ser um caminho de servidão. O perito disse ainda que é impossível averiguar qual a configuração do prédio uma vez que isso dependerá sempre do que as partes reconhecem como sendo o terreno uma vez que não existem delimitações no terreno, “o único sinal existente é o muro”. O perito esclareceu ainda que seria possível um reajustamento de áreas entre dois artigos diferentes, retirando área a um terreno e incorporando no outro, desde que existisse acordo entre os dois proprietários. Esta possibilidade credibiliza a opinião do perito indicado pelos réus no que concerne à possibilidade de edificação naquele terreno. Confrontando os dois levantamentos topográficos constata-se que o levantamento com 1262 m2 contém descrito o muro existente no terreno em toda a sua extensão e no final contém o edifício que delimita o terreno. Já o levantamento topográfico maior, com a área de 1883 m2, contém também a delimitação pelo muro, mas é mais abrangente na parte final. O perito entende que não é possível saber a configuração histórica do terreno uma vez que o único sinal delimitador é o muro existente no local e cada uma das partes tem uma versão diversa sobre os limites do terreno. O perito foi à CM verificar o PIP que tinha sido pedido e utilizou essa consulta para o relatório pericial. Constatou que as áreas indicadas no PIP estão erradas e são completamente diferentes das áreas dos dois levantamentos topográficos efectuados. O perito KK, engenheiro de segurança, mas com formação em topografia, foi o perito indicado pelos réus. Pelo perito foi dito que no local não é possível delimitar o terreno objecto de preferência uma vez que apenas existe o muro a delimitar o terreno. No mais, são as indicações das partes que estão em contradição entre si. Na parte nascente confronta com o prédio vizinho, que é o prédio dos autores. Desse lado nascente existe um muro, mas que não delimita o prédio ao longo de toda a sua extensão. Na parte em que não existe muro não é possível delimitar o prédio. Daí os dois levantamentos topográficos terem áreas diferentes entre si. Reafirmou o que tinha dito no relatório pericial no que concerne à possibilidade de reorganização do prédio de modo a que pudesse passar a ter capacidade construtiva. Poderia até nem alterar a área, bastaria altear a configuração do prédio. O perito disse ainda que faz habitualmente o arredondamento de extremas entre dois prédios de dois proprietários. No caso os acertos dos terrenos seriam entre o ... e ... que pertencem ao mesmo proprietário. Exemplificou no levantamento topográfico essa possibilidade de alteração do terreno de modo a que o mesmo pudesse ter capacidade edificativa em toda a sua extensão. Finalmente ouviu-se o perito LL, engenheiro civil, indicado pelo Tribunal. Confirmou que seria possível acertar áreas entre os dois terrenos “dentro de algumas condicionantes” de modo a viabilizar a construção no prédio .... Estes esclarecimentos em cotejo com o relatório pericial estão em sintonia, no essencial, com o que já constava do processo e com a nossa convicção anterior (relativamente à localização dos terrenos, caminho de servidão, área de confrontação entre os dois prédios e acessos aos mesmos). Ainda assim, este relatório pericial foi devidamente valorado e serviu para aprofundar a nossa convicção relativamente a dois aspectos: a área do prédio ... (objecto de preferência) e a sua capacidade construtiva. Começando pelo primeiro aspecto: os peritos foram unânimes em reconhecer que não é possível delimitar a área do terreno porquanto as partes não se entendem quanto à mesma e, por outro lado, não existem no local sinais evidentes que permitissem delimitar os terrenos. Os 3 peritos analisaram os dois levantamentos topográficos. Ora, quanto aos levantamentos topográficos refira-se que estão bem feitos e o seu conteúdo não foi colocado em crise pelas partes no que concerne à descrição da geografia e área do terreno. A única coisa que difere entre estes levantamentos é a área dos dois terrenos de acordo com a versão de cada uma das partes. Assim, por defeito, sabemos com certeza que o prédio ... tem pelo menos a área de 1783 m2 e que o prédio ... tem pelo menos a área de 1262 m2. Esta foi a nossa resposta quanto a esses factos. Já quanto ao segundo aspecto, a capacidade edificativa do prédio ...: A resposta dos peritos sobre esta matéria é a seguinte: “Os peritos nomeados pelo Tribunal e AA informam o seguinte: “Com base no Plano Diretor Municipal de Marco de Canaveses (PDM) atual, o prédio insere-se parcialmente em “Solo Urbano – Espaços Residenciais de Nível II”, contudo verifica-se a impossibilidade de proceder à construção de uma edificação, uma vez que não dispõe de frente urbana com 8 metros, não cumprindo com o disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 13.º do regulamento do PDM, pelo que não apresenta capacidade edificativa. O perito nomeado pelo RR informa o seguinte: “De acordo com o PDM atual, apesar da existência de frente urbana de 8 metros para o caminho de acesso poder suscitar algumas dúvidas na sua interpretação e aplicação relativamente a este caso, proprietário tem sempre a possibilidade de alterar a configuração do polígono limite em coordenação com os confrontantes, aplicando os mecanismos legais existentes.” Com base nas respostas dos peritos o tribunal mantém a sua convicção de que o terreno tem capacidade construtiva. É verdade que o PIP apresentado na CM do ... não serve para fundamentar a nossa convicção uma vez que os peritos estão inteiramente convencidos, e o tribunal concorda, que a área comunicada e de implementação da casa está errada, mas não é menos verdade que todos os peritos confirmaram que uma alteração de áreas entre os terrenos (contíguos e do mesmo proprietário) permite a capacidade edificativa. O terreno 570 está parcialmente em solo urbano - espaço residencial de nível II pelo que bastaria um acerto de áreas na frente urbana de modo a atingir 8 metros de largura para que uma operação de construção fosse validada. Esse ajuste de áreas é perfeitamente possível e trata-se, segundo se infere dos esclarecimentos dos peritos, de uma operação usual e fácil de concretizar (considerando que os terrenos são contíguos e do mesmo proprietário). Assim sendo, como é, ficamos convencidos de que o terreno 570, em abstracto, possui capacidade edificativa – o que já anteriormente tinha sido afirmado pelo perito Eng. II ouvido na audiência final. Por outro lado, desta prova pericial infere-se que o prédio objecto da preferência confina com o lado poente do prédio dos autores numa extensão aproximada de 97 metros. Essa prova permitiu também dar como provado que o prédio objecto da preferência tem uma área inferior à unidade de cultura prevista para a zona norte (quanto a este aspecto os peritos são unânimes seja qual for a área do terreno, isto é, quer a área seja a indicada pelos autores, quer seja a indicada pelos réus). A prova pericial, cotejada com a restante prova produzida em audiência (especialmente as declarações de parte do réu FF) serviu para dar como provada a existência de um caminho de servidão no prédio objecto da preferência. Tal prova também serviu para o tribunal ficar convencido de que não existia qualquer perda de valor caso os dois prédios fossem vendidos em separado (como efectivamente foram). Por outro lado, em conjunto com a restante prova produzida em audiência (nomeadamente a inspecção ao local) a prova pericial permitiu dar como provado que os dois prédios dos réus, artigos ...-u e ...-r são contíguos e estão materialmente unidos e cercados por um mesmo muro. A testemunha ZZ, advogada, namorada do filho dos autores. Conhece o local há cerca de 7 anos. A testemunha referiu que o terreno em causa, dos autores, é usado predominantemente para agricultura. Tem uma casa de habitação. Esclareceu ainda que o prédio tem um projecto de plantação de Kiwis para ser implementado nos próximos meses. No que concerne ao prédio objecto de preferência referiu que é composto por duas leiras e confronta com o prédio dos autores. No mais, a testemunha esclareceu que apenas depois de Maio de 2016 é que os autores tiveram conhecimento do contrato de compra e venda. O depoimento da testemunha não teve qualquer utilidade para a causa na medida em que a testemunha não demonstrou conhecimentos quanto ao que se passou a partir de 2008 e até 2015. A testemunha AAA, é filho dos autores. A testemunha clarificou que, do que se recorda, o terreno dos seus pais e o objecto de preferência sempre se dedicaram à agricultura. Concretizou que o terreno dos seus pais sempre se dedicou à prática de agricultura e que, no futuro, irão implementar um projecto de kiwis. A testemunha clarificou ainda que o terreno objecto de preferência iria potenciar a agricultura no prédio dos autores, concedendo mais espaço e possibilitando um acesso melhor. Os seus pais tiveram conhecimento a meio de Maio de 2016 de que tinha existido uma venda do terreno, através do email de um advogado que solicitou a colocação de uma vedação. No seguimento desse email fizeram buscas na Conservatória e descobriram que o terreno tinha sido vendido. A testemunha foi ainda confrontada com o documento de fls. 92 dos autos e referiu conhecer esse documento através dos seus pais. A testemunha BBB, gerente comercial no ramo automóvel, teve intervenção no negócio de compra e venda do terreno objecto da preferência uma vez que é primo da ré CC e esta, na altura, estava no Brasil. A testemunha confirmou o valor do negócio e que foram comprados dois prédios distintos, sendo que a fracção objecto de preferência foi comprada em momento ulterior (em 2015). A testemunha clarificou que o negócio foi em conjunto mas apenas foi celebrado em 2015 devido ao facto de existir uma acção em Tribunal relativa ao imóvel em causa (envolvendo os ora autores). A testemunha explicou ainda que nunca deu qualquer documento aos ora autores relativo ao prédio em questão. No final do seu depoimento a testemunha clarificou que se a CC tivesse perdido a acção judicial que moveu contra os ora autores provavelmente os réus não teriam comprado o prédio. O tribunal valorou o depoimento da testemunha tendo o mesmo sido útil para o tribunal ficar convencido de que a resolução do caso em tribunal seria uma condição essencial para que os réus comprassem o terreno objecto da preferência e que o negócio ocorrido em 2008 era independente do negócio celebrado em 2015. A testemunha PP, conhece o réu FF uma vez que desenvolvia trabalhos como projetista. A testemunha clarificou que o réu FF pediu uma informação à testemunha sobre a capacidade de construção no terreno em causa nos autos, há cerca de 10 anos. O depoimento da testemunha não teve qualquer utilidade para a causa. Ouviu-se ainda a testemunha MM, cunhado do réu FF. Foi ao terreno em causa cerca de 3 vezes ao longo dos anos. A testemunha clarificou que o único objectivo que o seu cunhado FF tinha com a compra, era a de poder construir uma casa de habitação para ter todos os filhos reunidos. Assim, quando a casa estava à venda a testemunha ajudou o seu cunhado a perceber junto da Câmara Municipal se o terreno em causa tinha viabilidade de construção. A testemunha tentou perceber junto da CM se o terreno tinha essa possibilidade – porque tinha sido funcionário da CM durante vários anos. Esclareceu ainda que o seu cunhado lhe disse que tinha comprado o terreno por € 90.000,00. Quanto à existência de duas escrituras, pela testemunha foi dito que não tem conhecimento directo mas que sabe que existiu um processo judicial relacionado com a demarcação dos terrenos e que isso atrasou a realização da segunda escritura. O tribunal valorou o depoimento da testemunha tendo o mesmo servido para darmos como provado que a intenção dos réus ao comprarem o prédio ...-r é construírem uma habitação. A testemunha NN, desenhador de profissão e que fez um pip (pedido de informação de prévia) a pedido do réu FF. Na altura o réu FF já era dono do terreno. A testemunha foi ao terreno em causa duas vezes no ano de 2016. A testemunha referiu que o terreno do Sr. FF era contíguo a outro terreno do qual ele era dono. A testemunha clarificou ainda que a intenção do comprador, FF, era a de construir uma casa naquele local. A testemunha analisou ainda o projecto de fls. 222 dos autos esclarecendo que no caso concreto seria quase impossível não ser aprovado um projecto com capacidade de construção atendendo a que o terreno tem carácter urbano no PDM. O depoimento da testemunha teve utilidade para se dar como provada a intenção dos réus de destinarem esse prédio à construção de uma moradia. A testemunha OO, filho dos réus FF e GG. A testemunha nasceu perto do local dos terrenos e conhece bem os terrenos em causa. Refere que na altura em que os seus pais compraram o primeiro terreno rústico havia uma querela sobre a delimitação de outro prédio pelo que fizeram um acordo em que só iriam comprar o outro terreno depois do destino dessa acção judicial. Questionado sobre o motivo pelo qual não fizeram logo o acordo de compra e venda e os seus pais iriam discutir a acção em tribunal, a parte esclareceu que a vendedora não quis vender o terreno em ter a certeza absoluta da área do terreno em causa, até porque isso poderia interferir com o preço do terreno. Esta versão dos factos não nos mereceu acolhimento pelos motivos que fizemos alusão anteriormente. O tribunal ficou amplamente convencido de que os réus decidiram só celebrar a compra e venda do segundo terreno depois de resolvida a questão da demarcação dos terrenos. O depoimento da testemunha foi útil para se perceber que a intenção dos réus com a compra do prédio era a de construir uma casa. Ouviu-se no final da audiência as partes. Iniciou-se com o depoimento de parte do réu FF. Admitiu a veracidade do artigo 11º da petição inicial. O réu esclareceu que o terreno comprado em 2015 seria urbano. Na altura só comprou o terreno porque na altura tinha interesse em construir uma casa para os seus filhos. Antes de comprar o terreno em causa era um terreno agrícola, era um terreno cultivado. O réu verbalizou ainda que o terreno dos autores nunca foi utilizado para a agricultura estando ao abandono. O réu esclareceu que o autor AA nunca cultivou o prédio em causa nos autos. No que concerne à existência de uma servidão legal de passagem o réu esclareceu que tomou conhecimento da existência desse caminho na data da escritura e que não coloca em causa a existência desse caminho. No que concerne à carta enviada pela EE aos autores, a parte esclareceu que antes de completar o negócio pediu aos vendedores para avisarem os proprietários dos prédios vizinhos. A parte esclareceu que disse à CC e ao vendedor Sr. BBB que se o AA quisesse o terreno que já não o queria. O réu manifestou esta intenção antes de fazer a escritura dos terrenos. O réu estava convencido de que o AA tinha o direito de preferência sobre a compra do terreno. O réu esclareceu ainda que quando viu a placa de venda do terreno foi falar com o AA e perguntou se era ele o vendedor do terreno, explicando que o AA sabia que o terreno estava à venda. O réu referiu que na altura achava que o AA tinha o direito de preferência mas não conseguiu explicar em audiência o porquê de ter essa opinião (com muita reserva disse que seria por ser da família e talvez por ter um terreno confinante). O réu esclareceu que em 2008 fez apenas um primeiro negócio “porquanto o AA, quando percebeu que o negócio estava fechado andou a alterar uns marcos e nessa altura eu suspendi o negócio, falei com a vendedora. Quando me repuserem o negócio completo vocês avisam-me e eu vou ver se o terreno está completo e aí fazemos a escritura do outro número.” O AA tinha tirado cerca de 100 metros do terreno. A parte não quis dizer quanto é que tinha dado pela casa no primeiro negócio de 2008. No que respeita ao poço de água a parte esclareceu que se encontra já dentro do terreno rústico que comprou em 2015. A versão do réu de que só fez um negócio (todo em 2008 embora parcialmente escriturado em 2015) não tem qualquer sentido. Quer pela própria versão do réu (que disse que suspendeu o negócio até ver a área do terreno) quer pelo facto de as escrituras terem sido feita com uma dilação de vários anos. Por outro lado, seria fácil ao réu comprar o terreno rústico e negociar logo um preço com a condição de existir uma redução do preço. Para nós é claro que o réu não quis comprar o terreno logo em 2008 devido às dúvidas sobre a delimitação dos terrenos. Dito isto, o tribunal ficou convencido de que a intenção dos réus com a compra do terreno era a de, efectivamente, o destinar à construção de uma moradia. Quanto a este facto a explicação dada pelo réu pareceu-nos lógica e convincente. O autor AA, admitiu que recebeu uma carta em 2008 com o conteúdo que o tribunal leu (fls. 97 verso). A parte esclareceu que a EE é sua tia. A parte esclareceu que sabia que a sua tia tinha vários terrenos na zona embora o autor só conhecesse os terenos em causa nos autos porquanto olhava pela casa e pelos terrenos. O autor não sabe explicar o motivo pelo qual não associou a carta aos terrenos em causa. Na altura, em 2008, dava-se bem com a tia mas com a sua prima não (não falava com esta). O autor confirmou que os réus puseram a casa e os terrenos à venda o que fez com que o autor ficasse chateado com esse facto pelo facto de estar a cuidar dos terrenos, “ela comigo não estava a agir bem. “Eu só soube que aquilo estava à venda quanto recebi a carta e vi o letreiro”. O autor esclareceu que na altura pensava que era só a casa de habitação o que contradiz a sua versão anterior de que estava a cuidar dos terrenos, “fiquei chateado porque tratava daquilo, tratava da vinha, dava alguns garrafões à minha tia e o resto era para mim”. A parte também não conseguiu explicar minimamente o motivo pelo qual a sua tia iria colocar a parte urbana à venda e a rústica não. Não sabe explicar o motivo pelo qual não respondeu à carta a perguntar qual dos terrenos estava à venda. O autor referiu também que nunca foi responsável pela venda dos terrenos. A placa para venda dos terrenos dizia “vende-se” e com o número de um sobrinho da sua tia que era polícia. Sabe que era o número da placa era do sobrinho porquanto tinha curiosidade em saber de quem era o número e ligou para esse número muito embora tenha desligado o telefone porque reconheceu a voz. Não ligou para saber que terreno estava à venda. O autor sabia que tinha o direto de preferência sobre o terreno mas (inexplicavelmente) não perguntou qual dos terrenos estava à venda. O autor esclareceu ainda que não havia divisão entre os dois terrenos dos réus “era tudo em comum” uma pessoa que se deslocasse ao local ficaria com a ideia que se trataria de um único terreno, de resto, não sabia que existiam dois artigos, um urbano e um rústico. Perante isto, também não conseguiu explicar o motivo pelo qual, desconhecendo que existiam um artigo urbano e um rústico, presumiu que a placa de venda e a carta que recebeu diziam apenas respeito a parte desse terreno (a putativa parte onde se situava essa casa de habitação). No que concerne à ocupação de parte do terreno dos réus, o autor esclareceu que foi em 2008 mas não sabe dizer se foi antes ou depois de ter recebido a carta enviada pela sua tia. “A sua tia era contra a venda, foi a tia à revelia da mãe com uma procuração”. A tia do autor tinha-lhe dito que queria vender a casa mas que não queria vender ao FF – afirmação sem o mínimo sentido ou lógica. Quando alterou os marcos já não cuidava do terreno porque estava mal com a sua tia. Mas então não faz qualquer sentido o que o autor firmou anteriormente que tinha ficado chateado quando a sua tia colocou o terreno à venda. De resto o autor sabia que os terrenos herdados pela sua tia EE se situavam em ... (consta da carta) e o autor sabia que em ... a sua tia EE só tinha os terrenos em causa nos autos “em ... só existiam aqueles terrenos”. Foi ainda confrontado com o facto de na carta se fazer menção a “confrontantes” também não conseguindo apresentar explicação para esse facto, sendo certo que é o prédio rústico que confronta com o seu terreno. Acresce a isto que na contestação junta aos autos a fls. 93 e seguintes apresentada na acção 141/10.6TBMCN o autor afirmou expressamente o seguinte “6º com data de 4 de Novembro de 2008 a A. EE, por escrito - vide doc nº1 comunicou aos RR AA e BB, a sua intenção de vender o prédio ora em discussão, 7º conferindo, nos termos legais, aos RR – AA e BB o direito de preferência sob o mesmo prédio. 8º E o certo é que, poucos dias após ter enviado a dita carta, o referido prédio rústico, passou a ser ocupado, por outrem, que não os AA, que, de resto, se intitulam proprietários”. Portanto, tudo sopesado, atendendo às enormes incoerências e contradições existentes no depoimento de parte do autor e considerando o que foi afirmado pelo mesmo na contestação apresentada na referida acção judicial não temos qualquer dúvida em afirmar que os autores tiveram plena consciência, quando receberam a carta em 2008 enviada pela EE que esta estava a dar conhecimento da venda do terreno em causa nos autos. A autora BB, admitiu o recebimento da carta mas apresentou a mesma versão do seu marido apresentando uma completa incapacidade em explicar coisas simples. Não sabe se a sua tia tinha mais terrenos naquela zona – o que nos parece difícil de compreender atendendo a que os terrenos eram dos avós da autora e que apenas existiam 3 filhos (o pai da autora e dois irmãos). A autora explicou ainda que quando recebeu a carta já estava distanciada da sua tia. Também não sabe dizer se a tia vendeu algum terreno em 2008 – afirmação que também nos parece incompreensível, atendendo ao que disse o seu marido em audiência, ao facto de existir uma placa de venda e ao facto de terem recebido a carta. A autora também nunca viu uma placa de “vende-se” nem o seu marido comentou consigo que esses terrenos estariam à venda – afirmação que também nos pareceu difícil de acreditar. O seu marido não iria comentar consigo que um dos prédios da sua tia estava à venda? Confrontada com o teor da contestação apresentada na referida acção judicial a autora não apresentou qualquer explicação. A autora também foi incapaz de explicar o motivo pelo qual na carta de 2008 se refere a existência de “um direito de opção”. Por fim a autora achava que se tratava de dois terrenos diferentes (versão completamente posta em causa pelo marido da autora). Tudo sopesado a parte apresentou em audiência uma postura nitidamente tendenciosa e parcial afirmando uma postura defensiva e furtando-se a apresentar explicações sobre realidades aparentemente simples e evidentes (por exemplo disse não saber quantos bens a sua tia EE tinha em ... mas sabe dizer que a sua tia tinha 14 casas no Brasil). Por todos estes factores, o tribunal valorou o depoimento de parte para dar como provado que os autores tiveram pleno conhecimento de que a ré EE tinha intenção de vender o prédio rústico em causa nos autos. Esse conhecimento cingiu-se ao preço referido na carta e àquele momento temporal. O tribunal valorou ainda os seguintes documentos: Escritura de compra e venda do prédio ...-r, objecto da preferência, constante de fls. 43. De tal documento extrai-se que o prédio em causa foi vendido pelo preço de € 15.000,00. Escritura de compra e venda do prédio ...-u pelo preço de € 70.000,00. Nessa escritura os réus compraram ainda outro prédio rústico “...” pelo preço de €5000,00. Ou seja, esta escritura teve o preço global de €75.000,00 - cfr. Fls. 102 dos autos. Valoramos ainda todas as fotografias aéreas dos prédios em causa as quais, em conjunto com a inspecção ao local, permitiram ao tribunal ter uma visão clara do espaço em causa, nomeadamente, da delimitação dos prédios e da existência do caminho de servidão. O tribunal valorou ainda as peças processuais extraídas do processo 141/10.6TBMCN. Também se valorou o documento de fls. 92 dos autos, “direito de opção” que foi a carta enviada pela ré EE para os autores e que estes reconheceram em audiência ter recebido e lido. Os documentos de fls. 223 e 225 e seguintes serviram para se responder negativamente ao artigo 71º da contestação atendendo à data dos documentos (posterior à da venda do terreno) mas também tiveram a virtualidade de se demonstrar que o prédio vendido tem, de facto, capacidade construtiva. Em síntese - a prova apurada em audiência não deixa margem para dúvidas quanto aos seguintes aspectos: - Delimitação dos prédios, nomeadamente, o facto de o 570-r confrontar em cerca de 100 metros com outro prédio rústica pertença dos autores (inspecção ao local, prova testemunhal, depoimentos de parte e relatórios periciais). - Uso dos prédios - fez-se prova cabal de que o prédio dos autores sempre foi utilizado para a agricultura o mesmo se passando com o 570-r - em pelo menos metade desse prédio (prova pericial, depoimentos de parte, prova testemunhal e inspecção ao local). - Existência de um caminho de servidão a atravessar o prédio dos réus (inspecção ao local, prova pericial, prova testemunhal e depoimentos de parte com conteúdo confessório). - Capacidade construtiva do prédio ...-r (essencialmente prova pericial nos termos vistos anteriormente). - Ausência de desvalorização dos dois prédios (prova pericial nos termos vistos anteriormente). - Conhecimento pelos autores que a ré EE queria vender os prédios (extrai-se do conteúdo da carta, cotejada com os depoimentos de parte dos autores e com regras de experiência comum e de normalidade). - O facto de os últimos réus serem titulares de um direito de propriedade sobre um prédio que confronta com o prédio ...-r foi dado como provado atendendo à prova testemunhal, depoimentos de parte e ainda atendendo à certidão matricial junta aos autos a fls. 131 dos autos.” * :Das conclusões formuladas pelos Autores/recorrentes, as quais delimitam o objecto do seu recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito deste recurso prendem-se com saber: - Da impugnação da matéria de facto; - Do direito de preferência de prédios confinantes e os factos constitutivos da excepção do artigo 1381º, alínea a) do Código Civil - destino do prédio para construção e possibilidade legal. * :Os apelantes, em sede recursiva, manifestam-se discordantes da decisão que apreciou a matéria de facto, defendendo que os pontos 38 e 39 da matéria de facto provada devem ser considerados não provados. Consta dos referidos pontos que: “38º A finalidade da compra do artigo ... rústico não era, nem é o cultivo agrícola. 39º O destino e interesse dos réus/contestantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... era a construção urbana, nomeadamente de uma casa da habitação e garagem sendo que esse prédio tem capacidade construtiva.” Vejamos, então. No caso vertente, ao invés do sustentado pelos Apelados, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma. Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece. Como refere A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelos recorrentes e, se necessário, outras provas, as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto. Tendo presentes os elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes. Importa aquilatar se as conclusões que foram retiradas a partir da prova que foi produzida e credibilizada pelo tribunal, não contende com as regras da experiência comum e da lógica, sendo, ainda, certo que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida. Conforme atrás referido, entendeu o Sr. Juiz do Tribunal , em sede de motivação, que “Em síntese - a prova apurada em audiência não deixa margem para dúvidas quantos aos seguintes aspetos: (…)- Capacidade construtiva do prédio ...-r (essencialmente prova pericial, nos termos vistos anteriormente)(…).” Discordam, porém, os Apelantes da referida afirmação, adiantamos, desde já, com razão. Na realidade, da análise da prova documental e essencialmente da prova pericial constatamos que tal facto dado como provado não se encontra em sintonia com a prova produzida nos autos. Resulta, com efeito, da análise crítica da referida prova, que no prédio objecto de preferência não é possível a construção, bem como que os Apelados não lograram provar que adquiriram o prédio objecto de direito de preferência com intenção de o destinarem a fim diferente da cultura. Vejamos, então. Consta do ponto 39 que: “O destino e interesse dos réus/contestantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... era a construção urbana, nomeadamente de uma casa da habitação e garagem sendo que esse prédio tem capacidade construtiva.”. Pugnam os Apelantes que o referido ponto seja dado como não provado. Para prova do referido facto, o Tribunal fundou a sua convicção essencialmente na prova pericial. Parece-nos, no entanto, que da sua rigorosa análise não se pode extrair a referida conclusão. Com efeito, resulta, nomeadamente do relatório peritagem/esclarecimento datado de 15/07/2019, o seguinte: - Quesito 13º (dos AA) “(…) quanto ao seu uso urbanístico, tendo em conta a localização e configuração do prédio objeto de preferência, o mesmo não dispõe de frente urbana suficiente, capaz de ao mesmo permitir a sua urbanização/edificação. - Quesito 14º (dos AA) “É viável a construção de uma habitação e garagens nesse mesmo prédio de acordo com as normas e regras de construção atualmente impostas? Não.(…)” - Quesito 8º (dos RR.) “É legalmente possível a edificação de uma casa de habitação no prédio inscrito na matriz predial rustica sob o artigo ... (…)? Tendo em conta a localização e os instrumentos de gestão territorial, PDM/Marco de Canaveses, verifica-se que o prédio encontra-se classificado em Solo Urbanizado - espaços residenciais nível II. Ora, tendo em conta a sua área, a sua frente urbana, etc., o prédio rústico NÃO tem capacidade edificativa (...). Além disso, do relatório da perícia colegial, datado de 05/09/2022, no que à capacidade edificativa diz respeito, resultou que: a) O prédio rústico objeto de preferência, de acordo com PDM 2015, e com o levantamento topográfico com os limites indicados pelos RR., ou seja, com áreas de 1262 m2, se localiza em solo rústico - espaço agrícolas (reserva agrícola nacional) e em espaço residenciais de nível II - página 8 do relatório perícia colegial; b) Os peritos nomeados pelo tribunal e pelos AA., engenheiros civis, entenderam que, “(…) com base no Plano Diretório Municipal de ... (PDM) atual, o prédio insere-se parcialmente em “solo Urbano - Espaços Residenciais de Nível II”, contudo verifica-se a impossibilidade de proceder à construção de uma edificação, uma vez que não dispõe de frente urbana com 8 metros, não cumprindo com o disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 13º do regulamento do PDM, pelo que não apresenta capacidade edificativa.(…)” Afigura-se-nos, por isso, que da análise crítica e devida da prova pericial não se pode concluir que o prédio objecto de preferência tem capacidade construtiva. Com efeito, não basta que o prédio se localize em solo urbanizado ou urbanizável, sendo pois necessário e perentório que o mesmo cumpra as demais regras edificativas impostas para permitir a construção de uma habitação de acordo com o PDM. Ou seja, o facto de o prédio não ter frente urbana, como é o caso, faz com que o mesmo não tenha capacidade edificativa. Nesta esteira, resulta das conclusões retiradas pelo Tribunal , em sede de motivação, relativamente ao relatório pericial elaborado pelo Eng. II, que: “(….)O único impedimento que poderia surgir seria o da confrontação com o caminho público uma vez que a parcela não tem frente urbana.(…)” Ou seja, é um impedimento verificado em sede de perícia, pelo que é real, comprovado por documento (prova pericial e levantamento topográfico). Assim, o prédio objecto de preferência não tem efectivamente frente urbana, pelo que existe um impedimento à construção e edificação. Relativamente ao relatório elaborado após perícia colegial, concluiu o Tribunal que: “(…) Ainda assim, este relatório pericial foi devidamente valorado e serviu para aprofundar a nossa convicção relativamente a dois aspetos: a área do prédio ... (objeto de preferência) e a sua capacidade construtiva.(…) Já quanto ao segundo aspecto, a capacidade edificativa do prédio ...; A resposta dos Senhores peritos sobre esta matéria é a seguinte: "Os peritos nomeados pelo Tribunal e AA. informam o seguinte: "Com base no Plano Diretor Municipal de Marco de Canaveses (PDM) atual, o prédio insere-se parcialmente em "Solo Urbano - Espaços Residenciais de Nivel II", contudo verifica-se a impossibilidade de proceder à construção de uma edificação, uma vez que não dispõe de frente urbana com 8 metros, não cumprindo com o disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 13.º do regulamento do PDM, pelo que não apresenta capacidade edificativa. O perito nomeado pelos RR. informa o seguinte: "De acordo com o PDM atual, apesar da existência de frente urbana de 8 metros para o caminho de acesso poder suscitar algumas dúvidas na sua interpretação e aplicação relativamente a este caso, o proprietário tem sempre a possibilidade de alterar a configuração do polígono limite em coordenação com os confrontantes, aplicando os mecanismos legais existentes." Com base nas respostas dos peritos o tribunal mantém a sua convicção de que o terreno tem capacidade construtiva. É verdade que o PIP apresentado na CM do ... está errada, mas não é menos verdade que todos os peritos confirmaram que uma alteração de áreas entre os terrenos (contíguos e do mesmo proprietário) permite a capacidade edificativa. O terreno 570 está parcialmente em solo urbano - espaço residencial de nivel II, pelo que bastaria um acerto de áreas na frente urbana de modo a atingir 8 metros de largura para que uma operação de construção fosse validada. Esse ajuste de áreas é perfeitamente possível e trata-se, segundo se infere dos esclarecimentos dos peritos, de uma operação usual e fácil de concretizar (considerando que os terrenos são contíguos e do mesmo proprietário). Assim sendo, como é, ficamos convencidos de que o terreno 570, em abstrato, possui capacidade edificativa - o que já anteriormente tinha sido afirmado pelo perito Eng. II ouvido na audiência final. (…)” No entanto, não podemos aceitar a referida análise crítica, bem como a conclusão extraída pelo Tribunal de 1ª instância, uma vez que: a) O prédio objecto de preferência não tem capacidade edificativa, porque não tem frente urbana; b) Toda a prova pericial teve como objecto a análise da capacidade edificativa do prédio objecto de preferente artigo rustico ... com área de 1262 m2; c) Os RR. nunca alegaram, nem tal foi objecto das perícias realizadas, que a capacidade edificativa do prédio objecto de preferência seria obtida à custa do artigo urbano ...; d) Nunca os RR. concretizaram qual o prédio que pretendiam construir no artigo rustico ..., com que dimensões, e onde seria implantado; e) Nunca os RR., mesmo anexando área do artigo ..., implantariam o prédio a construir no artigo rustico ... (objecto preferência), tendo em conta a sua localização em cerca de 65% em solo agrícola – vide página 26 (polígono a azul – artigo rustico ... com 1262m2) por confronto com a página 27, ambas do relatório da perícia colegial. De resto, a “ideia” dos Recorridos de dotar o prédio objecto de preferência de capacidade edificativa através de um suposto arredondamento de estremas ocorreu apenas, após o oferecimento dos articulados, proferida a sentença, apresentado o recurso pelos AA./aqui Recorrentes e ordenada, por este Tribunal da Relação, a descida dos autos à 1ª instância para realização de perícia colegial. Ou seja, apenas quando confrontados com o resultado da perícia colegial, da qual resulta novamente e com fundamentação mais rigorosa e precisa, a falta da capacidade edificativa do prédio objecto de preferência e, portanto, a iminente improcedência da excepção invocada pelos RR./Recorridos. Repare-se, ainda, que, confrontados com a citação da petição inicial, os Recorrentes apresentaram a sua contestação (28/10/2016) alegando que pretendiam, entre outras coisas, destinar o prédio objeto de preferência a fim diferente da cultura, alegando para tal o seguinte:: “(…) 67º A aquisição efetuada pelos réus em 2008 destinava-se a melhor a acessibilidade que os mesmos têm aos prédios que já tinham no local e bem assim à edificação de uma casa de habitação e garagem precisamente no prédio inscrito na matriz sob o artigo .... A finalidade da compra do artigo ... rústico não era, nem é cultivo agrícola. O destino e interesse dos réus/ contestantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... era a construção urbana, nomeadamente de uma casa de habitação e garagem. (…) Tanto assim o é que préviamente à compra contactaram o Município e técnicos na área da arquitetura e engenharia para averiguar a aptidão construtiva dos mesmos (…)” Por sua vez, quando notificados para apresentação dos quesitos, indicaram os Recorrentes, através de requerimento datado de 18/12/2017, com ref.ª 27671661, o seguinte: “(…) Queira o Senhor Perito responder às seguintes questões: 1. Os prédios inscritos na matriz sob os artigos ...... e ...... são contíguos, estão materialmente unidos e cercados por um mesmo muro? 2. O prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... constitui o prolongamento do logradouro e é parte integrante e componente do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...? 3. Sendo que a sua venda separada causaria uma perda acentuada no seu valor unitário? 4. O prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... e o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... ficavam depreciados individualmente e perdiam valor caso fossem vendidos em separado ? 5. O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... é contiguo e forma uma unidade predial juntamente com o rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., estando unidos e delimitados dos prédios confrontantes pelo mesmo muro? 6. O artigo ... é parte integrante do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e só matricial e fiscalmente estão separados? 7. Sendo complementares e sem qualquer valor ou interesse que não seja conjunto, formando uma propriedade toda unida e delimitada das restantes ? 8. É legalmente possível a edificação de casa de habitação no prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... (existe informação prévia da CM...)? 9. O prédio dos autores confronta com a via pública, com a Rua ..., através de uma faixa de terreno com a largura de 4 metros ? 10. O prédios dos autores é servido por caminho que se inicia na Avenida ... e se prolonga até ao seu prédio, com a largura de 6 metros, tendo o seu leito compactado e estabilizado com pó de pedra ? 11. O caminho que os autores chamam de servidão é um caminho público e denomina-se Rua .../... ? (…)” Ou seja, nunca os Apelantes nos seus articulados, na apresentação dos quesitos e na audiência de julgamento alegaram que adquiriram o prédio objecto de preferência para, após anexada a área do prédio urbano ..., aí construir uma habitação e garagem. Ao invés, os Recorridos alegaram que adquiriram para construção e melhorar a acessibilidade aos outros prédios detidos no local, para ulteriormente e, afinal de contas, alegarem que pretendem retirar área aos outros prédios que detêm para construir no prédio objecto de preferência. Além disso, os Apelantes também alegaram que “(…) previamente à compra contactaram o Município e técnicos na área da arquitetura e engenharia para averiguar a aptidão construtiva dos mesmos e só avançaram com a compra depois de lhe terem dito que os prédios eram aptos a construção.(…)”, pelo que, tendo em conta as supostas diligências realizadas, deveriam já os Apelados, à data da apresentação da sua contestação, serem sabedores e conhecedores das limitações edificativas do prédio objecto de preferência, nomeadamente a localização de parte do mesmo em Reserva Agrícola Nacional e insuficiência de frente urbana e, portanto, terem alegado essa projectada necessidade de arredondamento de estremas – o que não fizeram. De resto, a lei é clara ao determinar, que a capacidade edificativa tem de se verificar quanto ao prédio objecto de preferência, enquanto unidade predial, e não às custas de hipotéticos prédios confrontantes. Ou seja, o sentido interpretativo a dar ao disposto no artigo 1380º alínea a) do CPC é o de que se exige que a intenção de mudança do fim seja contemporânea da escritura e que seja legalmente possível a alteração por parte dos adquirentes. Tendo em conta tudo quando se expôs, facilmente se depreende que a suposta vontade ou necessidade de dotar o prédio objecto de preferência de frente urbana não é contemporânea com a escritura. Note-se, ainda, que o prédio objecto de preferência não tem só a limitação da frente urbana, mas limitações quanto à localização e classificação do solo, ou seja, mesmo que dotado de frente urbana não poderia, a hipotética habitação que os Recorridos pretendem construir ser implantada em solo classificado como Reserva Agrícola Nacional, sendo que tal limitação se estende a grande parte do prédio objecto de preferência – vide página 27 do Relatório da perícia colegial datado de 05/09/2022. Da sentença recorrida, pode ler-se também, no que à perícia colegial diz respeito, mais concretamente quanto aos esclarecimentos prestados pelo perito Eng. JJ (nomeado pelos AA. /Recorrentes), o seguinte: “(…)Em sede de esclarecimentos de peritos ouviu-se em primeiro lugar o Eng. JJ, engenheiro civil. Esclareceu que fizeram a análise com base nos dois levantamentos topográficos juntos aos autos. Se o prédio tivesse a configuração apresentada no PIP poderia ter capacidade construtiva. Contudo, ressalva o que escreveu no relatório pericial quanto a essa matéria. O perito entende que no caso o prédio não cumpre com a norma em questão uma vez que o arruamento tem que ser uma via pública, não pode ser um caminho de servidão.(…) O perito esclareceu, ainda, que seria possível um reajustamento de áreas entre dois artigos diferentes, retirando área a um terreno e incorporando no outro, desde que existisse acordo entre os dois proprietários. Esta possibilidade credibiliza a opinião do perito indicado pelos réus no que concerne à possibilidade de edificação naquele terreno.(…) O perito foi à CM verificar o PIP que tinha sido pedido e utilizou essa consulta para o relatório pericial. Constatou que as áreas indicadas no PIP estão erradas e são completamente diferentes das áreas dos dois levantamentos topográficos efetuados (…)” Ou seja, analisado o relatório de perícia colegial, bem como os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito nomeado pelos AA./Recorrentes - Engenheiro JJ, conclui-se que o referido perito foi perentório ao afirmar que o prédio objecto de preferência, com os limites que lhe foram apresentados por ambas as partes nos autos, não tem frente urbana, pelo que não tem capacidade edificativa. O referido perito referiu que o único levantamento com confrontação com via pública e que permitiria a construção é o apresentado em sede de pedido de informação prévia pelos RR./Recorridos, pedido esse submetido à Câmara Municipal ..., conforme atrás exposto, em data posterior ao intentar da presente acção e com limites diferentes do indicado pelos RR. recorridos nos presentes autos, pelo que sem qualquer valor probatório. Diga-se ainda que, efectivamente, o Sr. perito esclareceu que é possível a anexação de área de um artigo para o outro, no caso, do artigo urbano ... para o rústico ..., mas também esclareceu que teria de fazer um estudo para saber qual a área a anexar e que, ainda assim, tudo dependeria do que se pretenderia construir, pois existem outras normas a serem respeitadas em sede de construção, nomeadamente afastamento aos limites da parcela, alinhamento com demais prédios etc., bem como, realçou que, analisado o pedido de informação prévia, mesmo que o prédio ... tivesse a configuração apresentada em sede de pip (ou seja, 2900), ou seja, mais do dobro da área que efectivamente tem, a habitação a construir seria implantada na área anexada do artigo ..., tendo em conta que a área que primitivamente compõe o artigo rustico ... se encontra grande parte em zona agrícola. Ou seja, efectivamente o Sr. Perito assume como possível a anexação de área, mas nada é concretizado, pois que tal sequer foi objecto da perícia realizada, por não ter sido oportunamente alegado. Por outro lado, o Sr. Perito - Eng. JJ, afirmou, de forma perenptória, que tendo o prédio a configuração apresentada nos autos pelos Réus, os ditos 1262 m2, o mesmo não tem capacidade edificativa, conforme o dita o PDM e a sua experiência, enquanto engenheiro civil, que diariamente trabalha com a Câmara Municipal .... Escreve ainda o Tribunal na sentença da qual se recorre, quanto aos esclarecimentos prestados pelo perito nomeado pelos RR. - Eng. KK, engenheiro de higiene e segurança e topógrafo, o seguinte: “(…)O perito KK, engenheiro de segurança, mas com formação em topografia, foi o perito indicado pelos réus. (…) Reafirmou o que tinha dito no relatório pericial no que concerne à possibilidade de reorganização do prédio de modo a que pudesse passar a ter capacidade construtiva. Poderia até nem alterar a área, bastaria altear a configuração do prédio. O perito disse ainda que faz habitualmente o arredondamento de extremas entre dois prédios de dois proprietários. No caso os acertos dos terrenos seriam entre o ... e ... que pertencem ao mesmo proprietário. Exemplificou no levantamento topográfico essa possibilidade de alteração do terreno de modo a que o mesmo pudesse ter capacidade edificativa em toda a sua extensão. (…)” Reportando-nos, desde logo, à parte final dos esclarecimentos prestados, quando questionado o Sr. Perito - Eng. KK, acerca do local onde seria implantado o imóvel a construir, caso fosse anexada área do artigo urbano ..., o mesmo refere que depende da configuração da casa que pretendam construir – ou seja, não concretiza, limitando-se, mais uma vez, a considerar uma possibilidade hipotética de contornar uma limitação real e comprovada - falta de frente urbana. Esclareceu também o Sr. Perito Eng. KK em sede de esclarecimentos, que a forma para efectuar a hipotética anexação ou reorganização dos limites do artigo rustico ..., dependeria do que se pretenderia construir, ou seja, mais uma vez nada é concretizado, limitando-se a ficcionar o que poderia ser efectuado, bem como, esclareceu que desconhece onde seria implantada a habitação, mesmo que anexada área, pois não é engenheiro civil. Ou seja, a única conclusão que se pode retirar de tais declarações é que situações há em que é possível a anexação de área de um prédio confrontante para outro, mas, por outro lado, não resultou provado que os RR. Recorridos poderiam efectuar em concreto tal anexação, nem qual a área necessária, e muito menos que seria possível implantar uma habitação no prédio objecto de preferência. Quanto aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito nomeado pelo Tribunal – Eng. LL, pode ler-se na sentença em crise o seguinte: “(…) Finalmente ouviu-se o perito LL, engenheiro civil, indicado pelo Tribunal. Confirmou que seria possível, acertar áreas entre os dois terrenos "dentro de algumas condicionantes" de modo a viabilizar a construção no prédio ....(…)” No entanto, contrariamente ao alvitrado pelo Tribunal , de tais esclarecimentos não resulta que seria possível construir no prédio objecto de preferência, pois que, o mesmo confirma integralmente o relatório efetuado, ou seja, que o prédio objeto de preferência não tem frente urbana, pelo que não tem capacidade edificativa. Destarte, o Sr. Perito LL, tal como os demais peritos, admite tão só que seria possível efectuar uma anexação para dotar o prédio de frente urbana, mas que teria de respeitar alguns condicionalismos que o mesmo não soube explicar, pois que, não é sequer objecto da perícia realizada. Como é sabido, muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo julgador, atendendo aos especiais conhecimentos técnicos exigidos aos peritos nomeados para a efectuarem, caso o relatório pericial seja unânime ou maioritário, o tribunal só deve afastar-se das conclusões por aqueles alcançados com base em especiais conhecimentos que o mesmo não possui, se verificar a existência de erro ou incumprimento pelos peritos dos critérios legalmente estabelecidos e aos quais estes também se encontram vinculados. De resto, apenas os peritos subscritores do laudo maioritário têm formação na área da engenharia civil, o que não sucede com o perito dos Réus. Não basta dizer que era possível, é preciso alegar, materializar, demonstrar como seria executada e mais importante, que as autoridades competentes permitiam tais alterações à configuração dos prédios. Ora, nada consta dos autos que nos indique em que concretos termos é que no prédio objecto de preferência é possível edificar a habitação projectada pelos Recorridos: - Não há projecto; - Não há croqui da habitação; - Não há planta de localização da obra; - Não há licença, nem pedido de licença. Repare-se, ainda, que na sentença em crise não há sequer um parágrafo ou um facto provado, que refira que os Recorridos lograram provaram que a capacidade edificativa do prédio rustico ... era viável, retirando determinada área ao prédio urbano. Há tão só um pedido de informação prévia (fls. 223 e 225) que diz respeito à construção de uma habitação unifamiliar a implantar numa parcela de terreno com 2900 m2, ou seja, que em nada está relacionado com o prédio objecto de preferência, o qual, conforme levantamento topográfico, revelou ter área inferior. Conforme pode ler-se da sentença, não obstante depois não aplicado ao caso concreto, “(…)esta intenção não pode resumir-se a um mero estado subjetivo, devendo existir uma possibilidade real, física e legal, desse destino diferente da cultura do prédio verificar-se.” (…) O funcionamento desta excepção, impeditiva do exercício do direito de preferência, acarreta para quem a invoca o ónus da respetiva prova. Para que a preferência seja afastada não basta, no entanto, a prova de que pretende dar ao prédio adquirido uma outra afetação que não a cultura, sendo necessária a provar de que a projetada mudança de destino é permitida por lei. (…)” Concretizando, nos presentes autos: - A entidade administrativa competente sequer se pronunciou sobre a legalidade de construção no prédio objecto de preferência, mas sobre outro, com outra área; - Não lograram, conforme já alegado, provar que a construção projectada era legalmente admissível; - Não lograram provar quais as diligências necessárias para alteração da matriz dos prédios. Ou seja, não se demonstrou ser ali possível, proceder a qualquer construção ou edificação, uma vez que, não basta a intenção de o destinar a tal fim, sendo necessário provar que é possível construir - o que os Recorridos não lograram demonstrar. E, conforme já exposto, não se diga que a viabilidade de construção do referido prédio em conjunto com um outro transfere para o primeiro uma aptidão construtiva, que por si só não tem. A jurisprudência é clara ao referir que esta intenção (de construir) não pode ser meramente platónica, devendo existir uma possibilidade real desse destino diferente da cultura do prédio verificar-se. Competiria, por isso, aos RR., ora Recorridos alegar e provar a intenção inequívoca da mudança do fim agrícola do prédio que adquiriram e da possibilidade legal dessa alteração, que tem de ser contemporânea do acto de transmissão e não pode ser condicionada por circunstâncias futuras, sob pena de a sua concretização poder ser uma mera ficção. Assim, atento o relatório pericial, bem como as conclusões alcançadas pelos Senhores peritos nomeados pelos Tribunal e pelos AA. /recorrentes, engenheiros civis, quanto à capacidade construtiva do prédio objecto preferência, afigura-se-nos ser de alterar a resposta dada ao ponto 39 dos factos não provados, o qual deve ser considerado provado nos seguintes termos: “À data atual e no momento da celebração da escritura o prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., objecto de preferência, não tem capacidade construtiva”. Tendo em consideração o exposto e dado que não basta a intenção de construir, sendo necessário que a construção seja viável, afigura-se-nos irrelevante o apuramento da alegada intenção, que, no entanto, nos merece as seguintes considerações adicionais. - Da matéria de facto dada como provada no ponto 38.º. Consta do referido ponto que: “A finalidade da compra do artigo ... rústico não era, nem é o cultivo agrícola.”. Pugnam os Apelantes que o referido ponto seja dado como não provado. Entendeu o Sr. Juiz “(…) que se provou que os réus compraram o prédio para construir uma casa de habitação com garagem (artigos 38º e 39º dos factos provados)(…)” Tendo para tal fundado a sua convicção na prova testemunhal, mais concretamente, nos depoimentos prestados por MM, NN, OO e FF - R. /Recorrido. Afigura-se-nos, no entanto, que da análise critica dos referidos depoimentos/declarações não se pode extrair a referida conclusão. Assim, quanto a testemunha NN, o Sr Juiz a quo fundou a sua convicção relativamente à intenção dos RR. Recorridos destinarem o prédio objecto de preferência à construção, nos seguintes termos: “(…) A testemunha analisou ainda o projecto de fls. 222 dos autos esclarecendo que no caso concreto seria quase impossível não ser aprovado um projecto com capacidade de construção atendendo a que o terreno tem carácter urbano no PDM. O depoimento da testemunha também tem utilidade para se dar como provada a intenção dos réus de destinarem esse prédio à construção de uma moradia.(…)” Afigura-se-nos, porém, da análise crítica do referido depoimento que a intenção dos RR./Recorridos em construir no prédio objecto de preferência só surge após a compra, ou seja, cerca de um ano depois, pois que o mesmo refere claramente que o Sr. FF (Recorrido) já era dono do prédio quando ele elaborou e submeteu o PIP. Ou seja, a testemunha apenas teve intervenção na situação em causa nos autos quando os Recorridos se encontravam na posse e propriedade do prédio, pelo que, em nada revela para demonstrar que os Recorridos compraram com intenção de construir. Quando muito poderia relevar o depoimento para demonstrar que o RR./Recorridos, só se preocuparam em saber se dava para construir e, em provar tal factualidade, após os AA. /Recorrentes terem exercido o seu direito de preferência. Além disso, a testemunha referiu, que efectuou levantamento topográfico para submeter o referido pedido de informação prévia e o mesmo não ter sido, convenientemente, junto aos presentes autos pelos Recorridos, uma vez que, efectuado com área divergente da constante dos presentes autos e da realidade apresentada aos peritos. Assim, podemos concluir que o depoimento da referida testemunha é irrelevante. Baseou também o Tribunal a quo a prova da intenção em destinar o prédio objeto de preferência a destino diverso da cultura nas declarações da testemunha MM, referindo que: “(…) A testemunha clarificou que o único objectivo que o seu cunhado FF tinha com a compra, era a de poder construir uma casa de habitação para ter todos os filhos reunidos. Assim, quando a casa estava à venda a testemunha ajudou o seu cunhado a perceber junto da Câmara Municipal se o terreno em causa tinha viabilidade de construção. A testemunha tentou perceber junto da CM se o terreno tinha essa possibilidade - porque tinha sido funcionário da CM durante vários anos. (…) O tribunal valorou o depoimento da testemunha tendo o mesmo servido para dar como provado que a intenção dos réus ao comprarem o prédio ...-r é construírem uma habitação.(…)” Resulta, todavia, do depoimento prestado pela testemunha que a sua principal intervenção na compra dos prédios - artigo ... e ... - foi há já vários anos e limitou-se a arranjar ao cunhado, pessoa entendida na área para determinar se o prédio tinha capacidade edificativa, mais concretamente estabeleceu contacto entre o Réu FF e a testemunha PP. Além disso, nada é mencionado pela testemunha acerca da necessidade de anexação de área do artigo ... para o rústico ..., para assim dotar o mesmo de frente urbana, limitando-se a testemunha a referir que o cunhado pretendia juntar os três filhos e reparar as construções existentes. Porém, tendo em conta a relação familiar existente e o facto de até a presente data os RR./Recorridos não terem apresentado qualquer projecto ou iniciado qualquer construção, não confere credibilidade ao preconizado pelos RR. De resto, conforme atrás se expôs, o prédio a construir teria sempre de ser implantado na área a retirar do artigo ..., pelo que, as quezílias e processos existentes não são fundamento para os RR./Recorridos nada terem efetuado ao longo de todos estes anos em que tiveram o prédio na sua posse, nem mesmo projeto de construção ou pedido de informação previa, prévio a compra. Ademais, pouco releva o facto de a testemunha referir que foram à Câmara Municipal e que pelo Eng. QQ foi confirmada a capacidade construtiva, pois que, conforme resultou da perícia colegial efetuada, nem hoje, nem em 2015, nem em 2008, o prédio objecto de preferência tinha capacidade edificativa, tendo em conta os 1262 m2, uma vez que não dispunha, nem dispõe, de frente urbana. Além disso, a ter sido prestada a referida informação, a mesma não se coaduna com as regras urbanísticas impostas, nem com os limites do prédio indicados pelos RR./Recorridos nos presentes autos. Quanto ao depoimento da testemunha OO - filho dos RR./Recorridos, afigura-se-nos, igualmente, que, do depoimento da referida testemunha, não resultou de forma cabal que os RR./Recorridos adquiriram os prédios para a construção, uma vez que o mesmo referiu de forma vaga que o pai pretendia construir uma casa para a irmã, mas sem nunca explicar o que é que pretendia construir, quais os custos da construção, como é que seria financiada a obra. De resto, para demonstrar uma real intenção de construir, não basta dizer que o pai disse que queria comprar para construir, é necessário demonstrar que há data foram praticados actos inequívocos concretizadores dessa vontade, nomeadamente apurar os custos da construção, o tipo de construção, o local de implantação, etc. – o que não fizeram O que ainda assim, não seria viável, uma vez conforme atrás se expôs, o prédio objecto de preferência não dispunha de frente urbana, pelo que não tinha capacidade construtiva. Fundou, ainda, o Tribunal a quo a sua convicção da intenção de construir no prédio objecto de preferência nas declarações do Réu FF, o qual, porém, além de parte interessada, pouco ou nada refere. Com efeito, efectivamente diz que comprou para construir, para os seus negócios, mas nada concretiza, nunca refere que teria de anexar área, nem qual o prédio que pretendia construir, o que não é suficiente para a demonstração da intenção de destinar o prédio a destino diverso da cultura e que tal intenção é real e contemporânea com a compra do prédio. Em suma, não resulta da análise critica da prova, à luz da situação concreta em análise, que os Recorridos provaram o animus com que adquiriram. Atento o exposto, julga-se procedente a impugnação apresentada da matéria de facto e, em consequência, julga-se não provado o facto 38º e considera-se provado o facto 39º nos seguintes termos: “À data atual e no momento da celebração da escritura o prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., objecto de preferência, não tem capacidade construtiva”. * Os factos tidos em consideração são os fixados na 1ª Instância, com as alterações atrás referidas referentes aos factos constantes dos pontos 38.º e 39.º.* Como é sabido, o que está em causa, na estruturação do direito de preferência concedido aos proprietários dos prédios confinantes, desde a Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962, é a necessidade de fazer diminuir o minifúndio, de forma a tornar a exploração agrícola rentável.O legislador, na preocupação de combater a excessiva divisão da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitiu a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área mais apropriada a uma maior produtividade. Esta preocupação legislativa não se esbateu com o decurso do tempo (até porque a importância da agricultura de subsistência, sobretudo no centro e norte do País, não se modificou grandemente), e continua a reflectir-se em normas tendentes a conseguir que a superfície fundiária, para cada região, ofereça as condições adequadas a uma melhor produtividade e rentabilização. Actualmente esta preocupação também se denota numa vertente ambiental, se bem que a preocupação emergente da necessidade de rentabilização agrícola seja cada vez mais premente, até por força da necessidade de oferecer condições de concorrência aos nossos agricultores, face aos demais, integrados na comunidade económica Europeia – Cfr., por exemplo, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 18.1.94 e de 7.7.94 publicados, respectivamente, nas CJ - STJ II, 1, 46 e II, 3, 52. Este propósito foi de novo feito constar do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, que faz menção de que o progresso da agricultura portuguesa tem sido retardado, ao longo dos tempos, “por uma estrutura fundiária desordenada, em que predominam as explorações com dimensão insuficiente e conduzidas por agricultores idosos com baixo grau de instrução”. Este diploma gerou larga polémica sobre se, por força do seu art. 18º, nº 1, apenas um não minifúndio poderia absorver um minifúndio, ou se todo e qualquer proprietário confinante, independentemente da dimensão da propriedade do preferente e da alienada (ou com proposta de alienação), poderia exercer o seu direito, ao ponto de se passar a proteger a constituição de latifúndio. Acerca disso - que não está em causa no recurso - mas que esclarece melhor o entendimento dominante, vem sendo quase unanimemente defendido que, não obstante a deficiente redacção do preceito, tomando em conta os fins visados pelo diploma e constantes do seu preâmbulo, há que considerar que a preferência legal abrange os titulares de direitos de propriedade, sobre minifúndios ou não minifúndios, apenas relativamente às alienações de minifúndios - Cfr. Henrique Mesquita, “Alienação de Prédios Minifundiários”, em C.J., II, pág. 37 ss.; Antunes Varela em Anotação ao Acórdão do STJ de 13 de Outubro de 1993, na R.L.J., 127:294 ss.; Agostinho Cardoso Guedes, “O Exercício do Direito de Preferência”, pág. 112 ss.. Entende-se que pura e simplesmente se regressou à solução da primitiva Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962 (Base VI, n.º 1). O latifúndio voltou de novo a poder absorver o minifúndio, funcionando a norma apenas nesta direcção. O que a lei continua a impedir é que por via do exercício do direito de preferência o latifúndio possa absorver outro latifúndio. Dispõe o artigo 1380º do Código Civil que “os proprietários de terrenos confinantes, (…) gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda (…) a quem não seja proprietário confinante”. Este direito configura-se de forma intimamente ligada à fixada para a unidade de cultura. Temos então, neste momento, que os requisitos do exercício do direito de preferência, tradicionalmente apontados, se alteraram neste ponto, passando a ter de se considerar que o direito em causa apenas emerge nas situações em que: a) tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) o adquirente do prédio não seja proprietário confinante». O requisito de que o preferente tenha um prédio com área inferior à unidade de cultura, constante do rol do artigo 1380º do Código Civil, desapareceu (cfr. art. 18º citado) No caso vertente, estes requisitos estariam preenchidos. Sucede que o artigo 1381º do Código Civil estabelece duas excepções à preferência de terrenos confinantes: a) quando algum dos terrenos constitua componente de um prédio urbano, ou se destine a algum fim que não seja a cultura; b) sempre que a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar. Interessa-nos a situação destacada naquela primeira alínea. Ora, como refere Agostinho Cardoso Guedes, na obra citada, págs. 125 e 126, “(…) quer a liberdade reconhecida ao proprietário do terreno na afectação a outras finalidades que não a cultura, quer os antecedentes do artigo 1381º, alínea a) do Código Civil, permitem concluir que a intenção do adquirente de afectar a outro fim que não a cultura é relevante para excluir o direito de preferência do proprietário confinante. Todavia, não bastará esta mera intenção, ainda que manifestada na escritura de compra e venda, sendo também necessário a prova da mesma, por qualquer meio, e ainda que o destino a dar ao imóvel pelo adquirente seja permitido por lei. Esta ressalva prende-se com os diversos institutos jurídicos de ordenamento do território que ultimamente começaram a ser publicados, sendo que aqui a expressão “lei” tem que ser entendida com a maior amplitude, incluindo qualquer normativo de aplicação geral e abstracta que reja sobre a situação…” É, aliás, jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça v. por ex. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/1/94, CJ (STJ), Tomo I, pág. 46; de 19/03/98, CJ. (STJ) Tomo I, pág. 143; Ac. de 21/06/94, CJ (STJ) Tomo II, pág. 154; Ac. de 14/03/02 CJ. (STJ), Tomo I, pág. 13. Mais recentemente, v. por ex. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6.2.2003(relator: Nascimento Costa), 14.10.2007 (relator: Santos Bernardino), 25.3.2010 (Oliveira Rocha) e de 19.2.2013 (relator: Mário Mendes). Na doutrina, v., por todos, Pires de Lima/Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, em anotação ao artigo 1381º; que, só se verifica esta excepção invocada pelos RR. adquirentes se os mesmos lograrem provar que a nova finalidade pretendida para o terreno adquirido obedecia aos procedimentos legais estabelecidos para a zona - por ser facto impeditivo do funcionamento da excepção. Assim, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, os RR. tinham que provar, com apoio em elementos objectivos, não só a intenção de dar ao terreno diferente destino, como a possibilidade legal de concretização desse novo destino - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.6.94 – BMJ 438/450 e Henrique Mesquita, Parecer em Colectânea, ano XI, tomo 5, página 46. E essa afirmação da admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno tem que ser aferida no momento da aquisição. Acrescente-se, ainda, que essa nova finalidade atribuída pelos RR. adquirentes ao prédio aqui em discussão não tem que constar expressamente na escritura pública celebrada, podendo ser provada por qualquer meio de prova. Assim, no que concerne à aplicação do disposto na al. a), do artigo 1381º, do Código Civil, incumbindo aos RR. o ónus da prova, estes teriam de demonstrar uma dupla realidade: 1º que tinham a intenção séria de dar ao terreno diferente destino - que não de cultura - intenção que podiam demonstrar por qualquer meio de prova; 2º e que essa alteração do destino era, no momento da aquisição, admissível legalmente v. por ex. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2010 (relator: Oliveira Rocha) onde se refere: “Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no artigo 1381.º, al. a), 2.ª parte, do CC, opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei.”, in dgsi.pt. Assim, como facto constitutivo do direito de preferência, desde logo a comprovação de ser o preferente proprietário do terreno agrícola (em sentido amplo) confinante com o prédio rústico alienado, incumbe-lhe alegar e provar (artigo 342º, nº 1 do Código Civil) uma das formas de aquisição (originária ou derivada) do direito de propriedade, ou a presunção de titularidade do direito. Cabe também ao autor o ónus de alegar e provar o requisito legal - não ser o adquirente do terreno proprietário do prédio confinante - por se tratar do facto constitutivo do direito (cf., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/7/94, BMJ 439, pág. 562). No caso em apreço, mostra-se provado que, por escritura de compra e venda, outorgada no dia 9 de Outubro de 2015, no Cartório Notarial Dr. HH, sito na Travessa ..., ..., concelho de Marco de Canaveses, e exarada a fls. cento e doze a cento e treze do livro de notas para escrituras diversas n. ... A, os primeiros e segunda R. venderam aos terceiros RR., que por sua vez compraram, o prédio rústico identificado nos artigos anteriores, declarando o seguinte: “que, eles e a representada da outorgante mulher são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: Rústico, sito no lugar ..., Freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses (…) Que pela presente escritura e pelo preço já recebido e do que dão quitação, de quinze mil euros (15.000,00 euros) vendem, ao segundo outorgante o prédio atrás identificado, contíguo ao qual não possuem qualquer outro prédio rústico.” Tal prédio rústico, objecto da compra e venda referida no artigo anterior, confina pelo seu lado nascente com o lado poente do prédio dos AA., melhor identificado em 1º da presente p.i., numa extensão de cerca de 97 metros. Ao exercício do direito de preferência, ambos os Réus defenderam-se, designadamente, com a excepção material do destino do terreno para um fim não agrícola (artigo 1381º, nº 1, alínea a), 2ª parte, do Código Civil). A excepção ao direito de preferência, invocada pelos Réus – como facto impeditivo - traduz-se aqui no destino do prédio alienado para um fim diverso à cultura, mais concretamente para a construção urbana. Todavia, a mera intenção sobre o destino do terreno não é suficiente para excluir a preferência, sendo indispensável a prova da mesma, por qualquer meio, e que o destino a dar ao prédio pelo adquirente seja permitido por lei. É precisamente neste ponto (exclusão do direito de preferência) que se situa o enfoque da questão submetida a recurso. Assim, partindo do princípio da unidade jurídica, o adquirente terá de alegar e provar, não só a intenção de dar ao terreno uma afectação diferente, mas também que nada se opõe a que a essa intenção se concretize, ou seja, que a mudança de destino seja legalmente possível (cf., por ex., Henrique Mesquita, C.J. ano XI, tomo V, pág. 53, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/1/94, C.J. ano II, tomo I, pág. 46, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/6/94, C.J. ano II, tomo II, pág. 154, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2010 (processo nº 537/02), e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/10/2017 (processo nº 1522/13 ), em www dgsi.pt). Como se sabe, é controversa a natureza jurídica do jus aedificandi. Quer se entenda que o jus aedificandi é imanente ao direito de propriedade, como uma das faculdades em que o direito se manifesta, pelo que as restrições de natureza administrativa são meros condicionalismos, ou, noutra perspectiva, se defenda que o direito de construir não resulta sem mais do direito de propriedade, sendo apenas reconhecido ao proprietário o direito de usufruir da propriedade nos termos permitidos pelo sistema jurídico global, e normas de “ordem pública de protecção”, como as que se destinam a regular o ordenamento do território, impõe-se sempre considerar as implicações do direito do urbanismo, tendo em conta os planos de organização do território, como resulta da conjugação dos artigos 62º, 65º e 66º da Constituição da República Portuguesa e da “função social” da propriedade. Pois bem, são os planos municipais de ordenamento do território que definem o regime do destino, uso, ocupação e transformação do solo, nomeadamente o plano director municipal (PDM) ou seja, a afetação de parcelas do território ao desempenho de determinados fins, com a classificação e qualificação dos solos, pois, como dispõe o artigo 15º, nº 1 da Lei nº 31/2014, de 30/5 (LBPOTU) “a classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano”. Quanto à questão de saber se é suficiente uma aptidão genérica ou se torna indispensável uma viabilidade construtiva concreta e expressamente decidida pela administração Pública, importa sublinhar que dentro dos instrumentos de gestão territorial, cabe ao PDM, que tem a qualificação de regulamento administrativo, proceder à identificação e delimitação das áreas urbanas. Isto resulta tanto da Lei nº 31/2014 de 30/5 (Lei de bases gerais da política de solos, de ordenamento do território e urbanismo), que prevê a classificação e qualificação do solo (art. 10º), como do Decreto-Lei nº 80/2015 de 14/5 (Regime jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial). Ora, por força do princípio da reserva do plano, o direito de construção ou edificação pressupõe que o plano lhe atribua vocação edificativa ou o classifique o solo como urbano, nos termos dos artigos 72.º e 73.º do RJIGT. Contudo, para a possibilidade legal, confirmativa do destino que não a cultura, neste caso a construção, não basta a aptidão genérica ou abstracta, sendo indispensável que em concreto se possa construir, de acordo com as características do terreno e as condicionantes impostas pela lei e pela Administração Pública. Na verdade, nem todo o solo inserido no perímetro urbano está legitimado, sem mais, à edificação concreta, já que a lei exige determinados requisitos, para o efeito. Neste contexto, Cláudio Monteiro distingue o “direito ao aproveitamento urbanístico”, que corresponde “às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo para fins urbanísticos conferidas ao seu proprietário pelos instrumentos de planeamento, através da definição do respectivo regime de uso”, e o “direito de construir em sentido estrito”, que “consiste na faculdade de o proprietário materializar o aproveitamento urbanístico correspondente, sendo “consolidado” pela licença ou por outro acto análogo controlo administrativo prévio das suas operações urbanísticas” (cfr. A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas, CJA, nº 91, págs. 3 e ss.). Sendo assim, o direito de urbanizar ou edificar só se consolida e se incorpora na esfera jurídica do proprietário do terreno quando for emitida a autorização ou licença para urbanizar ou edificar. Não é, pois, por mero efeito da aprovação do plano ou do requerimento para licenciamento que o direito a edificar se consuma, tanto que se trata de um procedimento urbanístico que contém uma sequência de actos, e, nesta medida, até à autorização ou licença (como acto constitutivo de direito) para edificar o proprietário dispõe de uma expectativa jurídica, maior ou menor em conformidade com a natureza dos actos preparatórios (por ex., pedido de informação prévia, ou aprovação do plano de arquitectura ). Neste sentido, por exemplo, o Acórdão do STA de 12/3/2008 (proc. nº 0620/07), (“Do acto de aprovação do projecto de arquitectura apenas decorre, para o requerente do licenciamento, que essa aprovação não possa já ser posta em causa à luz dos instrumentos de planeamento em vigor, mas não lhe confere o direito adquirido de construir pois que esse direito só emerge do acto final de licenciamento”), Acórdão do STA de 22/5/2013 (proc nº 01146/12), (“O direito de construir só nasce ex novo no património do proprietário quando um acto administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear”), ambos disponíveis em www dgsi.pt. Se o direito de construir nasce com o acto final de licenciamento, dir-se-ia que na acção de preferência o réu teria que juntar licença de construção para comprovar a excepção. Mas não é assim, porque o que se exige, para efeitos do artigo 1381º, alínea a) do Código Civil, não é a prova do direito de construir (em sentido estrito), que obviamente o adquirente jamais poderia obter antes da aquisição do prédio ou mesmo no prazo para o exercício de preferência (atento o prazo de a caducidade da acção), mas que o prédio tenha objectiva viabilidade construtiva, que seja apto à construção, tendo em conta as suas características. Dito de outra forma, o que releva, para afastar a preferência, não é propriamente a atribuição do direito de construir pelo acto de licenciamento, mas as possibilidades objectivas do aproveitamento do terreno, a sua concreta aptidão construtiva, avaliada em função das características do solo e em função dos planos e da Lei. No caso vertente, provou-se que o prédio objecto de preferência não tem viabilidade construtiva dado que, designadamente, não confronta com a via pública. Assim, não se pode considerar provado que o terreno tem viabilidade construtiva, dando-se como provadas as confrontações do prédio (objecto de preferência), sem que delas conste qualquer confrontação à via pública. Com efeito, um dos pressupostos para um prédio urbano ter viabilidade construtiva, é o acesso directo à via pública, como resulta do artigo 24º, nº 5 do RJUE. (“- O pedido de licenciamento das obras referidas na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º deve ser indeferido na ausência de arruamentos ou de infraestruturas de abastecimento de água e saneamento ou se a obra projetada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes”). O próprio Regime Jurídico da Urbanização e Edificação exige, portanto, que o prédio onde se pretende erigir uma edificação esteja servido por arruamento sob pena da sua ausência constituir um fundamento autónomo para o indeferimento do pedido. Acrescente-se, ainda que, no nosso entendimento, a excepção constante do artigo 1381º alínea a) do Código Civil, refere-se tão só ao prédio objeto de preferência, ou seja, tem que ser provada e comprovada a capacidade edificativa desse prédio e só desse. Isto para dizer que, entendemos que não pode colher a alegação de que o prédio poderá ter capacidade edificativa às custas de outro prédio confrontante. Ou seja, não pode a aptidão construtiva do prédio objeto de preferência ser transferida de outro prédio, quando por si só não a tem. De resto, a lei é a clara ao determinar, que a capacidade edificativa tem de se verificar quanto ao prédio objeto de preferência, enquanto unidade predial, e não às custas de hipotéticos prédios confrontantes. Além disso, a afectação do terreno a fim diverso da cultura deve ser objectiva, documentada e vinculativa (como seja, a título exemplificativo, através da obtenção de uma licença ou a construção de um prédio urbano), no sentido de não ser possível, a todo o tempo, afectar aquele terreno, novamente, à agricultura, sob pena de se frustrar a ratio legis da norma e servir de mecanismo de escape ao direito legal de preferência dos proprietários dos terrenos confinantes. Não basta a mera intenção de afectação do prédio a fim diferente do da cultura, e, no caso dos autos, a hipotética intenção de anexar área para conseguir essa finalidade construtiva, para afastar o direito de preferência, é ainda necessário que essa mudança de destino seja legalmente possível. Caberia aos RR., ora Recorridos alegar e provar a intenção inequívoca da mudança do fim agrícola do prédio que adquiriram e da possibilidade legal dessa alteração, que tem de ser contemporânea do acto de transmissão e não pode ser condicionada por circunstâncias futuras, sob pena de a sua concretização poder ser uma mera ficção. Ora, os Recorridos não demonstraram os factos considerados pelo direito substantivo aplicável (parte final da al. a) do artº 1381º, do Código Civil) impeditivos da pretensão (direito de preferência) dos Recorrentes, enquanto estes provaram os factos integradores dos aludidos pressupostos do direito real de preferência atribuído pelo artigo 1380º, do Código Civil. Neste contexto e à luz da factualidade provada, não tendo os réus logrado provar qualquer facto relevante neste plano, ou seja, a matéria de excepção, a questão da existência do direito de preferência deve ser decidida contra eles, reconhecendo-se o direito de preferência dos Apelantes. Além disso, não há prova de que o exercício do direito de preferência importe manifesto desrespeito pelos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil), o que não pode assentar em meras especulações ou conjecturas. Impõe-se, por isso, o provimento da apelação reconhecendo-se aos Apelantes o direito de preferência na venda do prédio rústico, feita pelos 1º RR e 2ª R ao 3º RR. por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de HH em 9 de Outubro de 2015, exarada a fls. 112 e a folhas 113V, do livro de notas para escritura diversas número ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha nº ... aí definitivamente inscrito pela ap. ..., de 30-07-204, a favor dos 3ºs RR., ao abrigo e por força, além do mais, das disposições combinadas dos artigos 1380º, nºs 1 e 4 e 1410º, nº 1, do Código Civil. * Sumariando, em jeito, de síntese conclusiva:……………………………… ……………………………… ……………………………… Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar provido o recurso interposto pelos Autores, revogando a decisão recorrida no segmento impugnado e, em consequência, reconhece-se aos AA. o direito de preferência na venda do prédio rústico, feita pelos 1º RR e 2ª R ao 3º RR. por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de HH em 9 de Outubro de 2015, exarada a fls. 112 e a folhas 113V, do livro de notas para escritura diversas número ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob a ficha nº ... aí definitivamente inscrito pela ap. ..., de 30-07-204, a favor dos 3ºs RR., ao abrigo e por força, além do mais, das disposições combinadas dos artigos 1380º, nºs 1 e 4 e 1410º, nº 1, do Código Civil. * Custas do recurso a cargo dos apelados.* Notifique.Porto, 12 de Setembro de 2024 Os Juízes Desembargadores Paulo Dias da SilvaJoão Venade Paulo Duarte Teixeira (a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) |