Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1065/11.5TMPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: INVENTÁRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
MAPA DE PARTILHA
Nº do Documento: RP202104121065/11.5TMPRT-D.P1
Data do Acordão: 04/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A inventário instaurado em 22/04/2013, é-lhe aplicável quanto à sua tramitação o regime do CPC anterior [aprovado que foi pelo DL 44129 de 28/12 de 1961, objeto de diversas alterações desde então], por força do disposto no artigo 7º da Lei 23/2013 de 05/03 que aprovou (para além do mais) o regime jurídico do processo de inventário e entrou em vigor no primeiro dia útil do mês de setembro de 2013, conjugado com o disposto no artigo 11º da Lei 117/2019 de 13/09 que revogou a Lei 23/2013.
II- Na partilha do património comum há que conferir por cada cônjuge o que cada um deles dever ao património comum. E havendo créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro, serão pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum – artigo 1689º do CC.
III - O mapa de partilha que não respeita o que foi decidido com trânsito em julgado sobre os créditos de um dos cônjuges sobre o outro tem de ser corrigido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1065/11.5TMPRT-D.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca Do Porto – Jz. de Família e Menores de Matosinhos
Apelante/ B…
Apelada/C…

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
Subsequente a divórcio decretado por decisão de 09/07/2012, requereu B… o presente inventário para partilha do património conjugal, em que é requerida C….

Proferida sentença homologatória do mapa de partilha elaborado, interpôs o requerente recurso da mesma, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
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Não se mostram apresentadas contra-alegações pela requerida.
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O recurso foi admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
*
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser questão a apreciar se o mapa de partilha não está conforme ao que foi decidido em sede de conferência de interessados, com as retificações subsequentes determinada por decisão não impugnada.
***
III- Fundamentação
Para apreciação do assim decidido, importa considerar as seguintes vicissitudes processuais:
1) Em maio de 2019 foi realizado o seguinte mapa de partilha:
“BENS DA HERANÇA
Bens comuns do casal:
Verba nº 1
Fração autónoma designada pela letra E, correspondente ao 1.º andar direito, com Entrada pelo n.º .. da Rua …, na freguesia …, concelho da Maia. Possui garagem ao fundo do logradouro com 13,50 m2 e entrada pelos n.ºs .. e …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número 771-E e inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 5792-E, vendida pelo valor de €: 70.100,00 a D…, NIF: ………, residente na R. …, n.º …, … - Maia
Verba nº 2 A
Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Renault, modelo …, com a matrícula ..-HA-.., do ano de 2008, pelo valor de € 5.000,00;
Verba nº. 2-B
Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo …, com a matrícula ..-..-IR, com o valor de € 300,00
Total de bens a partilhar………………………..…….…… € 75.400,00
Passivo:
Dívida a favor da E… (já pago).………….€ 33.352,51
Dívida do condomínio a pagar ao requerente……………...……..€ 2.360,45
Dívida do IMI a pagar ao requerente……………………………….€ 1.537,54
Encargo com encarregado de venda (já pago)……………………€ 3.685,40
Total do passivo e do encargo………………………………….…€ 40.935,90
Total de bens a partilhar deduzido o passivo……€ 34.464,10

Operações da partilha:
Total dos bens a partilhar.................................................€ 34.464,10
O valor do quinhão de cada um dos interessado é de ….€ 17.232,05
Bens atribuídos ao Requerente:
Verba 2-A…………………..…………....€ 5.000,00
Recebe em dinheiro………..… ……...€ 12.232,05
Total…………………………………….€ 17.232,05
Bens atribuídos à cabeça de casal:
Verba 2-B……………….………...............€ 300,00
Recebe em dinheiro………..………… € 16.932,05
Total……………………………………..€ 17.232,05

Resumo e Pagamentos:
- Preenchimento do quinhão do requerente B…:
Verba 2-A…………………….........................€ 5.000,00
Recebe em dinheiro………………..… ……€ 12.232,05
Recebe do valor em dívida ao condomínio...€ 2.360,45
Recebe do valor em dívida de IMI…………..€ 1.537,54
Recebe na totalidade ………………………..21.130,04

- Preenchimento do quinhão da cabeça de casal C…:
Verba 2-A………………….…............................€ 300,00
Recebe em dinheiro………..………… …….€ 16.932,05
Passivo já pago à E… ……………€ 33.352,51
Encargo com o encarregado de venda do imóvel…..…. € 3.685,40
Confere……..….....….. € 75.400,00 €”
2) Notificado o requerente e ora recorrente deste mapa de partilha, apresentou a seguinte reclamação em 04/06/2019:
“O despacho que ordenou a partilha, de 20 de junho de 2018, fixou se “atendesse ao acordo homologado por sentença de 09 de julho de 2012, que decretou o divórcio, relativamente às obrigações a liquidar pela cabeça de casal, sem possibilidade de compensação, nomeadamente as prestações do mútuo bancário, o IMI e as quotizações do condomínio que foram, a final, liquidadas” .
O requerente juntou, na altura, todos os documentos na sua posse e que sustentavam os pagamentos efetuados até então.
Entretanto, em data posterior, e tal como já referia no seu requerimento de 2 de julho de 2018 e conforme já documentava (doc. 41) , efetuou o pagamento da quantia de 722,99 € ao condomínio correspondente às quotas em atraso dos meses de abril de 2017 a abril de 2018 (639,99€), seguro 2017/2018 (18 €) e multas (65€) - doc. 1 que ora junta.
Também em novembro de 2018, o requerente promoveu o pagamento de mais uma prestação de IMI , no valor de 161,66 € - doc. 2 que junta
Devem, assim, aqueles montantes, serem considerados no Mapa de Partilha, por forma a que, no quinhão do requerente B…:
- receba do valor em dívida ao condomínio, a acrescer ao montante indicado de 2.360,45 €, a quantia de 722,99 €, num total de 3.083,44 € e,
- receba do valor em dívida de IMI, a acrescer ao valor de 1.537,54 €, a quantia de 161,66 €, num total de 1.699,20 €.
TAMBÉM:
Como supra se referiu, o acordo homologado por sentença de 09 de julho de 2012, que decretou o divórcio, relativamente às obrigações a liquidar pela cabeça de casal, fixou obrigação de pagamento pela CC, sem possibilidade de compensação, das prestações do mútuo bancário, tendo o despacho que ordenou a partilha considerado essas prestações, também.
Ora, o Requerente juntou no seu requerimento de 02 de julho de 2018, o documento nº 40, emitido pelo Banco, que prova a cobrança, ao Requerente, da quantia global de 922,01 € correspondente a valores devidos pelo crédito à habitação (cujo reembolso das prestações ficaram da responsabilidade da cabeça de casal, sem possibilidade de compensação) e que a cabeça de casal não pagou – sendo 823,44 € de capital (274,27 € + 274,48 € + 274,69 €) e, o remanescente, de juros e comissões de recuperação.
Assim, deve aquele montante – cobrado pelo Banco ao Requerente, a título de reembolso das prestações do crédito hipotecário – da exclusiva responsabilidade da cabeça de casal - serem acrescentados no preenchimento do quinhão do requerente B…, a receber do valor pago ao Banco, a quantia de 922,01 € ou, no mínimo e caso se entenda que os juros e as comissões não devem ser imputadas à Cabeça de casal – o que não se concede – então a quantia de capital, no valor indicado de 823,44 €.
Pede e espera deferimento”.
3) Na sequência da reclamação apresentada pelo ora recorrente ao mapa elaborado em 04/06/2019 e que mereceu a resposta da requerida de 01/07/2019, foi para resolução da questão agendada conferência de interessados a qual teve lugar em 03/10/2019.
Nesta conferência foi requerido e decidido o seguinte (conforme consta da ata que em parte se reproduz):
“Iniciada a diligência pela Ilustre mandatária do requerente foi dito que neste momento os valores em débito da cabeça de casal para com o requerente são: €722,90 referente à verba do condomínio, €161,66 referente à verba de IMI e o valor de €922,01, referente à E….
*
Pela Cabeça de Casal, foi dito que das despesas alegadas apenas não aceita o valor de €922,01, porquanto podia ter beneficiado de um período de carência que também tinha solicitado diretamente à E… mas não foi aceite pelo requerente.
*
Pela Il. mandatária do requerente foi dito que prescinde do valor de €922,01 correspondente ao crédito da E….
*
Logo após foi acordado pelas partes que se deverá ter em conta como crédito do requerente sobre a cabeça de casal das quantias de €722,90 correspondente ao condomínio, bem como a quantia de €161,60 referente ao IMI.
***
De imediato, pela Mm.ª Juiz foi proferida o seguinte:
Despacho
Tenha-se em conta o agora acordado em novo mapa de partilha.
*
Logo após pela Il. Mandatária do Requerente foi solicitada a palavra e no seu uso requereu que:
O Mapa de Partilha encontra-se com um erro de cálculo, no que concerne às dívidas a pagar ao requerente, porquanto as dívidas correspondentes ao Condomínio e IMI se consideraram passivo dos dois interessados quando deveria ser um crédito do requerente B….
Montante que devia ser retirado da parte da requerida especificamente nos lotes €75.400 valor do ativo, há-de ser deduzido as dívidas comuns de €33.352,51 à E… e a dívida de €3.685,40 com o Encarregado da Venda.
Do valor resultante temos o quinhão de cada um, que dá o total de €19.181,45.
No quinhão da Cabeça de Casal C…, devem sair as parcelas do passivo referente ao Condomínio e IMI que serão crédito do requerente B….
*
Pelo Il. Mandatário da Cabeça de Casal foi solicitado prazo de 10 dias para se pronunciar quanto ao requerimento ditado para ata.”
O que foi deferido.
4) Em resposta, veio a requerida e CC alegar que o mapa elaborado padece de erro de cálculo.
E por decisão de 20/11/2019 decide o tribunal a quo:
“Assiste razão à ilustre mandatária do requerente, porquanto o mapa de partilha padece de lapso que urge retificar.
Assim, por se mostrar correta a reclamação defere-se a mesma.
Proceda-se à elaboração de novo mapa de partilha em conformidade.”
5) Em 09/01/2020 foi elaborado o seguinte novo mapa de partilha:
BENS DA HERANÇA:
Bens comuns do casal:
Verba nº 1
Fração autónoma designada pela letra E, correspondente ao 1.º andar direito, com entrada pelo n.º .. da Rua …, na freguesia …, concelho da Maia. Possui garagem ao fundo do logradouro com 13,50 m2 e entrada pelos n.ºs .. e …, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o número 771-E e inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 5792-E, vendida pelo valor de €: 70.100,00 a D…, NIF: ………, residente na R. …, n.º …, … - Maia
Verba nº 2 A
Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Renault, modelo …, com a matrícula ..-HA-.., do ano de 2008, pelo valor de € 5.000,00;
Verba nº. 2-B
Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo …, com a matrícula ..-..-IR, com o valor de € 300,00
Total de bens a partilhar………………………..…….…… € 75.400,00

Passivo:
Dívida a favor da E… (já pago).…………….€ 33.352,51
Encargo com encarregado Encargo de venda (já pago)…€ 3.685,40

Total de passivo comum………………………………………….…€ 37.037,91
Dívida do condomínio a pagar ao requerente………………...………..€ 722,90
Dívida do IMI a pagar ao requerente…………………………………….€ 161,60
Total passivo a pagar ao requerente.……………………….€ 884,50

Operações da partilha:
Total dos bens a partilhar.................................................€ 75.400,00
O valor do quinhão de cada um dos interessado é de …€ 37.700,00

Bens atribuídos ao Requerente:
Verba 2-A…………………..…………....€ 5.000,00
Recebe em dinheiro………..… ……...€ 14.181,05
Passivo comum (50%)……………… .€ 18.518,95
Total…………………………………….€ 37.700,00
Bens atribuídos à cabeça de casal:
Verba 2-B……………….………...............€ 300,00
Recebe em dinheiro………..………… € 18.881,05
Passivo comum (50%)……………… .€ 18.518,95
Total……………………………………..€ 37.700,00

Resumo e Pagamentos:

- Preenchimento do quinhão do requerente B…:
Recebe em dinheiro………………..……………… ……….……..€ 14.181,05
Recebe da cabeça de casal (passivo)…………………………......+ € 884,50
Recebe na totalidade …………………………………..…………..€ 15.065,55

- Preenchimento do quinhão da cabeça de casal C…:
Recebe em dinheiro………..………..… …………………...……€ 18.881,05
Deduzido o passivo a pagar ao requerente.………………………. - € 884,50
Recebe na totalidade.........................................…………….. € 17.996,55”
6) Notificado o recorrente do novo mapa de partilha, do mesmo apresentou reclamação em 20/01/2020, requerendo:
“A) A Reclamação primeiramente efetuada, visava corrigir os valores em dívida ao Requerente, ou seja, demonstrou que:
- as parcelas “dívida do condomínio a pagar ao Requerente” e “Dívida do IMI a pagar ao Requerente” não incluíam todos os valores efetivamente a pagar ao Requerente por conta de cada uma daquelas duas rúbricas ou dívidas e que, por isso, a acrescer aos valores assinalados no Mapa de Partilha, respetivamente, de 2.360,45 € e 1.537,54 €, haveria que juntar os valores de 722,99 € e 161,66 €, num total de 3.083,44 € e 1.699,20 € - tudo como melhor conforme com a reclamação então apresentada e que determinou a necessidade de elaborar novo Mapa de Partilha.
Ora, no Mapa de Partilha agora notificado ao Requerente, na parcela “Dívida do condomínio a pagar ao Requerente”, ao invés de se somar 722,99 € aos 2.360,45 € constantes no primeiro Mapa de Partilha, substituiu-se este último valor pelo primeiro; a parcela deixou de indicar como valor devido a quantia de 2.360,45 € e passou a constar 722,90 € quando, na realidade e tal como se reclamou e foi deferido, o valor devido ao Requerente de divida de Condomínio é de 3.083,44 €.
No Mapa de Partilha agora notificado ao Requerente, na parcela “Dívida do IMI a pagar ao Requerente”, ao invés de se somar 161,66 € aos 1.537,54 € constantes no primeiro Mapa de Partilha, substituiu-se este último valor pelo primeiro; a parcela deixou de indicar como valor devido a quantia de 1.537,54 € e passou a constar 161,66 € quando, na realidade e tal como se reclamou e foi deferido, o valor devido ao Requerente de divida de IMI é de 1.699,20 €.
TAMBÉM
Volta a não considerar o valor de 922,01 € ou, no limite, de 823,44 € correspondente aos montantes cobrados pelo Banco ao Requerente correspondente a valores devidos pelo crédito à habitação,
(…)
Em conclusão, deverão constar os seguintes VALORES DEVIDOS AO REQUERENTE NO PASSIVO:
- Dívida do condomínio a pagar ao Requerente: 3.083,44 € (ao invés dos 2.360,45 € do 1º Mapa de Partilha e cujo errado cálculo determinou a reclamação e dos 722,90 € do Mapa de Partilha que agora se reclama);
- Dívida do IMI a pagar ao Requerente: 1.699,20 € (ao invés dos 1.537,54 € do 1º Mapa de Partilha e cujo errado cálculo determinou a reclamação e dos 161.60 € do Mapa de Partilha que ora se reclama)
- Dívida ao Requerente do reembolso das prestações do crédito hipotecário, da exclusiva responsabilidade da cabeça de casal, no valor de 922,01 € ou, no mínimo, se se entender que os juros e as comissões não devem ser imputados à cabeça de casal (o que não se concede) então a quantia de capital em singelo, no valor indicado de 823,44 €.
E, em consequência, deverão alterar-se as demais rúbricas que com estas retificações interferem, nomeadamente o total do passivo ao Requerente e os valores a receber por cada uma das partes.”
7) Respondeu a requerida, pugnando pelo indeferimento do requerido.
8) Apreciando o requerido, foi proferida a seguinte decisão em 03/02/2020, [objeto do presente recurso]
“Nos presentes autos de inventário, o interessado B… veio reclamar contra o mapa da partilha, ao abrigo do disposto no artigo 1379º, n.º 2 do Código de Processo Civil, alegando erros, pedindo a sua retificação, para que que a divida do condomínio a pagar ao Requerente: 3.083,44 €; dívida do IMI a pagar ao Requerente: 1.699,20 €; dívida ao Requerente do reembolso das prestações do crédito hipotecário, da exclusiva responsabilidade da cabeça de casal, no valor de 922,01 € ou se se entender que os juros e as comissões não devem ser imputados à cabeça de casal então a quantia de capital em singelo, no valor indicado de 823,44 € e, em consequência, deverão alterar-se as demais rúbricas que com estas retificações interferem, nomeadamente o total do passivo ao Requerente e os valores a receber por cada uma das partes.
Cumpre apreciar e decidir:
Nos termos do disposto no artigo 1379º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os interessados podem requerer qualquer retificação ou reclamar contra qualquer irregularidade e nomeadamente contra a desigualdade dos lotes ou contra a falta de observância do despacho que determinou a partilha.
Ora, no caso dos autos, não se verifica, no mapa da partilha, qualquer irregularidade, desigualdade dos lotes, ou inobservância do despacho determinativo da partilha. O mapa de partilha foi elaborado com base nas decisões já proferidas nos autos.
Não assiste, desde logo, razão ao reclamante quanto aos valores que foram considerados na elaboração do mapa da partilha.
Termos em que, e pelo exposto, não havendo fundamento para que se proceda a qualquer retificação ou emenda do mapa da partilha, indefere-se o requerido.”.
***
***
Conhecendo.
Questão prévia – da lei aplicável.
Tendo o presente inventário sido intentado em 22/04/2013, é-lhe aplicável quanto à sua tramitação o regime do CPC anterior [aprovado que foi pelo DL 44129 de 28/12 de 1961, objeto de diversas alterações desde então], por força do disposto no artigo 7º da Lei 23/2013 de 05/03 que aprovou (para além do mais) o regime jurídico do processo de inventário e entrou em vigor no primeiro dia útil do mês de setembro de 2013, conjugado com o disposto no artigo 11º da Lei 117/2019 de 13/09 que revogou a Lei 23/2013.
Sendo que só com a entrada em vigor da 1ª Lei (23/2013) foram revogadas as normas relativas à tramitação do processo de inventário, nomeadamente artigos 1326º a 1392º, 1395º e 1396º, 1404º a 1406º do anterior CPC.
Como tal e por força do disposto no artigo 1396º do CPC na redação então vigente, as decisões interlocutórias [como aquela que ora é objeto deste recurso] porquanto inseridas na tramitação processual própria do processo de inventário, só com o recurso da sentença de partilha podiam ser impugnadas, como o foram.
Não obstante e respeitada a tramitação processual específica do regime do inventário, no que respeita às regras do recurso em si, porque interposto já na vigência do atual CPC e tendo por objeto igualmente decisões proferidas já no âmbito da sua vigência, são-lhe aplicáveis as regras do atual CPC por força do disposto no artigo 5º nº 1 e 7º nº 1 a contrario da Lei 41/2013 que aprovou o atual CPC.
*
Definida a lei aplicável, cumpre apreciar da pretensão deduzida pelo recorrente.
Tal como resulta do relatório supra, a decisão atacada encontra-se reproduzida no ponto 8 e reporta-se ao mapa e reclamação elencados nos pontos 5) e 6).
O que está em causa neste recurso é tão só um apontado erro de cálculo na elaboração do mapa de partilha, em função do que no decurso da tramitação processual veio sendo decidido, sem que tenha sido objeto de recurso ou reclamação.
Tendo presentes as vicissitudes processuais acima elencadas, não se pode deixar de dar razão ao recorrente.
Na verdade no mapa de partilha elaborado em maio de 2019 fez-se constar como verbas do passivo:
“Dívida a favor da E… (já pago).………….€ 33.352,51
Dívida do condomínio a pagar ao requerente……………...……..€ 2.360,45
Dívida do IMI a pagar ao requerente……………………………….€ 1.537,54
Encargo com encarregado de venda (já pago)……………………€ 3.685,40
Total do passivo e do encargo………………………………….…€ 40.935,90
Total de bens a partilhar deduzido o passivo… € 34.464,10
Na identificação destas verbas tendo já ficado especificado que a dívida do condomínio de € 2.360,45 e do IMI de € 1.537,54 eram dívidas a pagar ao requerente.
Na subsequente reclamação o ora recorrente invoca a omissão de valores por si reclamados e a ser considerados no mapa de partilha como créditos seus sobre a requerida: nomeadamente € 722,99 e € 161,66 (referentes a despesas de condomínio e IMI) a acrescer aos valores já antes constantes de tal mapa.
Reclamou ainda o pagamento de uma prestação adicional do mútuo por si suportada no valor de € 922,01.
Em sede de conferência de interessados prescindiu o requerente deste último valor de € 922,01. E entre as partes ficou acordado que as verbas de € 722,90 e € 161,60 seriam levados ao mapa de partilha como crédito do requerente sobre a cabeça de casal, nos autos requerida.
Tendo sido determinado em ata que no novo mapa de partilha seria levado em conta o acordado.
Ainda nesta conferência foi requerido pelo requerente que o mapa de partilha fosse corrigido por padecer de erro de cálculo, na medida em que nas operações de partilha foram as verbas relativas a condomínio e IMI contabilizadas como passivo dos dois interessados e não como crédito do requerente sobre a requerida, assim saindo do “quinhão da cabeça de casal (…) as parcelas do passivo referente ao Condomínio e IMI que serão crédito do requerente” – em causa os valores de € 2.360,45 e € 1.537,54 [vide ponto 3 das vicissitudes processuais elencadas].
Por decisão de 20/11/2019 e transitada, foi decidido deferir o requerido, ordenando-se a elaboração de novo mapa de partilha [vide ponto 4 das vicissitudes processuais elencadas].

No subsequente mapa de partilha é identificado o passivo nos seguintes termos:
Passivo:
Dívida a favor da E… (já pago).…………….€ 33.352,51
Encargo com encarregado Encargo de venda (já pago).€ 3.685,40

Total de passivo comum………………………………………….…€ 37.037,91
Dívida do condomínio a pagar ao requerente………………...………..€ 722,90
Dívida do IMI a pagar ao requerente…………………………………….€ 161,60
Total passivo a pagar ao requerente.………………………….€ 884,50
O valor do passivo comum está correto.
Mas é eliminado do passivo a pagar ao requerente - ou seja crédito do requerente sobre a requerida e a pagar pela respetiva meação desta, os valores de € 2.360,45 e € 1.537,54.
Assiste portanto razão ao requerente na primeira crítica que aponta ao mapa de partilha em questão – referente à eliminação de verbas.
Devendo tais valores ser reintroduzidos como créditos da responsabilidade da requerida a pagar ao requerente pela meação da requerida, em adição aos valores de € 722,90 e € 161,60. Perfazendo um total de € 4.782,49.
Porquanto este primeiro fundamento se baseia em decisão anterior do tribunal a quo devidamente transitada, não cumpre apreciar do mérito do que foi decidido.
Tão só fazer observar a força do caso julgado que nos autos se formou.
Em segundo lugar e igualmente em conformidade com o decidido com trânsito em julgado, ambas estas verbas ao ser consideradas como crédito do requerente sobre a requerida - passivo da responsabilidade exclusiva da requerida perante o requerente credor - têm de ser excluídas do cálculo do passivo comum e oportunamente acrescidas no valor a pagar ao requerente, recorrente por força da meação da requerida.

“O inventário é caracterizado pelo princípio da universalidade, sendo o seu objetivo a partilha de todos os bens e direitos que integram essa comunhão, seja hereditária ou conjugal, de uma só vez, visando-se, desse modo, uma partilha igualitária. Com este processo, pretende-se colocar termo a uma comunhão que engloba todos os bens que dela fazem parte, independentemente do local onde se situem.” (cfr. Ac RLX de 03/11/09 in http://www.dgsi.pt/jtrl).
Nessa partilha do património comum há que conferir por cada cônjuge o que cada um deles dever ao património comum. E havendo créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro, serão pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum – tal como resulta do disposto no artigo 1689º do CC.
Dispõe este artigo:
«1. Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a esse património.
2. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.
3. Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.»
Ou seja, é em sede de liquidação da comunhão que cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. E subsequentemente pela sua meação pagar os créditos do outro cônjuge.
Pelo que acima já se expôs, o mapa de partilha em causa não observou este preceito legal em conformidade com o que previamente ficou decidido quanto às dívidas ao património comum e às dívidas do cônjuge requerido sobre o cônjuge requerente.
Assiste portanto razão ao recorrente. Implicando na revogação da decisão que seja realizado novo mapa de partilha que respeite o que nos autos ficou decidido quanto ao passivo comum e da responsabilidade exclusiva do cônjuge requerido.
Atento o ativo de € 75.400,00 e o passivo comum de € 37.031,91 corresponde o total dos bens a partilhar ao valor de € 38.362,09. O que implica ser o valor da meação de cada um dos cônjuges no montante de € 19.181,05.
À meação da requerida neste valor de € 19.181,05 será deduzido o passivo total de € 4.782,49.
Valor que acrescerá à meação do recorrente.
No preenchimento das meações sendo após respeitado o que nos autos ficou igualmente acordado.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto e revogando a decisão que homologou o mapa de partilha elaborado, determina-se a sua reformulação em conformidade com os erros ao mesmo acima apontados.
Custas pela recorrida.

Porto, 2021-04-12.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida