Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2907/16.4T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: FACTOS NÃO ALEGADOS
AFIRMAÇÕES CONCLUSIVAS
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
CUIDADOS DE SAÚDE
DÍVIDAS HOSPITALARES
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Nº do Documento: RP202104192907/16.4T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 04/19/2021
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A consideração de factos não alegados na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art. 72º, nº 1 do CPT, nesse caso, pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
II - A segunda instância não pode fazer uso do disposto no art. 72º do CPT, quando estejam em causa factos essenciais, por não poder ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo.
III - As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o “thema decidendum”, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão.
IV - O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, atento o disposto no art. 349º do CC, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).
V - Através da consagração do regime legal, instituído pelo Decreto-Lei nº 218/99 de 15 de Junho, com vista a mais eficazmente permitir a cobrança de dívidas hospitalares, a entidade hospitalar, apenas, tem de invocar o facto gerador da responsabilidade, alegar e provar que prestou cuidados de saúde e indicar o número da apólice caso esteja em causa um contrato de seguro.
VI – Assim, havendo seguro válido, compete à co-ré/seguradora demonstrar factos dos quais decorre o afastamento da sua responsabilidade e, em concreto, os factos que demonstrem a responsabilidade da co-ré/empregadora quanto ao acidente que deu origem à prestação dos cuidados de saúde.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº. 2907/16.4T8AGD-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Águeda
Recorrente: Companhia de Seguros B…, SA
Recorrida: C…, Lda
Centro Hospitalar D…, EPE

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
O Centro Hospitalar D…, EPE, com sede na …, em Coimbra, instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de Processo Comum (art. 21º do C.P.T. e D.L. nº 218/99, de 15 de Junho), contra a Companhia de Seguros B…, SA, com sede na Av. …, nº …, em Lisboa e a C…, Lda, com sede no …, nº .., em …, …, Águeda, pedindo que, seja julgada procedente e, em consequência, se:
“- Se verificar a existência de seguro válido e eficaz à data do sinistro, ser a 1ª Ré condenada a pagar a este Hospital a quantia de € 77.105,73 (Setenta e sete mil cento e cinco euros e setenta e três cêntimos), de encargos hospitalares e juros vencidos e vincendos até integral pagamento;
- Se verificar que a entidade patronal da assistida não havia transferido a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho para nenhuma companhia de seguros ou não cumpriu as formalidades a que estava obrigado por força de contrato, ou violou as regras de segurança no trabalho, ser a 2ª Ré condenada a pagar a este Hospital a quantia de € 77.105,73 (Setenta e sete mil cento e cinco euros e setenta e três cêntimos), de encargos hospitalares e juros vencidos e vincendos até integral pagamento.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que E… sofreu um sinistro no dia 16.11.2016, pelas 14h30m, quando exercia a sua actividade laboral para a Ré C…, Lda nas instalações da F…, Lda, na verificação de uma infiltração de água.
Mais, alega que tendo o sinistrado caído da cobertura dessas instalações, prestou-lhe cuidados de saúde, ficando internado desde 16.11.2019 até 29.12.2016.
Por último, alega que a Ré C…, Lda havia transferido para a Ré Companha Seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho.
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Frustrada a conciliação das partes, conforme decorre da acta datada de 09.01.2020, notificadas, para o efeito, ambas as rés apresentaram contestação.
- A Ré, C…, Lda, em 17.01.2020, sustentou ter celebrado contrato de seguro de acidentes de trabalho com a co-Ré.
E alegou, em síntese, não ter sido o seu sócio-gerente, G…, quem deu ordens para a realização dos trabalhos, antes sendo o próprio trabalhador sinistrado quem teve a iniciativa de realizar os trabalhos. De todo o modo, o trabalhador utilizou pranchas de madeira fixas entre si para se deslocar com segurança no cimo da cobertura, não se tendo apurado a concreta razão que levou à sua queda, não tendo havido, da sua parte, violação das regras de segurança e não estando reunidos os pressupostos de que depende a afirmação da sua responsabilidade agravada.
Conclui que, deve a acção ser julgada improcedente e, em consequência, ser a Ré, C…, Lda., absolvida do pedido contra si deduzido.
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- A Ré, Companhia Seguradora, nos termos que constam da contestação junta em 20.01.2020, alegou que o sinistro consistiu numa queda de uma altura entre 6 e 7 metros por força da rotura de uma placa de fibrocimento e deu-se pelo facto de no local não existir qualquer equipamento de protecção contra o risco de quedas em altura, não ter sido ministrada formação ao sinistrado, nem este ter experiência na execução de trabalhos em altura; ou haver sido feita uma avaliação de riscos. Sustenta, assim, que se verifica, um nexo de causalidade entre a inobservância de regras de segurança e o acidente que ocorreu por culpa da entidade patronal.
Por fim, declara não prescindir do seu direito de regresso contra a co-Ré.
Conclui que a acção deve ser julgada de acordo com a prova a produzir.
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Nos termos que constam do despacho proferido, em 19.02.2020, por se considerar que a matéria não se revestia de complexidade, dispensou-se a realização da audiência prévia, proferiu-se saneador tabelar, fixou-se à acção o valor de € 81.618,00 e dado a selecção da matéria de facto se revestir de simplicidade, dispensou-se a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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Realizado o julgamento, nos termos documentados na acta datada de 14.09.2020 e conclusos os autos para o efeito foi proferida sentença, em 21.10.2020, que terminou com a seguinte decisão:
Por todo o exposto julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
. condenar a Ré B…, SA no pagamento, ao Autor Centro Hospitalar D…, EPE:
. a quantia de € 77.105,73 (setenta e sete mil, cento e cinco euros e setenta e três cêntimos);
. acrescida de juros de mora vencidos desde 28.03.2018 e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento;
. absolver a Ré C…, Lda do pedido contra si formulado.
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Custas na proporção de metade a cargo da Ré B…, SA, atenta a isenção de que beneficia o Autor (n.ºs 1 e 2 do art. 527 do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho e art. 24º do Decreto-lei nº 34/2008 de 26 de Fevereiro).”.
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Inconformada a R. H…, S.A. (anteriormente denominada B…, S.A.) interpôs recurso, cujas alegações terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
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A Co-Ré C…, Ld.ª contra-alegou, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
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Nos termos que constam do despacho datado de 16.02.2021, o Mº Juiz “a quo” admitiu a apelação e ordenou a sua subida imediata a esta Relação nos próprios autos e com efeito suspensivo, dada a prestação de caução pela recorrente.
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O Ex.mo Procurador Geral-Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT e emitiu parecer no sentido de ser rejeitado o recurso quanto à matéria de facto, ou, de improceder, no essencial, por considerar que atento o teor da sentença, nenhum reparo ou censura há que lhe ser feita, a qual, deverá ser integralmente confirmada, ante o rigor e a justeza argumentativa nela expresso, o que afasta que qualquer vício ou erro de julgamento.
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Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
- se o Tribunal “a quo” errou quanto à decisão da matéria de facto e deve, ela, ser alterada nos termos pretendidos pela recorrente;
e se, por isso, ou porque, interpretada globalmente a decisão de facto, deve:
- declarar-se a culpa grave da co-Ré entidade patronal e que o acidente ocorreu por virtude da violação culposa das regras de Segurança, condenando-se essa co-Ré solidariamente com a aqui recorrente nos montantes em que esta última foi condenada, alterando-se a sentença recorrida em conformidade com o exposto.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, considerou “com relevo para a decisão da causa está provado que:
1. E… nasceu no dia 29.03.1965 – cfr. doc. de fls. 35 dos autos principais, que se dá por integralmente reproduzido;
2. E…, no dia 16.11.2016, exercia a actividade de pedreiro sob a autoridade, direcção e fiscalização da C…, Lda, mediante o recebimento, em contrapartida, de € 8.704,30 brutos anuais;
3. No dia 16.11.2016, E… deslocou-se na cobertura do pavilhão F…, Lda, na Zona Industrial …, …, Águeda, a fim de isolar uma infiltração de água numa placa de lusalite (fibrocimento), com uma bisnaga de espuma de polietileno;
4. Para o efeito, em conjunto com I…, encostou uma escada metálica a uma parede do pavilhão e acedeu ao primeiro patamar da cobertura e, após, através de parte de um andaime aí existente, ao segundo patamar da cobertura;
5. Para o cimo da cobertura foi ainda levada uma placa formada por pranchas de madeira, sendo que aí se encontrava uma tábua de madeira;
6. Por razões em concreto não apuradas, E… caiu da cobertura do pavilhão de uma altura de, pelo menos, seis metros;
7. Essa queda foi em parte amparada pela existência de um “tecto falso” no interior do pavilhão;
8. E… subiu à cobertura do pavilhão por determinação do legal representante da C…, Lda;
9. Em consequência dessa queda, E… fracturou oito arcos costais esquerdos (com cavalgamento ósseo), sofreu pneumotórax esquerdo, contusão pulmonar e esplénica, bem como factura da omoplata esquerda;
10. Sofreu, além do mais, períodos de incapacidade temporária;
11. E… pesa cerca de 103 kg;
12. E… foi assistido, além do mais, no Centro Hospitalar D…, EPE entre 16.11.2016 e 29.12.2016;
13. Tal assistência ascendeu a € 77.105,73, tendo o Autor emitido à B…, SA a factura nº F …../…. datada de 28.07.2017, montante que se encontra por liquidar;
14. O Autor Centro Hospitalar D…, EPE, por escrito datado de 28.03.2018, declarou à Ré B…, SA que “encontra-se em débito a estes Hospitais a quantia de € 77105,73 pela assistência prestada a E… em consequência de Acidente de trabalho.
Nesta ocorrência em 16-11-2016, a entidade patronal do nosso utente era vossa(o) segurada(o) sob a Apólice nº 395972 /Segurado – C…
Neste sentido solicito a V. exª se digne mandar providenciar pelo pagamento daqueles encargos hospitalares, cuja(s) factura(s) oportunamente enviamos. (…)” – cfr. doc. de fls. 7, que se dá por integralmente reproduzido;
15. O Autor Centro Hospitalar D…, EPE, por escrito datado de 28.03.2018, declarou à Ré C…, Lda que “encontra-se em débito a estes Hospitais a quantia de € 77105,73 pela assistência prestada a E… em consequência de Acidente de trabalho.
Nesta ocorrência em 16-11-2016, a entidade patronal do nosso utente era vossa(o) funcionário.
Neste sentido solicito a V. exª se digne (…) providenciar pelo pagamento daqueles encargos hospitalares, cuja(s) factura(s) oportunamente enviámos” – cfr. doc. de fls. 7v., que se dá por integralmente reproduzido;
16. A Ré C…, Lda transferiu para a Ré B…, SA, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ........... a responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos por E… com base na remuneração anual ilíquida de € 8.704,30 – cfr. doc. de fls. 3 dos autos principais, que se dá por integralmente reproduzido;
17. E… não recebeu formação específica para realizar trabalhos em altura;
18. E…, quando do sinistro, usava botas de biqueira de aço, capacete e colete reflector;
19. No local onde se deu o sinistro não existiam linhas de vida ou material que permitisse a utilização de arnês;
20. A Ré C…, Lda não fez uma avaliação dos riscos da cobertura do pavilhão;
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Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não está provado que:
a). E… decidiu subir à cobertura do pavilhão por iniciativa própria;
b). Debaixo das placas da cobertura do pavilhão existiam painéis tipo sandwich;
c). E… não tinha experiência em trabalhos em altura;
d). E… ia aplicar espuma de poliuretano em todos os cumes da cobertura do pavilhão;
e). E… caiu por ter pisado uma placa de fibrocimento da cobertura do pavilhão.”.
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B) O DIREITO
Da impugnação da matéria de facto
A recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto por entender que, “fazendo uma apreciação crítica e conjugada das provas”, deverá acrescentar-se à factualidade provada que, “o telhado do pavilhão era constituído por placas de fibrocimento, com cerca de 30 anos, revelando-se frágeis e não aptas a suportar cargas elevadas”.
Defende que, “sobre as características da cobertura do pavilhão do qual caiu o trabalhador sinistrado, depuseram este e, ainda, as testemunhas J…, I… e K…, conforme se vê da fundamentação de facto da sentença. Estas testemunhas, cujos depoimentos se revelaram sérios, isentos e credíveis referiram que a cobertura do pavilhão era constituída por placas de fibrocimento, com cerca de 30 anos.”.
E, continua que, “por simples presunção judicial, destes factos o Tribunal a quo deveria ter concluído que, tais telhas eram frágeis e não aptas a suportar o elevado peso do trabalhador sinistrado, de cerca de 103 kg. É esta, aliás, a única conclusão a que se chega pelo singelo uso das regras da experiência.”.
Concluindo, ainda, que cabe “referir que a factualidade em apreço resulta apurada da discussão e julgamento da causa.”.
Analisando.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto por este Tribunal “ad quem” pressupõe que o recorrente cumpra determinados ónus, conforme dispõe o art. 640º do CPC (diploma legal a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho.
O art. 640º impõe ao recorrente o cumprimento, que se quer integral, sob pena de rejeição, dos seguintes ónus:
1) a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (al. a) do nº 1);
2) a especificação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa sobre os concretos pontos da matéria de facto impugnados, (al. b) do nº 1);
3) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, (al. c) do nº 1); e
4) quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, a indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que se funda, (al. a) do nº 2).
Tendo em atenção a graduação de importância dos sobreditos ónus, poder-se-á afirmar que o primeiro, a indicação concreta dos pontos de facto impugnados, é o que assume a primazia, porque ele delimita o poder de cognição deste Tribunal “ad quem”, especialmente quando estejam em discussão direitos de natureza disponível, porque é exclusivo do seu titular fazer o enquadramento fáctico do direito que pretende fazer valer.
A indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida, assim como o projecto de decisão, assentam no princípio da auto-responsabilização do recorrente e no cumprimento efectivo do dever de cooperação, que, inequivocamente, os justificam, impondo-se o cumprimento de tais ónus, ainda que se possa admitir uma menor concisão da que é exigida para o primeiro.
Da alegação e conclusões da recorrente verifica-se que os ónus, da impugnação da decisão em matéria de facto, previstos naquele art. 640º, nºs 1 e 2, parecem-nos satisfatoriamente cumpridos, não ocorrendo motivo que importe a rejeição do recurso nesta parte, havendo que proceder à sua apreciação.
No entanto, previamente à pretendida reapreciação, impõe-se que consideremos a alegação da co-ré/recorrida e o referido, no parecer do Ex.mo Procurador, na medida em que defendem que a alteração da matéria de facto provada pela recorrente, configura o acrescento de um “facto novo” sem que indique quem o alegou e, por isso, consideram que o requerido aditamento àquela não pode ocorrer sob pena de violação do art. 72º do CPT.
Vejamos, então.
Desde logo, analisando a redacção supra transcrita, proposta pela recorrente para o facto cujo aditamento peticiona ao elenco dos factos provados, é certo que aquele se traduz num novo facto e a recorrente não diz onde foi alegado pelas partes. Verifica-se que a pretensão daquela, atenta a redacção daquele novo, consiste não em que se dê por provado ou não provado, quaisquer dos factos considerados na decisão recorrida, mas sim que se dê por provado e adite àquela, um novo facto, sem que indique quem o alegou e percorridas a p.i. e as contestações, não se encontra onde o mesmo tenha sido alegada, nem a recorrente o diz, apenas, visando que se adite aquele, o que, sem dúvida, se traduz num novo facto que não foi alegado, nem por ela, nem pelas outras partes.
Mas, como é sabido, a consideração de factos não alegados, como é o caso (facto essencial) para serem integrados na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art. 72º, nº 1 do CPT, nesse caso, pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
Como se lê naquele art. 72º do CPT:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
(...)”.
Precisamente por isso, como é entendimento pacífico da jurisprudência, desta secção social, entre muitos outros, os (Ac.s de 11.06.2012, proc. nº 2/10.9TTMTS.P1. e de 05.10.2015, proc. nº 2673/15.0T8MAI-A.P19, ambos relatados pela Exma. Desembargadora M. Fernanda Soares, ao que supomos, inéditos e bem recentes, deste colectivo, os Ac.s de 22.03.2021, proferidos nos Proc.s nº.s 46/19.5T8VLG.P1, 3478/19.5T8VFR.P1 e 10830/17.9T8PRT.P1, oportunamente, em www.dgsi.pt), a segunda instância não pode, fazer uso do disposto no art. 72º do CPT, visto que não pode ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo - (nº 2, cuja redacção, quando em situações como é o caso, não sofreu alteração, com a entrada em vigor da Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro), ou seja, quando estejamos, perante factos essenciais como, já dissemos, já que o facto cujo aditamento se pretende está directamente relacionado com a pretensão da recorrente em que se declare que o acidente ocorreu por culpa grave da co-ré/empregadora.
Assim, é óbvia, a improcedência da impugnação da decisão de facto provada.
Porque não compete a este Tribunal, aqui e agora, em sede de recurso, tomar qualquer novo facto em consideração e, deste modo, dar o mesmo, eventualmente, como provado, com a redacção pretendida pela recorrente, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo), ou seja, só ao Tribunal “a quo”, no uso do poder/dever conferido por aquele art. 72º, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se fosse esse o caso, competia considerar provada tal factualidade.
Assim, sendo certo, que a pretensão da recorrente pressuporia que este Tribunal “ad quem” interviesse nos termos previstos no nº1, daquele artigo, na medida em que pressuporia dar por provado, um novo facto, considerando factos não alegados para se considerarem como provados, não sendo tal permitido sucumbe, assim, por esta via, como dissemos, a impugnação deduzida quanto à decisão da matéria de facto.
Mas, independentemente, desta razão, outra importa referir, também, suscitada pela co-ré/recorrida que, inevitavelmente, determinaria que tivesse de se julgar improcedente a impugnação deduzida quanto à factualidade provada.
Pois, como bem refere aquela co-ré, atento o que se discute na acção, em concreto, à pretensão deduzida pela recorrente, referente à alegada violação das regras de segurança, sempre a redacção proposta para aquele “novo facto”, não poderia fazer parte do elenco dos factos provados. Porque, sem dúvida, a segunda parte do mesmo, nada mais é do que uma conclusão, configurando um juízo valorativo e jurídico.
E, como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, (vejam-se entre outros, os Acórdãos deste de 23.09.2009, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1, de 19.04.2012, Proc. nº 30/08.4TTLSB.L1.S1, de 23.05.2012, Proc. nº 240/10.4TTLMG.P1.S1, de 14.01.2015, Proc. nº 488/11.4TTVFR.P1.S1 e Proc. nº 497/12.6TTVRL.P1.S1 e de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontrarão todos os arestos a seguir citados, sem outra indicação)) as conclusões, apenas, podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Ou seja, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
Seguindo idêntico entendimento, (no Acórdão, do mesmo STJ, de 12.03.2014, Proc. nº 590/12.5TTLRA.C1.S1), decidiu-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Ainda, mais recentemente, sobre esta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, que é essencial à ponderação da intervenção levada a cabo por este Tribunal “ad quem”, relativamente à decisão recorrida, pronunciou-se (o Ac. do STJ de 28.01.2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), nele se fazendo constar o seguinte: “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão deste Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”.
E continua: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado,…”.
Concluindo com a formulação do seguinte: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Decorre do que se deixa exposto que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo”, ou não o tenha sido na totalidade, e o mesmo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, significa, também, atentos os mesmos argumentos enunciados, que o tribunal “ad quem” não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum. Precisamente, o que acontece no caso.
Assim, sendo uma expressão genérica e conclusiva, a redacção pretendida para o referido ponto, na sua totalidade, não poderia ser levado ao elenco dos factos provados. Pois, comporta uma conclusão relevante para a análise da questão jurídica a decidir que, sem dúvida, há-de retirar-se ou não a jusante, na sentença, onde deverá ser feita a apreciação crítica de toda a matéria de facto provada.
Razão porque, se não fosse, pelo motivo já referido, também, por esta sucumbiria a impugnação deduzida quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pela recorrente.
Por último diga-se, sempre com o devido respeito, que não se alcança o sentido das conclusões que formula de que, “Por simples presunção judicial, destes factos o Tribunal a quo deveria ter concluído que, tais telhas eram frágeis e não aptas a suportar o elevado peso do trabalhador sinistrado, de cerca de 103 kg. É esta, aliás, a única conclusão a que se chega pelo singelo uso das regras da experiência”.
Sem qualquer dúvida, não assiste qualquer razão à recorrente.
Não se vislumbra como o “singelo uso das regras da experiência” nos permite concluir aquela factualidade.
Pois, apesar de ser lícito à 2ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do nº 4 do art. 607º, aplicável por via do art. 663º, nº 2, cremos não ser possível, como alega a recorrente, dar-se aquele facto impugnado, (e sempre, só a primeira parte, pelas razões já expostas) nos termos que pretende, provado, apenas, através do uso de presunções judiciais.
Explicando.
Pois, como decorre, desde logo, do Título “presunções”, da Secção II do Código Civil, o uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, atento o disposto no art. 349º daquele CC, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).
Ou seja, a presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (cfr. art. 351º do CC). Revelando-se, sempre, necessário que a ilação a tirar dos factos base da presunção para chegar ao facto presumido tenha uma ''lógica necessária''. Pois, as presunções não são um meio de prova, mas um processo indirecto que induz racionalmente determinado facto desconhecido que se pretende provar.
Como referia (Vaz Serra, in “Provas”, BMJ nºs 110 a 112 , nota 242), as presunções “Não são propriamente meios de prova, mas somente meios lógicos ou mentais da descoberta de factos, e firmam-se mediante regras de experiência (apreciadas pela lei ou pelo julgador)”.
Ora, sendo deste modo e atento, o teor do facto, que a recorrente considera deve ser dado por provado, (sem indicação de quais os factos base da presunção), com base na factualidade provada, em concreto, no que decorre dos factos provados 3 e 11, cremos não ser, o mesmo, possível.
Em nosso entender, aquela 1ª parte do facto, que a recorrente pretende seja aditado à matéria de facto provada, sempre com o devido respeito, não é uma consequência lógica e necessária que o Tribunal deva extrair de qualquer facto, em concreto os, por nós referidos, factos provados 3 e 11 donde, atentas as regras da experiência nada mais é possível, concluir que não seja, o material de uma placa da cobertura do pavilhão e o peso do sinistrado.
Improcede, assim, nesta parte o recurso da apelante e considera-se assente a factualidade supra indicada no presente acórdão.
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Da impugnação da decisão de direito
Ora, improcedendo a pretendida alteração da matéria de facto, por esta via, mostra-se prejudicada a possibilidade de fazer quaisquer reparos à decisão recorrida.
E, pese embora, a recorrente vir considerar que, “ainda que assim não se entenda”, deve a decisão recorrida ser alterada, defendendo, nos termos que alega nas conclusões 7ª e ss. da sua alegação, errada interpretação e aplicação, entre outras, das disposições 18º e 79º da LAT, ou seja, por não concordar com a absolvição da co-ré/empregadora, nos termos decididos naquela, não lhe assiste qualquer razão. Pois, afigura-se-nos correcta a subsunção jurídica da factualidade que se mostrava e, nesta sede, ficou definitivamente assente, nenhuma censura merecendo a sentença recorrida.
Ainda, assim, sem prejuízo de repetirmos o entendimento ali expresso, com fundamento na correcta subsunção jurídica dos factos apurados que, sem dúvida, subscrevemos, diremos o seguinte.
Concluiu-se naquela que “Tendo ocorrido um sinistro que constituiu um acidente de trabalho e não respondendo a Ré Empregadora em termos agravados, é sobre a Ré Companhia Seguradora que recai a obrigação de suportar as prestações a que o trabalhador tem direito ao abrigo da Lei nº 98/2009.
(...) Temos, assim, ser apenas sobre a Ré Companhia Seguradora, para quem a responsabilidade por acidentes de trabalho foi transferida pela co-Ré, que recai a obrigação de suportar os custos da assistência médica que o Autor prestou ao trabalhador na sequência do sinistro (al. a) do nº 2 e nº 3 do art. 28º, n.os 1 e 7 do art. 38º da Lei nº 98/2009)”.
Ou seja, na presente acção para cobrança de dívida, peticionada em virtude de cuidados de saúde prestados, nos termos estabelecidos, no Decreto-Lei nº 218/99 de 15 de Junho, logrou a A. (entidade hospitalar) como lhe incumbia, de acordo com o art. 5º daquele diploma legal, cumprir o ónus de alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos (o acidente de trabalho que se decidiu e não discute o sinistrado sofreu) e provar a prestação de cuidados de saúde, além de que indicou o número da apólice de seguro, celebrado entre as co-rés, através do qual a co-ré/empregadora transferiu a sua responsabilidade para a co-ré/seguradora, por acidentes sofridos com os seus trabalhadores, no caso, o sinistrado.
Como bem se refere na decisão recorrida “através da consagração deste regime legal, com vista a mais eficazmente permitir a cobrança de dívidas hospitalares, o legislador plasmou uma regra especial de ónus da prova” e “vem-se entendendo que, no que se refere aos acidentes de trabalho enquanto facto gerador da responsabilidade, cabe à instituição que presta os cuidados de saúde alegar a factualidade a partir dos quais se pode concluir pela verificação de um sinistro e sua qualificação como acidente de trabalho.
Já o réu, por sua vez, tem de demonstrar factos dos quais decorre o afastamento da sua responsabilidade, havendo, neste segmento, uma inversão do onus probandi (nº 1 do art. 344º do Código Civil).”.
Ou seja, havendo seguro válido, compete à co-ré/seguradora demonstrar factos dos quais decorre o afastamento da sua responsabilidade, em concreto, os factos que demonstrem a responsabilidade da co-ré/empregadora quanto ao acidente que deu origem à prestação dos cuidados de saúde.
Ora, face a isso, tendo em conta a matéria factual dada como provada, em concreto, os factos 2, 6, 8, 12, 13 e 16, é seguro que a decisão recorrida não merece qualquer censura.
A recorrente, enquanto co-ré/seguradora responsável pelo sinistro que deu origem à prestação de serviços hospitalares por parte da Autora, não logrou demonstrar factos, de modo a afastar a sua responsabilidade.
Sem dúvida, os factos 17, 18, 19 e 20, desacompanhados de outros e não se tendo apurado as razões em concreto porque o sinistrado caiu da cobertura do pavilhão de uma altura de, pelo menos, seis metros, são totalmente inócuos para que se possa concluir, que a co-ré/empregadora, haja com a sua conduta, violado de forma consciente, regras legais de segurança causadoras do acidente e, consequentemente, haja fundamento para a responsabilizar pelo mesmo.
Face ao exposto, só podemos concluir que, não se mostra violado o disposto nos art.s 18º e 79º da LAT, invocados pela recorrente, nem quaisquer outros dispositivos que importem a alteração da sentença recorrida.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da co-ré/apelante.
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Porto, 19 de Abril de 2021
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes [Votei a decisão, justificando-se a seguinte explicitação:
A propósito da impugnação da matéria de facto, a Apelante pretende o aditamento de matéria que não foi alegada nos articulados.
Tratando-se, em concreto, de matéria essencial – como ficou a constar do acórdão - não é possível sindicar, a propósito de tal matéria, em sede de impugnação da matéria de facto, a decisão recorrida.
O artigo 72º do CPT (na atual redação introduzida pela Lei nº 107/2019 de 09.09.) dispõe:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão." (realce meu).
A redação anterior à Lei nº 107/2019 de 09.09.do mesmo artigo era outra:
"1 - Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão" (realce meu).
Os acórdãos desta secção, referidos no texto, de 11.06.2012, proc. nº 2/10.9TTMTS.P1. e de 05.10.2015, proc. nº 2673/15.0T8MAI-A.P19, (ambos relatados pela Desembargadora M. Fernanda Soares), foram proferidos no âmbito da redação anterior à Lei nº 107/2019 de 09.09.
Atualmente, o quadro legal é outro, sendo que o artigo 72º, nº1 do CPT se reporta apenas aos factos essenciais.
O regime do artigo 72º do CPT (na atual redação introduzida pela Lei nº 107/2019 de 09.09.), reportando-se tão só aos factos essenciais, é apenas aplicável na 1ª instância.
Os factos essenciais só poderão ser tidos em consideração pela 1ª instância, face à possibilidade de prova a que se reporta o nº2 do artigo do CPT.
Relativamente aos factos instrumentais e complementares, com a referida Lei, passou a aplicar-se o artigo 5º, nº2 do CPC, por remissão do artigo 72º, nº1 (1ª parte) do CPT “Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil (…)”.
Quanto aos factos instrumentais, a Relação pode de os mesmos conhecer, apenas se exigindo que tenham resultado da instrução da causa – artigo 5º, nº2, alínea a) do CPC.
Quanto aos factos complementares, o artigo 5º, nº2, alínea b) do CPC exige que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Se os factos em causa foram discutidos em sede de audiência de julgamento e se é invocado no recurso pelo Recorrente (que os pretenda aditar), tendo, tal como aquela, a parte contrária tido igualmente a possibilidade de se pronunciar, desde logo na mesma audiência, neste caso, a Relação poderá conhecer uma vez que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Nos acórdãos, outrossim referidos no texto, deste colectivo, de 22.03.2021, proferidos nos Proc.s nº.s 46/19.5T8VLG.P1, 3478/19.5T8VFR.P1 e 10830/17.9T8PRT.P1, (oportunamente, em www.dgsi.pt), incluem declaração de sentido idêntico, tendo nos mesmos tal como no presente acórdão me limitado a votar a decisão.]
António Luís Carvalhão