Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18180/16.1T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CITAÇÃO EDITAL
CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
RÉU
ESTRANGEIRO
RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RP2019042918180/16.1T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 04/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 694, FLS 52-58)
Área Temática: .
Sumário: I - Apesar de o n.º 4 do artigo 239.º do Código de Processo Civil estar vocacionado para a citação edital de réus portugueses residentes no estrangeiro, não deverá ser excluída a sua aplicação a réus estrangeiros residentes fora de Portugal quando não seja possível a sua citação por outra via.
II - Tal interpretação é a única que se coaduna com a vocação do processo para a realização do direito (artigo 2.º, n.º 2 do CPC), com vista ao integral cumprimento do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, já que, verificando-se a impossibilidade de citação de réu residente no estrangeiro em parte incerta, não sendo a mesma superada por via da citação edital, equivaleria à paralisação do processo e à consequente impossibilidade de realização do direito que o autor pretende fazer valer na ação.
III - Às conclusões enunciadas nos pontos anteriores não obsta a inviabilidade da afixação de edital prevista no n.º 2 do artigo 240.º do Código de Processo Civil, cumprindo-se tal citação com a publicação do anúncio previsto no n.º 1 do citado normativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 18180/16.1T8PRT-B.P1

Sumário da decisão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Corre termos no Juízo Central Cível do Porto - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a ação declarativa com processo comum, com o n.º 18180/16.1T8PRT, intentada por B..., contra C..., D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., K..., L..., M..., N..., O..., P..., Q..., S..., T..., U... e V..., na qual a autora pede a condenação dos réus a reconhecerem a autora como dona e legítima proprietária, decorrente da aquisição originária por usucapião, de um prédio urbano que pertence, entre outros, ao acervo hereditário de uma herança indivisa, não partilhada há mais de 40 anos.
Todos os Réus têm nacionalidade e residência estrangeira, tendo sido expedidas citações, nos termos do art.º 228 do CPC, as quais, foram todas devolvidas.
Procedeu-se à tradução certificada da petição inicial, para as línguas Espanhola, no que concerne aos Réus de nacionalidade Espanhola, para a língua Francesa, para os Réus residentes na Suíça e por último para Inglesa, para os Réus residentes nos Estados Unidos da América.
No despacho de 9.02.2017 foi determinada a citação dos réus residentes no espaço da Comunidade Europeia nos termos do Regulamento (CE) 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007 e os restantes réus por emissão da respetiva carta rogatória.
Dos 19 réus, procedeu-se à citação de cinco, frustrando-se a citação de 13, tendo sido averbado numa das cartas de citação remetida para Espanha que o réu tinha falecido há já alguns anos.
O réu I..., de nacionalidade espanhola, no ano 2007 e 2009, adquiriu a dois herdeiros as respetivas quotas hereditárias e procedeu ao seu registo, na Conservatória de Registo Predial do Porto, tendo sido o único que apresentou contestação na ação principal.
A autora, após diligências junto do Consulado Espanhol, obteve o assento de óbito do réu falecido, e instaurou incidente de habilitação de herdeiros - anúncio publicado por incerteza de pessoa - e, expedidas as respetivas notificações e citações para contestarem, não tendo sido deduzida qualquer oposição.
Foram solicitadas junto do Consulado Espanhol, informações adicionais sobre o paradeiro dos réus ainda não citados e requeridas ao tribunal diligências para que os réus notificados, nos termos do art.º 7.º do CPC, informassem o paradeiro daqueles que eventualmente tivessem conhecimento - sem sucesso, pois, não responderam sequer, à notificação que lhes foi dirigida.
Na sequência das sucessivas frustrações da citação dos réus, a autora apresentou o seguinte requerimento:
«B..., Autora nos autos à margem referenciados e aí melhor identificada, notificada do douto despacho que antecede, vem REQUERER a V. Exa., que os Réus a citar fora do espaço da União Europeia, sejam citados por carta rogatória e, tendo por base o Regulamento (CE) no 1397/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho quanto aos réus a ser citados na qualidade de residentes na Comunidade Europeia.
REQUER ainda, a junção aos presentes autos das traduções dos articulados para citação dos Réus (conforme supra requerido), de Português para Espanhol - atinente aos residentes no território espanhol; de Português para francês - atinente aos residentes em território Suíço; e de Português para Inglês - atinente aos residentes em território Norte Americano.
Mais, expõe humildemente a V. Exa., o seguinte: A Autora, no seu requerimento datado de 15-11-2016, requereu que, residualmente, ainda assim, na falta de citação de algum dos Réus, se aplicasse o preceituado no Art.º 240 do CPC, tendo por base o Parecer do Conselho Superior de Magistratura, o qual e no que tange à citação edital por incerteza do lugar - produziu o seguinte comentário às alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, que aprovou o Código de Processo Civil “...Seria, por outro lado, de contemplar expressamente o caso de estrangeiro que nunca teve residência no País, com a aplicação do n.º 1”, posição já anteriormente sufragada, a titulo exemplificativo pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17-01-2006, Processo n.º 3824/05, consultável em www.dgsi.pt que refere no sumário quanto ao anterior art.º 247 n.º 4, que corresponde na integra ao atual art.º 239 n.º 4 do CPC. “II- O dispositivo do n.º 4 do art.º 247.º do CPC está vocacionado para réus portugueses, embora nada exclua a sua aplicação a réus estrangeiros residentes fora de Portugal, pelo que deve ser efectuada a citação edital de réu estrangeiro não residente em Portugal quando não seja possível a sua citação por via postal e por carta rogatória.” Daí o motivo pelo qual a Autora requereu a citação nos termos aludidos.».
Sobre o referido requerimento recaiu o despacho proferido em 14.01.2019, com o seguinte teor:
«Indefiro o requerido, porquanto o pretendido pelo requerente a fls. 149 (ref. 31173323), mostra-se impraticável, uma vez que não se mostra conhecida nos autos qualquer residência que aos citandos fosse conhecida em Portugal (cfr. art.240 nº 2 do Código de Processo Civil)».
Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
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TERMOS EM QUE, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a Citação Edital, por incerteza de lugar de Réus de nacionalidade estrangeira que nunca tiveram residência em Portugal, nos termos do art.º 239 n.º 4 com as formalidades previstas no art.° 240 ambos do Código de Processo Civil, por ser de Direito, fazendo assim Venerandos Senhores Juízes Desembargadores como sempre inteira e sã, JUSTIÇA.
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se numa única questão: saber se é viável a citação edital de réu estrangeiro residente em país estrangeiro.

2. Fundamentos de facto
A factualidade provada relevante é a que consta do relatório que antecede.

3. Fundamentos de direito
A decisão a proferir implica a convocação dos artigos 239.º e 240.º do Código de Processo Civil.
Sob a epígrafe “Citação do residente no estrangeiro”, dispõe o artigo 239.º
«1 - Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
2 - Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
3 - Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor.
4 - Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º.».
Quanto às formalidades da citação edital por incerteza do lugar, preceitua o artigo 240.º:
«1 - A citação edital determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra é feita por afixação de edital, seguida da publicação de anúncio em página informática de acesso público, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - O edital é afixado na porta da casa da última residência ou sede que o citando teve no País».
O processo de citação edital implica o cumprimento de várias etapas, com vista à garantia do contraditório: i) a secretaria procura a efetiva citação pessoal por via postal ou por contacto direto (art.º 226.º, n.º 1, do CPC); ii) frustradas as modalidades de citação pessoal do réu em território nacional ou estrangeiro e persistindo a situação de ausência em parte incerta, a secretaria efetua oficiosamente as diligência julgadas pertinentes, junto de qualquer entidade ou serviço, dirigindo-se diretamente a essas entidades por ofício ou qualquer outro meio de comunicação (art.º 236.º e 172.º do CPC); iii) mantendo-se a incerteza quanto ao paradeiro, a secretaria fará o processo concluso ao juiz; iv) confrontado com os elementos constantes do processo, pode o juiz: determinar nova tentativa de citação pessoal, solicitar outros elementos ou, em casos indispensáveis, requisitar informações às autoridades policiais (art.º 236.º, n.º 1 do CPC); v) não se superando a situação de incerteza do paradeiro, deve o juiz ordenar a citação edital.
Na situação sub judice, tendo sido devolvidas as cartas para citação, com menção de “morada insuficiente” ou de “desconhecido”, foram juntas aos autos pela autora as traduções da petição inicial para as respetivas línguas dos réus, após o que foi determinado, por despacho de 9.02.2017, que se procedesse à citação dos réus, sendo os residente no espaço da Comunidade Europeia nos termos do Regulamento (CE) 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007 e os restantes por emissão da respetiva carta rogatória.
Revelando-se inviável a citação de parte dos réus, mediante requerimento da autora, deferido por despacho de 21.11.2016, fora solicitada pelo Tribunal a colaboração dos réus entretanto citados, no sentido de informarem o tribunal se conheciam a residência dos restantes réus, não se tendo os mesmos pronunciado.
Em “desespero de causa”, em requerimento de 27.09.2018, a autora solicitou ao Tribunal a notificação de N..., procurador do réu contestante I..., arrolado como testemunha na contestação, para indicar a morada dos réus não citados, o que foi deferido por despacho de 1.10.2018, não tendo sido prestada qualquer informação.
Em suma, esgotadas todas as diligências com vista à citação pessoal, a mesma não se revelou viável.
A autora requereu a citação edital dos réus ainda não citados, o que foi indeferido com o seguinte fundamento: «… mostra-se impraticável, uma vez que não se mostra conhecida nos autos qualquer residência que aos citandos fosse conhecida em Portugal (cfr. art.240 nº 2 do Código de Processo Civil)».
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, invocando o princípio constitucional da jurisdição efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Defende a recorrente, que não sendo viável a citação dos réus, apesar de todos os esforços que enveredou para a sua concretização, o processo não poderá prosseguir, inviabilizando a realização do direito que pretende ver judicialmente reconhecido.
E invoca um acórdão da Relação de Coimbra, de 17.01.2006, proferido no processo n.º 3824/05, cujo sumário se transcreve parcialmente: «O dispositivo do n.º 4 do art.º 247.º do CPC[1] está vocacionado para réus portugueses, embora nada exclua a sua aplicação a réus estrangeiros residentes fora de Portugal, pelo que deve ser efectuada a citação edital de réu estrangeiro não residente em Portugal quando não seja possível a sua citação por via postal e por carta rogatória.»
Consta da fundamentação jurídica do referido aresto: «[…] sendo o réu residente no estrangeiro (e de nacionalidade estrangeira), a não ser que tenha tido, alguma vez, residência/sede em Portugal, ficam inviabilizadas as averiguações referidas no nº 4 do art. 247º e no art. 244º. Mas, nem por isso, se poderá concluir pela não realização da citação edital. O que, a nosso ver, será lícito determinar, é a dispensa das averiguações mencionadas nessas disposições e as demais formalidades (da citação edital) relacionadas com a última residência do R. no país (art. 248º). Sublinhe-se ainda que, a não se entender assim, constituindo a citação edital, a última e derradeira hipótese de se poder dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele, determinada acção […], negando-se esse acto, não só se inviabilizará, formalmente, essa comunicação […], como se impedirá o demandante de fazer prosseguir os autos (visto que estes não podem seguir sem a citação do réu), o que nos parece absolutamente inadequado e incongruente».
À tese defendida no acórdão citado, aderiram António Santos Abrantes Geraldes e Outros[2], que em anotação ao artigo 239.º do Código de Processo Civil, escrevem: «O regime do n.º 4, está vocacionado para réus portugueses, embora nada exclua a sua aplicação a réus estrangeiros residentes fora de Portugal, pelo que deve ser efetuada a citação edital de réu estrangeiro não residente em Portugal», quando não seja possível a sua citação por outra via.
O mesmo entendimento manifesta Jacinto Rodrigues Bastos [in Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, Lisboa 1999, 3.ª Edição Revista e Actualizada, página 304, nota 2], considerando que tal solução ainda mais se impõe - citação edital de residente no estrangeiro em parte incerta - porque o Regulamento (CE) nº 1393/2007, não se aplica quando o endereço do destinatário não for conhecido (artigo 1.º, n.º 2).
Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por tese divergente, que não pode ser outro o caminho, face à vocação do processo para a realização do direito (artigo 2.º, n.º 2 do CPC), com vista ao integral cumprimento do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, já que, verificando-se a impossibilidade de citação de réu residente no estrangeiro em parte incerta, não sendo a mesma superada por via da citação edital, equivaleria à paralisação do processo e à consequente impossibilidade de realização do direito que o autor pretende fazer valer na ação.
No entanto, um obstáculo se nos depara: o cumprimento do n.º 2 do artigo 240.º do CPC – a afixação do edital.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª edição, Almedina, 2018, pág. 485 e 486] consideram dispensável a afixação de edital, em circunstancialismos como o que se verificam nos autos, afirmando que quando a indagação sobre a última morada do citando «não conduza a nenhum resultado, designadamente por o réu ter nascido no estrangeiro e não se saber onde residiu, se é que alguma vez residiu, em território português, não se afixa edital»[3].
Resta assim, na situação descrita, a publicação de anúncio, nos termos do n.º 1 do artigo 240.º do Código de Processo Civil.
Também nos parece ser este o caminho possível, face ao risco de deixar sem tutela jurisdicional efetiva uma pretensão formulada em juízo, persistindo a impossibilidade de cumprimento de uma formalidade, apesar de toda a diligência processual manifestada pela parte a quem incumbe o ónus de promover os termos do processo.
Acresce, in casu, como bem refere a apelante, que a contestação apresentada por um dos réus citados aproveita aos restantes, garantindo, atenuando o risco de falta de contraditório.
Com fundamento no exposto, haverá que revogar a decisão recorrida, impondo-se a citação edital, desde que esgotadas todas as tentativas para a citação por outras vias, ainda que não seja possível a afixação de editais.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando que se proceda à citação edital dos réus que ainda não se encontram citados, apesar de estrangeiros, desde que esgotadas todas as tentativas para a citação por outras vias, ainda que não seja possível a afixação de editais.
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Custas do recurso pelos recorrentes, em proporção que se fixará a final.
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Porto, 29.04.2019
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Correspondente ao atual artigo 239.º.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2018, pág. 278.
[3] Mais referem os autores citados: «Por outro lado, a citação edital não deixará de ter lugar se não se conseguir determinar a última residência do citando, em território português ou estrangeiro».