Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
86905/18.1TIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Nº do Documento: RP2019110486905/18.1YIPRT.P1
Data do Acordão: 11/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A interpretação da declaração negocial, mesmo quando pareça que o seu texto é claro, não pode ignorar o contexto em que tal declaração é produzida.
II - O acordo feito entre as partes, aquando da partilha do património comum, no sentido que “Os emolumentos, taxas, contribuiçoÞes e impostos, sejam eles de que natureza forem, que sejam ou venham a ser devidos inerentes a datas anteriores aÌ dissoluçaÞo do casamento e partilha, bem como os que resultarem ou forem consequência do divoìrcio ou da partilha, saÞo a suportar por ambos os aqui outorgantes, em partes iguais” não compreende no seu objeto os montantes devidos a título de IVA e que acrescem aos honorários devidos a uma das partes no seu exercício profissional, quando, naquela ocasião da partilha esse montantes, mesmo que já recebidos, não podiam deixar de ser do conhecimento da parte, advogado, obrigada a liquidar o IVA.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO 86.905/18.1YIPRT.P1

Recorrente - B…
Recorrido - C…

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

Relator: José Eusébio Almeida;
Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido
I - Relatório
1 - C…, advogado, instaurou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, oriunda de requerimento de injunçaÞo, contra B… e pediu a condenação desta no pagamento da quantia de 6.065,80€.

2 – Para tanto, fundamentando a sua pretensão, veio alegar, ora em síntese, que autor e ré casaram entre si em 29.04.1979, sem convenção antenupcial, e que o casamento foi dissolvido por divórcio em 21.03.2018. Nesta data, acordaram entre si que os emolumentos, taxas, contribuições e impostos que viessem a ser devidos, bem como os que resultarem ou forem consequência do divórcio ou da partilha seriam a suportar por ambos, em partes iguais. Mais alegou que, referente ao primeiro trimestre de 2018 suportou a quantia de 13.648,00€, a título de IVA, entendendo que a ré deverá suportar metade desse valor[1].

3 – A ré contestou e defendeu a improcedência da ação. Nas contestações alegou, essencialmente, que o acordo firmado entre as partes tinha apenas por finalidade que os impostos liquidados pela Autoridade Tributária em nome do autor, designadamente o IMI e o IRS referentes aos anos de 2017 e o IMT, a liquidar sobre os imóveis adjudicados àquele, viessem a ser assumidos por ambos em partes iguais, não se incluindo o IVA. Acrescenta que, no caso do IVA, o prestador do serviço obriga-se a cobrá-lo ao respectivo sujeito passivo para, depois, o entregar ao Estado e que o valor arrecadado pelo ex-marido, no exercício da sua atividade, nunca foi dividido consigo, nem chegou a entrar no património ou para o rendimento do dissolvido casal. Diz ainda que, a partir de 17.05.2017, data em que foi decretado o arrolamento das 8/26 contas bancárias do casal, o autor impôs que assumisse 50% de todas as despesas da família até ao divórcio e que na partilha levada a cabo, para apuramento da quantia a receber pela ré, exigiu que fosse deduzido o montante de 100.853,50€, correspondente a metade das despesas suportadas entre 17.05.2017 e 31.01.2018. Por último, refere que, para efeitos de partilha, foram fixados os saldos existentes nos bancos aÌ data de 17.05.2017.

4 – O autor ainda se pronunciou sobre a matéria alegada pela ré e, em síntese, alegou que em 21.03.2018 as partes dividiram entre si o dinheiro que havia, sendo que o pagamento do IVA, relativo ao primeiro trimestre de 2018, venceu-se em data posterior.

5 – Os autos prosseguiram e realizou-se a audiência final, nos termos documentados no processo.

6 – Tendo-se fixado o objeto do litígio (“Do direito do Autor a haver da Ré o pagamento da quantia de €6.065,80, a título de metade (na respectiva proporção) do valor por si liquidado a título de IVA, reportado ao primeiro trimestre de 2018, tendo por fundamento a obrigação assumida pela Ré no acordo entre ambos firmado tendo em vista a partilha do seu património conjugal”), foi proferida sentença que, julgando a açaÞo procedente, condenou a ré no pagamento ao autor da quantia de 6.065,80€.

II – Do Recurso
7 - Inconformada com a decisão, a ré veio recorrer. Pretende que seja integralmente revogada a sentença ou, pelo menos e sem prescindir, que o seja parcialmente, uma vez quer o tribunal não podia ter condenado a apelante em montante superior a “5.064,00€”.

8 – Fundamentando o seu recurso, apresentou as seguintes Conclusões:
8.1 - Vem o presente recurso interposto da decisão que, em suma, condenou a recorrente a pagar ao recorrido a quantia de 6.065,80€.
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18 – Recebidos os autos nesta Relação, nada se alterou à natureza, modo de subida e efeito do recurso.

19 – Ponderando a natureza e simplicidade da questão relevante a decidir, nos termos do n.º 4 do artigo 657 do CPC, ouvidos os Srs. Desembargadores adjuntos, dispensaram-se os Vistos. Nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação.

20 – Tendo em conta o teor das conclusões apresentadas pela apelante, o objeto do recurso, sem prejuízo da prévia apreciação da legalidade da junção do Parecer, consiste em saber se a decisão recorrida deve ser integralmente revogada, por a ré não ser responsável pelo pagamento proporcional do valor do IVA ou, subsidiariamente, ser parcialmente revogada, por a ré, sendo responsável por aquele pagamento não o ser no montante decidido na sentença.

II – Fundamentação
II – I Fundamentação de facto
21 – Ainda que o pedido recursório subsidiário possa envolver uma prévia reapreciação (por via da reapreciação documental) da matéria de facto fixada, precisamente essa natureza subsidiária justifica que imediatamente transcrevamos a matéria de facto que foi fixada na 1.ª instância.

22 – Relativamente aos Factos Provados:
22.1 - Autor e ré casaram entre si no dia 29.04.1979, sem convenção antenupcial (cfr. documento 2).
22.2 - O casamento foi dissolvido por divórcio em 21.03.2018 (documento antes referido).
22.3 - Em 21 de março de 2018, autor e ré acordaram no seguinte: “Os emolumentos, taxas, contribuições e impostos, sejam eles de que natureza forem, que sejam ou venham a ser devidos inerentes a datas anteriores à dissolução do casamento e partilha, bem como os que resultarem ou forem consequência do divórcio ou da partilha, são a suportar por ambos os aqui outorgantes, em partes iguais” (cfr. documento n.º 3).
22.4 - Referente ao primeiro trimestre do ano de 2018, o autor pagou, em maio de 2018, a quantia de 13.648,06€ de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (cfr. documento n.º 1).
22.5 - Em 21.03.2017, autor e ré dividiram entre si o dinheiro que havia (cfr. documento n.º 3).

23 - Quanto aos Factos Não Provados, “não se provaram quaisquer factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, designadamente que:”
23.1 - O dinheiro cobrado pelo autor a título de IVA nunca foi dividido com a Ré;
23.2 - Tal dinheiro nunca chegou a entrar nos rendimentos do ex-casal;
23.3 - A partir de 17 de maio de 2017, o autor impôs que a ré assumisse 50% de todas as despesas da família até ao divórcio decretado;
23.4 - Na partilha levada a efeito entre os ex-cônjuges para apuramento da quantia a receber pela ré, o autor deduziu o montante de 100.853,50€ a título das despesas suportadas entre 17.05.2017 e 31.01.2018;
23.5 - As contas em relação à partilha do dinheiro do ex-casal foram fixadas nos saldos existentes nos bancos à data de 17.05.2017;
23.6 - O dinheiro dividido era proveniente, exclusivamente, da atividade profissional do autor.

II.II – Fundamentação de Direito
II.II.I – Questão prévia: Junção de Parecer
24 - Como esta mesma composição coletiva já teve ocasião de afirmar no acórdão que proferiu em 16.11.2015 (Processo n.º 37/13.0TBVCD-A.P1) “nem sempre a linguagem jurídica e os conceitos da mesma natureza nela pressupostos têm de afastar-se da compreensão semântica linguística comum, mormente se a dogmática do Direito a não moldou, atribuindo-lhe um sentido só percetível aos iniciados na vida forense ou académica. Assim, Parecer – na linguagem de todos os dias, mas igualmente na jurídica – “é a opinião fundamentada de um especialista sobre determinado assunto” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, pág. 2755).

25 – E aí acrescentámos: “Não ignorando o entendimento jurisprudencial que coloca a tónica da definição do parecer numa realidade opinativa que necessariamente teria de partir dos factos já assentes no processo (cf. acórdão da Relação do Porto de 31.01.2007 , relator Vieira e Cunha, in dgsi), há que acentuar, no entanto, mormente na atual dinâmica processual (onde a fixação dos factos ocorre na sentença) que tal exigência se mostra desadequada . Além disso, como referia Alberto dos Reis (Código de processo Civil Anotado, Volume IV, 3.ª edição, Reimpressão, 2012, pág. 27), os pareceres tanto podem versar sobre questões de direito como “ter por objeto questões de facto”, sendo assim, em regra, os pareceres dos técnicos: “destinam-se a elucidar o tribunal sobre a significação e alcance dos factos de natureza técnica cuja interpretação demanda conhecimentos especiais”.

26 – Naquela sede, e em conformidade com o que deixámos agora transcrito, foi admitida a junção de uma parecer, num entendimento que deixa à parte o critério determinante da definição e relevância daquilo que considera ser um parecer, em consonância, aliás, com o entendimento constitucional que transparece do Ac. do TC n.º 934/96, de 10.07.1996 (DR, II Série, de 10.12.1996).[2]

27 – Sucede que, naquele caso, estávamos perante a possibilidade de junção de um parecer na 1.ª instância; no caso presente, porém, pretende-se a sua junção em sede de recurso, com as alegações da apelante.

28 – Mas em sede de recurso o CPC dispõe hoje[3] de um normativo específico: o artigo 651, n.º 2 do CPC esclarece que “As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão”.

29 – E decorre deste citado normativo uma restrição à junção de pareceres, quando já nos encontramos em sede de recurso e, nessa restrição, uma distinção relevante consoante a pretensão de junção ocorra ainda na 1.ª instância ou já perante um tribunal de recurso: neste caso, os pareceres que podem ser juntos são – são apenas – os pareceres de jurisconsultos.

30 – No caso presente, o parecer pretendido juntar foi elaborado por economista que não será, pois de tal nem se arroga, um jurisconsulto; por ser assim, a sua junção não é admissível nesta fase processual.

31 – Não se admite, por isso, a junção pretendida pela apelante, havendo que ser retirado dos autos o aludido parecer e sancionada a requerente/apelante, o que se determinará a final.

Prosseguindo.

32 – Os fundamentos da decisão recorrida que julgou procedente a ação e condenou a apelante no pagamento de determinada quantia, correspondente a 50% de um certo valor de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que foi pago/entregue ao Estado (Administração Fiscal) pelo recorrido, que exerce a atividade profissional de advogado, revelam-se claros, representem ou não a adequada e correta aplicação do Direito à factualidade apurada.

33 – Sucintamente, permitimo-nos renová-los, com a transcrição e sublinhados que deixamos: “(...) foi celebrado, na sequência da dissolução do matrimonio e da partilha do respetivo património, um acordo com o seguinte teor: (...). Resulta do principio da pontualidade, consagrado no art. 406 n.º 1 do C.C., que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e apenas se podem modificar ou extinguir por mútuo consentimento das partes ou nos casos admitidos por lei. Pretende a ré que o IVA liquidado pelo autor, relativo ao primeiro trimestre de 2018, ou seja, respeitante a um período anterior à da dissolução do matrimónio e da partilha não está abrangido por tal acordo, face à natureza do imposto em causa (...). Assim, os clientes a quem o autor presta serviços, no exercício da sua atividade de advogado, são os contribuintes de facto, por serem os consumidores finais, sendo o autor o contribuinte de direito, o sujeito passivo do imposto, cabendo-lhe arrecadá-lo e, até independentemente de o receber, proceder á sua entrega á Autoridade Tributária.
O que resulta inquestionável do acordo firmado, interpretado à luz de um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (art. 236 n.º 1 do C.C.), e não perdendo de vista que nos negócios formais não pode a declaraçaÞo valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238 n.º 1 do C.C.) eì que inexistiu qualquer exclusão relativamente a certos e determinados impostos, muito pelo contrário, jaì que o texto eì revelador de que a intenção das partes foi ser o mais inclusiva possível, o que se exprime no excerto “sejam eles de que natureza forem”. Assim sendo, provado o autor liquidou um imposto, reportado a momento anterior aÌ da dissolução do matrimónio e da partilha, a ré estaì obrigada a cumprir o convencionado, tanto mais que se presume o seu incumprimento (art. 799.º, 798.º e 804.º C.C.), revelando-se inócuo tudo o demais alegado”.

34 – Se bem vemos, e sintetizando, a lógica argumentativa/fundamentadora seguida pelo tribunal recorrido revela-se linear: 1) as partes, aquando das partilhas, fizeram um acordo segundo o qual os emolumentos, taxas, contribuições e impostos, sejam eles de que natureza forem, que sejam ou venham a ser devidos inerentes a datas anteriores aÌ dissolução do casamento e partilha, bem como os que resultarem ou forem consequência do divórcio ou da partilha, são a suportar por ambos os aqui outorgantes, em partes iguais; 2 – Esse acordo, expressamente, não exclui qualquer tipo de imposto; 3 – O IVA refere-se a um período anterior à partilha e 4 – A ré deve, no cumprimento do acordado, pagar 50% do valor do IVA liquidado pelo autor.

35 – Independentemente de não resultar evidente que o IVA liquidado se reporte, todo ele, a momento anterior à partilha, porquanto os últimos dez dias de março (21 a 31) ainda são primeiro trimestre, pensamos que a decisão da 1.ª instância não corresponde à mais acertada aplicação do Direito.

36 – Dispensamo-nos de pormenorizar as características e natureza do IVA, sendo certo que é dado adquirido ser o mesmo devido pelo transmitente do bem ou pelo prestador do serviço e ser exigível aquando da prestação do serviço e/ou na data de emissão da fatura, quando obrigatória (artigos 7.º e 8.º do CIVA).

37 – O IVA não se confunde com o preço ou, melhor refletindo o caso presente, com os honorários do advogado: a eles acresce, deve ser discriminado na fatura/recibo e destina-se a ser entregue ao Estado. Assim, na partilha, e num juízo de normalidade, não entra o IVA mas apenas o custo dos serviços, a quantia recebida do cliente e correspondente a esse custo.

38 – Exemplificando, se o advogado cobra 100 pelos seus serviços, debita ao cliente 123 (supondo a taxa de 23%). Para o seu património (isolando ou do casal) irão 100, apenas. Se o cliente lhe pagou 123, a advogado entregará 23 ao Estado; se não lhe pagou, entregará na mesma 23 ao Estado, devendo cobrar ao cliente a quantia eventualmente em falta. Quantia em falta que, obviamente, não entrou no património.

39 – Há uma hipótese, ainda assim, em que a pretensão do autor poderia ter alguma lógica jurídica e factual: enquanto advogado, teria recebido de imediato o IVA de todos os clientes a quem prestou serviços no 1.º trimestre de 2018; não separando o valor do IVA, depositou toda a quantia em conta conjunta (com a ex-cônjuge) e, depois da partilha, teve que entregar ao Estado o valor correspondente ao IVA.

40 – Sucede que a hipótese acabada de referir nem sequer foi alegada pelo autor, que, até em sentido contrário, chega a dizer na sua resposta ao recurso: “não está provado que o apelante tenha recebido de terceiros, dos destinatários dos seus serviços, o IVA que pagou ao Estado”. Ora, se não o recebeu, como seria possível tal valor estar no património que se dividiu?

41 – Acresce que, independentemente da hipótese acabada de colocar (única plausível, mas não alegada) sempre a correta interpretação do acordo celebrado entre as partes levaria à improcedência da ação.

42 – É certo que o acordo, como refere a 1.ª instância, não exclui qualquer imposto, emolumento ou taxa, mas na interpretação do mesmo, como na interpretação de qualquer negócio jurídico, há que atender ao texto e ao contexto. Efetivamente, “O fulcro de todo o significado negocial é o texto, mas o sentido relevante consiste sempre num significado situado em contexto, isto é, naquele que atende ao conjunto dos fatores envolventes da enunciação, sejam eles de natureza linguística ou extralinguística (ou situacional stricto sensu)”[4]. Como referem Evaristo Mendes/Fernando Sá, “mesmo quando o significado das palavras e expressões utilizadas é aparentemente claro e inequívoco, pode não ser esse o sentido juridicamente relevante; basta que a isso leve a consideração de outro elementos ou circunstâncias atendíveis. Noutros termos, o sentido relevante da declaração apura-se no seu contexto”[5].

43 – A interpretação[6], consistente em apurar o conteúdo declaracional[7] do negócio não pode esquecer a inserção da própria declaração, desde logo num negócio mais alargado, e que a contextualize.

44 – No caso presente, e como resulta apurado nos autos, o acordado pelas partes em 21.03.2018 (“Os emolumentos, taxas, contribuições e impostos, sejam eles de que natureza forem, que sejam ou venham a ser devidos inerentes a datas anteriores aÌ dissoluçaÞo do casamento e partilha, bem como os que resultarem ou forem consequência do divórcio ou da partilha, são a suportar por ambos os aqui outorgantes, em partes iguais”) faz parte do acordo de partilhas que recorrente e recorrido estabeleceram na ocasião da dissolução do casamento por divórcio.

45 – Ora, com todo o respeito por diversa opinião, o objeto desse acordo (de repartição de encargos) só pode referir-se, só faz sentido que se refira, objetivamente entendido só tem sentido, quando referido a emolumentos, taxas e impostos, quaisquer que sejam, que sejam futuros, que não se conheçam (ainda) no momento da partilha do património. Efetivamente, todas as dívidas conhecidas na ocasião da partilha podem ou mesmo devem ser ponderadas na partilha. Independentemente mesmo de legalmente poderem ser solvidas em momento posterior.

46 – Tenha-se presente que o recorrido, aquando da partilha, sabia ou não podia ignorar, e com toda a exatidão, os montantes de IVA que devia entregar ao Estado em razão dos honorários cobrados desde o início do primeiro trimestre desse ano de 2018 até àquele dia 21 de março. Não podia ignorar que montantes cobrou de honorários e que montantes (à taxa que igualmente não podia ignorar) cobrou a título de IVA. E dizemos cobrou, pois os que não cobrou em caso algum poderiam fazer parte do património a partilhar.

47 – Em suma, o acordo celebrado, na interpretação objetiva de um declaratário normal, só pode referir-se a impostos ou taxas de conhecimento (o que é diferente de pagamento) futuro. Não é o caso do IVA devido pelo advogado em razão dos serviços que já prestou.

48 – Em conformidade e pelas razões que ficaram ditas, a ação deveria ter sido julgada improcedente e o recurso, ao invés, revela-se inteiramente procedente, ficando prejudicada a questão (subsidiária) de saber se o montante em que a apelante foi condenada corresponde exatamente a metade do IVA pago/entregue pelo recorrido.

49 – As custas (da ação e do recurso) são devidas pelo recorrido na totalidade, atento o seu decaimento.

IV – Dispositivo:
Atendendo ao que ficou dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Não admitir a junção do Parecer apresentado pela apelante com as alegações de recurso, condenando-se a mesma na multa de ½ UC – artigos 423 e 443 do CPC.
b) Julgar o recurso interposto por B…, e em que é recorrido C…, totalmente procedente e, em conformidade, revogando a sentença proferida pela 1.ª instância, absolver a ré do pedido.

Custas (da ação e do recurso) a cargo do apelado.

Porto, 4.11.2019
José Eusébio Almeida;
Carlos Gil
Carlos Querido
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[1] É do seguinte teor o requerimento de injunção: “1 - A. e R. casaram, entre si, em 29.04.1979, sem convenção antenupcial. 2 - O casamento foi dissolvido, por divórcio, em 21.03.2018, com trânsito em julgado nesse mesmo dia de 21.03.2018. 3 - Em 21 de março de 2018 A. e R. acordaram que "os emolumentos, taxas, contribuições e impostos, sejam eles de que natureza forem, que sejam ou venham a ser devidos inerentes a datas anteriores à dissolução do casamento e partilha, bem como os que resultarem ou forem consequência do divórcio ou da partilha, são a suportar por ambos os aqui outorgantes, em partes iguais" A. e R. nesta injunção. 4 - Referente ao primeiro trimestre do ano 2018 o A. pagou a quantia de 13.648,06€ de Imposto Sobre o Valor Acrescentado ao ESTADO. 5 - Considerando a dissolução do casamento a 21.03.2018, é da responsabilidade da Ré, a restituição ao A. da quantia de 6.065,80€ (13.648,06€ : 90 x 80: 2). 6o - O A. solicitou o pagamento à Ré MAS ela não pagou, até hoje”.
[2] Onde se escreveu, com referência ao normativo processual civil anterior que “A norma do artigo 525º do Código de Processo Civil, interpretada à luz do artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental deve, pois, ser entendida como conferindo às partes o direito de juntar, nos tribunais de 1ª instância, pareceres de advogados, professores ou técnicos, cabendo-lhes a eles - e não ao juiz - a definição do critério do que deva ser considerado como parecer. Ora, tendo o acórdão sub judicio interpretado a norma do artigo 525º do Código de Processo Civil como atribuindo ao juiz um poder discricionário para avaliar e decidir sobre o que deve ser considerado um parecer, extraiu dela um sentido claramente inconstitucional”.
[3] Dizemos “hoje” porquanto a norma processual anterior, o artigo 693-B aditado, pelo DL. n.º 303/2007, apenas previa a junção de documentos, dispondo o seguinte: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais na que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º”.
[4] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, 2.ª Edição, Almedina, 2018, pág. 261.
[5] Anotação ao artigo 236 do Código Civil, in Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2014, pág.537.
[6] Sobre a interpretação da declaração negocial, Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, págs. 188 e ss.
[7] Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 7.ª Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, pág. 306.