Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1448/17.7T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA PATERNIDADE
REGISTO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO À ACÇÃO
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP202206081448/17.7T8VCD.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE/DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não se identifica uma decisão surpresa, passível de determinar a nulidade da sentença em que se inclui, quando a questão correspondente foi anunciada, em audiência prévia, como havendo de ser decidida na sentença, tendo a parte tido a oportunidade para sobre ela se pronunciar quer na própria audiência prévia, quer na audiência de julgamento.
II - Estando registada a paternidade da autora com referência ao marido da sua mãe, ao tempo do seu nascimento, resulta do disposto no art. 1848º nº 1 do C.Civil não ser possível o reconhecimento de outra filiação, enquanto aquele registo não for rectificado, declarado nulo ou cancelado. Por isso, é inequívoca a precedência da impugnação de paternidade em relação à investigação de paternidade, seja em acção sucessivas, seja em acções cumuladas.
III - Não tendo sido alegada pela autora qualquer factualidade em razão da qual se possa verificar que foi nos últimos 3 anos que soube de circunstâncias que lhe trouxeram o conhecimento de não ser filha do marido da mãe, o prazo de caducidade da acção de impugnação é o de 10 anos a contar da maioridade ou da emancipação da autora.
IV - Não é inconstitucional a regra do art. 1842º, nº 1, al. c), que fixa tais prazos.
V - A caducidade do direito à acção de impugnação da paternidade estabelecida por presunção impede o desenvolvimento da acção de investigação tendente ao estabelecimento de diferente paternidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. 1448/17.7T8VCD.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 1


REL. N.º 685
Relator Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO
AA, casada, residente na Rue ..., n.º ..., ..... ...., França, intentou a presente acção pretendendo a impugnação da paternidade estabelecida em relação a si (com o cancelamento do respectivo assento de nascimento e da avoenga paterna), bem como a investigação de paternidade, contra BB, viúva, residente na ...., Póvoa de Varzim, pedindo:
a) que se declare que o CC não é o seu pai biológico, eliminando-se tal menção de paternidade que consta do seu assento de nascimento, bem como a respectiva avoenga paterna;
b) que se reconheça e declare que é filha de DD, antecessor da ré BB, devendo, em consequência, ordenar-se o respectivo averbamento no seu assento de nascimento.
Alegou ter nascido no dia .../.../1953, sendo sua mãe EE, então no estado de casada com CC, desde 12 de Julho de 1942.
Porém, afirmou que este CC não é o seu pai biológico, pois que há mais de um ano este e sua mãe viviam em casas e cidades separadas, não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa. Aliás, sua mãe, anos antes do nascimento da Autora, tinha passado a viver na casa de DD, viúvo, onde fora trabalhar como empregada doméstica, com este tendo vindo a manter uma relação amorosa. Conclui dizendo que o seu pai biológico é DD e não CC.
Mais alega que CC faleceu no dia .../.../1957, no estado de casado com EE, não tendo deixado descendentes (apenas se encontrando averbada como sua filha a ora Autora); que EE faleceu no dia .../.../1991, no estado de viúva de CC, tendo deixado como sua herdeira a sua única filha ora Autora; que DD faleceu no dia .../.../1972, no estado de viúvo de FF, tendo deixado como seu herdeiro o seu filho GG ; que este GG faleceu no dia .../.../2007, no estado de casado com BB, sem descendentes, tendo deixado como sua herdeira a sua referida mulher, que nessa qualidade é demandada como Ré para a presente acção.
Citada, a ré apresentou contestação por excepção e por impugnação.
Desde logo, e por excepção, alega que a presente acção, tal qual foi configurada pela Autora, comporta duas causas de pedir e dois pedidos que se reconduzem, no fundo, a duas acções: uma de impugnação da paternidade e uma outra de investigação e reconhecimento da paternidade.
Tendo já ocorrido a morte da mãe e do presumido pai a acção deveria de ter sido instaurada ou prosseguir contra as pessoas referidas no art. 1844º do Código Civil, devendo, na falta delas – como, aliás, também ocorre no caso vertente -, ser nomeado curador especial. Conclui dizendo não ter legitimidade passiva para intervir na acção de impugnação da paternidade, devendo a Autora de ser convidada a proceder à regularização subjectiva da instância
Por outro lado, alegou que é pressuposto processual para a interposição da acção de investigação e reconhecimento da paternidade que, previamente, tenha sido interposta e julgada procedente acção de impugnação da paternidade, e que na sua decorrência, o registo da filiação quanto ao presumido pai tenha sido declarado nulo, o que não ocorreu no caso vertente.
Mais excepcionou a caducidade do direito à acção, quer quanto à impugnação, quer quanto à investigação prevista no art. 1842º, nº 1, al. c). A esse propósito alegou que a Autora nasceu no dia .../.../1953 e atingiria a sua maioridade no dia 10 de Fevereiro de 1974, dado que, à data, ainda a idade da maioridade estava estabelecida nos 21 anos. Porém, tendo casado catolicamente com HH em .../.../1971, isso levou à sua emancipação naquela data, em que tinha 18 anos, 7 meses e 2 dias,
Assim, apenas podia intentar a presente acção até à idade de 28 anos, 7 meses e 2 dias. Logo, como à data da interposição da presente acção, em 28 de Novembro de 2017, já tinha atingido a idade de 64 anos, encontrava-se largamente ultrapassado o prazo de 10 anos para a propositura da acção, estando caducado o direito da Autora para interpor a acção de impugnação da paternidade, bem como a de investigação.
No mais, impugnou o alegado bem como os documentos juntos.
Foi proferido o despacho a convidar a autora a suprir o vício da ilegitimidade, na sequência do que foi requerida e admitida a intervenção principal passiva para o exercício da função de curador de II.
Foi realizada audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador decididas questões prévias, identificado o objecto do litígio e seleccionados os temas de prova, tendo sido julgado improcedente a invocada excepção da legitimidade e relegada para a sentença a apreciação da excepção da caducidade (fls. 84 a 89 – refª 396952125).
Foram interpostos recursos relativamente aos despachos que determinaram a realização da perícia com exumação de cadáver.
Tais recursos foram julgados improcedentes e confirmadas as decisões.
Foi realizada a perícia cujo relatório foi junto de fls. 514 e 515.
Realizada a audiência de julgamento, veio no seu termo a ser proferida sentença que julgou “totalmente procedente a excepção de caducidade do direito à acção e, consequentemente, (…) improcedente o pedido de impugnação e de investigação da paternidade formulado nestes autos por AA, absolvendo a ré BB do mesmo.”
É desta decisão que vem interposto recurso, pela autora, que o termina formulando as seguintes conclusões:
II – CONCLUSÕES
A) DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA
– NULIDADE DA SENTENÇA COM FUNDAMENTO NO ART.º 615.º, n.º 1, d) do CPC –
a) O art.º 3.º do Novo CPC – aplicável ao caso na medida em que a ação foi instaurada em 28/11/2017 – consagra, como antes o art.º 3.º do CPC revogado, o princípio do contraditório nos seus n.ºs 2 a 4. Com vista a evitar as chamadas “decisões-surpresa”, o invocado princípio proibe que providência ou decisão alguma seja proferida sem que às partes seja previamente conferida a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria em questão, salvo nos casos excecionais previstos na lei.
b) No presente caso, veio a Ré BB excecionar a caducidade do direito à ação quer de impugnação, quer de investigação e reconhecimento da paternidade, invocando, nessa senda, o art.º 1842.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte do CC.
c) Face a isto, apresentou a Autora o requerimento com a ref.ª 28117773 (fls 45 a 51), pronunciando-se acerca da exceção invocada, que foi desentranhado através do termo de desentranhamento com a ref.ª 392065958, datado de 20-04-2018. Realizada a audiência previa a 10 de outubro de 2018, em momento algum, foi concedida à Autora a oportunidade de se pronunciar relativamente à questão da caducidade do direito à ação.
d) Ainda assim, a Mm.ª Juiz a quo veio a proferir a sentença recorrida, datada de 05 de março de 2020, decidindo-se, surpreendemente, pela procedência da exceção alegada pela Ré. Tendo sido omitida a audição da Autora a respeito, parece inquestionável o desrespeito do aludido princípio do contraditório praticado pelo Tribunal a quo. Ao proferir a “decisão surpresa” aqui em apreço, aquele acabou por violá-lo notória e grosseiramente, o que importa a nulidade da sentença a quo, por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, d) do CPC.
– NULIDADE DA SENTENÇA COM FUNDAMENTO NO ART.º 615.º, n.º 1, b) do CPC – e) A ação que deu origem aos presentes autos, tal qual configurada pela Autora, comporta duas acções distintas:
- Ação de impugnação da paternidade quanto a CC;
- Ação de investigação e reconhecimento da paternidade quanto a DD.
f) Sucede, porém, que, apesar de terem ambas sido submetidas à sua apreciação – dada a alegação expressa no primeiro dos articulados apresentados, e correspondente prova – o Tribunal a quo preferiu dedicar o seu tempo e atenção apenas e só quanto à ação de investigação, Ainda assim, a final, julgou improcedente o pedido de impugnação e de investigação da paternidade (Cf. Ponto V – Decisão), tratando-os (inconcebivelmente) como um só,
g) Ora, em parte alguma da sentença encontramos os fundamentos de facto e de direito que justifiquem este desfecho, quanto a questão da impugnação da paternidade.
h) A propósito, vale relembrar que, pese embora estejam incluídas, na presente ação, duas ações/questões fundamentais – impugnação e investigação –, o certo é que estas, assim como os respetivos pedidos, são autonomizáveis, significando isto que, mesmo que o Tribunal julgasse procedente o pedido associado à impugnação, poderia perfeitamente julgar improcedente o inerente à investigação.
i) Posto isto, arriscamo-nos a concluir que, na verdade, o pedido correspondente à ação de impugnação nem sequer foi verdadeiramente conhecido, dado que o Tribunal a quo acabou por “fundi-lo” no pedido associado à investigação, aproveitando-se, inexplicável e descabidamente, da fundamentação apresentada, por si, relativamente à investigação da paternidade, para decidir, a final, nos mesmíssimos termos quanto a ambos os pedidos. Com efeito, verificando-se a completa omissão quanto à fundamentação de facto de direito que, no entender da Mm.ª Juiz, justificaria o desfecho da ação de impugnação, verifica-se também a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, b) de CPC.
B) DA MATÉRIA DE DIREITO
– DA CADUCIDADE DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO E RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE – NORMAS APLICÁVEIS EM TERMOS DE PRAZOS DE CADUCIDADE
j) No que respeita à sentença recorrida, não podemos, desde já, deixar de referir a:
- Manifesta contradição entre a fundamentação apresentada e a decisão proferida, pois que, apesar de fundamentar ser aplicável o prazo de três anos a contar da ocorrência de um dos eventos, previstos nas várias alíneas do n.º 3 do art.º 1817.º do CC, deles se “esquece”, aplicando apenas o prazo de 10 anos previsto no n.º 1.
- Errada aplicação do artigo 1817.º do CC às ações de impugnação da paternidade, pois que o mesmo, apenas e tão só, se aplica as ações de investigação da paternidade.
- Errada aplicação da alínea c) do n.º 3 deste normativo, uma vez que não estamos perante a inexistência de paternidade determinada mas o inverso, conforme se extrai do registo de nascimento juntos aos autos
k) Estando em causa a impugnação da paternidade constante do registo de nascimento, a caducidade da pretensão ao estabelecimento judicial da paternidade biológica está submetida ao regime do invocado n.º 2 do art.º 1817.º do CC, ex vi do art. º1873.º do mesmo diploma.
l) Atendendo ao Ponto 2 dos factos dados como provados resultante da certidão de nascimento junto aos autos – deveria ter sido diferente a conclusão da Mm.ª Juiz. Estando a paternidade da Autora/Recorrente deferida registralmente a CC – existindo, assim, um registo inibitório de qualquer outro registo de paternidade –, não podia a esta fazer investigar, sem mais, a paternidade biológica contra DD. Teria previamente que obter o afastamento da paternidade registada.
Assim,
m) Por força do disposto nos art.ºs 1873.º, 1817.º n.º 2, 1815.º e 329.º do CC, a ação de investigação da paternidade podia ser proposta nos três anos seguintes ao cancelamento desse registo inibitório. Resta dizer que, contrariamente ao decidido, não há qualquer fundamento legal para ser decretada a caducidade, porquanto o prazo de caducidade previsto no art.º 1817º, nº 1 do CC não só não se aplica às ações de impugnação da paternidade, como, in casu, pelas razões supra expostas, é de aplicar o n.º 2 do mesmo preceito à ação de investigação de paternidade – atento o ponto 2 dos factos dados como provados.
SEM PRESCINDIR, AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA…
DO ÓNUS DA PROVA DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO
n) Seguindo de perto a orientação proferida pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2021, de 15-11-2021, somos de entender que “o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos de que a ação foi intentada decorridos mais de três anos sobre os factos que justificaram a ação competia ao réu (…)”,
o) Ainda que se entendesse não ser de aplicar o art.º 1817 n.º 2 do CC – o que não se admite, pois que o prazo apenas começará a contar após o cancelamento do registo de paternidade de CC –, nos casos previstos nos art.ºs 1873.º e 1817.º, n.º 3, alínea b), e n.º 4 do mesmo diploma, o ónus da prova do decurso do prazo de 3 anos recai sobre a Ré, por se tratar de um prazo de caducidade e o seu decurso constituir uma exceção perentória. É também isto que se extrai do art.º 342.º, n.º 1 e 2 do CC:
p) Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22-09-2011, “os prazos de três anos referidos nos transcritos n.º 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1, do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a ação é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.”
q) Não há, pois, um prazo regra, e um prazo exceção, mas sim um duplo prazo de caducidade ou, seguindo a perspetiva do Tribunal Constitucional, um prazo de caducidade e a definição de um período em que ele não opera.
r) Não fará muito sentido afirmar-se que os prazos de caducidade previstos no n.º 3 do artigo 1817.º do CC, configuram contra exceções ou factos impeditivos da caducidade prevista no n.º 1 do mesmo preceito. Quanto a este último aspeto, é indiscutível a aplicação do disposto no art.º 343.º, n.º 2, do CC, à luz do qual: “Nas ações que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova do prazo já ter decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.” Tal entendimento está em perfeita sintonia com a repartição do ónus da prova estabelecido no já invocado art.º 342.º, n.º 1 e 2 do CC.
C) DA MATÉRIA DE FACTO
D)
s) Relativamente ao facto vertido no ponto 13 dos factos dados como provados, acima transcrito, entende a Autora/Recorrente que este enferma de um lapso de escrita, dado que, a presente ação foi instaurada a 28 de Novembro de 2017, e não 2018, bastando a mera consulta da plataforma CITIUS para se verificar o respetivo registo.
t) Aqui chegados, no que tange aos factos dados como não provados nas alíneas a), b) e c) e ao facto aditado em sede de audiência prévia, há que concordar que no que se refere à alínea c) se trata de um “conhecimento indireto decorrente de conversas tidas com amigas da avó materna”.
u) Porém, a verdade é que este, analisado conjuntamente com os demais elementos probatórios – sobretudo de cariz pericial – junto aos autos, importa a formulação de um juízo completamente oposto ao (lamentavelmente) revelado pelo Tribunal a quo.
v) Conforme ensina o Acórdão do TRP, de 10/02//2016, Processo n.º 2947/12.2TBVLG-B.P1 “nos processos de averiguação de paternidade, os testes de ADN, feitos através da recolha de sangue ou saliva, equivalem a uma prova plena, do ponto de vista científico, no que concerne à filiação biológica.” Assim, “Por um lado, a prova científica ganhou foros de quase exclusividade, ficando as demais provas relegadas para casos excepcionais, em que aquela não seja possível.”
w) Ora, no presente caso, não só foi possível realizar o teste de ADN, através da colheita biológica a GG – cujo resultado é de 99,97% de compatibilidade –, como foi corroborado no seu teor pelo depoimento de JJ já mencionado.
x) Em suma, resulta claro do depoimento que:
- A Autora/Recorrente nunca conheceu o pai presumido, CC [minuto 04:04];
- A mãe da Autora/Recorrente, avó da testemunha, e CC não vivam juntos, não mantendo qualquer relação efetiva e amorosa [minuto 04:57];
- A mãe da Autora/Recorrente não mantinha qualquer contacto ou relação com o mesmo [minuto 05:05];
- A mãe da Autora/Recorrente foi trabalhar como doméstica para DD e foi nessa altura que teve relações sexuais com este [minuto 09:13];
- A mãe da Autora/Recorrente não conheceu outros homens na vida, e não sabia sequer usar métodos contracetivos [minuto 10:00].
y) Conjugando este depoimento com o resultado dos exames periciais supra mencionados, e aliando-se a isto a lógica e as regras da experiência comum, não restam dúvidas de que a mãe da Autora/Recorrente manteve com DD relações sexuais de cópula completa, sem recurso a qualquer meio contracetivo, e na sequência das quais foi aquela concebida.
***
Pelo que, e por ser evidente o erro na apreciação da prova produzida:
- Deverá ser dado como provado o ponto 13 dos factos dados como provados, com a seguinte redação:
13. A presente ação deu entrada em 28 de Novembro de 2017.
- Deverão ser dados como provados os factos constantes das alíneas a), b) e c) dos factos dados como não provados, com a seguinte redação:
a) A mãe da Autora e CC não viviam juntos, não mantendo qualquer relação afetiva e amorosa. (art.º 8º)
b) Tendo a sua mãe, anos antes do nascimento da Autora, trabalhado para DD, à data viúvo, como empregada doméstica. (art.º 9º)
c) Com este manteve relações sexuais de cópula completa sem recurso a qualquer meio contraceptivo , e na sequencia das quais a Autora foi concebida.” (ponto 10 em conjugação com facto aditado na audiência prévia)
NORMAS VIOLADAS:
Proferindo a sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo violou as seguintes disposições legais: Art.º 3.º do CPC , Art.º 615.º, n.º 1, d) do CPC, Art.º 615.º, n.º 1, b) do CPC, Art.º 1817.º n.º 2, 3 e 4 do CC, Art.º 1873.º do CC, Art.º 1848.º do CC, Art.º 1815.º do CC, Art.º 329.º do CC, Art.º 342.º n.º 1 e 2 do CC, Art.º 343.º n.º 2 do CC.
Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, devendo, por conseguinte, ser revogada a Sentença de que ora se recorre.
Nesse sentido deverá ser proferido um Acórdão que a substitua e que, por sua vez, determine a total procedência da ação movida pela Autora/Recorrente, condenando as Rés nos pedidos nela formulados.
FARÃO VEXAS, DESSA FORMA, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
A ré respondeu, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida, rejeitando que a mesma padeça de qualquer nulidade.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Cumpre decidi-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC.
Assim, cumprirá decidir:
1.- Se a sentença é nula, por excesso de pronúncia, em razão de ter decidido sobre questão relativamente à qual a autora não teve oportunidade de se pronunciar, designadamente, a invocada caducidade do direito à acção de impugnação e à acção de investigação da respectiva paternidade;
2.- Se a sentença é nula, por omissão de pronúncia, por apenas ter proferido um juízo de caducidade relativamente ao direito à acção de investigação de paternidade, sem justificar o idêntico desfecho dirigido à acção de impugnação de paternidade;
3.- De erro de julgamento, por contradição na fundamentação, por aplicação do regime do art. 1817º à acção de impugnação e por erro na aplicação da al. c) do nº 3 do art. 1817, por não se verificar a situação de paternidade omissa e porque a acção de investigação só poderia ser intentada nos 3 anos seguintes ao cancelamento da paternidade registada;
4.- Da falta de demonstração sobre o esgotamento do prazo de caducidade do direito à acção de investigação de paternidade;
5.- Da existência de um lapso na data do facto descrito sob o item 13º (data da propositura da acção, de 28 de Novembro de 2017, e não 2018);
6.- Da inversão do juízo probatório sobre os factos dados por não provados sob as als. a),b) e c), devendo dar-se por provado que: a) A mãe da Autora e CC não viviam juntos, não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa. (art.º 8º); b) Tendo a sua mãe, anos antes do nascimento da Autora, trabalhado para DD, à data viúvo, como empregada doméstica. (art.º 9º); c) Com este manteve relações sexuais de cópula completa sem recurso a qualquer meio contraceptivo, e na sequência das quais a Autora foi concebida.” (ponto 10 em conjugação com facto aditado na audiência prévia).
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A resolução dessa questão exige que se pondere a decisão do tribunal recorrido, sobre a matéria de facto controvertida.
“Factos Provados
Da petição inicial
1. A autora, AA, nascida no dia .../.../1953, é filha de EE.
2. Consta inscrito no seu assento de nascimento como sendo seu pai CC.
3. Á data do nascimento da autora a sua mãe EE era casada com CC, tendo estes contraído casamento entre si em 12 de Julho de 1942.
4. CC faleceu no dia .../.../1957, no estado de casado com EE, não tendo deixado descendentes.
5. EE faleceu no dia .../.../1991, no estado de viúva de CC, tendo deixado como sua herdeira a sua única filha ora Autora.
6. DD faleceu no dia .../.../1972, no estado de viúvo de FF, tendo deixado como seu herdeiro o seu filho GG.
7. GG faleceu no dia .../.../2007, no estado de casado com BB, sem descendentes.
Da contestação:
8. A Autora se casou catolicamente com HH em .../.../1971.
9. Consta do assento de nascimento da Autora que a sua mãe, EE, e o seu pai, CC, à data do seu nascimento, residiam na mesma morada: Rua ..., na Póvoa de Varzim.
10. No jazigo onde se encontram depositados os restos mortais de DD encontram-se inumados KK, inumada a 26/04/1978; LL, inumada a 23/06/1994; e GG, inumado a 07/05/2007.
Mais se provou que:
11. Foi inviável a realização de perícia quanto a DD.
12. No âmbito dos presentes autos foi efectuada perícia de investigação biológica de paternidade com colheitas biológicas a GG onde se conclui que não permite excluir GG como irmão consanguíneo de AA e não permite excluir o pai de GG da paternidade de AA sendo o IP previamente determinado conduziu a uma probabilidade W=99,97% considerando uma probabilidade a priori de 0,5, cfr. teor de fls. 514 e 515.
13. A presente acção deu entrada em 28 de Novembro de 2017 (data rectificada, conforme infra determinado).
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2. Factos não provados:
Com interesse para a boa decisão da causa, não se lograram apurar os seguintes factos:
Da petição inicial:
a) Há mais de um ano que a mãe da autora e o CC residiam em casas e cidades separadas (a sua mãe residia na cidade da Póvoa de Varzim e CC em Matosinhos), não mantendo qualquer relação afectiva e amorosa.
b) Tendo a sua mãe, anos antes do nascimento da Autora passado a viver na casa de DD, à data viúvo, para onde foi trabalhar como empregada doméstica.
c) E com este manteve uma relação amorosa (art. 10º).
Da contestação:
d) Que a mãe da Autora tinha, à data do seu nascimento, a profissão de conserveira.
e) A referida EE é pessoa completamente desconhecida de DD, da sua família, designadamente GG seu filho e defunto marido da aqui Ré, e até de amigos;
f) Com quem, todos eles, nunca tiveram qualquer contacto;
g) Também a Autora é pessoa completamente desconhecida de DD, da sua família, designadamente GG seu filho e defunto marido da aqui Ré, e até de amigos;
h) Com quem, todos eles, nunca tiveram qualquer contacto;
i) Sendo que a primeira vez que a Ré ouviu falar da Autora, de sua mãe ou do seu pai, foi quando tomou contacto comos autos.”
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Apesar de se encontrar enunciada em 5º lugar e inserida no segmento do recurso dirigido à impugnação da matéria de facto, a alteração do facto dado por provado sob o nº 13 (A presente acção deu entrada em 28 de Novembro de 2018) corresponde simplesmente à rectificação de um lapso material, que resulta do próprio contexto. Com efeito, na própria sentença, quando passa da descrição do regime aplicável para a análise da situação material a subsumir-lhe, a Sra. Juiz refere que a data da propositura da acção é 28/11/2017, denunciando implicitamente o lapso constituído pela referência a 2018 naquele facto enunciado no nº 13. Em qualquer caso, a data considerada na decisão foi a de 2017 e não a de 2018, o que reduz a situação a um mero erro de escrita. De resto, assim, bem o entenderam as partes.
Por conseguinte, antes de mais, nos termos do art. 614º, nºs 1 e 2 do CPC, proceder-se-á de imediato a tal rectificação, inserindo-se a data correcta no local próprio, com referência a esta decisão.
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A primeira questão a integrar o objecto do recurso é a nulidade apontada à sentença, por excesso de pronúncia, em razão de ter decidido sobre a caducidade do direito à acção de impugnação e à acção de investigação da respectiva paternidade, que a ré invocou, sem que sobre isso tenha tido oportunidade de se pronunciar. A conclusão pela verificação de tal caducidade teria constituído, assim, uma decisão surpresa, em ofensa ao princípio do contraditório, como estabelecido no nº 3 do art. 3º do CPC.
Sem prejuízo de se entender pelo acerto desta construção jurídica, entendemos, todavia, que não ocorreu uma tal nulidade, no caso em apreço.
Tal como a autora alega, é certo – resulta dos autos, designadamente do despacho de 12/3/2018 – que, tendo ela apresentado articulado onde se pronunciou sobre a excepção de caducidade arguida pela ré, na contestação, viu tal requerimento ser votado ao desentranhamento, com a justificação de que, nas circunstâncias dos autos, só em sede de audiência prévia deveria ocorrer tal pronúncia. De resto, o mesmo destino teve o requerimento de resposta que a ré apresentara subsequentemente.
Chegada a audiência prévia, sem que tivesse havido a arguição de qualquer irregularidade quanto ao seu objecto ou quanto aos termos em que decorreu, pronunciaram-se as partes sobre as suas posições e foi “dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para os efeitos do disposto no Art. 594º, nº 4 do CPC, os quais reiteraram as posições assumidas nos articulados”. Tudo isto consta da acta desta audiência, a 10/10/2018, na qual, depois de alguma controvérsia quanto ao aperfeiçoamento da alegação de alguma factualidade, o tribunal referiu expressamente a questão da caducidade. Fê-lo com o seguinte enunciado: “ Tendo em conta que estão em causa interesses materiais, o disposto no art. 354º, al. b) do Código Civil e a matéria controvertida, será tal excepção apreciada em sede da decisão final.”
Sucessivamente, realizou-se audiência de julgamento, onde as partes, através dos seus Ils. Mandatários tiveram oportunidade de produzir alegações sobre o que entenderam, não constando da respectiva acta que, designadamente quanto à matéria da caducidade, cuja apreciação o tribunal expressamente remetera para a sentença, tenha sido requerido o que quer que fosse.
Assim, tal como previamente anunciara, o tribunal apreciou a excepção de caducidade do direito da autora. Caso o não fizesse, aí sim, ocorreria uma nulidade por omissão de pronúncia.
Nestas circunstâncias, a decisão proferida de forma alguma pode ser qualificada como uma decisão surpresa. Com efeito, como se referiu no Ac. do STJ de 12/7/2018 (proc. nº 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, em dgsi.pt) “ A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspectivavam de decisões que já eram esperadas.”. No caso em apreço, pelo contrário, a autora bem sabia que a excepção de caducidade estava pendente de decisão e que o tribunal não deixaria de a apreciar. Por isso, quando a improcedência das suas pretensões foi decretada em consequência de ter sido dada por verificada essa mesma excepção, de forma alguma se pode concluir que tal tenha constituído uma decisão imprevisível e com a qual não podia contar.
Acresce que também se não pode concluir que à autora, na sequência do desentranhamento do articulado em que tratara de se pronunciar sobre tal excepção, em resposta à contestação, tenha sido vedada a oportunidade de exercer o contraditório quanto a tal matéria. Teve a audiência prévia e a audiência de julgamento para o fazer. E, se então se tivesse pretendido pronunciar e tal não lhe tivesse sido admitido, logo isso haveria de ser impugnado sob a arguição de correspondente nulidade. Porém, nada no processo revela que tenha ocorrido um tal procedimento, do que resulta prejudicada a afirmação de que lhe tenha sido impedido o exercício do contraditório, em momentos adequados, subsequentes àquela decisão de desentranhamento que, de per si, também não foi impugnada.
Por todo o exposto, só pode rejeitar-se a verificação da nulidade invocada, por excesso de pronúncia, consubstanciada pela prolação de uma decisão qualificável como decisão surpresa.
Improcederá, assim, nesta parte, a apelação.
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Uma outra nulidade vem ainda apontada à sentença recorrida, esta por omissão de pronúncia, por apenas incluir um juízo de caducidade relativamente ao direito à acção de investigação de paternidade, sem justificar o idêntico desfecho dirigido à acção de impugnação de paternidade.
Não se verifica, porém, uma tal omissão de pronúncia. Na sentença em crise, afirmou-se que a acção de impugnação e investigação de paternidade deveria ter sido proposta até 10/2/1974; considerou-se não ser inconstitucional a fixação de um prazo de 10 anos para a impugnação da paternidade; e depois foi feita a conjugação de um prazo de dez anos com o acréscimo de três anos previsto no nº 3 do art. 1872º. Por fim, no dispositivo da sentença, a excepção de caducidade foi expressamente referida também a pretensão de impugnação.
Constata-se, pois, inexistir omissão de pronúncia em relação à questão colocada sobre a caducidade do direito à acção de impugnação de paternidade, pois que nem a fundamentação usada, nem o dispositivo são omissos a referirem-se-lhe. Assim, as questões colocadas pela apelante sobre a qualidade e acerto da fundamentação e da solução enunciadas deverão ser discutidas em sede de avaliação do mérito da decisão, mas sem que se verifique o vício formal apontado.
Improcederá, pelo exposto, a apelação também nesta parte.
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A questão a resolver sucessivamente, descrita em 3º lugar, constitui o cerne do litígio, invocando a autora um erro de julgamento, por contradição na fundamentação, por aplicação do regime do art. 1817º à acção de impugnação e por erro na aplicação da al. c) do nº 3 do art. 1817º, por não se verificar a situação de paternidade omissa e porque a acção de investigação só poderia ser intentada nos 3 anos seguintes ao cancelamento da paternidade registada.
No caso sub judice, como bem interpretam apelante e apelada, temos uma cumulação de acções: uma acção de impugnação de paternidade e uma acção de investigação de paternidade.
Estando registada a paternidade da autora com referência ao marido da sua mãe, ao tempo do seu nascimento, ou seja, estando registada a sua filiação em relação a CC, resulta do disposto no art. 1848º nº 1 do C.Civil não ser possível o reconhecimento de outra filiação, enquanto aquele registo não for rectificado, declarado nulo ou cancelado.
Por isso, é inequívoca a precedência da impugnação de paternidade em relação à investigação de paternidade, seja em acção sucessivas, seja em acções cumuladas.
Tal precedência impõe que se verifique o êxito da acção de impugnação de paternidade para que, sucessivamente, se averigue da eventual procedência da acção de investigação.
De resto, sem prejuízo da admissibilidade da cumulação de acções numa só causa, elas apresentam sujeitos processuais diferentes e pressupostos também diferentes. Veja-se, nos próprios autos, a necessidade de fazer intervir II para assegurar a legitimidade passiva em relação à acção de impugnação. E veja-se a diferença existente quanto ao prazo para a propositura da acção de investigação que, nos termos do nº 2 do art. 1817º do C.Civil se prolonga pelos 3 anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório. Tal regra é aplicável, recorde-se, por remissão do art. 1873º do C. Civil.
Um tal regime, que merece a concordância da ora apelante, conforme resulta das suas alegações, é devidamente explicado no Ac. do STJ de 26-11-2020 (proc. nº 1303/17.0T8VCD.P2.S1, Relator TOMÉ GOMES, em dgsi.pt) que apresenta, na parte útil para o caso, o seguinte sumário: I. Nos termos do artigo 1848.º, n.º 1, para obter o reconhecimento judicial da paternidade terá de se remover o obstáculo da filiação em contrário constante do registo, mediante ação de estado para impugnação da paternidade constante do registo, se for o caso, sujeita aos prazos de caducidade estabelecidos no artigo 1842.º, n.º 1, do CC. II. Segundo o entendimento corrente, a ação de impugnação tanto pode ser instaurada, em simultâneo, sob a forma de pretensão cumulada, com a ação para o reconhecimento da paternidade, como poderá ser intentada autonomamente, sem prejuízo dos prazos de caducidade estabelecidos para a ação de investigação. III. A procedência da ação de impugnação da filiação registal implica o cancelamento do registo desta filiação nos termos do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código de Registo Civil, com o que fica eliminado o registo inibitório do reconhecimento de outra filiação de paternidade. IV. Em sintonia com isto, segundo o n.º 2 do artigo 1817.º, aplicável à ação de investigação da paternidade por via do artigo 1873.º do CC, se não for possível estabelecer a paternidade em consequência do disposto no n.º 1 do artigo 1848.º do mesmo Código, a ação de investigação da paternidade pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.”
Na sentença recorrida, embora com uma fundamentação algo difusa, o tribunal não deixou de concluir que, após a maioridade, a autora tinha o prazo de 10 anos para intentar a acção de impugnação. Apenas o tendo feito aos 64 anos, concluiu que há muito havia caducado o seu direito a impugnar a paternidade estabelecida em relação a si. E afirmou a constitucionalidade das normas que fixam um tal prazo de 10 anos, tido por proporcional para o exercício dos direitos em causa, afirmando a sua concordância “…com aqueles que entendem que a Constituição não impõe necessariamente a imprescritibilidade do direito de impugnar a paternidade…”. Depois, avançou ainda para a conclusão que igualmente se mostrava caducado o direito à acção de investigação da paternidade.
Para sindicar as duas soluções decretadas, e tendo presente o regime que vem de expor-se, cumprirá, antes de mais, aferir da invocada caducidade do direito à impugnação da paternidade constante do registo. Com efeito, se tiver caducado esse direito, não haverá alteração do registo da filiação da autora, quanto à paternidade, o que é de ordem a inibir uma sucessiva acção de investigação sobre a eventual realidade de outra filiação.
O art. 1839º do C. Civil define quem tem legitimidade e em que termos pode ser impugnada paternidade presumida nos termos do art. 1826º do C. Civil, isto é, presumida em relação ao marido da mãe. E, quando essa impugnação é deduzida pelo filho, como acontece no caso presente em que a autora é filha de EE, casada, ao tempo do nascimento daquela, com CC, o art. 1842º, nº 1 al. c) do C. Civil dispõe que “- A acção de impugnação de paternidade pode ser intentada: c) Pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.”
No que ao caso compete, o prazo a aplicar é o de dez anos, acima referido, pois não está em causa a hipótese de a autora ter tido em qualquer momento, nos últimos 3 anos, conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filha do marido da mãe. Nada a esse respeito foi alegado e o AUJ nº 4/2021, contrariamente ao que a autora afirma (questão nº 4, deste recurso), para os casos de investigação de paternidade, só fixou jurisprudência quanto à repartição do ónus da prova, não se alargando à imposição de um ónus de alegação naturalmente quase impossível de satisfazer. Com efeito, afirma-se nesse acórdão: “É verdade que uma vez decorrido o prazo de caducidade referido no n.º 1 do artigo 1817.º e pretendendo o investigante socorrer-se de alguma das situações previstas no n.º 3, designadamente da al. b), deve alegar na petição inicial as circunstâncias em que teve conhecimento dos factos que justificam a propositura da acção e designadamente que esse conhecimento lhe adveio já depois de decorrido o prazo referido no n.º 1 e em particular que o mesmo ocorreu nos três anos que a antecederam, sob pena de, não o fazendo e sendo a caducidade do conhecimento oficioso se arriscar a ver tal caducidade declarada por ser manifesto o decurso do prazo previsto no n.º 1 do citado preceito. Mas já não lhe compete provar que esse prazo especial de três anos não foi excedido.”
Assim, transpondo a solução desse AUJ para a hipótese de uma acção de impugnação como a presente, nem por isso se pode considerar que cabia à ré alegar que não foi nos últimos 3 anos que a autora soube de circunstâncias que lhe trouxeram o conhecimento de não ser filha do marido da mãe. Portanto, na falta dessa alegação, o prazo a aplicar, para aferir da alegada caducidade da acção de impugnação de paternidade é o de 10 anos a contar da maioridade ou da emancipação da autora.
Ora sem qualquer controvérsia, tal como consta da sentença recorrida, os autos permitiram apurar o seguinte:
a. A autora, nascida a .../.../1953, perfaria 21 anos a 10 de Fevereiro de 1974, atingindo então a maioridade, segundo o regime civil então vigente.
b. Autora casou catolicamente com HH, em .../.../1971, facto que levou à sua emancipação naquela data, quando perfez 18 anos, 7 meses e 2 dias;
c. 10 anos completados sobre a data de emancipação da autora, contar-se-iam quando esta perfizesse 28 anos, 7 meses e 2 dias, ou seja, a 12 de Setembro de 1981.
d. Na data da interposição da presente acção, a 28 de Novembro de 2017, há muito se ultrapassara aquela data e a Autora já tinha atingido a idade de 64 anos.
Em função da factualidade e asserções que antecedem, logo cumpre concluir que ao tempo da instauração da presente acção, quanto à pretensão de impugnação de paternidade, há muito tinha caducado o direito da autora, atento o disposto no art. 1842º, nº 1 al. c) do C. Civil.
Não se desconhece, em qualquer caso, a controvérsia sobre a imprescritibilidade do direito à impugnação da paternidade, em ordem à realização do direito à identidade pessoal e genética e ao desenvolvimento da personalidade, a construir sobre a coincidência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica. Como se conhece, em sentido contrário, doutrina e jurisprudência, designadamente a do Tribunal Constitucional, que vêm afirmando ser adequado e proporcional o regime de prazos estabelecido na al. c) do nº 1 do art. 1842º, em razão da ponderação de interesses relativos à estabilidade das relações jurídicas e à protecção dos demandados perante a perturbação da sua vida pessoal e familiar advinda de factualidade antiga e eventualmente diluída pelo tempo.
Será excessivo reproduzir aqui extensivamente a argumentação dessas duas correntes e os sucessivos acórdãos em que elas se vêm afirmando.
Cumpre, tão só, afirmar que, perante a estabilidade da jurisprudência constitucional no sentido de rejeitar a imprescritibilidade do direito à acção de impugnação de paternidade, admitindo, pelo contrário, a constitucionalidade do regime definido pelo art, 1842º do C. Civil, designadamente na al. c) do seu nº 1, aqui se aceitará essa solução, de resto reafirmada recentemente no Acórdão do T.C. nº 445/2021, de 23/6/21, (Processo nº 749/2020, Relator: José António Teles Pereira) que decidiu “a) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, que estabelece que a ação de impugnação da paternidade pode ser intentada, pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, quando aplicada aos casos em que o impugnante pretende não apenas a destruição do vínculo resultante do registo, mas também o estabelecimento da paternidade (…)”.
De todo o exposto decorre que, no caso em apreço, se deve ter por caducado o direito da autora à impugnação da paternidade que, no seu registo de filiação, se mostra estabelecida por presunção em relação a CC, marido da sua mãe.
Esta conclusão, mantendo esse registo de paternidade que, nos termos do art. 1848º, nº 1, do C. Civil, é inibitório do reconhecimento de diferente relação de paternidade, impede que se abra o prazo de caducidade de três anos subsequentes ao cancelamento do registo daquela paternidade presumida, estabelecido no n.º 2 do artigo 1817.º, aplicável por via do artigo 1873.º do CC., sendo certo que jamais estaria em causa a aplicação das hipóteses previstas nos nºs 1 e 3.
Por todo o exposto, não pode reconhecer-se à autora, igualmente, o direito à acção de investigação de paternidade.
Fica, assim, prejudicado o interesse de decidir as restantes questões, designadamente as respeitantes à alteração da matéria de facto.
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Em conclusão, cabe confirmar a decisão recorrida, na improcedência da presente apelação.
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Sumariando:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que integram esta secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente recurso de apelação, na confirmação da decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Registe e notifique.

Porto, 8/06/2022
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda