Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12722/21.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
PEDIDO RECONVENCIONAL
Nº do Documento: RP2022060812722/21.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Na acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, diferentemente do que se verifica no art. 30º do CPT, no qual a reconvenção está limitada aos factos jurídicos que servem de fundamento à acção, o art. 98º-L, ao remeter para o art. 266º do CPC, admite que o pedido reconvencional seja alicerçado em facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
II - A reconvenção admitida pelo art. 98º- L, nº3, afasta-se do regime comum, prescrito no art. 30º, sendo mais amplos os termos em que nela podem ser deduzidos pedidos.
III - O regime estabelecido naquele art. 98º-L, nº 3, prevê que a reconvenção possa, não apenas visar uma das finalidades enumeradas nas als. a) a d) do nº 2 do art. 266º do CPC, mas ser também deduzida “para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho”.
IV – Neste processo especial, o legislador concedeu ao trabalhador a possibilidade de exercitar créditos que sempre poderá peticionar com recurso ao processo declarativo comum e dentro do prazo prescricional do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho, decorrentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação.
V – Assim sendo, inexistem dúvidas que a reconvenção deduzida pelo trabalhador/Autor, nos termos daquele art. 98º-L, nº 3, é admissível quanto à questão suscitada do invocado assédio moral.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 12722/21.8T8PRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1

Recorrente: AA
Recorrida: A... S.A.


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Vem o presente recurso, em separado, interposto, por AA, residente na Rua ..., ... Porto, titular do Cartão de Cidadão ... e com NIF: ..., na acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a que deu início através da apresentação de requerimento no formulário próprio a que se referem os art.s 98º-C e 98º-D do CPT, (Código de Processo do Trabalho, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem) opondo-se à sanção de despedimento que lhe foi aplicada pela sua Entidade Empregadora, denominada “A... S.A.”, com sede na Quinta ..., Ed. ..., piso .., Rua ..., nº ., Quinta ..., ....-... ...., NIPC: ....
Designada e realizada a audiência de partes, a que alude o art. 98º-F, nº 1, conforme consta da acta datada de 07.09.2021, não se logrou alcançar o acordo entre as partes, tendo a Ré sido notificada para apresentar o articulado motivador do despedimento, o que fez, nos termos do requerimento junto em 22.09.2021, alegando, em síntese, os factos que imputa ao trabalhador, como fundamento da, alegada, justa causa do despedimento.
Termina, dizendo e requerendo que, “deverá o despedimento com justa causa do A. ser declarado regular e lícito, e a R. absolvida do pedido, devendo o A. ser condenado no pagamento de custas.”.
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O A. apresentou contestação e reconvenção, impugnando o alegado no articulado motivador e alegando, em síntese, que “o uso infundado do poder disciplinar por parte do empregador é ilegítimo e que os autos disciplinares in casu, em que assenta o despedimento do trabalhador não passam de mais uma tentativa da empregadora – desprovida de fundamentos de facto e de direito – para despedir um trabalhador produtivo e exemplar. Tudo na senda de um recente mas continuado assédio moral e uso do processo disciplinar como arma de desgaste do trabalhador, de verdadeiro terrorismo laboral”.
Mais, alega os factos fundamento do pedido reconvencional, terminando que:
“DEVE:
PEDIDO PRINCIPAL
A) O despedimento do Trabalhador pela Empregadora, ser declarado ilícito para todos os devidos e legais efeitos e, consequentemente, a Empregadora ser condenada na reintegração do Trabalhador no seu posto/categoria profissional e local de trabalho (estabelecimento) sem prejuízo de antiguidade e bem assim ser a Empregadora condenada a pagar ao Trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (Cfr. art.º389.º n.º1 al. b) e art.º390.º n.º1 do C.T) e a título de danos morais/não patrimoniais a importância de €15.000,00 ((Cfr. art.º389.º n.º1 al. a) do C.T);
DO PEDIDO RECONVENCIONAL
B) Ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional deduzido e em consequência:
bb) O despedimento do Trabalhador A. ser declarado ilícito para todos os devidos e legais efeitos, mormente os descritos em a);
bbb) Declarar-se que a empregadora R. praticou sobre o trabalhador A. assédio moral;
bbbb) ser a empregadora R. condenada a pagar ao trabalhador A. a título de indemnização por acto discriminatório a importância de €15.000,01 (quinze mil euros e um cêntimo);
bbbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A., a quantia por este despendida com consultas e medicamentos em consequência directa e necessária do comportamento assediante em montante a liquidar em execução sentença;
bbbbbb) A Empregadora R. ser condenada a pagar ao Trabalhador A. juros à taxa legal sobre as quantias vencidas e peticionadas desde a data do respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento;”.
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A R. respondeu à reconvenção do A., nos termos do requerimento junto, em 29.10.2021, desde logo, impugnando todos os factos alegados pelo A., alegadamente, por não corresponderem à verdade e mantém tudo quanto afirmou em sede disciplinar e de articulado motivador.
Conclui e requer que, “deverá o despedimento com justa causa da A. ser declarado regular e lícito, e a R. absolvida dos pedidos, devendo o A. ser condenado no pagamento das respectivas custas de parte.”.
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Foi designada a realização de Audiência Prévia e, em sede da mesma, conforme decorre da acta de 18.01.2022, frustrada a tentada conciliação das partes, foi proferido pela Mm.ª Juiz, quanto ao pedido reconvencional, o seguinte DESPACHO:
“O objecto do litígio consiste na apreciação da regularidade e licitude do despedimento que foi aplicado ao Autor, bem como na determinação dos pedidos que decorrem da ilicitude invocada, pelo que se indefere o pedido reconvencional formulado pelo A. na parte em que consiste em na apreciação da existência de assédio moral, de que o demandante terá sido vítima pela entidade empregadora, por não apresentar qualquer conexão directa com os factos que vêm descritos no procedimento disciplinar e que constituem o objecto dos autos, objecto a esse que o Tribunal está vinculado. Entende, por isso, o Tribunal que este pedido reconvencional é inadmissível e por isso mesmo desde já o indefere liminarmente.
Este despacho está gravado no sistema integrado de gravação digital disponível neste Tribunal, no H@bilus Citius com início a 09:56:09 e término em 10:18:28, absolvo a Ré desta parte do pedido.
Fixo o valor da reconvenção agora indeferida parcial e liminarmente em €15.000,00.
Custas pelo Autor nesta parte.
Registe e notifique.”.
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Inconformado com esta decisão, “indeferimento liminar de parte do pedido reconvencional deduzido e, consequente absolvição da Ré dessa parte do pedido” o Autor apresentou recurso, nos termos das alegações juntas em 31.01.2022, que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES
A) COM A CONTESTAÇÃO APRESENTADA NOS PRESENTES AUTOS O TRABALHADOR DEDUZIU RECONVENÇÃO FUNDADA EM FACTOS QUE CONSUBSTANCIAM POR BANDA DA EMPREGADORA RÉ DE VIOLAÇÃO DA INTEGRIDADE MORAL DO TRABALHADOR AUTOR, PRÁTICA DE ASSÉDIO MORAL E DISCRIMINAÇÃO TENDO EM CONSEQUÊNCIA FORMULADO PEDIDO INDEMNIZATÓRIO POR ACTO DISCRIMINATÓRIO E ASSEDIANTE E DANOS NÃO PATRIMONIAIS/MORAIS – TODOS ELES COM ARRIMO LEGAL NA PREVISÃO DOS ARTIGOS 15.º, 24.º, 28.º, 29.º, 127.º N.º 1 AL A) DO CT;
B) O ARTIGO 98.º-L N.º 3 DO CPT QUE PERMITE QUE O TRABALHADOR DEDUZA RECONVENÇÃO COM A APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO PERMITE AO TRABALHADOR RECONVIR PARA PETICIONAR TODO E QUALQUER CRÉDITO LABORAL, MORMENTE OS QUE SE PETICIONARIAM SOB A ESPÉCIE/FORMA DE ACÇÃO COMUM, EXCLUINDO APENAS E EVENTUALMENTE AQUELES QUE CORRESPONDAM A UMA FORMA ESPECIAL DE PROCESSO;
C) O PEDIDO RECONVENCIONAL DEDUZIDO AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 98.º- L N.º 3 DO CPT APENAS EXIGE QUE OS CRÉDITOS PETICIONADOS SEJAM CRÉDITOS EMERGENTES DO CONTRATO DE TRABALHO, DA SUA VIOLAÇÃO OU DA SUA CESSAÇÃO E A ESPÉCIE PROCESSUAL APLICÁVEL À SUA RECLAMAÇÃO E TRAMITAÇÃO SEJA COMPATÍVEL E/OU ADEQUÁVEL;
D) O DISPOSTO NO ARTIGO 98.º-L N.º 3 DO CPT NÃO EXIGE QUE O PEDIDO RECONVENCIONAL DECORRA DO FACTO JURÍDICO QUE SERVE DE FUNDAMENTO À ACÇÃO (ENCARADO ESTE EM SENTIDO ESTRITO) MAS APENAS QUE DECORRA DA RELAÇÃO LABORAL (CONTRATO TRABALHO) E DA SUA VIOLAÇÃO OU CESSAÇÃO;
E) A DEDUÇÃO DE RECONVENÇÃO FUNDADA EM FACTOS QUE CONSUBSTANCIAM VIOLAÇÃO DA INTEGRIDADE MORAL, ASSÉDIO E DISCRIMINAÇÃO E PEDIDO EM INDEMNIZAÇÃO POR ACTO DISCRIMINATÓRIO E ASSEDIANTE E DANOS NÃO PATRIMONIAIS/MORAIS – TODOS ELES COM ARRIMO LEGAL NA PREVISÃO DOS ARTIGOS 15.º, 24.º, 28.º, 29.º, 127.º N.º 1 AL A) DO CT – É ADMISSÍVEL NA ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 98.º-L N.º 3 DO CPT;
F) AO CONSIDERAR INADMISSÍVEL E REJEITAR LIMINARMENTE A RECONVENÇÃO DEDUZIDA PELO TRABALHADOR AUTOR NOS PRESENTES AUTOS – FUNDADA EM FACTOS QUE CONSUBSTANCIAM VIOLAÇÃO DA INTEGRIDADE MORAL, ASSÉDIO E DISCRIMINAÇÃO E CONCLUINDO COM PEDIDO EM INDEMNIZAÇÃO POR ACTO DISCRIMINATÓRIO, ASSEDIANTE E DANOS NÃO PATRIMONIAIS/MORAIS - O TRIBUNAL A QUO VIOLOU O DISPOSTO NO ARTIGO 98.º-L DO CPT;
G) CASO SE ENTENDA MANTER A REJEIÇÃO LIMINAR DA RECONVENÇÃO, AO ABSOLVER O RÉU DO PEDIDO, NA DECORRÊNCIA DO INDEFERIMENTO LIMINAR DA RECONVENÇÃO, TAMBÉM O TRIBUNAL A QUO INCORREU EM VIOLAÇÃO DE LEI OU ERRADA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO, NA MEDIDA EM QUE O INDEFERIMENTO LIMINAR DA RECONVENÇÃO, NOS TERMOS DA LEI DITA A ABSOLVIÇÃO DA RÉ DA INSTÂNCIA E NÃO DO PEDIDO, IMPONDO-SE A SUBSTITUIÇÃO NA DECISÃO EM CRISE DA ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO PELA DA INSTÂNCIA.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.ª EX.ª DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE ESTE SEGMENTO DECISÓRIO SER REVOGADO E, EM CONSEQUÊNCIA:
I) SER ADMITIDA A RECONVENÇÃO DEDUZIDA PELO AUTOR COM FUNDAMENTO EM FACTOS QUE CONSUBSTANCIAM VIOLAÇÃO DA INTEGRIDADE MORAL, ASSÉDIO E DISCRIMINAÇÃO E PEDIDO EM INDEMNIZAÇÃO POR ACTO DISCRIMINATÓRIO E ASSEDIANTE E DANOS NÃO PATRIMONIAIS/MORAIS POR TAL DECORRER DA VIOLAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL;
II) CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA DEVE SER REVOGADA A ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO DECIDIDA PELO TRIBUNAL A QUO, SUBSTITUINDO-SE ESTA PELA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA.”.
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A R. apresentou contra-alegações, as quais terminou com as seguintes, “CONCLUSÕES:
I – Bem andou o Tribunal a quo quando decidiu indeferir parcial e liminarmente o pedido reconvencional do Recorrente referente a alegado comportamento discriminatório por parte da Recorrida.
II – Efectivamente o pedido reconvencional na parte em que foi indeferido liminarmente pelo Tribunal a quo não se enquadra em nenhuma das circunstâncias previstas no art 98º L do CPT.
III – Com efeito, o pedido em apreciação no presente recurso não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, nem com ele tem nenhuma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência.
IV – O Recorrente alega uma série de factos ocorridos alguns há mais de 15 anos que a Recorrida desconhece em absoluto e que nunca lhe foram reportados pelo Recorrente.
V – A maior parte deles no tempo em que era chefiado pelo Sr BB que já não presta serviço à aqui Recorrida e que veio apenas agora alegar em sede da presente acção quando a Recorrida enquanto sua entidade empregadora procedeu ao seu despedimento com justa causa, razão pela qual foram os mesmos impugnados para os devidos e legais efeitos.
VI – O que não restam dúvidas é que tais factos não têm qualquer relação directa ou indirecta com os factos jurídicos que servem de fundamento à presente acção, os quais se prendem com os factos ocorridos no dia 03 de Novembro de 2020 e imputados ao aqui Recorrente.
VII - Note-se que os nomes indicados pelo aqui Recorrente como agentes de alegado assédio contra o aqui recorrente já não são colaboradores da aqui Recorrida e nenhum deles teve qualquer participação ou envolvimento nos factos que fundamentam a justa causa de despedimento.
VIII – Também o pedido reconvencional indeferido liminarmente pelo Tribunal a quo não tem subjacentes factos relativos à licitude ou ilicitude do despedimento em apreciação.
IX – Da análise das peças processuais juntas aos autos e que instruem o presente recurso facilmente se conclui que os factos subjacentes ao pedido reconvencional em apreciação no presente recurso não têm qualquer conexão com os factos jurídicos que servem de fundamentação à presente acção.
X – Pelo que, no cumprimento da Lei, outra alternativa não restava ao Tribunal a quo que não fosse indeferir liminarmente o pedido do Recorrente parcial e liminarmente.
Termos em que deve ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, “cfr. artigos 79º, 79ºA nº 1 al. b), 80º, 81º, 83º nº 1 e 83ºA nº 2 todos do C.P.P.”
Pronunciou-se, ainda, a Mª Juíza “a quo” dizendo que, “O valor do referido pedido foi fixado no âmbito da diligência acima referida” e ordenou, após instrução do apenso, a sua subida a este Tribunal.
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O Ministério Público não emitiu parecer, nos termos do art. 87º nº 3, com o argumento de lhe estar vedada essa possibilidade, dado a questão em apreço ser eminentemente processual.
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Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se, o Tribunal “a quo” errou, ao indeferir parcial e liminarmente o pedido reconvencional e absolver a Entidade Empregadora dessa parte do pedido, como defende o recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar para apreciação da questão, são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram devidamente demonstrados nos autos.
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Analisando.
Na acção a que estes se encontram apensos, o trabalhador contestou e deduziu reconvenção e formulou, nesta sede, o pedido de condenação da Ré/Empregadora a título de indemnização por acto discriminatório e assediante.
Pedido que, “na parte em que consiste na apreciação da existência de assédio moral, de que o demandante terá sido vítima pela entidade empregadora”, como consta do despacho recorrido, “por não apresentar qualquer conexão directa com os factos que vêm descritos no procedimento disciplinar e que constituem o objecto dos autos”, foi liminarmente indeferido pelo Tribunal “a quo”.
Discorda o A./recorrente invocando que ao proferir aquela decisão o Tribunal “a quo” violou a lei, em concreto, o disposto no art. 98º-L.
Que dizer?
Desde logo que, no capítulo do Código de Processo do Trabalho que regula sobre, a acção de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento, como é o caso, o art. 98º-C, nº 1 dispõe o seguinte: “1.– Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.
Por sua vez, o art. 98º-L, dispõe que: “1 – Apresentado o articulado de motivação do despedimento a que se referem os n.os 1 e 2 do artigo anterior, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias, contestar, querendo.
(…)
3 – Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho, independentemente do valor da ação”.
Decorre, assim, do exposto que, no âmbito da acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no nº 2 do art. 266º do Código de Processo Civil, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho da sua violação ou cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 389º do Código de Trabalho, independentemente do valor da acção.
Se é certo que, no âmbito daquele mesmo Código de Processo Trabalho, sobre a admissibilidade da reconvenção, o seu art. 30º, nº 1, dispõe que, “Sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 98º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e nos casos referidos na alínea o) do artigo 126º da Lei nº62/2013, de 26 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal”, o que se verifica é que a reconvenção admitida pelo art. 98º-L, nº 3, afasta-se deste art. 30º sendo, naquele, mais amplos os termos em que podem ser deduzidos pedidos.
Com efeito, e tendo em conta o teor da 1ª parte do nº1, do art. 30º “Sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 98º-L” e, ainda, o que dispõe o nº3 do art. 98º-L, inexistem dúvidas de que o legislador afastou-se, no que respeita à acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, do regime estabelecido naquele art. 30º.
Nela, se a dedução do pedido reconvencional é possível quando o pedido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa (onde se englobam todos os decorrentes da ilicitude do despedimento) e quando se propõe obter a compensação. Na reconvenção pode, também, o trabalhador peticionar “créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação”, na redacção introduzida pela Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 389º do Código do Trabalho, independentemente do valor da acção.
A propósito da reconvenção formulada pelo trabalhador em acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, diz (Joana Vasconcelos in Comentário aos artigos 98º-A a 98º-P do Código de Processo do Trabalho, pág. 78) que ao trabalhador é consentido, em face do disposto na al. c) do nº3 do art. 98º-J, formular “pedidos que vão além dos efeitos jurídicos da ilicitude do despedimento” (…) “O mesmo cabe dizer do nº3 do artigo 98º-L, que numa desconcertante sucessão de singularidades face às regras comuns, permite ao trabalhador «deduzir reconvenção», nos casos previstos no CPC, «bem como peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, independentemente do valor da acção». E, mais adiante, (obra citada, pág.s 104 e 105) a propósito daquele art. 98º-L, nº3, refere, “A finalidade visada com o apontado alargamento ex lege do âmbito da reconvenção – possibilitar ao trabalhador fazer valer neste processo, e sem ter de intentar outro para o efeito, todos os créditos laborais que detenha contra o empregador, qualquer que seja a sua causa, afasta, em nosso entender, uma leitura restritiva, cingida à letra deste preceito” (…) “dir-se-á que a parte final do nº3 deste artigo 98º-L abarca o pedido de todo e qualquer crédito resultante da relação laboral quaisquer créditos «emergentes da execução do contrato de trabalho ou que sejam exigíveis em razão da sua cessação». Posição que, aliás, reforça no seu livro “Direito Processual do Trabalho”, página 128.
Obra onde, também, refere (pág.126) que, “(…) a dedução pelo trabalhador de pedidos contra o empregador não se traduz numa reconvenção próprio sensu; bem pelo contrário, qualquer das hipóteses comtempladas no nº 3 do art. 98º-L do CPT se traduz na dedução, pelo primeiro, autor, contra o segundo, réu, de mais pedidos, para além dos emergentes da declaração da ilicitude do despedimento contidos no requerimento- formulário.
Neste mesmo sentido, são os doutos (Acórdãos desta Secção Social de 24.09.2018, relatora a Desembargadora Fernanda Soares (ao que supomos inédito) e de 08.06.2017, relator o Desembargador Jerónimo Freitas in www.dgsi.pt), lendo-se no sumário deste último, na parte que releva, o seguinte:
I - A reconvenção admitida pelo art.º 98.º L/3 CPT afasta-se do art.º 30.º do CPT, sendo mais amplos os termos em que podem ser deduzidos pedidos.
II - Em primeiro lugar, a dedução de pedido reconvencional é possível “nos casos previstos no n.º2, do art.º 274.º n.º 2 do CPC (…)”, ou seja, nos termos do n.º2, do correspondente art.º 266.º do actual CPC. Vale isto por dizer, quando o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa e quando se propõe obter a compensação. Naqueles primeiros, englobam-se todos os decorrentes da ilicitude do despedimento, nomeadamente os estabelecidos nos artigos 389.º e 390.º e 391.º do CT/09.
III - Em segundo lugar, na reconvenção pode também o trabalhador peticionar “créditos emergentes do contrato de trabalho”, por exemplo, reportados a férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias por pagar, retribuições em atraso, trabalho suplementar, etc.”.
Em suma, o que se verifica é que, com a redacção introduzida pela Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro, inexistem hoje quaisquer dúvidas que o legislador concedeu ao trabalhador a possibilidade de exercitar, neste processo especial, créditos que sempre poderá peticionar com recurso ao processo declarativo comum e dentro do prazo prescricional do artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, decorrentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação.
Donde, no caso, não se compreender, o referido no despacho recorrido, quando diz que o “objecto do litígio consiste na apreciação da regularidade e licitude do despedimento que foi aplicado ao Autor, bem como na determinação dos pedidos que decorrem da ilicitude invocada” e, nessa medida, indeferiu o pedido em causa.
Pois, face ao que se deixou exposto, no caso, não há dúvida que a reconvenção deduzida pelo trabalhador/Autor é também admissível quanto à questão suscitada do invocado assédio moral, na medida em que, como se disse, nos termos do art. 98º-L, nº 3, o trabalhador pode deduzir reconvenção para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação onde, naturalmente, se inclui a peticionada indemnização resultante da alegada prática de assédio moral discriminatório.
Razão porque, consideramos que a reconvenção deduzida pelo trabalhador é também admissível quanto ao pedido indemnizatório por invocados comportamentos discriminatórios e assediantes da empregadora de que o A., alegadamente, terá sido vitima, e a decisão recorrida não pode manter-se.
Assim sendo, procede, com tais fundamentos, a apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar a apelação procedente e revogar o despacho que não admitiu o pedido reconvencional formulado, na parte em que consiste na apreciação da existência de assédio moral e condenou o Autor, nesta parte das custas, o qual se substitui pelo presente acórdão, devendo a Mª Juíza “a quo” admitir liminarmente esse pedido e fazer prosseguir os autos quanto à apreciação do mesmo.
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Custas a cargo da recorrida.
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Porto, 8 de Junho de 2022
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão