Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1928/20.7T8PNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROVA PERICIAL
INDICAÇÃO DO SEU OBJECTO
DESISTÊNCIA
ANUÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA
PROSSEGUIMENTO DA DILIGÊNCIA
Nº do Documento: RP202112021928/20.7T8PNF-A.P1
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A perícia pode ser requerida por uma ou mais partes, exigindo-se, todavia, sob pena de rejeição, que com o respectivo requerimento seja logo indicado o seu objecto e enunciadas as questões de facto cujo esclarecimento se pretende obter através da referida diligência, que tanto se pode reportar aos factos articulados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária.
II - A desistência da perícia é totalmente livre quando surja em momento processual que permita à contraparte requerer a realização de prova pericial, sem qualquer limitação.
III - Fora desse caso, ela depende da anuência da parte contrária, que para alguns autores tem de ser expressa, outros entendendo, numa leitura mais liberal e actualista do artigo 474.º do Código de Processo Civil, que apenas se exige a notificação da parte contrária para que, querendo o prosseguimento da perícia, assim o declare.
IV - Um réu não ocupando no processo posição de parte contrária em relação a um réu no mesmo processo, embora cada um deles assumindo defesas separadas, não tem de anuir à desistência da perícia manifesta pelo co-réu, nem pode requerer o prosseguimento da diligência em causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1928/20.7T8PNF-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. Na acção declarativa com processo comum que B… e esposa, C… propuseram contra os Réus:
1.ª D… e
2.º E…,
veio o 2.º Réu, na contestação apresentada, requerer prova pericial com o seguinte objecto:
1. Qual a data em que foi escrito o contrato promessa – D. 3 junto com a P.I. -.
2. Qual a data da impressão da letra de câmbio – D, 1 junto com a P.I. -.
3. Qual a data em que foram apostos na letra de câmbio os manuscritos que dela constam.
4. A manter-se no original da letra o “apagão” que é visível na que se mostra juta aos autos a seguir a “AE”, no canto superior esquerdo, a análise do facto com vista à leitura do escrito apagado ou obliterado”.
No decurso da audiência prévia, realizada a 9.12.2020, foi proferido o seguinte despacho: “Vai deferida a prova pericial com o objecto proposto pelo co-Réu ainda, aguardando-se a junção ordenada dos documentos originais sobre os quais há-de recair a perícia. Defere-se a realização da perícia à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. DN. Oportunamente”.
Com data de 16.04.2021 proferiu-se despacho com o seguinte teor: “Junta que se mostra a documentação imprescindível diligencie-se pela prova pericial ordenada”.
Em 26.04.2021 o Réu E… apresentou requerimento com a referência 3866042 no qual, entre o mais, declara: “O R. desiste da perícia à letra junta aos autos”, na sequência do que foi proferido o seguinte despacho, a 11.05.2021: “Vista a desistência da perícia requerida, não haverá lugar à mesma”.
A 29.06.2021 a co-Ré D… apresentou requerimento com a referência 39307725, no qual, alegando que o co-Réu desistiu da perícia à letra junta aos autos, o que foi aceite pelo Tribunal, alegando que, certamente por lapso da Secção de Processos, não foi ainda solicitada a perícia do contrato promessa, requer que seja ordenada àquela Secção que “oficie à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, para que esta proceda à realização da sobredita perícia ao contrato promessa”.
A 30.06.2021 o co-Réu E… veio aos autos esclarecer que “a prova já produzida nos autos é absolutamente suficiente para se concluir pela “fabricação” do contrato promessa”, considerando inútil a realização da perícia em causa, adiantando que só por lapso não desistiu da perícia na sua globalidade no requerimento de 26.04.2021.
Finda o seu requerimento nos seguintes termos: “Em cumprimento do princípio da limitação dos actos processuais do art. 130º do C.P.C. R. a V. Exª que, nos termos do art. 6.º do C.P.C., se digne julgar inútil a perícia em causa, com as devidas consequências, seguindo o processo os seus ulteriores termos até final”.
Com data de 30.06.2021 foi proferido o seguinte despacho: “Indefere-se a realização de qualquer exame pericial, mormente o longinquamente ordenado, uma vez que dele tendo desistido a parte que o requereu (tendo-se interpretado convenientemente a desistência nos termos agora reiterados pela parte), não há lugar à sua realização, pelo que perfeitamente correcta e adequada a “inércia” da secção, que resulta da perfeita “leitura” dos autos e sua tramitação. Ao invés já da Ex.ma requerente. Com efeito, não resulta dos autos o requerimento oportuno pela parte que agora pretende o “prosseguimento” da perícia, no sentido de a mesma ter interesse autónomo e independente. Apenas a não oposição à realização pretendida pelo Co-Réu (com efeitos limitados a custas, pois). Ainda que se sufragasse e assim não sucede, pelo exposto, uma interpretação mais “benévola” ou “liberal”, admitindo-se a manifestação de interesse pela parte após a desistência da contraparte, sempre perfeitamente extemporâneo o requerimento agora formulado, quando se considere a manifestação nos autos, conhecida, da desistência da desistência, há larguíssimo tempo, como o reconhece a requerente.
Tudo para concluir pela falta de fundamento para a realização agora da perícia que, consequentemente, se indefere”.
2. Não se conformando com tal decisão a Ré D…, dela veio interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
1ª – Encontra-se junto à p.i., como Doc. nº 3, um contrato-promessa de compra e venda, outorgado entre os autores e os co-réus.
2ª - Na sua douta contestação, o co-réu/recorrido E… requereu prova pericial por exame, ao contrato-promessa, a realizar pelo Laboratório Cientifico da Policia Judiciária, com o seguinte objeto: Qual a data em que foi escrito o contrato-promessa – Doc. 3 junto com a p.i.
3ª - Em 9 de Dezembro de 2020, aquando da realização da sobredita Audiência Prévia, a Mª Juiz “a quo”, depois de ter ordenado a notificação dos AA para, em 15 dias, juntarem aos autos o original da letra e do contrato promessa identificado na Petição, proferiu o seguinte despacho

G) Vai deferida a prova pericial com o objeto proposto pelo co-réu ainda, aguardando-se a junção ordenada dos documentos originais sobre os quais háde recair a perícia. Defere-se a realização da perícia à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
4ª - No dia 5 de Abril de 2021, os Autores/recorridos procederam à entrega, em mão, junto da Seção Central do Tribunal “a quo”, do original do referido contrato-promessa, com vista à realização da perícia supra mencionada.
5ª - Em 16 de Abril p.p., a Mª Juíz “a quo” proferiu o seguinte despacho:

“Junta que se mostra a documentação imprescindível diligencie-se pela prova pericial ordenada”
6ª - Mediante requerimento, datado de 26/04/2021, com a Ref.ª 38668042, o co-réu E…, ora recorrido, ao formular a sua conclusão, disse o seguinte:

2. “O R. desiste da perícia requerida à letra junta aos autos”
7ª - Nesse requerimento, o co-réu, ora recorrido, não desistiu da perícia tendente a apurar: “Qual a data em que foi escrito o contrato-promessa – Doc. 3, junto com a p.i.”
8ª – Aliás, nem se pronunciou sobre esta perícia ao contrato,
9ª - Em 11 de Maio de 2021, a Mª Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Vista a desistência da perícia, não haverá lugar à mesma”
10ª - Ora, se o co-réu, ora recorrido, apenas desistiu da perícia requerida à letra junto aos autos, conforme resulta da conclusão art. 6ª supra,
11ª - É manifesto que, o douto despacho datado de 11/05/2021, ao referir que a “vista a desistência da perícia, não haverá lugar à mesma”, conjugado com o requerimento, datado de 26/04/2021, do ora recorrido, em que este desiste da perícia requerida à letra junta aos autos, apenas se podia pronunciar sobre a desistência da perícia à letra, pois que,
12ª - O co-réu, E…, ora recorrido, em 26/04/2021, apenas e tão só, desistiu da perícia requerida à letra junto aos autos – Vide Doc. nº 4 e a Conclusão 6ª
13ª - Jamais, o dito co-réu, ora recorrido, desistiu da perícia ao contratopromessa, tendente a apurar qual a data em que o mesmo foi escrito.
14ª – Em 29/06/2021, a aqui signatária, através de consulta ao Citius, constatou que a Seção de Processos, ainda não tinha solicitado à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a realização da perícia ao contratopromessa, junto como Doc. 3 à p.i., com o objeto proposto pelo co-réu, ora recorrido, em conformidade com o ordenado pela Mª Juíz “a quo” em 16/4/2021
15ª - Por essa razão, nesse mesmo dia, a aqui recorrente solicitou à Mº Juiz “a quo” que ordenasse à Seção de processos, que oficiasse à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, para que esta procedesse à realização da perícia ao contrato-promessa, solicitada pelo co-réu, ora recorrido.
16º - O co-réu, ora recorrido, mediante requerimento, datado de 30 de Junho p.p., veio requerer, à Mº Juíz “a quo”, que em cumprimento do princípio da limitação dos atos processuais do art. 130º do CPC, julgasse inútil a perícia em causa
17ª - Ou seja, o co-réu não desistiu da perícia ao contrato-promessa,
18ª - Nem tão pouco disse que já tinha desistido dessa mesma perícia.
19º - Sucede que, em 30 de Junho p.p. a Mª Juiz “a quo”, certamente por lapso, proferiu o seguinte despacho a propósito do solicitado pela aqui recorrente:


B) Indefere-se a realização de qualquer exame pericial, mormente o longinquamente ordenado, uma vez que dele tendo desistido a parte que o requereu (tendo-se interpretado convenientemente a desistência nos termos agora reiterados pela parte), não há lugar à sua realização
….
Ainda que se sufragasse e assim não sucede, pelo exposto, uma interpretação mais “benévola” ou “liberal”, admitindo-se a manifestação de interesse pela parte após a desistência da contraparte, sempre perfeitamente extemporâneo o requerimento agora formulado, quando se considere a manifestação nos autos, conhecida, da desistência da diligência, há larguíssimo tempo….
Tudo para concluir pela falta de fundamento para a realização agora da perícia, que, consequentemente, se indefere. “
20ª - Ora, como já se disse, o recorrido, em 26/04/2021 apenas desistiu da Perícia à Letra, - vide Doc. nº 4
21ª - Jamais desistiu da perícia ao contrato promessa, a fim de apurar em que data o mesmo foi escrito,
22ª – Comprovativo do acabado de expor, é o facto de o próprio co-réu, ao pronunciar-se sobre o requerimento da recorrente (Vide Conclusão 15ª) – ter arguido a inutilidade da realização da Perícia – Vide Conclusão 16ª - e jamais ter invocado que desistiu da mesma.
23ª - Pelo que, a Mª Juiz “ a quo” ao indeferir a realização de qualquer exame pericial (ao contrato-promessa)
24ª - Sustentando esse indeferimento no facto de o co-réu dele ter desistido, “há larguíssimo tempo” -
25ª - O que jamais aconteceu,
26ª – Incorreu, salvo o devido respeito, em manifesto erro de interpretação do requerimento do co-réu, com a Refª 38668042, apresentado em 26/4/2021, na medida em que interpretou tal requerimento no sentido de que o mesmo também versava sobre a desistência da perícia ao contrato-promessa, quando nesse requerimento o co-réu apenas peticionou a desistência da perícia requerida à letra junta aos autos.
27ª - Para o caso de V.Exas, Venerandos Desembargadores, não sufragarem tal entendimento, - o que só por mera hipótese de raciocínio se concede – e considerarem que naquele requerimento com a Refª. 38668042, houve desistência, por parte do co-réu, ora recorrido, da perícia ao contratopromessa, como pela primeira vez é sustentado no douto despacho recorrido, sempre se dirá que,
28ª - A Mª Juíz a quo, violou o disposto no art. 474º do CPC e o Principio do contraditório, previsto no art. 3º nº 3 do CPC, ao considerar que houve uma desistência da perícia ao contrato-promessa, - que nunca aconteceu - sem que previamente tivesse sido notificada a aqui recorrente, para dar a sua anuência, - anuência da contraparte essa, que é legalmente obrigatória
TERMOS EM QUE, deve ser concedido provimento ao p. recurso, revogando o douto despacho recorrido, por outro que admita a realização da perícia ao contrato-promessa (Doc. 3 junto com a p.i.) com vista a apurar qual a data em que o mesmo foi escrito, perícia essa que deverá realizada pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (LEDEM)”.
O apelado apresentou contra-alegações, nas quais, como questão prévia, sustenta a inadmissibilidade do recurso, por ilegitimidade e falta de interesse em agir da recorrente, devendo, como tal ser rejeitado, pugnando, em todo o caso, pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
No despacho proferido a 17.09.2021, a senhora juiz da primeira instância tomou posição quanto à invocada ilegitimidade e falta de interesse em agir da recorrente, concluindo não ocorrer qualquer uma delas, admitindo, por isso, o recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar deve ser deferida a pretensão da reclamante quanto ao prosseguimento da perícia ao contrato promessa.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos relevantes à apreciação do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A perícia pode ser requerida por uma ou mais partes, exigindo-se, todavia, sob pena de rejeição, que com o respectivo requerimento seja logo indicado o seu objecto e enunciadas as questões de facto cujo esclarecimento se pretende obter através da referida diligência, que tanto se pode reportar aos factos articulados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária[1].
Nos termos do artigo 476.º a lei processual civil,
1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
Com a contestação que juntou aos autos, o Réu E… requereu a realização de prova pericial, cujo objecto expressamente indicou.
No decurso da audiência prévia foram Autores e a Ré D… ouvidos acerca do requerido meio de prova. Sem manifestação de adesão ao mesmo, não requerendo a sua ampliação, ou objecto distinto, limitaram-se a declarar nada terem a opor à realização da prova pericial requerida pelo Réu E….
Após deferida a sua realização, o requerente da prova pericial veio aos autos declarar o seguinte: “O R. desiste da perícia à letra junta aos autos”.
Mais de um mês volvido sobre o despacho proferido a 11.05.2021, onde se especifica que, face à desistência da perícia, a mesma não se realizará, a Ré D…, invocando lapso por parte da secção[2], que não providenciou para que fosse realizada a perícia ao contrato promessa, requereu que fosse solicitada a sua realização à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Apesar dos esclarecimentos prestados pelo co-Réu E… no seu requerimento de 30.06.2021 e do assertivo despacho judicial proferido na mesma data, insiste a Ré D… pela realização da perícia ao contrato promessa com o argumento de que o Réu E… apenas desistiu da perícia à letra.
A vontade real do Réu, ao manifestar-se no sentido que desiste da perícia à letra junta aos autos, sempre haveria de ser determinada de acordo com o sentido que um declaratário normal, medianamente diligente e esclarecido, colocado na posição do real declaratário, pudesse extrair do comportamento do declarante[3].
Ora, à luz dum declaratário médio e medianamente sagaz, a declaração do réu não comporta outro sentido que não seja a desistência da prova pericial por si requerida, incluindo a parte em que devia incidir sobre o contrato promessa.
E essa certeza é reforçada pelos esclarecimentos prestados pelo requerente da perícia através do seu requerimento de 30.06.2021 onde, depois de referir que “a prova já produzida nos autos é absolutamente suficiente para se concluir pela “fabricação” do contrato promessa”, adianta que “só por lapso o Reqte não desistiu da perícia na sua globalidade no requerimento de 26.04.2021, induzido pelo tema principal do requerimento, a letra”.
Desta forma, se dúvidas pudessem existir quanto ao verdadeiro sentido e alcance da declaração do Réu E… ao desistir da perícia, com o seu requerimento de 30.06.2021, que traduz a sua vontade real, as mesmas deixariam definitivamente de subsistir.
A persistência da recorrente, insistindo em atribuir à declaração do co-Réu uma interpretação que a mesma não consente e que ele próprio enjeita, só pode ser entendida como um meio de alcançar objectivos esconsos, designadamente o de protelar a realização do julgamento, tendo, de resto, requerido o seu adiamento quando pediu o prosseguimento da perícia sobre o contrato promessa mais de um mês decorrido sobre a vontade expressa do co-Réu de desistir da diligência probatória por si requerida, e por cuja realização, em momento oportuno, a mesma não manifestou qualquer interesse.
Segundo o artigo 474.º do Código de Processo Civil, “A parte que requereu a diligência não pode desistir dela sem a anuência da parte contrária”.
O normativo em causa, que reproduz integralmente o artigo 576.º do anterior diploma, e o antecedente artigo 584º, § único, do Código de 1939, tem a sua razão, na explicação de Alberto dos Reis[4] na “necessidade de evitar que a parte contrária seja vítima de manobra astuciosa do requerente”, pois, a não existir tal previsão legal, poder-se-ia configurar a situação de que “requerido arbitramento por uma das partes, a outra abstinha-se de o requerer, fiada que aproveitaria a diligência promovida pelo seu antagonista para formular quesitos sobre factos que lhe interessaria fazer averiguar; passado o prazo legal fixado no art. 584º, o requerente desistiria do exame ou vistoria e colocaria a parte contrária perante a impossibilidade de se servir deste meio de prova”. Assim, “se o requerente declarar que pretende desistir do exame ou vistoria, tem de notificar-se a parte contrária”, a qual terá que pronunciar-se “se concorda com a desistência, ou se opõe a ela”. No primeiro caso, “o requerimento fica sem efeito” e, no segundo caso, “subsiste”.
Prevenindo a situação em que nenhuma declaração seja feita, acrescenta: “se o notificado nada disser a desistência não tem valor. Para que o silêncio tivesse a significação de anuência, seria necessário que a lei lha atribuísse”.
Em consonância com este entendimento, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[5] argumentam que “a partir do momento do ato de proposição a parte contrária pode confiar em que a perícia se vai realizar e prescindir de, ela própria, a requerer ; a necessidade da sua anuência, como conditio júris sem a qual a desistência, como ato unilateral, não é eficaz, evita que essa confiança possa ser frustrada”. E precisam que “a anuência da parte contrária tem de ser expressa, não podendo ser dado valor ao silêncio observado perante a notificação que lhe seja feita do requerimento de desistência”, considerando tratar-se “de figura semelhante à da aceitação da desistência da instância após a contestação do réu”.
Ainda em idêntico sentido, defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[6], que “a anuência exigida por esta norma tem de ser expressa, não podendo derivar de mera notificação com a cominação de, nada dizendo a parte, se entender que a mesma aceita a desistência da diligência”.
Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro adoptam posição distinta. Partindo do raciocínio de que a norma em causa “procura tutelar o interesse da contraparte na realização da perícia”, consideram que a posição que advoga a necessidade de uma anuência expressa “assente numa interpretação puramente gramatical do enunciado legal é excessiva”, pelo que deve considerar-se caduca tal doutrina. Defendem, então, invocando o dever de cooperação que incide sobre as partes, nos quadros do artº. 7º, do Cód. de Processo Civil, que “se a contraparte quer a diligência, deve declará-lo, quando para tanto é notificada, sob pena de ela não se realizar (art. 7º, nº 2) (…). A contraparte tem o direito de promover o prosseguimento da perícia, tendo o ónus de manifestar esta vontade, depois de notificada para o efeito – enquadrando-se esta notificação no instituto previsto no art. 547º, se necessário”.
Acrescentam, ainda, interpretando restritivamente o normativo, que a desistência é totalmente livre “quando surja em momento processual que permita à contraparte requerer a realização de prova pericial, sem qualquer limitação”, o que acontece, exemplificativamente, “quando surja dias antes da realização da audiência prévia, pois a contraparte ainda poderá requerer livremente a produção deste meio de prova (art. 598º, nº. 1)”.
Em todo o caso, a norma do artigo 474.º não se aplica, na situação dos autos, à Ré D… que no contexto processual não ocupa posição de contraparte, ou parte contrária, em relação ao Réu E…, ambos partes passiva na demanda, embora com defesas assumidamente autónomas e distintas.
Daí que, quer numa interpretação mais literal do artigo 474.º do Código de Processo Civil, quer numa interpretação menos rígida e mais actualista do referido dispositivo, a anuência da co-Ré D… nunca seria de exigir em relação à desistência da perícia manifestada pelo co-Réu E….
Ela teve conhecimento de tal desistência, e com esse conhecimento foi o contraditório garantido, uma vez que a posição que viesse a manifestar quanto a tal desistência sempre seria juridicamente irrelevante.
Não merece, por isso, reparo a decisão recorrida que, por isso, é de manter, improcedendo os argumentos recursivos da apelante.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação: pela apelante

Porto, 2.12.2021
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
_________________
[1] Artigo 475.º do Código de Processo Civil.
[2] Apesar de notificada do despacho que indica que a perícia não terá lugar por dela ter o requerente desistido.
[3] Artigo 236.º do Código Civil.
[4] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, págs. 191 e 192.
[5] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª Edição, Almedina, págs. 323 e 324.
[6] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, Reimpressão, 2019, pág. 538.