Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2323/23.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
ARGUMENTOS JURÍDICOS
Nº do Documento: RP202409232323/23.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não constitui motivo para condenação dos RR. como litigantes de má-fé a invocação por estes de argumentos jurídicos que, na sua ótica, impedem o direito invocado pelos A., argumentos estes que o tribunal entendeu não dever atender.
II - Não é lide dolosa ou temerária a que assenta numa construção jurídica ousada não aceite pelo tribunal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2323/23.1T8PRT.P1
Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTORES: AA, casado, engenheiro de software, e BB, casada, gestora de vendas, residentes em ..., ..., Berlim, Alemanha.
RÉUS: CC, casada, e DD, casado, residentes na Rua ..., ..., ..., ... Porto.
Por via da presente ação declarativa pretendem os AA. a condenação dos RR. a pagarem-lhe € 44.000, 00, correspondentes à devolução do sinal em dobro, com juros, ou, não se entendendo assim, a devolução do sinal em singelo, de € 22.000, 00, igualmente com juros.
Alegam ter prometido comprar uma casa aos RR. e de estes, no prazo acordado, não terem obtido a licença camarária necessária para efeitos de concretização da venda prometida, razão por que, em conformidade com o clausulado, os promissários resolveram o negócio e solicitaram a devolução, em singelo, do sinal prestado, primeiro, e do seu dobro, depois, o que os RR. recusam.

Contestando, dizem os RR. que a falta de licença de utilização não ficou a dever-se-lhes porque diligenciaram ativamente nesse sentido, junto das autoridades administrativas, razão por que, inexistindo culpa da sua parte, é ilegítima a resolução operada pelos AA., tendo formulado reconvenção, com base no incumprimento do contrato pelos AA., visando fazer seu o sinal recebido.
Os AA. replicaram.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, considerando válida e eficaz a resolução negocial e condenando os RR. a devolver aos AA. o sinal de € 22.000, 00, com juros desde 6.10.2022.
Mais condenou os RR. como litigantes de má-fé, em multa de 6 UC e indemnização aos AA. para ressarcimento dos prejuízos tidos, incluindo com honorários a mandatário.

Desta sentença recorrem os RR., visando a sua revogação apenas na parte relativa à condenação por litigância de má-fé, com base nos seguintes argumentos com que terminaram as alegações de recurso:
A. Foram nestes autos os réus condenados como litigantes de má fé com base no artigo 542.º n.º 2 a) e b) do C.P.C., ao pagamento de uma multa processual no valor de 6 Unidades de Conta e indemnização aos autores correspondentes ao reembolso das despesas que os autores tenham sido obrigados pela litigância de má fé.
B. Tal condenação é ilegal por falta de fundamento de facto e de direito,
C. Na petição inicial os autores, vêm exigir em primeiro e principal pedido aos réus a restituição do sinal dado no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de imóvel em dobro, especificamente a quantia de 44.000,00 €, acrescido de juros.
D. Como pedido subsidiário solicitam que seja o contrato declarado resolvido e os réus obrigados à restituição do sinal em singelo, a saber a quantia de 22.000,00 €, acrescido de juros.
E. Entendeu o tribunal a quo ser improcedente o pedido principal e procedente o pedido subsidiário, pelo que absolveu os réus do pagamento aos autores do sinal em dobro e condenou os réus ao pagamento do sinal em singelo.
F. Esta condenação/absolvição assenta na clausula 7.ª n.º 3 do Contrato Promessa de Compra e Venda, pelo qual ao fim de 60 dias sem que se tivesse marcado a escritura então qualquer das partes poderia resolver o contrato sendo devolvido o sinal em singelo.
G. Com a petição inicial os autores peticionaram, em contradição com a mesma cláusula, que lhes fosse devolvido o sinal em dobro fundando tal pedido na tese jurídica de que ao não entregar o sinal em singelo aquando da resolução do contrato operada por aqueles, haviam os réus incumprido definitivamente o contrato e como tal eram devedores da quantia entregue em dobro.
H. Contrato esse que já tinham resolvido e solicitado apenas o sinal em singelo.
I. Construindo assim uma tese jurídica para fundamentar um pedido que entra em contradição clara com a sua atuação.
J. Uma tese jurídica assim com parca hipótese de sucesso, dado o contrato.
K. Citados para contestar os réus fizeram-no e em sede de contestação os réus pugnaram pela sua absolvição de tudo o peticionado apresentando as suas razões de facto e de direito, oferecendo a sua versão dos acontecimentos e alegando as consequências jurídicas que entendiam dever ser retiradas dos factos como os haviam apresentado.
L. E das consequências jurídicas retiradas dos factos resultou um pedido reconvencional de que, em suma, não era legítimo aos autores terem resolvido o contrato por falta de interesse na concretização do negócio prometido, que não tinha existido incumprimento definitivo por parte dos réus, e vir exigir o sinal, pelo que deveria ser declarado o valor entregue como sinal propriedade legitima dos réus, por incumprimento definitivo dos autores.
M. Tal como os autores os réus apresentam uma tese jurídica para fundamentar um pedido que se poderá considerar ter parca hipótese de sucesso tendo em conta o contrato.
N. Assim tanto os autores como os réus apresentaram nas respetivas peças processuais as suas razões de facto ou direito que entendiam fundamentar os pedidos que fazem.
O. O processo civil é tipicamente caracterizado pela alegação de factos pelas partes, que na maioria das situações estão em total dissidência, sem que tal consubstancie de qualquer forma litigância de má fé.
P. Ou seja, não é pelo simples facto de os réus se defenderem e terem uma posição antagónica à dos autores que se está a litigar de má fé.
Q. Conforme ensina o Dr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, tomo I, página 66, anotação 57: “De facto, a sanção de litigância de má fé deve ser aplicada quando os autos revelem um comportamento censurável da parte, as mais das vezes resultando de actuações repetidas ou claramente violadoras dos deveres de probidade ou de cooperação que estão consagrados no Código.” (...) “A convicção acerca dos pressupostos de condenação de alguma das partes como litigante de má fé raramente resulta de um determinado acto em concreto, emergindo, com frequência, da análise, na sentença final, do seu comportamento ao longo de todo o processo.”
R. E diz o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 26/11/2020 proferido no âmbito do processo 914/18.1T8EPS.G1.S1 “Como refere Lebre de Freitas, a propósito das alterações introduzidas pelo nº 2 do Decreto-Lei nº 329-A/95, a lei processual “passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, com se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes”[1]. A lide temerária ocorre quando se actua com culpa grave ou erro grosseiro. É dolosa quando a violação é intencional ou consciente. Mas será sempre de exigir que a prova de tal culpa ou do dolo seja clara e indiscutível. A sanção por litigância de má fé apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo. Para tal, exige-se que o julgador seja prudente e cuidadoso, só devendo proferir decisão condenatória por litigância de má-fé no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte[2]. A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor e réu. Há que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual[3]. A condenação por litigância de má-fé pressupõe a existência de dolo ou grave negligência, não bastando uma lide temerária, ousada, ou uma conduta meramente culposa. A simples formulação de pedidos ilegítimos ou improcedentes, se não provada a intenção de defraudar o sentido da justiça, o princípio da celeridade processual ou os interesses da contraparte, mesmo quando a improcedência seja patente (o que sempre será aferido pelo critério do julgador), não é determinante da quantificação da litigância como de má fé.” In http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/120608bfae5c40 81802586410061d0b2?OpenDocument
S. Inexiste nos autos qualquer indicativo da existência dessa intenção “…de defraudar o sentido de justiça…”
T. Mesmo considerando que os réus tenham admitido verbalmente que teriam de devolver o sinal, as convicções pessoais casuísticas não são tidas no que é a formulação dos institutos jurídicos.
U. Não é por determinada pessoa estar convencida da existência ou inexistência de um direito que ele existe ou deixa de existir.
V. O que vale tanto para os Autores como para os Réus.
W. Relativamente aos autores o facto de estes acreditarem que apenas tinham direito ao sinal em singelo não implica necessariamente que juridicamente não pudessem ter direito à devolução do sinal em dobro.
X. E quanto aos réus não é por acharem que teriam que devolver o sinal que isso determina a inexistência de um instituto jurídico que lhe permitisse ao invés fazer seu o sinal entregue.
Y. Litigância de má fé não é exercer um direito que afinal não se tinha, não é oferecer uma contestação e apresentar uma versão dos factos que contraria a versão do autor, não é solicitar ao tribunal ver reconhecida uma tese jurídica com o qual vem-se a ver o tribunal não concorda.
Z. Litigância de má fé é utilizar do processo para obter um benefício ilegítimo, procurando ludibriar o próprio sistema judicial.
AA. Não é de todo o que se verifica nos autos nem tal se encontra nos factos provados, até porque a análise dos institutos jurídicos a aplicar cabe à matéria de direito e não dos factos.
BB. Pelo que o tribunal a quo faz uma incorreta e ilegal interpretação e aplicação do artigo 542.º n.º 2 a) do Código de Processo Civil;
CC. E mais o faz de forma parcial e desmesurada, porquanto não aplica a mesma exigência processual aos autores que tal como os réus apresentaram uma tese que bem sabiam não teria sucesso e ao arrepio da sua atuação pré processual.
DD. A condenação dos réus como litigantes de má fé assenta também na impugnação feita no artigo 17.º da contestação que afirma “É falso o alegado no ponto 63.º, pois os Réus não conheciam nem aceitaram o proposto pela testemunha EE, que era devolver o sinal por incumprimento dos Réus (não havendo qualquer incumprimento destes), por não cumprir o prazo contratualmente definido para a emissão da licença, os tais 60 dias”.
EE. E que remete então para o artigo 63.º da petição inicial que alega “Extensão essa que viria a ser aceite pelos Réus, a 23 de agosto de 2022, conforme e-mail da consultora EE reproduzido no ora junto DOC. N.º 8.”
FF. Pelo que o que está aqui em causa é os réus alegarem que não souberam nem aceitaram o proposto pela testemunha EE de devolver o sinal no prazo de 30 dias.
GG. O que o tribunal dá como provado que sabiam e não provado que não sabiam.
HH. Determinando assim que os réus faltaram com a verdade e que isto por si só é suficiente para demonstrar uma atitude contrária ao direito e ao processo de tal forma gravosa que fundamenta a condenação dos mesmos como litigantes de má fé.
II. Não tem, no entanto, o tribunal a quo elementos de prova suficientes para dar como provado que os réus sabiam e aceitaram o proposto pela testemunha EE em 23 de agosto de 2022 de devolver o sinal no prazo de 30 dias.
JJ. E assenta a sua convicção no testemunho de EE e no documento 9 junto com a petição inicial, mensagem enviada a 26 de agosto de 2022 pela ré CC ao autor AA.
KK. Do testemunho de EE sobre esta matéria em específico - negociações em Agosto de 2022 para a resolução do contrato promessa de compra e venda de imóvel - encontramos na sentença a páginas 31 e 32 o seguinte testemunho “Quanto ao e-mail de 12/08/2022 (documento 8 junto com a petição inicial) transmitiu à D. CC que os AA. já não tinham interesse. Disse à D. CC que o departamento jurídico ia tratar da revogação de contrato ou resolução de contrato. Foi quando falou na resolução de contrato que a R. lhe disse que tinha comprado um carro com o dinheiro. Disse à R. que ela não podia mexer no dinheiro. Referiu que foi ela, EE, que sugeriu o prazo 90 dias para a devolução pelos RR. do sinal, mas o A. não aceitou. A minuta do contrato de revogação foi enviada aos AA. em 31/08/2022.”
LL. Deste testemunho não se retira, ao contrário do afirmado pela Meritíssima Juiz a quo que os réus soubessem da negociação da resolução do contrato em 30 dias e que tenham aceite devolver o sinal.
MM. Ao invés retiramos que toda esta negociação foi levada a cabo pela testemunha EE com os autores, sem intervenção direta dos réus.
NN. Réus esses que igualmente não constam de qualquer das comunicações juntas com a petição inicial como documento 8.
OO. Mais se encontra explicito que “Referiu que foi ela, EE, que sugeriu o prazo 90 dias para a devolução pelos RR. do sinal, mas o A. não aceitou” claramente demonstrando que a testemunha EE atuou de forma independente.
PP. Da mensagem remetida pela ré ao autor aquela apenas solicita que seja dado mais tempo, não dizendo concretamente mais tempo para o quê “…estou a pedir encarecidamente pensar no negócio que tinha em espera infinita comigo”, “…mas tinha ido à câmara a uma reunião e foi-me dito que em Agosto estaria resolvido…” “…por favor dê mais um tempinho por favor…” e “…mas fala com a D FF acordam uma data e se até aí não estiver tudo pronto ok tenho que aceitar.”
QQ. De uma análise isenta desta mensagem e das expressões suprarreferidas não poderão restar dúvidas que a ré se encontra a solicitar mais tempo para a concretização do negócio prometido.
RR. Por isso é que os réus afirmam que nunca concordaram em devolver o sinal, porque tiveram sempre expetativa que, não obstante a demora, os autores aceitassem manter o negócio.
SS. Encontra-se provado nos autos, alíneas 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, e 70 da matéria dada como provada, que tanto autores como réus sabiam desde início que a concretização do negócio estava dependente da licença a emitir pelo Município ..., pelo que fora da dependência dos réus.
TT. E que estes fizeram tudo ao seu alcance para obter a mesma licença.
UU. Toda a atuação dos réus foi diligente e tendente à concretização do negócio, e estavam convictos de que a emissão da licença estaria para muito breve.
VV. Pelo que inexistem elementos de prova que possam fazer concluir que os réus conheciam e quiseram o acordado pela EE em agosto de 2022 de revogar o contrato promessa e devolver o sinal no prazo de 30 dias.
WW. Pelo que deverão as alíneas 49, 50 e 51 na expressão “Pese embora o acordado….”, ser dados como não provados, por falta de elementos de prova suficientes para o efeito.
XX. E assim não se encontra provado que os réus tenham faltado com a verdade.
YY. Ainda que assim não se entenda e se mantenha provado o supra indicado, o que por mero imperativo de patrocínio se coloca, sempre se dirá que tal não incorpora gravidade e consequência pré judicial e judicial suficiente para justificar uma condenação como litigante de má fé.
ZZ. É um facto absolutamente incidental e nada determinante ou relevante para a boa decisão da causa que se remeteu exclusivamente ao contrato promessa em si e à cláusula 7.ª n.º 3.
AAA. Nos termos do artigo 542º nº 2 b) do C.P.C. “b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa”.
BBB. Volta-se a citar o professor Lebre de Freitas, conforme supra, “…a sanção de litigância de má fé deve ser aplicada quando os autos revelem um comportamento censurável da parte, as mais das vezes resultando de actuações repetidas ou claramente violadoras dos deveres de probidade ou de cooperação que estão consagrados no Código.”
CCC. Os autos não revelam de todo, nem tal se encontra fundamentado na sentença, um comportamento repetido e claramente violador de deveres de probidade e cooperação.
DDD. Existe apenas uma divergência, natural e mais que comum, quase universal, de perspetivas sobre os mesmos factos, mas que por si não são de todo suficientes para justificar uma condenação como litigantes de má fé.
EEE. Assim mal andou o tribunal a quo ao condenar os réus como litigantes de má fé com base nos fundamentos do artigo 542º nº 2 a) e b) do C.P.C.
FFF. Uma decisão que se demonstra como parcial, ilegítima, castigadora e desproporcionada.
GGG. Contrária aos mais basilares princípios de justiça e justa composição do litígio.
HHH. Com a condenação faz o tribunal a quo uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 542º do C.P.C., violando como tal o mesmo artigo.
III. Bem como ao dar como provado as alíneas 49), 50) e 51) (neste último a expressão “Pese embora o acordado…”) sem prova certa, segura e direta de facto nos autos, impugnando-se assim a matéria de facto dada como provada.
JJJ. Porquanto do testemunho da testemunha EE, conforme pormenorizadamente se encontra detalhado na sentença, das comunicações por email juntas como documento 8 e da mensagem junta com a petição inicial como documento 9, não se pode dar como provado que os réus soubessem da existência e tivessem dado a sua concordância em agosto de 2022, com a revogação do contrato promessa e devolução do sinal no prazo de 30 dias.
KKK. Sendo estes os elementos de prova que levaram o tribunal a quo a dar tais factos como provados.
LLL. Devendo assim ser a douta sentença substituída por uma dê como não provado que os Réus sabiam do acordado pela testemunha EE de revogação do contrato promessa de compra e venda e prazo de 30 dias para devolver o sinal.
MMM. Passando as alíneas 49) e 50) dos factos provados para os não provados e retirando da alínea 50) a expressão “Pese embora o acordado….”
NNN. E determinar este douto Tribunal da Relação a absolvição dos Réus da condenação como litigantes de má fé a que foram sujeitos.

Foram apresentadas contra-alegações.

Objeto do recurso:
- da impugnação da decisão de facto;
- da litigância de má-fé.

FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
Foi dado como provado em primeira instância o seguinte:
1) No ano de 2021, os AA. entraram em contacto com a sociedade de mediação imobiliária (AMI ...) A..., Lda., com sede na Avenida ..., no Porto, na pessoa da sua consultora, EE, também conhecida por “FF”.
2) A sociedade em causa apresenta-se no mercado sob a marca “B...” e está autorizada para o exercício da actividade de mediação imobiliária pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) sob a Licença AMI n.º ....
3) No decurso dos contactos tidos e dos imóveis apresentados pela consultora imobiliária FF, os AA. agendaram diversas visitas a imóveis, de entre os quais um prédio dos RR. sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto.
4) O prédio sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho do Porto, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ....
5) A aquisição do prédio descrito em 4) encontrava-se registada a favor de CC, ora R., casada no regime de comunhão de adquiridos com DD, desde 06/11/2020.
6) No dia 19 de novembro de 2021 realizou-se uma visita ao prédio, onde estiveram presentes o senhor GG - amigo dos AA. e a pedido destes, uma vez que não residem nem se encontravam em Portugal -, e a consultora FF, da B....
7) A apreciação que o Sr. GG fez do prédio foi positiva e as características deste iam ao encontro do que os AA pretendiam.
8) De acordo com a informação prestada por FF, o prédio havia sofrido obras sujeitas a licenciamento prévio, levadas a cabo pelos RR.
9) E que se encontravam em processo de legalização junto da Câmara Municipal ..., razão pela qual os RR. não poderiam vender o prédio antes de emitido o respectivo alvará de licença de utilização.
10) Quando colocaram o seu prédio à venda, os RR. sabiam que o condicionalismo referido em 9) impossibilitava a conclusão do processo de venda e que o processo de licenciamento é sujeito a um juízo de apreciação da legalidade urbanística das obras em causa pelas entidades competentes.
11) Os AA. iriam recorrer a um empréstimo bancário para financiar parcialmente a compra do prédio para habitação secundária e, por conseguinte, sem o supramencionado alvará de licença de utilização, não poderiam os AA. concluir e obter a aprovação do respectivo pedido de financiamento bancário.
12) A informação que os AA. receberam após a visita efectuada ao prédio em 19 de Novembro de 2021, e ao longo de todas as comunicações tidas com a consultora FF, foi de que o processo de licenciamento estava todo conforme e a emissão do novo alvará de licença de utilização por parte da Câmara Municipal ... era iminente.
13) Em 21 de Novembro de 2021 e na sequência daquela visita ao prédio, os AA. questionaram a consultora FF sobre a necessidade de retenção de uma parte do preço e de condicionar o negócio ao processo de licenciamento em curso na Câmara Municipal ..., tendo recebido a seguinte resposta por mensagem através da aplicação “WhatsApp”:“[21.11.21, 19:13:15] EE (B...):
Boa tarde AA! Relativamente ..., o valor de venda da casa está dentro do valor de mercado. Os clientes não vendem abaixo de 220k. Pelo que apresentar proposta abaixo, não vale a pena. Relativamente ao licenciamento, está tudo em conformidade, estamos só a aguardar a CM... emitir a Licença. Não percebi a questão de "descontar no preço"!!! Vou enviar o estudo de mercado, para ver que o valor está dentro do preço. HH, se pretender visitar estarei disponível.
Para vocês também. Beijinhos”;
14) Ao que os AA. responderam, no dia 22 de Novembro de 2021, pela mesma via à consultora FF que: “[22.11.21, 11:11:03] AA: Quanto à de ..., 220 parece bem. O que quis dizer foi isto: se a licença não for emitida, então teremos de fazer obras. A oferta deve ser contingente à emissão da licença, porque não sabemos quanto teríamos de gastar se tivermos de fazer mudanças. Faz sentido? [22.11.21, 13:31:55] AA: Se tudo fizer sentido, diria para avançarmos com a proposta.(…)”.
15) Por conseguinte, por intermédio da consultora FF foi a proposta dos AA. apresentada aos RR., no valor de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), a qual foi aceite no mesmo dia, conforme indicação dada pela mesma consultora através de nova mensagem enviada na aplicação “Whatsapp”, com o seguinte teor:
16) “[22.11.21, 21:33:24] EE (B...): Boa noite AA! Os proprietários aceitam a sua proposta. Relativamente aos condicionalismos de licença e crédito também. O arquiteto já solicitou reunião com a CM..., pois uma vez que está tudo aprovado incluindo o projeto, para ver se aceleram a saída da licença. Também a proprietária, já está por conhecimento pessoal a falar com alguém que trabalha na CM.... Até 5a feira, terá uma resposta ou mesmo o documento, para que com ele se possa solicitar à Banco 1... o parecer sobre a viabilidade de financiamento e escritura. Outra questão que falei já com a mãe e queria ter o seu aval é que os proprietários estão dependentes da sua escritura para comprarem outra moradia. Nesse sentido, haveria necessidade de poderem ficar mais 1 a 2 meses na casa após a escritura. Claro que com um contrato de comodato, mas se necessário podem fazer o pagamento de um valor mensal estipulado pelo AA. Quanto aos custos, amanhã já lhe faço a simulação. Boa noite e bom descanso.”
17) Posteriormente, a 3 de Dezembro de 2021, a consultora FF enviou aos AA. a seguinte mensagem via “Whatsapp” “[03.12.21, 14:47:27] EE (B...): Boa tarde AA! A cliente proprietária acabou de ligar. Toda a documentação está entregue na CM... e na próxima 5a feira a CM... vai ter reunião de aprovação de licenças. Ela solicitou, que logo que esteja aprovada, lhe enviem a documentação comprovativa, para que se possa avançar com o CPCV e entregar no banco. Desta forma e a cumprirem o solicitado, na próxima sexta poderemos preparar o CPCV. Vou dando noticias. Beijinhos”.
18) E, novamente, a 13 de Dezembro de 2021, “[13.12.21, 12:35:57] EE (B...): Bom dia AA! Já tenho informação da CM... em como está tudo em ordem e aprovado. Até ao final da semana principio da seguinte, temos a Certidão emitida, pelo que poderemos avançar. (…)”;
19) Assim, a 17 de Dezembro de 2021 uma minuta de contrato-promessa de compra e venda foi enviada aos AA. para análise pela consultora FF, através de comunicação eletrónica.
20) A minuta inicial não previa qualquer condição relativa à aprovação do financiamento bancário de que os AA. necessitavam para concluir o negócio, pelo que o A. solicitou a FF que fosse efectuada essa alteração e tal condição expressamente mencionada no contrato-promessa.
21) Por outro lado, conforme havia sido referido por diversas vezes aos AA., os RR. aguardavam a todo o tempo a emissão do Alvará de Licença de Utilização do prédio por parte da Câmara Municipal ....
22) Licença essa que, de acordo com a informação prestada pela consultora EE, se expectava que fosse emitida antes mesmo da assinatura do Contrato-Promessa.
23) Não o tendo sido, a minuta de contrato-promessa de compra e venda proposta aos AA. previa expressamente que o negócio ficaria condicionado à aprovação do processo de licenciamento de obra n.º NUP/20898/2021/CMP e à posterior emissão de licença de utilização.
24) Dispunha ainda a Cláusula Sétima da minuta de contrato-promessa proposta aos AA. o seguinte: 1. O contrato definitivo de compra e venda será celebrado no prazo de20 (vinte) dias, após a emissão da licença de utilização. 2. Fica estipulado entre as partes que o contrato definitivo de compra e venda deve, preferencialmente, ser realizado no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de assinatura do presente contrato-promessa, em dia, hora e local a combinar entre os intervenientes. 3. Fica ainda acordado entre as partes que, caso não seja possível realizar o contrato definitivo de compra e venda no prazo de 60 dias, mencionado no número anterior, qualquer dos outorgantes tem a faculdade de resolver o presente contrato-promessa, ao abrigo dos artigos 432.º e segs do Código Civil, com fundamento na impossibilidade de realizar o contrato definitivo nesse prazo de 60 dias, devendo, em consequência, ser devolvido pela primeira outorgante aos segundos outorgantes, em singelo, a quantia prestada a título de sinal de € 22.000,00, no prazo máximo de cinco dias a contar da notificação de resolução do contrato-promessa.
25) O prazo de sessenta dias previsto na minuta de contrato-promessa de compra e venda não foi proposto nem solicitado pelos AA., que a receberam com aqueles termos, mas introduzido por iniciativa de FF.
26) Sendo o licenciamento iminente, este foi o prazo que a referida FF e a B... conceberam como sendo o necessário para a conclusão do licenciamento camarário, actualização da documentação do prédio e celebração do contrato definitivo.
27) Sendo claro que a única circunstância que poderia obstar à realização do contrato definitivo de compra e venda no prazo de 60 (sessenta) dias estipulado na supramencionada cláusula seria a não emissão da licença de utilização por parte da Câmara Municipal ....
28) No mais, a minuta de contrato-promessa de compra e venda que os AA. receberam da consultora FF não sofreu alterações de maior a pedido de qualquer das partes.
29) Assim, a versão final do contrato-promessa de compra e venda viria a ser assinada presencialmente pelas partes (AA. e RR.) no dia 21 de Dezembro de 2021, aquando da visita dos AA. ao prédio, na presença da consultora imobiliária FF e tem o seguinte teor:
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Entre:
Primeiros Outorgantes: CC, NIF ......, natural da freguesia ..., titular do Cartão de Cidadão nº ......, valido até 08/09/2030, e marido, DD, NIF ......, natural da freguesia ..., concelho do Porto, titular do Cartão de Cidadão nº ..., válido até 09/08/2028, casados no regime da comunhão de bens adquiridos e residentes na Rua ..., ..., ..., ... Porto, que outorga ela na qualidade de promitente vendedora e ele na qualidade de cônjuge que consente a promessa de venda.
Segundos Outorgantes: AA, NIF ......, natural da freguesia ..., concelho do Porto, titular do Cartão de Cidadão n.º ..., valido até 01/06/2020, e mulher BB, NIF ......, natural da Alemanha, titular do Passaporte nº ......, valido até 01/07/2023, casados no regime da comunhão de bens adquiridos e residentes em ..., ... Berlim, Alemanha, que outorgam na qualidade de promitentes compradores.
De acordo com os princípios da boa fé, é livremente celebrado e reciprocamente acordado o presente Contrato-Promessa de Compra e Venda, que se rege pelos termos e condições das cláusulas Seguintes:
Cláusula Primeira
1. A Primeira Outorgante é dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto por Casa de rés-do-chão, com quintal, situado na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana, da mencionada freguesia, sob o artigo ....
2. Para o mencionado prédio urbano está em curso um processo de licenciamento de obra n.° NUP/20898/2021/CMP, que se encontra em fase de apreciação.
3. Para o imóvel foi elaborado o Certificado Energético n° ..., válido até 14/10/2031, quanto à Ficha Técnica da Habitação será elaborada após conclusão do licenciamento da obra.
4. O referido imóvel encontra-se inscrito na competente Conservatória a favor dos promitentes vendedores pela Ap. ... de 2020/11/06. 5. Sobre o imóvel esta registado o usufruto a favor de II, viúvo, NIF ......, residente na Rua ..., ..., no Porto, inscrito pela Ap. ... de 2020/11/06, tendo o usufrutuário renunciado ao usufruto, pelo que dever ser cancelado o registo do mesmo antes da realização do contrato definitivo de compra e venda.
Cláusula Segunda
1. Pelo presente Contrato, a primeira outorgante, com o consentimento do seu cônjuge, promete vender aos segundos outorgantes e estes, por sua vez, prometem comprar-lhe o prédio urbano melhor identificado na clausula primeira.
2. O presente Contrato-promessa de Compra e Venda fica condicionado á aprovação do processo de licenciamento de obra n° NUP/20898/2021/CMP e a posterior emissão de licença de utilização.
Cláusula Terceira
O preço global da compra e venda prometida é de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros).
Cláusula Quarta
O preço referido na cláusula anterior será pago pelos promitentes compradores à promitente vendedora de acordo com as seguintes condições:
a) A quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), será paga a título de sinal e princípio de pagamento, na data de assinatura do presente contrato, através de transferência bancária proveniente do IBAN ..., do Banco 2..., destinada ao IBAN ..., do Banco 1..., da qual, após boa cobrança, a promitente vendedora confere a competente quitação;
b) A quantia restante de € 198.000,00 (cento e noventa e oito mil euros), será paga no ato de outorga do respetivo contrato definitivo de compra e venda, através de cheque bancário ou visado;
c) Atendendo a que os promitentes compradores vão requerer empréstimo bancário, para aquisição do identificado imóvel, fica estipulado entre as partes que este contrato-promessa fica condicionado a avaliação e aprovação do financiamento bancário, estipulando-se ainda que, no caso de não ser aprovado o referido empréstimo, situação que terá de ser comprovada documentalmente, ficará o presente contrato-promessa sem eficácia, devendo ser revogado pelas Partes, obrigando-se os promitentes vendedores a devolver, em singelo, aos promitentes compradores a quantia de € 22.000,00, entregue a título de sinal, no prazo de oito dias apos a comunicação do indeferimento do empréstimo;
d) No caso de indeferimento do empréstimo bancário, e na eventualidade de não ser revogado pelas partes o presente contrato-promessa, os segundos outorgantes têm a faculdade de resolver o mesmo, ao abrigo dos artigos 432° e segs do Código Civil, com fundamento no indeferimento do empréstimo bancário, comunicando aos promitentes vendedores, devendo estes devolver aos segundos outorgantes, em singelo, a quantia prestada a título de sinal de € 22.000,00, no prazo máximo de oito dias a contar da notificação do indeferimento do empréstimo;
e) Acordam ainda as partes, ao abrigo dos artigos 432° e segs do Código Civil, que o presente contrato-promessa se considera automaticamente resolvido, caso não seja prestada a título de sinal a quantia de € 22.000,00, sem necessidade de qualquer interpelação ou notificacão.
Cláusula Quinta
1. Em caso de incumprimento contratual definitivo imputável aos promitentes compradores, salvo caso de força maior e imprevisível, tem a promitente vendedora a faculdade de resolver o presente contrato-promessa e de fazer suas todas as importâncias recebidas ao abrigo do presente contrato, nomeadamente as quantias recebidas a título de sinal.
2. Se o incumprimento contratual definitivo for imputável à promitente vendedora, salvo caso de força maior e imprevisível, têm os promitentes compradores a faculdade de resolver o presente contrato e de exigir em dobro todas as quantias prestadas ao abrigo do mesmo, a título de sinal.
Cláusula Sexta
Em alternativa ao regime referido na cláusula anterior, o contraente ou contraentes que não estiverem na situação de incumprimento, poderão requerer a execução especifica do contrato, nos termos do artigo 830.° do Código Civil.
Cláusula Sétima
1. O contrato definitivo de compra e venda será celebrado no prazo de 20 (vinte) dias, após a emissão da licença de utilização para o imóvel.
2. Fica estipulado entre as partes que o contrato definitivo de compra e venda deve, preferencialmente, ser realizado no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de assinatura do presente contrato-promessa, em dia, hora e local a combinar entre os intervenientes.
3. Fica ainda acordado entre as partes que, caso não seja possível realizar o contrato definitivo de compra e venda no prazo de 60 dias, mencionado no número anterior, qualquer dos outorgantes tem a faculdade de resolver o presente contrato-promessa, ao abrigo dos artigos 432° e segs do Código Civil, com fundamento na impossibilidade de realizar o contrato definitivo nesse prazo de 60 dias, devendo, em consequência, ser devolvido pela primeira outorgante aos segundos outorgantes, em singelo, a quantia prestada a título de sinal de € 22.000,00, no prazo máximo de cinco dias a contar da notificação de resolução do contrato-promessa.
4. Na falta de acordo para a marcação do contrato definitivo de compra e venda, caberá aos promitentes compradores proceder a essa marcação, notificando os primeiros outorgantes, através de carta registada com aviso de receção, com uma antecedência de dez dias relativamente à data de celebração da mesma, indicando o dia, hora e local.
Cláusula Oitava
Os contraentes obrigam-se a facultar toda a documentação necessária para a realização do contrato definitivo, com uma semana de antecedência relativamente à data indicada para a realização do mesmo, sendo da responsabilidade dos promitentes vendedores facultar toda a documentação referente ao imóvel e necessária para a compra e venda.
Cláusula Nona
O objeto do presente contrato é prometido vender sem quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, devoluto de pessoas e bens.
Cláusula Décima
1. Todas as despesas relacionadas com o contrato prometido, nomeadamente o pagamento do Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), do Imposto de Selo, dos emolumentos notariais e dos custos com registos, provisórios ou definitivos, entre outros inerentes ao negócio jurídico, serão da exclusiva responsabilidade dos promitentes compradores.
2. O cancelamento de quaisquer ónus que possam incidir sobre o imóvel, objeto do presente contrato, nomeadamente o cancelamento de hipotecas, penhoras ou outros ónus, serão da responsabilidade da promitente vendedora.
3. O cancelamento de quaisquer ónus deverá ser efetuado até à data de realização da compra venda definitiva ou ser apresentado documento válido para o efeito no dia de realização da mesma.
Cláusula Décima Primeira
1. A promitente vendedora declara que, sobre o imóvel, objeto do presente contrato promessa, não está pendente nenhum litígio de natureza judicial, extra judicial ou administrativa.
2. Declara, ainda, a promitente vendedora que não são conhecidas anomalias a nível da estrutura do imóvel ou do prédio, a que o mesmo pertence.
Cláusula Décima Segunda
Por sua vez, os promitentes compradores declaram expressamente ter visitado o imóvel, tendo perfeita consciência do estado em que o mesmo se encontra, pelo que aceitam adquiri-lo nessas condições e nos termos aqui estipulados, bem como foram informados do fim a que o mesmo se destina, declarando ainda que o imóvel não apresenta vícios visíveis e que o desgaste do mesmo é decorrente de um uso normal e diligente.
Cláusula Décima Terceira
Os Outorgantes declaram que o presente negócio foi intermediado pela sociedade de mediação imobiliária denominada A..., LDA., NIPC ..., com sede na Avenida ..., no Porto, titular da Licença AMI n.º ..., tendo esta prestado e facultado toda a informação relativa ao imóvel, demonstrando as suas características e vicissitudes, prestando ainda todos os esclarecimentos necessários, e que lhe competem, para a formação da vontade de contratar dos intervenientes.
Cláusula Décima Quarta
Qualquer aditamento ou modificação ao presente contrato ou aos seus anexos só poderá ser feita mediante documento escrito e assinado por todas as partes, o qual ficará a fazer parte integrante do mesmo.
Clausula Décima Quinta
1. Todas as comunicações dirigidas à outra parte serão feitas através de carta registada com aviso de receção e serão enviadas para as moradas referidas neste contrato, como sendo as moradas dos contraentes.
2. Qualquer alteração de morada de qualquer um dos outorgantes, para poder ser invocada, deverá ser notificada à outra parte, por meio de correio registado com aviso de receção, com indicação da nova morada, passando a ser essa, para todos os efeitos, a morada do outorgante.
Cláusula Décima Sexta
Ao presente Contrato-promessa aplica-se a Lei do Ordenamento Jurídico Português.
Cláusula Décima Sétima
Em caso de litígio ou de interpretação deste contrato as partes definem como competente o Tribunal Judicial da Comarca do lugar da situação do bem imóvel, com renúncia expressa a qualquer outra.
Cláusula Décima Oitava
As partes acordam, expressa e conscientemente, em prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas, renunciando ainda ao direito de invocar a nulidade do presente contrato por falta desse reconhecimento.
O presente Contrato-Promessa de Compra e Venda foi elaborado aos 21 dias do mês de dezembro de 2021, em dois exemplares de igual valor, constituídos por 7 (sete) páginas, declarando as Partes estarem de acordo com todas as Cláusulas do mesmo, motivo pelo qual será assinado e rubricado pelos contraentes, ficando cada um deles com um dos exemplares.
30) Nos termos previstos no Contrato-Promessa, os AA. efectuaram o pagamento do valor devido a título de sinal, no montante de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), no dia 23 de Dezembro de 2021.
31) Após a assinatura do Contrato-Promessa, no dia 2 de Janeiro de 2022, foi uma vez mais transmitido aos AA., por parte da consultora EE que “Até meados de Janeiro, já estará aprovado o financiamento e penso que também teremos o documento da CM... já emitido”.
32) No dia 29 de Janeiro de 2022, a consultora FF informou os AA. de que na semana de 31 de Janeiro a 4 de Fevereiro de 2022 seria emitida a licença de utilização do prédio e, feita a avaliação do prédio pelo banco financiador, poderia ser agendada a escritura de compra e venda [29.01.22, 13:30:18] EE (B...): Olá AA! Na próxima semana já teremos a certidão da CM... relativa a Licença de construção da moradia. Pelo que, fazendo a avaliação por parte do banco, está tudo pronto para marcação de escritura”.
33) O que não sucedeu.
34) Entre o período de Novembro de 2021 e Agosto de 2022, tais comunicações, bem como outras de teor semelhante, na sequência da constantes interpelações feitas pelo A. com vista a deter um ponto de situação do processo de licenciamento, foram recorrentes:
“[25.03.22, 12:11:44] EE (B...): Bom dia AA! Espero que estejam bem. Estive ontem a falar com a proprietária para saber como estava a questão da licença. Ela teve uma reunião na CM... no início deste mês e o processo está todo OK, falta apenas a última assinatura para emissão da licença. Vai de novo na próxima semana à CM..., para tentar pressionar a arquitecta. É a única coisa em falta para podermos avançar com o processo. É sempre uma situação demorada, mas penso que esteja mesmo a ficar concluída. Vou dando notícias. Beijinhos”.
“[28.03.22, 13:08:08] EE (B...): Bom dia AA! O processo já está no vereador da CM... para assinatura e emissão da Certidão de Licença. Como reúnem semanalmente para decisão, ainda esta semana teremos a decisão. E tendo a Certidão da Licença, enviarei para o JJ e seja solicitada a avaliação do imóvel por parte da Banco 1.... Está quase Beijinhos; E ainda: “[20.06.22, 17:38:13] EE (B...): Boa tarde AA! Espero que estejam bem. Já temos a documentação em ordem para o pedido de avaliação bancária do imóvel. A cliente proprietária, foi hoje entregar os documentos à CM... para a emissão da Licença de Utilização. Que esperamos estar pronta nos próximos 15 dias. Desta forma estarão reunidas todas as condições para marcação de escritura após a emissão da Licença de Utilização. Cumprimentos, FF”.
35) A 7 de Julho de 2022, questionada uma vez mais pelos AA. sobre a existência de desenvolvimentos na emissão da licença, respondeu a consultora FF do seguinte modo “[07.07.22, 21:28:18] EE (B...): Olá AA! Ainda não. A D. CC já tem nova reunião agendada na CM..., para os pressionar pois já têm toda a documentação em ordem e só falta emitirem a licença de utilização. Infelizmente não se consegue enquanto cá estão em Portugal. [07.07.22, 21:28:31]
EE (B...): Logo que tenha notícias informo”.
36) Sem nunca ser efectivamente emitido qualquer Alvará de Licença de Utilização necessário à outorga da escritura de compra e venda do prédio.
37) Tanto as negociações do Contrato-Promessa como as informações prestadas aos AA. e relativas ao estado do processo de licenciamento em curso na Câmara Municipal foram efectuadas por intermédio da consultora FF.
38) Os AA. não celebraram nenhum contrato de mediação imobiliária com a consultora imobiliária FF nem com a sociedade de mediação imobiliária A..., Lda.
39) Foi a R. que, na qualidade de proprietária do prédio, incumbiu aquela sociedade de promover a venda do prédio no mercado e angariar um comprador interessado.
40) Sendo para o efeito realizadas visitas ao prédio e prestadas informações sobre as suas características, incluindo sobre a legalidade da construção em causa e o processo de licenciamento em curso, antes e após a outorga do Contrato-Promessa.
41) A consultora imobiliária da B... prestou informações aos AA. sob indicação dos RR.
42) Como seja a da iminência da emissão da licença de utilização do prédio que os RR. colocaram à venda no mercado, e na qual os AA. confiaram, aceitando celebrar o Contrato-Promessa e entregar aos RR. € 22.000,00 a título de sinal.
43) Os AA. questionaram sucessivamente a consultora da B..., FF, sobre o ponto de situação do processo de licenciamento do prédio, esperando, a todo o momento, a conclusão do mesmo, sem que tal nunca tenha sucedido.
44) Por se verificar demora na conclusão do negócio,
45) Os AA. perderam o interesse na efectivação do negócio e expressaram a sua vontade de resolver o Contrato-Promessa, por comunicação escrita enviada a 11 de Agosto de 2022 à consultora FF através da aplicação “WhatsApp”, com o seguinte teor “[11.08.22, 14:09:47] AA: Boa tarde EE. Infelizmente não trago boas notícias. Estamos um pouco frustrados com o tempo que este processo está a demorar, e com os rendimentos que perdemos ao encravar €22k no sinal já há quase 9 meses. Como tal, estamos muito menos entusiasmados do que no ano passado, e bastante ocupados com os nossos outros projectos de renovação também. E, naturalmente, as taxas que o banco oferecerá não serão as mesmas do ano passado. Assim sendo, queremos resolver o contrato, e receber o sinal de volta. Agradecemos imenso o esforço que a EE teve, bem como o dos proprietários, e sabemos que houve apenas boa vontade — mas dado o que escrevi acima, serve-nos melhor terminar este processo para que nos foquemos em outras coisas. Para além desta notificação, que passos devo tomar?”.
46) Essa mesma intenção foi, novamente, e por indicação da consultora FF, reiterada por correspondência electrónica remetida pelo A. à consultora FF a 12 de Agosto de 2022.
47) Em resposta, datada de 18 de Agosto de 2022, a consultora FF desde logo ressalva que a resolução pretendida pelos AA. se encontra salvaguardada pela Cláusula Sétima, número 3, do Contrato-Promessa celebrado entre as partes.
48) Acrescentando que “existe por parte dos proprietários a impossibilidade de devolver a quantia prestada a título de sinal, no prazo estipulado no CPCV”, prazo esse que seria de cinco dias, solicitando uma extensão do mesmo para 90 dias.
49) Os AA. acederam ao pedido da R., concedendo uma extensão do prazo para devolução do valor do sinal para 30 dias.
50) Extensão essa que viria a ser aceite pelos RR. a 23 de Agosto de 2022, conforme e-mail da consultora EE reproduzido no documento 8 junto coma petição inicial.
51) Pese embora o acordado, foi o A. directamente contactado pela R. no dia 26 de Agosto de 2022, a qual, na mensagem enviada, em parte alguma mencionou ter intenção de cumprir com as suas obrigações e devolver o valor pago pelos AA. antes referindo que “(…) Sei também que investi noutra casa sem dever(…) por favor dê mais um tempinho por favor (…)”.
52) Os RR. sabiam e tinham consciência, desde o dia 21 de Dezembro de 2021, data em que assinaram o Contrato-Promessa, que o valor pago pelos AA. a título de sinal poderia ter de ser reembolsado aos mesmos, em singelo ou em dobro, consoante as circunstâncias.
53) Sobretudo, e com maior iminência, a partir do dia a 18 de Fevereiro de 2022, data em que findou o prazo de 60 dias estipulado no número 3, da Cláusula Sétima do Contrato-Promessa.
54) Os AA. enviaram aos RR., uma carta de 22 de Setembro de 2022 e remetida na mesma data, por meio de correio registado com aviso de recepção, com o seguinte teor:
Exmos. Senhores,
Na qualidade de promitentes compradores do prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, com quintal, situado na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana, da mencionada freguesia, sob o artigo ... (doravante o "Imóvel"), vimos pela presente interpelar V. excelências para a devolução em singelo do valor pago a título de sinal na sequência da celebração de Contrato de Promessa de Compra e Venda outorgado com V. Exas. (doravante, o "Contrato-Promessa").
No dia 21 de dezembro outorgamos com V. Exas. Contrato-Promessa mediante o qual prometemos comprar, e V. Exas. prometeram vender, o Imóvel acima descrito após conclusão do processo de licenciamento das obras que V. Exas. levaram a cabo no mesmo (NUP/20898/2021/CMP).
Nos termos da Cláusula Sétima do Contrato-Promessa, foi acordado um prazo de 60 dias para a celebração do contrato definitivo de Compra e Venda do Imóvel. Decorreram, desde então, 275 – ou seja, mais 215 dias que o prazo contratualmente definido para a conclusão do referido processo de licenciamento de obra e subsequente outorga da escritura de compra e venda do Imóvel. Até esta data, e após sucessivas interpelações. não nos foi dada, sequer, uma previsão real de quando tal poderá ocorrer.
O atraso que se verifica na conclusão do referido processo de licenciamento, que nos é totalmente alheio, é manifestamente excessivo e intolerável, tendo resultado na total perda do nosso interesse em concluir a compra e venda do Imóvel acordada com V. Exas.
Neste sentido, serve a presente para comunicar a V. Exa. a imediata resolução do Contrato-Promessa outorgado em 21 de dezembro de 2021, com fundamento no incumprimento do prazo contratualmente definido para a conclusão do processo de licenciamento de obra e subsequente outorga do contrato prometido de compra e venda do Imóvel, nos termos do disposto no número 3 da Cláusula Sétima do Contrato-Promessa, nos artigos 432.°, n.° 1 e 436.°, n.° 1 do Código Civil.
Em consequência, consideram-se V. Exas. interpelados para proceder à restituição de todas as quantias por nós pagas a título de sinal e antecipação do preço no âmbito do Contrato-Promessa ora resolvido, no total de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), até ao dia 5 de outubro de 2022, devendo o pagamento ser efetuado por transferência bancária para a conta do Banco alemão ... de que somos titulares, com o IBAN ...... comprovativo de pagamento deverá ser enviado para o endereço de correio eletrónico ..........@......
Caso A Quantia Em Dívida Não Seja Bem Recebida Até Ao Termo Do Prazo Acima Referido, Consideraremos O Contrato-Promessa Definitivamente Incumprido E Seremos Forcados A Recorrer A Vias Judiciais Para Exigir Todas As Quantias Devidas Pelo Respetivo Incumprimento.
Sem Outro Assunto, Subscrevemo-Nos Com Os Melhores Cumprimentos.
55) A qual foi recebida pelos RR., em 26 de Setembro de 2022.
56) O reembolso do valor do sinal não se verificou.
57) Em 12 de Dezembro de 2022, os AA. remeteram aos RR. uma nova carta, por correio registado com aviso de recepção, com o seguinte teor:
Exmos. Senhores,
No dia 21 de dezembro, outorgámos com V. Exas. contrato-promessa mediante o qual prometemos comprar, e V. Exas. prometeram vender, o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, com quintal, situado na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana, da mencionada freguesia, sob o artigo ... após conclusão de processo de licenciamento de obras de alteração a que o mesmo foi sujeito e que nos é totalmente alheio.
Na sequência de um atraso manifestamente intolerável na conclusão do suprarreferido processo de licenciamento de obras, contrário ao disposto na Cláusula Sétima do contrato-promessa, e ultrapassados os ditames da razoabilidade, por via de carta registada com aviso de receção remetida no passado dia 22 de setembro de 2022, e recebida a 26 de setembro de 2022, resolvemos extrajudicialmente e com justa causa o contrato-promessa do Imóvel celebrado com V. Exas. Na comunicação em causa foram V. Exas. igualmente interpelados para proceder à restituição, em singelo, de todas as quantias por nós pagas a título de sinal e antecipação do preço, no total de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), até ao dia 5 de outubro de 2022.
À data de hoje, e não obstante os vários contactos levados a cabo, quer diretamente com V. Exa., quer entre advogados, a situação de incumprimento subsiste, e estamos há quase um ano privados do nosso dinheiro. Esta situação representa para nós uma perda patrimonial insuportável que é exclusivamente imputável a V. Exas.
Face à factualidade exposta, considerando-se o Contrato-Promessa definitivamente incumprido pela não devolução das quantias por nós pagas a título de sinal e antecipação do preço no âmbito do Contrato-Promessa resolvido em 26 de setembro de 2022, no total de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), conforme previsto no número três da Cláusula Sétima do Contrato-Promessa, considerem-se por este meio V. Exas. interpelados para o pagamento, em dobro, de todas as quantias por nós pagas a título de sinal e antecipação do preço, nos termos do artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil.
O valor da indemnização devida pelo incumprimento de V. Exas. perfaz o montante total de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), cujo pagamento integral deverá ser efetuado até ao dia 30 de dezembro de 2022, por meio de transferência bancária para a conta do Banco alemão ... com o IBAN ..., de que somos titulares. O comprovativo de pagamento deverá ser enviado para o endereço de correio eletrónico ..........@......
Caso esta quantia não seja bem recebida até ao termo do prazo acima referido, seremos forçados a recorrer a vias judiciais para exigir o seu pagamento, acrescido de juros de mora, custas judiciais, honorários de advogado e demais despesas de execução.
Sem outro assunto, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos.
58) Os RR. não efectuaram o pagamento da importância referida em 57).
59) No dia 4 de Janeiro de 2023, os AA. receberam a seguinte comunicação da R.:
Exmo. Senhores
Na sequência da interpelação recebida no dia 22 de Setembro e 12 de Dezembro de 2022, serve o presente para refutar o que é dito nas vossas comunicações, pois não existe fundamento legal e as razões invocadas estão em desconformidade com o estipulado no contrato de promessa de compra e venda celebrado no dia 21 de Dezembro de 2021.
Na carta enviada de V. Exas. de 22 de Setembro de 2022, é comunicada a resolução do contrato, solicitando a devolução do sinal. Para o efeito, argumentam que na cláusula 7.º do contrato de promessa foi acordado um prazo de 60 (sessenta) dias, para a celebração do contrato definitivo de compra e venda do imóvel, informando que decorreram 275 dias, ou seja, mais 215 dias que o prazo definido para a conclusão do processo de licenciamento de obra e subsequente outorga da escritura do imóvel. Ainda é referido que o atraso no licenciamento é intolerável e excessivo, razão que levou à perda de interesse em concluir a compra e venda do imóvel.
Analisando a vossa comunicação, é falso que exista um prazo de 60 {sessenta} dias para a celebração do contrato definitivo do imóvel. O prazo está definido no ponto 1 da cláusula 7.º, que diz:
"O contrato definitivo de compra e venda será celebrado no prazo de 20 (vinte) dias, "após a emissão da licença de utilização para o imóvel", ou seja, o contrato definitivo só será celebrado após a emissão da licença de utilização, não sendo responsabilidade de nenhuma das partes a sua emissão, razão pela qual se estipulou tal ponto na dita cláusula. Não olvidando que no ponto 2 da dita cláusula é dito que "fica estipulado entre as partes que o contrato definitivo de compra e venda deve, preferencialmente, ser realizado no prazo de 60 dias a contar da assinatura do presente contrato de promessa", ou seja, é explícito que não existe nenhum prazo obrigatório de 60 dias, mas um prazo preferencial, que dependia da vontade das partes.
É alegada a perda de interesse no negócio, com fundamento no atraso na conclusão do referido processo de licenciamento. Os promitentes vendedores não são responsáveis pelo processo de licenciamento, tendo envidado todos os esforços para que o processo de licenciamento fosse concretizado o mais breve possível, como V. Exas. bem sabem, não dependendo da nossa vontade a concretização dos trabalhos. E por isso, foi estipulado o ponto 2 da cláusula 2.2 onde é dito "o presente contrato de promessa de compra e venda fica condicionado à aprovação do processo de licenciamento da obra n.º NUP/20898/2021/CMP e à posterior emissão da licença de utilização", em conjugação com o ponto 1 da cláusula 7.ª.
Não existe nenhuma perda de interesse objectiva, nos termos do artigo 808.º do Código Civil, o que tem como consequência a ilegalidade da resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado no dia 21 de Dezembro de 2021, não devendo ser devolvido qualquer valor. Na carta recebida de V. Exas. de 12 de Dezembro de 2022 a exigir o dobro do sinal nos termos do artigo 442 .º n.º 2 do CC, alegam o atraso no processo de licenciamento e a resolução do contrato realizada na comunicação de 22 de Setembro de 2022. Só que, conforme o exposto, não existe nenhum incumprimento por parte dos promitentes vendedores nem nenhuma perda de interesse objectiva que justifique a resolução do contrato realizada na comunicação de 22 de Setembro de 2022.
Assim sendo e tendo V.Exa, ao comunicar a perda de interesse e resolução do contrato, deixado de cumprir a obrigação a que estavam obrigados em detrimento do contrato de promessa de compra e venda celebrado no dia 21 de Dezembro de 2021, os promitentes vendedores têm legitimidade, ao abrigo do artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil, de fazer seu o valor entregue a título de sinal.
60) Os AA. confiaram nas informações que lhes foram prestadas por EE.
61) Estas informações foram fornecidas pela sociedade A..., Lda., na pessoa da consultora FF, através do contrato de mediação celebrado para promoção do prédio.
62) Os RR. não mandataram a consultora imobiliária EE para os representar.
63) EE era consultora imobiliária da B... (...) e actuou nessa condição.
64) À data de 21.11.2021 não estava tudo aprovado, incluindo o projecto, pois o processo estava ainda na legalização de obra.
65) Os AA. sabiam que o contrato de processo estava condicionado à aprovação do processo de licenciamento de obra n.º NUP/20898/2021/CMP e à posterior emissão de licença de utilização, nos termos da cláusula 2.º do contrato de promessa de compra e venda.
66) A emissão de alvará de licença de utilização é responsabilidade do Município ....
67) Os AA. quando celebraram o contrato de promessa de compra e venda estavam informados de que estava em falta o alvará e sabiam que a sua emissão não dependia dos RR.;
68) Os RR. sempre envidaram todos os esforços e diligências junto do Município para obtenção da licença.
69) O prazo de 60 dias previsto no contrato promessa não foi cumprido porque, no seu termo, continuava em falta a aprovação do Alvará de Licença de Utilização do Imóvel, condição essencial à celebração do contrato definitivo nos termos do n.º 2, da Cláusula Segunda do Contrato-Promessa.
70) Até dia 22 de Setembro de 2023, data de comunicação da resolução do Contrato-Promessa pelos AA, ainda não estava aprovado o licenciamento de obra n.º NUP/20898/2021/CMP, nem tão pouco havia sido emitida a Licença de Utilização do Prédio prometido vender.
71) Os RR. reconheceram a obrigação de devolução do sinal; no entanto, por intermédio da Sra. EE, informaram que não tinham disponibilidade financeira para cumprir o prazo máximo de 5 dias de devolução do sinal, uma vez que o haviam despendido.
72) Os RR. não assinaram o acordo de revogação do Contrato-Promessa.
73) Os AA. estavam apenas informados na exacta medida do que foi transmitido, antes e após a celebração do Contrato-Promessa, pela Sra. EE.
Os RR. colocam em causa a sua condenação como litigantes de má-fé, pretendendo, desde logo, a alteração da decisão de facto.
Consideram dever ser dada como não provada a matéria dos pontos 49, 50 e 51, este na expressão “Pese embora o acordado…”
O primeiro dos pontos refere-se à aceitação pelos AA., em agosto de 2022, de conceder uma extensão do prazo de devolução do sinal para 30 dias, extensão que os RR. teriam aceite.
Refira-se, desde já, serem inócuos os factos em causa porque surgem na sequência de uma mensagem de whasapp, datada de 11.8.2022, na qual o A. (e não ambos os AA.) manifestam à agente imobiliária (e não aos RR.) a intenção de resolver o contrato (queremos resolver o contrato) e não ainda a resolução propriamente dita, posto que a resolução do contrato de promessa pelos promissários só veio a suceder em 22.9.2022. Do modo que, qualquer reação dos RR. a putativa intenção dos AA., apenas veiculada pelo A. à agente imobiliária, por mensagem de whatsapp, revela-se imprestável para o desiderato pretendido que era o de obter a devolução do sinal em singelo, pedido que só foi endereçado aos RR. por correio registado por estes recebidos a 26.9.2022. Só nesta data, os RR. tiveram formal e cabal conhecimento da intenção dos promitentes-compradores de colocarem termo ao negócio.
De modo que, os factos constantes dos pontos 49 e 50 são imprestáveis, quer para efeitos de esclarecimento do suceder negocial relevante, quer para condenação os RR. como litigantes de má-fé.
Com efeito, naquela data, a resolução não havia sido operada pelos AA. – que apenas o fizeram no mês seguinte – sendo uma eventual aceitação da extensão do prazo de devolução do sinal pelos RR. absolutamente irrelevante, face à inoperância, então, da resolução ainda não exercida por ambos os AA. face a ambos os RR.
Sendo assim, eliminam-se os pontos 49 e 50.
Do mesmo modo, elimina-se a primeira parte do ponto 51 “Pese embora o acordado”, desde logo porque a resolução não fora ainda operada e, depois, porque o conteúdo da mensagem enviada pela Ré também não é inequívoco quanto à finalidade do tempo que solicitava, nomeadamente, se era para que ainda se lograsse obter a licença de habitabilidade e se concretizasse o negócio prometido ou, se era para devolução de um qualquer valor recebido a título de sinal. Na verdade, observando a totalidade da mensagem – doc. 9 junto com a pi – o que dele parece resultar, desde logo, da parte inicial, é que a Ré (não o R., que também foi condenado como litigante de má-fé) pretendia que o promitente-vendedor ponderasse a possibilidade de ainda se concretizar o negócio, assim se afastando a hipótese de devolução do sinal. É isso que resulta do trecho “aqui estou a pedir encarecidamente a pensar novamente no negócio que tinha em espera infinita comigo, mas sem eu ter culpa desta demora toda, fiz, faço todos os esforços para todo ser resolvido (…) mas falda com a D. FF acordam uma data e se até aí não estiver tudo pronto ok tenho que aceitar”.

Fundamentação de Direito
O tribunal a quo expressou deste modo a sua conclusão por uma atuação processual censurável dos RR.:
No caso concreto, os RR., com dolo, deduziram contestação e reconvenção cuja falta de fundamento não podiam ignorar, atento o teor do n.º 3 da cláusula 7.ª do contrato promessa que outorgaram. Com efeito, os RR. sabiam que a referida cláusula concedia a qualquer dos outorgantes a faculdade de resolver o contrato promessa caso não fosse possível concretizar a compra e venda no prazo de 60 dias e sabiam ainda que, se tal sucedesse, teriam de devolver, em 5 dias, aos AA. o sinal por eles prestado. Assim é que a R., depois de o A. ter alargado para 30 dias o prazo para devolver o sinal, tomou a liberdade de enviar em 26/08/2022 uma mensagem ao A. a pedir-lhe encarecidamente para lhe dar mais tempo para devolver o valor do sinal (cfr. documento 9 junto com a petição inicial). Aliás, como ficou provado, os RR. reconheceram a obrigação de devolução do sinal; no entanto, por intermédio da Sra. EE, informaram que não tinham disponibilidade financeira para cumprir o prazo máximo de 5 dias de devolução do sinal, uma vez que o haviam despendido.
Além disso, os RR. alteraram a verdade quando alegaram na contestação que não conheciam nem aceitaram o proposto pela testemunha EE, que era devolver o sinal, face à resolução do contrato promessa pelos AA. nos termos do n.º 3 da cláusula 7.ª, quando o que sucedeu foi que os RR. sabiam e, como ficou provado, reconheceram que tinham a obrigação de devolver o sinal aos AA. e que concordaram em fazê-lo no prazo de 30 dias.
As condutas dos RR. são reprováveis e reprovadas pela ordem jurídica, o que os mesmos não podem desconhecer, sendo que, mesmo assim, não se coibiram de as levar a cabo.
Por força dos princípios da cooperação e da boa-fé processual, as partes, na sua atuação processual, devem observar os deveres de cooperação e agir de boa-fé. A violação destes princípios traduz a litigância de má-fé, atento o disposto no art. 542.° do C.P.C.
A má-fé consiste assim, numa “utilização maliciosa e abusiva do processo" (in Noções Elementares de Processo Civil, Manuel de Andrade, Coimbra Editora, 1979, pág. 356), o que significa que, se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (má fé instrumenta), deve ser condenada como litigante de má-fé.
Esta atuação, conforme se vem firmando na doutrina e jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave da parte, não bastando a imprudência, o erro, ou a falta de justa causa.
É por demais sabido que a condenação por litigância de má-fé é excecional e não se basta com uma lide ousada, exigindo uma intenção de prejudicar outrem ou de defraudar o sistema judicial, obtendo um proveito a que se sabe não ter direito. Também assim sucede quando, ao invés de uma intenção nesse sentido, a parte litigou com negligência grave, ou seja, de forma temerária.
O n.º 2 do art. 542.º alude a tais situações, sintetizando-as em quatro atitudes processuais condenáveis:
- dedução de pedido ou oposição manifestamente infundado (al. a);
- alteração ou omissão da verdade dos factos (al b);
- omissão grave do dever de cooperação (al. c);
- uso reprovável do processo (al d).
Na sentença recorrida não se qualifica a atuação dos RR. à luz de qualquer uma desta três alíneas, mas diz-se que os RR. não podiam colocar em causa a validade da resolução operada pelos AA. por ser clara a cláusula 7.ª, n.º 3 do contrato de promessa.
Recorde-se que a celebração do contrato de venda ficou dependente, na promessa, da obtenção pelos proprietários da licença camarária que já estaria em marcha, mas que a Câmara Municipal tardou em emitir.
Por força disso, os AA. (promissários) lançaram mão daquela cláusula, segundo a qual, não sendo possível celebrar o contrato definitivo no prazo de 60 dias (presumimos que a partir da assinatura da promessa), qualquer um dos contraentes poderia resolver o negócio.
Segundo o julgador de primeira instância, não restava aos RR. senão devolver o sinal em singelo, não lhe sendo lícito rebelarem-se contra a legitimidade da resolução.
Não concordamos com este entendimento.
Com efeito, assiste às partes demandadas, caso assim o entendem, apresentar a sua versão jurídica acerca dos factos, mormente opondo-se à pretensão da contraparte, considerando-a improcedente segundo os argumentos jurídicos que entendem pertinentes.
Por vezes, esses argumentos são acolhidos pelo tribunal.
Noutras situações, não é assim.
Não o sendo, estão as partes inibidas, sob pena de litigância de má-fé, de esgrimir os argumentos jurídicos que entendem cabíveis?
A resposta é, obviamente, negativa.
Como refere Alberto dos Reis, “A simples proposição de ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmar um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que não devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito, e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir", in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.2 Edição 1948, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 263.
Seria mesmo violador do direito de defesa e do direito a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da Const.) limitar os argumentos jurídicos das partes apenas àqueles que correspondem às teses dominantes, mais razoáveis ou expectáveis.
No Acórdão n.º 243/2013 do Tribunal Constitucional, quanto às exigências do processo equitativo, escreveu-se:
[O] procedimento de conformação normativa deve ser justo e a própria conformação deve resultar num processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XVI ao artigo 20.º, p. 415). Se tal exigência não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, a mesma impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo (Ac. n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas (cfr. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441).»
Ora, os RR. não aceitaram a resolução do contrato operada pelos AA. por carta de setembro de 2022, por considerarem não caber esse direito aos demandantes, por um lado porque dizem não existir perda de interesse objetivo em contratar, por outro, porque entendem inexistir incumprimento que lhes seja imputável.
Estes argumentos são, na ótica do tribunal, improcedentes face aos termos do contrato, mas isso não significa que os RR. não pudessem ter opinião distinta.
Do mesmo modo, o tribunal entendeu que aos AA. não cabia – como solicitaram em primeiro lugar – o recebimento do sinal em dobro, mas nem por isso os mesmos deverão ser sancionados como litigantes de má-fé por terem formulado pretensão a que sabiam não ter direito.
Também se não aceita o motivo seguinte exposto pelo tribunal a quo segundo o qual os RR. sabiam que deveriam devolver o sinal, tanto que enviaram mensagem a solicitar mais prazo para o efeito.
Como já se escreveu, em agosto de 2022, ainda os AA. não haviam resolvido o contrato – só o fizeram no mês seguinte – pelo que inexistia, então, a obrigação de devolver o sinal, o que só veio a ocorrer na sequência da resolução, já em final de setembro. Inócuas, por isso, as mensagens telefónicas – em si, equívocas – remetidas por algumas das partes, o mês anterior.
Depois, não está demonstrado que, em agosto, a Ré (não o R.) tenha solicitado mais tempo para devolver o dinheiro pois o que parece ter sucedido é um pedido para que o A. ainda ponderasse a possibilidade de o negócio prometido se vir a realizar.
De modo que também não procede, de todo, o argumento segundo o qual os RR. alteraram a verdade dos factos neste tocante, uma vez que não está provado terem, em agosto, reconhecido a obrigação de devolver o sinal em singelo, uma vez que, nessa altura, a resolução não havia sido remetida pelos dois AA. a ambos os RR.
A condenação operada em primeira instância afigura-se-nos, assim, infundada.

DISPOSITIVO
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condena os RR. como litigantes de má-fé, absolvendo-os da multa e indemnização em que foram condenados a tal propósito.
Custas pelos recorridos.

Porto, 23.9.2024
Fernanda Almeida
Mendes Coelho
Fátima Andrade