Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA DENÚNCIA DOS DEFEITOS DA OBRA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO REDUÇÃO DO PREÇO | ||
Nº do Documento: | RP2024092445536/20.2YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A caducidade do direito de invocar a denúncia dos defeitos e do exercício dos direitos conferidos ao dono da obra (ou empreiteiro, no caso de subempreitada) no caso de cumprimento defeituoso, porque estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, consubstancia excepção peremptória subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal (arts. 333º, nº 1 e 303º do CC), necessitando, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita (art. 303º do CC), estando a sua invocação (enquanto meio de defesa) sujeita ao princípio da concentração da defesa, estabelecido no art. 573º do CPC, do qual resulta ficarem precludidos (prejudicados – não podendo vir a ser alegados posteriormente) todos os meios de defesa não invocados na contestação. II - Porque precludida a possibilidade de invocar meio de defesa não suscitado nos articulados e porque está também defeso suscitar ao tribunal ad quem questão sobre a qual o tribunal a quo não teve oportunidade de se pronunciar (por não ter sido invocada perante ele), fica excluída do objecto do recurso a questão da caducidade da denúncia dos defeitos e do exercício dos direitos conferidos ao dono da obra (ou empreiteiro, no caso de subempreitada) no caso de cumprimento defeituoso, suscitada apenas nas alegações de recurso. III - O montante da redução do preço (arts. 1222º, nºs 1 e 2 e 884º, nº 1 do CC) deve encontrar-se utilizando a valorização económica considerada pelas partes na fixação do preço do contrato, pois que o propósito da redução é o de equilibrar e fazer equivaler as prestações recíprocas e sinalagmáticas das partes, por forma a que a prestação efectuada sem defeito realizada por uma, considerando a valorização que ambas fizeram do negócio, tenha reflexo na prestação a cargo da outra, que recebeu tal prestação parcialmente cumprida sem defeito. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 45536/20.2YIPRT.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Márcia Portela Alberto Taveira * Acordam no Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO Apelada: B..., Ld.ª (ré) Juízo central cível de Aveiro (lugar de provimento de Juiz 1) –T. J. Comarca de Aveiro. * Intentou A..., Ld.ª, procedimento de injunção contra B..., Ld.ª, para haver a quantia global de 80.905,77€, correspondendo 51.050,00€ a capital, 37.854,77€ a juros vencidos e 153,00€ a taxa de justiça paga, alegando que no âmbito da sua actividade comercial contratou com a requerida construir um pavilhão pelo valor de 70.000,00€, emitindo a factura realizados que foram os trabalhos, em 2008, tendo ainda fornecido materiais no valor de 800,00€ e realizado também, a pedido da requerida, outras obras que descreve (alterações apresentadas pela requerida à obra que lhe solicitara), no valor de 15.250,00€, trabalhos que apenas facturou em 2019. Mais alega que a requerida liquidou tão só o valor de 35.000,00€, sendo por isso devidos juros calculados à taxa comercial sobre a quantia de 50.050,00€, importando os vencidos em 37.854,75€. Deduziu oposição a requerida, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação da requerente como litigante de má fé. Negando ter-lhe solicitado quaisquer trabalhos extra (e que por isso seja devida a esse título qualquer quantia), alegando ter pago, além da quantia de 35.000,00€ referida pela requerente, o valor de 10.000,00€, invoca que a requerente, na execução do pavilhão contratado (no âmbito da subempreitada), não respeitou o projecto da obra nem o caderno de encargos existente, não utilizando os materiais contratados, diminuindo a quantidade de ferro prevista e acordada, não sendo possível obter licença de utilização para o pavilhão construído; mais alega que a requerente recusou fazer as intervenções destinadas a corrigir as deficiências comunicadas (comunicações que elenca – cartas e fax), o que determinou a que, em vista de minorar os prejuízos do dono da obra e lograr o licenciamento da obra, tivesse de fazer várias intervenções, com custo não inferior a 10.000,00€, gerando também o seu direito à redução do preço. Após resposta da requerente – alegando que o invocado pagamento de 10.000,00€ é relativo a outra obra e negando os invocados defeitos, invocando também a litigância da requerida –, viria a ser homologada a desistência parcial do pedido quanto à quantia de 800,00€ (incluída no pedido, referiu a requerente, por lapso) e, prosseguindo a causa a legal tramitação decorrente da observância do processo comum, realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido. Inconformada, apela a autora pretendendo a revogação da sentença e sua substituição por outra que, julgue ‘procedente o pedido de pagamento do remanescente da fatura nº ... emitida em 30.1.2008, no valor de 35.000,00€, acrescida dos respetivos juros, desde a data do vencimento da fatura, até efetivo e integral pagamento’, terminando as suas alegações pela formulação das conclusões que se transcrevem (subordinando-as a números, o que a apelante não fez): A) Do erro de julgamento da matéria de facto: 1. Dos factos dados como provados em 20 a 23: 1.1. A questão central dos presentes autos prende-se em saber se o que foi contratado pela A e pela Ré, foi a execução de um pavilhão de acordo com o projeto que a Ré juntou aos autos de fls. 12v e ss, alegando ter sido esse que forneceu à A. (Facto 20) ou se, A. e Ré, acordaram na construção de um pavilhão sem as especificações referidas naquele projeto. 1.2. Ora, conforme a prova documental produzida nos autos, se os documentos juntos aos autos pela Ré., como sendo aqueles que foram entregues à A., não o podem ter sido, tendo em conta as datas dos mesmos, já que o referido projeto está datado de 30.06.2009 e a obra foi executada em 2008, como a própria Meritíssima Juiz a quo o constatou, não entendemos, salvo devido respeito, como pode a mesma Meritíssima Juiz a quo dar como provado tal facto! Efetivamente, em sede de declarações de parte do Representante Legal da Ré AA, transcrito supra, a própria Meritíssima Juiz a quo constatou que aquele projeto não foi, seguramente, entregue pela Ré à A.. 1.3. Logo, se a Ré não conseguiu provar o que alegou relativamente ao projeto que alegadamente entregou à A., não se pode verificar se a A. cumpriu ou não o que foi acordado com a Ré. 1.4. Assim, nos termos do disposto no nº 1, alínea c) do artigo 640º do CPC, deverão ser alterados os factos provados indicados nos números 20 e 21 (até “mas antes”), passando a dar-se como não provados. 1.5. E, como consequência, deverão também dar-se como não provados os factos 22 e 23, ou seja, que a A. diminuiu a quantidade de ferro prevista e contratualizada em aproximadamente 31.360 kg., o que afetou significativamente a estrutura do pavilhão e que reduziu o valor real da obra em € 37.005,00, tendo em conta só o aço. 2. Do facto dado como provado em 25: 2.6. Também com influência direta na decisão proferida, dá a Meritíssima Juiz a quo como provado que a “A A. recusou-se a fazer as intervenções necessárias para obtenção da necessária licença de utilização, apesar de oportunamente interpelada para o efeito.” – facto 25, alicerçando-se no depoimento de parte do sócio-gerente da Ré AA, que disse que era muito difícil falar com o gerente da A.. Não aparecia na obra, tinha de o ir procurar à terra dele. E não resolveu o problema da obra em causa nestes autos. 2.7. Ora, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, não só não resultou provada a denúncia dos alegados defeitos por parte da Ré à A., e, em consequência, a sua recusa em eliminá-los, como ainda resultou provado em audiência de julgamento, que a Ré, (atuando aqui como dona da obra), aceitou a obra da A. tal como esta se encontrava, mesmo após a denúncia dos defeitos alegados pelo seu cliente (verdadeiro dono da obra). 2.8. Efetivamente referiu o sócio-gerente da Ré: - BB, em declarações de parte gravadas no dia 22.06.2023, com início nos minutos 10:25 e término aos minutos 15:19, que: “Se a gente minimamente não aceitasse aquilo, ia trazer ali muitas complicações. Eram rendas que ele tinha alugado, era a imagem de B... também desmontar aquilo tudo, trazia ali vários problemas.” “O que resolvemos fazer foi assim, ele na altura, era, tínhamos que arranjar um engenheiro que assumisse em como aquilo aguentasse ou com reforços e nós, pronto, já chamámos um engenheiro e ele agarrou, na altura fez os cálculos, disse que aquilo não passava, só passava fazendo aqueles reforços. A partir do momento que a gente fizesse aqueles reforços, estão aí e ele assinava. Senão, caso contrário, não assinava. E depois tivemos que fazer uma redução de preço ao cliente na obra, porque ele ficou com uma obra muito inferior, com o que estava previsto.” 2.9. Ao invés de, conforme dispõe o artigo 1220º do Código Civil comunicar à A. a denúncia dos defeitos que lhe havia sido feita pelo dono da obra, dentro dos trinta dias seguintes à sua receção, para que esta os elimina-se. 2.10. De facto, conforme consta do facto 6 dado como provado, a Ré remeteu à A. a primeira carta em 06.02.2009, carta essa que foi devolvida e remetida então, pela Ré à A., por fax datado de 20.02.2009 – facto 7 dado como provado. 2.11. Acontece que, conforme resulta do documento junto aos autos pela Ré em 12.05.2021, com a referência citius 11478130, já em janeiro de 2009, foi apresentado na Câmara Municipal ..., termo de responsabilidade assinado pelo Engenheiro Técnico Civil, CC, no qual este Engenheiro declara que “não tendo sido da sua autoria o projecto inicial da estrutura metálica e tendo-se verificado o não cumprimento do estabelecido no referido projecto, após a realização de medidas correctivas, a mesma observa as normas técnicas gerais e específicas de construção…”(o sublinhado e sombreado é nosso!) 2.12. E só após isso e bem assim, seguramente após os 30 dias subsequentes à denúncia dos defeitos pelo dono da obra, é que a Ré decidiu informar a A. do que havia feito, em clara violação do disposto nos artigos 1220º e ss do Código Civil. 2.13. Efetivamente, não provou a Ré a denúncia prévia dos defeitos, nos termos do disposto no artigo 1220º do CC, para que pudesse exercer os direitos conferidos pelos artigos 1221º e ss do CC e bem assim, o previsto no artigo 1226º do mesmo diploma legal. 2.14. E não se diga que vale como prova da denúncia a carta remetida em 06.02.2009, devolvida e reenviada por fax a 20.02.2009, pois na mesma a Ré já refere a eliminação, por si, dos alegados defeitos, não obstante indicar que já haviam contactado a Ré, mas sem que junte qualquer prova para o efeito. 2.15. De facto, não existe um único documento nos autos que prove a receção pela A., da comunicação dos defeitos alegados pela Ré, dentro do prazo a que alude o artigo 1220º do CC e bem assim o artigo 1226º do CC, sendo que, a declaração de denúncia de defeitos, visando integrar um negócio contratual, é de natureza receptícia. 2.16. Outrossim, as cartas remetidas pela R., (documentos identificados nos números 6 a 11 dos factos provados), não podem ser qualificadas como comunicação da denúncia de defeitos ao abrigo dos artigos 1220º e 1226º ambos do CC. 2.17. De facto, as mesmas não contêm uma tal declaração, mas apenas a manifestação de vontade da Ré no sentido de obter da A., por via consensual, o reembolso do que despendera com a reparação de defeitos que considera imputáveis a esta. 2.18. Assim, nos termos do disposto no nº 1, alínea c) do artigo 640º do CPC, deverá ser alterado o facto provado indicado no número 25, passando a dar-se como não provado. B) Do erro de julgamento da matéria de direito: 3.19. Ora, desde logo, dando-se como não provados os factos 20 a 23, outra não poderia ter sido a decisão da Meritíssima Juiz a quo, a não ser, a condenação da Ré no pagamento do remanescente da fatura nº ... emitida em 30.1.2008, no valor de 35.000,00€, acrescido dos respetivos juros, desde a data do vencimento da fatura, até efetivo e integral pagamento. 3.20. Outrossim, ainda que se pudessem dar como provados os factos 20 a 23, não se podendo dar como provado o facto 25, a decisão a proferir teria, necessária de ser a mesma, ou seja, a condenação da Ré no pagamento referido supra. 3.21. Efetivamente, a subempreitada é um contrato subordinado à empreitada precedente, sendo a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro, igual à posição deste em relação ao dono da obra. 3.22. Pelo que, o empreiteiro goza dos direitos de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção, e, só no caso do não cumprimento destas obrigações, poderá exigir a redução do preço ou resolver o contrato. 3.23. Assim, face a uma situação de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, o lesado (no caso o empreiteiro, já que a relação se estabelece perante um subempreiteiro), terá que, comunicar ao subempreiteiro os alegados defeitos, dentro dos trinta dias seguintes ao seu conhecimento e seguir os passos, pela ordem que se indica nos artigos 1221º a 1223º do CC. 3.24. Para além destes direitos específicos do dono da obra (ou do empreiteiro face ao subempreiteiro) no âmbito dos contratos de empreitada, assiste ainda àquele o direito a excecionar o cumprimento defeituoso por parte do empreiteiro (ou subempreiteiro, consoante os casos), obtendo assim o direito à suspensão do seu dever de cumprir com a sua prestação – pagamento do preço. 3.25. Mas se é certo, que ao dono da obra (ou ao empreiteiro face ao subempreiteiro) lhe assiste o direito de acionar a exceção de não cumprimento, há, no entanto, face à especificidade dos contratos de empreitada, limitações no seu exercício. 3.26. De facto, não teria sentido que, impondo a lei um regime específico para a ultrapassagem das questões inerentes ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da obra, o qual impõe que o dono da obra (ou o empreiteiro no caso de subempreitada) tenha de seguir por ordem as normas dos artigos 1220º, 1221.º, 1222.º e 1223.º, do CC, pudesse, sem necessidade de denúncia prévia dos defeitos que encontrasse, acionar desde logo a exceção de não cumprimento contratual. 3.27. Assim, tem o dono da obra (no caso o empreiteiro) de denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos, o que não se verificou nos presentes autos. 3.28. De igual modo, a referida comunicação dos defeitos, no prazo estabelecido no artigo 1226º do CC., à semelhança do que ocorre com a denúncia a que se reporta o artigo 1220º, constitui pressuposto do direito de regresso designadamente em relação ao direito de obter o ressarcimento das despesas suportadas. 3.29. Outrossim, por via do disposto no artigo 1224º do CC, os direitos conferidos pelos artigos 1221º a 1223º do CC., sempre se encontrariam caducados, em virtude de não terem sido exercidos dentro de um ano a contar da eventual aceitação com reserva e bem assim, em virtude do decurso de dois anos após a entrega da obra. 3.30. De facto, o reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos resultante de um contrato de empreitada ou subempreitada, não é atribuído por lei, nem por convenção negocial – pelo menos no casos dos autos - antes resultará ou da aceitação (expressa ou tacita ainda que inequívoca) do empreiteiro (no caso dos autos, do subempreiteiro), ou de uma decisão judicial que o determine, uma vez que não é reconhecido, pelo menos na ordem jurídica portuguesa, a um privado o poder de determinar a existência dos seus próprios direitos, cabendo antes, aos tribunais, dirimir questões e entendimentos opostos entre os privados, face ao que se dispõe nos artigos 202.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 1.º, 2.º e 10.º do Código Processo Civil (CPC); 3.31. Pelo que, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 202.º da CRP e nos artigos 1.º, 2.º e 10.º do CPC atribuindo poderes a um privado de, por forma unilateral e por motu proprium, se intitular num direito à eliminação de defeitos, cuja existência não se encontra sequer reconhecida pelo subempreiteiro ou por ele aceite; 3.32. Com efeito, não tendo sido provada a existência de denúncia dos defeitos da obra, não pode o dono da obra (ou o empreiteiro face ao subempreiteiro) exercer qualquer dos direitos ínsitos nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do CC, pois que aquela funciona como condição de que depende o exercício desses direitos. (João Cura Mariano, ob. cit., pág. 105.) 3.33. Por outro lado, ainda que assim não fosse, não poderia a R. na qualidade de empreiteira, face à A., subempreiteira, exigir desde logo a redução do preço, pois que resulta claro da conjugação dos artigos. 1221.º e 1222.º do CC que este direito só poderá ser exercido no caso de não terem sido eliminados os defeitos, o que pressupõe que previamente tenha a subempreiteira sido intimada a proceder às necessárias obras de eliminação dos mesmos e que as não tenha concretizado ou o tenha feito deficientemente. 3.34. Nesta conformidade e ante tudo quanto exposto, concretamente quanto à violação das normas jurídicas previstas nos artigos 1219º a 1226º do CC, 202.º da CRP e 1.º, 2.º e 10.º do CPC, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias, impõe-se revogar a douta decisão proferida pelo tribunal a quo, substituindo-a por outra que julgue como procedente o pedido de pagamento do remanescente da fatura nº ... emitida em 30.1.2008, no valor de 35.000,00€, acrescida dos respetivos juros, desde a data do vencimento da fatura, até efetivo e integral pagamento. Contra-alega a ré em defesa da sentença apelada e pela improcedência da apelação. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * Delimitação do objecto do recurso. Considerando as conclusões das alegações, constata-se que a apelante traz à apreciação da Relação as seguintes questões: - a impugnação da decisão de facto, - a inexistência de denúncia dos defeitos por parte da ré apelada, a não existência de recusa na sua eliminação e a inexistência do direito à redução do preço, - a caducidade da denúncia dos defeitos e caducidade do exercício dos direitos conferidos pelos arts. 1221º a 1223º do CC por parte da ré apelada. Esta delimitação do thema decidendum emanada das conclusões das alegações da apelante não se impõe a este tribunal em toda a sua extensão, pois que deve excluir-se do objecto do recurso a última das identificadas questões. Importante limitação ao objecto do recurso advém da sua própria natureza – é pacífico que, salvaguardada a apreciação de matérias de oficioso conhecimento, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[1]. Como linear e cristalinamente decorre do art. 627º, nº 1 do CPC (e também, entre outros, dos arts. 635º, nº 2 e 3 e 636º do CPC), os recursos visam permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas – a fase de recurso pressupõe que determinada questão foi já objecto de decisão, importando apreciar da sua manutenção, alteração ou revogação, estando a demanda do tribunal superior circunscrita às questões que já tenham sido submetidas à apreciação e decisão do tribunal de categoria inferior (excluída, claro está, a apreciação – e, por isso, arguição – de questões de conhecimento oficioso relativamente às quais existam nos autos elementos de facto suficientes)[2]. O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinada(s) questão(ões) – ‘o objecto do recurso é constituído pela decisão judicial’, pois o seu fundamento é, em qualquer caso, constituído pela ‘apreciação crítica da decisão judicial, no confronto com o direito positivo ou, dito de outro modo, a violação da lei e, por conseguinte, a negação do direito subjectivo como fonte de sucumbência’[3]. A impugnação ‘não se identifica com uma originária petição de Justiça como a demanda, sendo diversamente uma contestação concreta contra um acto de vontade jurisdicional que se considera errado’ – os recursos são, no nosso sistema processual, ‘meios de impugnação destinados à eliminação ou correcção das decisões judiciais inválidas, erradas ou injustas por devolução do seu julgamento ao órgão jurisdicional hierarquicamente superior’[4]. O ordenamento jurídico adoptou um ‘modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso’ – a ‘diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios’[5]. Na situação trazida pela apelação constata-se serem inovadoramente invocadas na apelação as excepções da caducidade da denúncia dos defeitos (1220º, nº 1 do CC) e da caducidade do exercício dos direitos conferidos em caso de cumprimento defeituoso, designadamente à redução do preço (art. 1224º do CC) – na resposta à contestação, confrontada com a invocação dos defeitos e com direito à redução do preço, a autora apelada não alegou nem a caducidade da denúncia dos defeitos nem a caducidade do exercício dos direitos conferidos ao dono da obra (ou ao empreiteiro, no caso da subempreitada), designadamente do direito à redução do preço; apenas nas alegações de recurso, invoca a apelante, inovadoramente, tais excepções. A caducidade, porque estabelecida, no caso, em matéria não excluída da disponibilidade das partes, consubstancia excepção peremptória subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal (arts. 333º, nº 1 e 303º do CC) – necessita, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita (art. 303º do CC), estando a sua invocação (enquanto meio de defesa) sujeita ao princípio da concentração da defesa, estabelecido no art. 573º do CPC, do qual resulta ficarem precludidos (prejudicados – não podendo vir a ser alegados posteriormente) todos os meios de defesa não invocados na contestação[6] (esgotado o prazo para contestar ‘preclude-se a alegabilidade contra a pretensão do autor’ das ‘impugnações e exceções que o réu poderia ter deduzido’[7]). Precludido, pois, o direito de invocar a caducidade da denúncia dos defeitos e do exercício dos direitos conferidos ao dono da obra (ou empreiteiro, no caso de subempreitada) no caso de cumprimento defeituoso. Resulta do exposto – não só porque precludida a possibilidade de invocar meio de defesa não suscitado no articulado em que o deveria ter sido como também porque está também defeso suscitar ao tribunal ad quem questão (no caso, excepção peremptória subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal) sobre a qual o tribunal a quo não teve oportunidade de se pronunciar (por não ter sido invocada)[8] – estar excluída do objecto do recurso a suscitada questão da caducidade da denúncia e do exercício dos direitos[9], ficando o mesmo limitado às demais duas questões enunciadas. * FUNDAMENTAÇÃO * Fundamentação de facto A decisão apelada considerou provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: 1- A 11/09/2007, no exercício da sua atividade comercial, a ré celebrou com a sociedade comercial C..., Unipessoal, Ld.ª, um contrato de empreitada, para construção de um pavilhão sito na ..., Lotes ... e ... (A). 2- A ora ré subcontratou a ora autora para realização dos trabalhos de construção do referido pavilhão (B). 3- A autora obrigou-se a realizar os trabalhos pelo valor global de 70.000,00€ (C). 4- A autora emitiu e entregou à ré a fatura nº ..., datada de 30/01/2008, no valor de 70.000,00€ – fls. 17 (D). 5- A ré, para pagamento de parte da referida fatura, entregou à autora, pelo menos, a quantia de 35.000,00€, a 03/08/2009, mediante entrega do cheque n.º ..., sacado sobre o Banco 1... – fls. 18v. (E). 6- A 06/02/2009, a ré enviou para a autora a carta junta a fls. 19v., registada e com a/r, do seguinte teor (além do mais que não interessa reproduzir): ‘A obra mencionada em epígrafe não foi executada por V/Exmas. em conformidade com o convencionado, nem tão pouco com o projeto da obra que lhes foi previamente fornecido, nomeadamente no que concerne à quantidade de ferro utilizado, que foi drasticamente reduzida. Essa circunstância levou a que o dono da obra a não aceitasse, tal como foi construída. Neste sentido, contactámos V/Exmas. solicitando a eliminação dos ditos defeitos. Certo é que até ao momento presente tais defeitos não foram por V/Exmas. eliminados, pelo que procedemos nós mesmos à eliminação dos ditos defeitos. Sucede que essa eliminação acarretou naturalmente custos, bem como a redução do preço final da empreitada. Estes custos são da responsabilidade de V/Exmas. que naturalmente terão de suportar os mesmos’ (F). 7- Esta carta veio devolvida com a indicação “objeto não reclamado”, tendo a ré enviado, então, a referida carta à autora por fax – fls. 20/21v. (G). 8- A ré enviou à autora, a 20/04/2009, a carta junta a fls. 22, juntando a comunicação do dono da obra de fls. 22v./23, que aqui se dão por reproduzidas (H). 9- Esta carta veio também devolvida com a indicação “objeto não reclamado”, tendo a ré enviado, então, a referida carta à autora por fax – fls. 23v./25 (I). 10- A ré enviou à autora, a 14/05/2010, a carta junta a fls. 25v./26, registada e com a/r, do seguinte teor (além do mais que não interessa reproduzir): ‘Como é do conhecimento de V/Exas., a obra aqui em causa não foi executada conforme o acordado, nem tão pouco em conformidade com o projeto da mesma, que previamente foi fornecido a V/Exas. Razão pela qual a dita obra padece de inúmeros defeitos, oportunamente comunicados a V/Exas. Por outro lado, a própria estrutura do pavilhão ficou comprometida, tendo em conta, nomeadamente, a diminuição da quantidade de ferro usada por V/Exas. Para além do mais, a empresa que representamos tem procedido sucessivamente a intervenções necessárias para minorar os prejuízos ocasionados ao dono da obra, já que a empresa que V/Exas. representam sempre se recusou a qualquer intervenção nesse sentido. Os referidos defeitos ficaram unicamente a dever-se à deficiente execução da obra, bem como à diminuição tanto da quantidade como da qualidade dos materiais utilizados por V/Exas. Só agora foi possível chegar a um entendimento com o dono da obra. Esse entendimento passou pela significativa redução do preço da empreitada. Assim sendo, e tendo em conta: - que só à empresa que V/Exas. representam são de imputar os prejuízos decorrentes da deficiente execução da obra; - a significativa redução do valor da obra; - os pagamentos a que a empresa que representamos já procedeu, somos a comunicar a V/Exas. que não procederemos a qualquer outro pagamento à A..., L.da, por conta da subempreitada da obra aqui em causa” (J). 11- Esta carta veio devolvida com a indicação “objeto não reclamado”, tendo a ré enviado, então, a referida carta à autora por fax – fls. 26v./28 (K). 12- O pavilhão encontra-se atualmente licenciado (L). 13- A autora enviou à ré, a 30/08/2019, a fatura nº ..., com data de emissão e de vencimento de 27/08/2019, referente a “fornecimento e montagem de chapa simples e abertura de janelas na fachada do pavilhão em ... – trabalhos realizados em 2008”, no valor de 15.250,00€ – fls. 74 e 74v. (M). 14- A ré recebeu esta fatura a 03/09/2019 – fls. 74v. (N). 15- A ré devolveu esta fatura à autora, por carta registada com a/r, alegando não ter solicitado o fornecimento dos bens, nem a prestação dos serviços descritos na referida fatura, e que se reservava o direito de comunicar à Administração Fiscal a ilegalidade da emissão da fatura por, além do já invocado, a mesma aludir a trabalhos realizados em 2008 – fls. 30v./31v. (O). 16- E enviou uma outra via, em correio simples – fls. 33 (P). 17- Tanto a carta registada com AR, como a carta registada vieram devolvidas com a indicação “objeto não reclamado” – fls. 31v. a 34v. (Q). 18- Em Julho de 2015 a ora ré foi citada no âmbito do Processo de Injunção n.º 89109/15.1YIPRT, no qual a ora autora reclamava à ora ré o pagamento do montante de 35.000,00€, estando em causa a fatura nº ..., de 30 de Janeiro de 2008, e a fatura n.º ..., de 18 de março de 2008 (R). 19- Após apresentação de oposição o referido Processo de Injunção foi distribuído e correu termos como Ação de Processo Comum, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Santa Maria da Feira, Instância Local – Secção Cível – J2, tendo terminado por deserção da instância, nos termos do artigo 277.º alínea c) do CPC – fls. 41/42 (S). 20- A ré contratualizou com o dono da obra e, posteriormente, com a autora, aquando da celebração do contrato de subempreitada, a utilização dos seguintes materiais: a) Pilares e asnas em viga HEB 300; b) Madres de cobertura em viga IPN 120; c) Madres laterais em viga IPN 100; d) Contravento lateral em perfis tubulares ∅ 125 X 5 mm; e) Contravento de cobertura em perfis tubulares ∅ 155 X 5 mm; f) Platibanda executada em perfis IPN 100, incluindo revestimento interior em chapa simples, canelada, lacada cinza; g) Revestimento vertical em lateral em chapa simples, canelada, lacada cinza, com altura total de 4.350 mm, incluindo platibanda; h) Cobertura em painel sandwich 30 mm; i) Remates, rufos e caleiras. 21- A autora, sem o conhecimento e sem o consentimento da ré, na construção do pavilhão aqui em causa, não utilizou os materiais que haviam sido contratualizados, mas antes: a) Pilares IPE 220 e asnas/vigas IPE 200; b) Madres em calha C. 22- Tendo diminuído a quantidade de ferro prevista e contratualizada em aproximadamente 31.360 kg., o que afetou significativamente a estrutura do pavilhão. 23- E reduziu o valor real da obra em 37.005,00€, tendo em conta só o aço. 24- Nos moldes em que a autora o construiu, nem sequer era possível obter a necessária licença de utilização do edifício. 25- A autora recusou-se a fazer as intervenções necessárias para obtenção da necessária licença de utilização, apesar de oportunamente interpelada para o efeito. 26- A partir de certa altura, a autora deixou, mesmo, de atender os telefonemas da Ré. 27- A ré procedeu, por isso, a expensas suas, aos trabalhos necessários com vista a obter a imprescindível licença de utilização e a minorar os prejuízos do dono da obra, tendo procedido ao reforço da estrutura construída, nomeadamente ao nível das asnas, procedendo ainda à colocação de tirantes a meio. 28- Estas intervenções eram essenciais para garantirem a própria segurança do edifício. 29- A estrutura construída não permite a utilização de uma ponte rolante de vinte toneladas. 30- Não havia sido previsto nem no projeto de estabilidade, nem no projeto de licenciamento a construção de uma ponte rolante. 31- O preço final da empreitada que a ré celebrou com o dono da obra foi reduzido de 71.500,00€ (+IVA) para cerca de 50.000,00€ (+IVA). 32- À data da celebração da subempreitada referida em 2 dos Factos Provados, já a autora tinha construído para a ré: a) 7 pavilhões industriais (numa única empreitada) e uma pala/platibanda, mas com materiais fornecidos pela ré; b) um pavilhão em ..., o pavilhão dos autos e parte de uma estrutura da obra D..., na ... (estas duas obras adjudicadas em datas próximas), adjudicados com material e mão-de-obra a fornecer pela autora. 33- A autora levou a cabo a construção da estrutura do pavilhão dos autos nas suas instalações. 34- Antes da montagem da estrutura do pavilhão no local indicado pela ré, esta, ou alguém a seu mando, realizou os trabalhos de cimentação do piso em betão, no qual a autora introduziu os chumbadouros que suportam a estrutura, chumbadouros esses que foram cheios com betão pela ré ou alguém a seu mando, e após a secagem, cerca de 15 dias depois, foi então montada a estrutura do pavilhão pela autora. 35- O pavilhão referido nos presentes autos localiza-se em frente aos escritórios da ré. 36- O desenho junto pela ré na oposição, como documento nº 1, não prevê a existência de qualquer de qualquer ponte. 37- A execução de um pavilhão com as características descritas na proposta da ré, junta por esta como documento nº 1 da oposição, acarretaria um custo de 77.652,00€ (IVA incluído). 38- O pavilhão tal como se encontra executado acarretou um custo de 42.141,00€ (IVA incluído). Factos não provados a) a ré, para pagamento de parte da fatura referida em 4 dos factos provados, entregou, ainda, à autora, a quantia de 10.000,00€, através do cheque n.º ..., sacado sobre o Banco 2...; b) o cheque identificado na anterior alínea a) dos foi entregue pela ré à autora para pagamento parcial de outra obra que a autora também estava a executar para a ré, em Vila Nova de Gaia (Pavilhão D...), no valor de 135.000,00€, que foi paga através de 6 cheques, de 10.000,00€, cada, de um cheque de 35.000,00€ e de outro de 30.000,00€; c) as intervenções realizadas pela ré referidas em 28 e 29 dos factos provados importaram para esta num custo não inferior a 10.000,00€; d) o uso a dar ao edifício ficado consideravelmente restringido, não sendo possível, por exemplo, utilizar a estrutura para o exercício da indústria, como era pretensão do dono da obra; e) a autora, a pedido da ré, efetuou, ainda, em 2008, os trabalhos extra discriminados na fatura identificada em M) – montagem de chapa simples e abertura de janelas na fachada do pavilhão devido a alterações no projeto efetuadas pela Ré – no montante de 15.250,00€; f) na subempreitada dos autos, como em todas as outras empreitadas realizadas pela autora para a ré, esta limitava-se a solicitar à autora a construção de um pavilhão, com uma determinada largura e área total, indicando ainda se o mesmo levaria ou não uma ponte, não entregando qualquer desenho ou projeto relativo ao mesmo; g) mediante tais indicações, sempre foi a autora quem calculou o tipo de ferro a ser utilizado na construção dos pavilhões, seja em relação à quantidade, seja em relação às características do mesmo; h) quando a ré solicitou à autora a construção do pavilhão referido nos autos, limitou-se levar o representante legal da autora ao local onde o pavilhão iria ser instalado e informou que queria um pavilhão com 1050 m2 de área e uma largura de 15 metros; i) em face de tais informações, a autora calculou o tipo e quantidade de ferro necessário; j) toda a montagem do mesmo foi acompanhada e supervisionada pelos representantes legais da ré, mais especificamente pelo Sr. AA; k) já durante a execução da montagem do pavilhão, a ré solicitou à autora a alteração da estrutura do mesmo, a fim de serem executadas cerca de 11 aberturas para janelas, e o aumento da chapa até baixo; l) pelo que a autora teve de desmanchar o trabalho já efetuado, a fim de introduzir as pedidas alterações, não orçamentadas inicialmente, e que comportaram um custo adicional de 15.250,00€, peticionados pela fatura nº...; m) caso estivesse prevista a execução de uma ponte, nem sequer os pilares e asnas em viga HEB 300 suportariam tal ponte, antes teriam de ser aplicadas vigas HEB 400. * Fundamentação de direito A. Da censura dirigida pela apelante à decisão sobre a matéria de facto. Acolhe-se a deduzida impugnação no art. 662º do CPC, constatando-se ter a apelante observado as exigências impostas pelo art. 640º do CPC ao recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto (o incumprimento das exigências estabelecidas no preceito, que constituem verdadeiros ónus, é cominado com a rejeição do recurso no segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, quanto aos pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras[10]): - especifica os pontos impugnados e o concreto sentido que defende para o seu julgamento (e fá-lo nas conclusões[11]), pois pretende se julgue não provada a matéria que a decisão apelada elencou nos pontos 20 a 23 e 25 dos factos provados, - indica os concretos meios de prova (prova documental e depoimentos/declarações de parte prestados em audiência) que, no seu entender, impõem decisão diversa, enunciando os motivos da sua discordância, - fundando a discordância em meios probatórios (depoimentos/declarações de parte) gravados, indica as passagens das gravações que fundamentam a sua posição, procedendo à transcrição das passagens reputadas como relevantes (fá-lo até nas conclusões – e bastaria que o fizesse no corpo das alegações). Impõe-se, assim, a este tribunal proceder à reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se os mesmos conduzem, com estribo racional, ao julgamento pretendido pela apelante quanto aos factos impugnados ou, antes, a julgamento idêntico ao da primeira instância a seu propósito. Tarefa em que a Relação deve empregar os poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, procedendo a uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de, a partir delas, expressar a sua convicção com total autonomia, formar uma convicção autónoma[12]), alterando a decisão se em face dessa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder adquirir uma diversa convicção[13]. Apreciação crítica que se consubstancia na análise de todos os elementos probatórios, valorizando-os lógica e racionalmente – a decisão da matéria de facto não se reconduz ao resultado duma acrítica certificação do declarado por depoentes ou testemunhas, do constante em documentos particulares, antes assentando numa convicação objectivável e motivável, a que a se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e racionalidade (à luz das regras do bom senso, das regras da normalidade, da experiência da vida), ponderados os contornos da situação factual submetida a julgamento (assim se apreciando da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios - da consistência, coerência e racionalidade lógica de cada um - e também da sua valia extrínseca - da conjugação e compatibilidade entre todos). As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos, buscando-se através delas não a certeza absoluta – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’[14] –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’[15]. Considerandos que conduzirão o tribunal na reapreciação da matéria impugnada. A reapreciação dos elementos probatórios[16] produzidos nos autos levam-nos a concluir pela improcedência da impugnação e confirmação do julgamento proferido pela primeira instância. Em sustento da impugnação dirigida ao facto provado número 20 invoca a apelante que, ao contrário do que sustentaram os gerentes da ré nos respectivos depoimentos, estes não entregaram à autora os projectos e desenhos que fizeram juntar aos autos com a respectiva oposição como documento nº 1 (documentos em que se baseou o tribunal para julgar provada a matéria do facto 20), porquanto a obra foi adjudicada em 2008 e os referidos projectos e desenhos só viriam a ser elaborados, como deles consta, no ano de 2009, pelo que nunca poderia ser julgado provado que foram acordadas para a execução da obra as especificações elencadas em tal facto. Manifesta a improcedência da argumentação. Ambos os gerentes da ré afirmaram ter entregue à autora o projecto da obra a realizar (elemento essencial para que fosse por ela elaborado orçamento para a obra – o preço da obra dependia da quantidade de ferro a utilizar, elemento a que só se acedia consultando o projecto) e confrontados com os documentos juntos aos autos (fls. 12 e ss) afirmaram ser esses os documentos entregues. Acrescentou o gerente BB (inquirido na sessão de 22/06/2023) que entregaram também à autora, em vista de esta orçamentar a obra (e para elucidar a obra que teria de ser realizada), o orçamento que a ré havia apresentado à dona da obra, mas sem os preços que ofereciam (orçamento de Setembro de 2007, em que se referem, precisamente, as especificações técnicas referidas no facto 20 – orçamento que constitui o primejro dos elementos juntos à oposição como documento número 1). Certo que os restantes elementos, para lá do orçamento apresentado pela ré ao dono da obra, que compõem o documento nº 1 junto com a oposição – plantas – têm como data de elaboração o mês de Junho de 2009, sendo por isso posteriores à adjudicação da obra à autora (adjudicação feita em 2008). Todavia, tal não é decisivo para o julgamento do impugnado facto – concedendo-se que tais plantas e desenhos, elaborados em 2009, como esclarecido pelo Senhor perito, são plantas relativas à alteração do projecto inicial (cálculo de estabilidade de alteração ao projecto), de 2009), releva-se que através da entrega do orçamento pela ré à autora (orçamento pela ré elaborado para a dona da obra) foram fornecidos a esta os elementos de construção da obra necessários à sua execução e, desde logo, à apresentação de um orçamento para a sua execução, para o que seria essencial apurar da quantidade/qualidade de ferro a empregar (tais elementos constam no orçamento que a ré havia elaborado para a dona da obra e que forneceu à autora, ainda que ocultando os preços propostos) – orçamento que a ré elaborara porque se propusera realizar a obra pelos seus próprios meios, o que só não fez porque se viu entretanto sobrecarregada com várias outras obras, tendo de recorrer (até em vista de não se ver penalizada pelo respectivo incumprimento) à subempreitada de algumas, entre elas aquela a que respeitam os autos. Ademais, para lá desse elemento de prova (pois que de tal orçamento constam todas as especificações julgadas provadas no facto 20), não pode descurar-se o depoimento da testemunha DD (o legal representante do dono da obra), que não só afirmou ter contratado estrutura metálica que referiu (‘ferro 300’) como também (com especial relevo para a questão em análise) que viu na obra o subempreiteiro, estando este na posse dos projectos. Manifestamente improvável e implausível que uma empresa de serralharia (como é a autora) apresente um orçamento e aceite realizar uma obra de serralharia de dezenas de milhares de euros sem que esteja na posse dos necessários elementos que lhe permitam calcular o seu custo – designadamente a quantidade e qualidade do material a utilizar na construção de um pavilhão (que será submetido a licenciamento camarário) e as suas concretas especificações. Assim que a valorização conjugada dos elementos probatórios produzidos nos autos (os referidos depoimentos e o orçamento que constitui o primeiro elemento do documento junto como documento número 1 pela ré com a sua oposição) impõe se conclua – como na primeira instância –, atento o alto grau de probabilidade bastante para as necessidades práticas da vida, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência, pela veracidade da matéria do facto 20 – com a consequente improcedência da impugnação dirigida aos factos 21 a 23, pois assente, qual consequência, na não demonstração da matéria do facto 20, sendo certo que a matéria daqueles se mostra demonstrada pela prova pericial realizada nos autos (a perícia é inequívoca quanto à matéria de tais factos). Fundamenta a apelante a impugnação dirigida ao facto 25 nas declarações de parte do sócio gerente da ré, BB, que, alega, comportam a aceitação da obra no estado em que a mesma se encontrava. Declarações de parte – tal qual as do sócio AA – que, ao contrário do referido pela apelante, não revelam a aceitação da obra no estado em que a mesma se encontrava, antes evidenciam que os defeitos existentes foram comunicados ao legal representante da autora, que então passou a dificultar e a furtar-se aos contactos com a ré, não resolvendo os defeitos – enquanto o BB, referindo as diligências e contactos encetados em vista de que a autora providenciasse por resolver a questão (fazer o conserto da obra), quando ainda a obra não estava terminada por parte da autora, contactos a que a autora sempre se escusou, até faltando a reuniões marcadas, o AA aludiu também a atitude da autora, afirmando o manifestado propósito desta em não resolver a questão, o que determinou a ré, perante tal atitude, em solucionar, por si, e na medida do possível, os defeitos que a obra apresentava. Declarações (e sentido das mesmas) que se mostram corroboradas e estribadas nas comunicações (e respectivo teor) elencadas nos factos provados com os números 6 a 11 – comunicações dirigidas pela ré à autora, referindo-se às desconformidades da obra relativamente ao projecto a que a mesma deveria obedecer, à intimação para as corrigir e bem assim à inércia da autora, tudo enquadrado pela recusa do recebimento das cartas e/ou pelo seu não levantamento (comportamento da autora compatível com o afirmado pelos legais representantes da ré, ao realçaram a recusa de contactos e de solucionar o problema por parte da autora). De recusar, pois, a conclusão, aventada pela autora em vista de demonstrar o errado julgamento do facto 25, de que a ré aceitou a obra no estado em que a mesma se encontrava – o que a prova produzida demonstra é, pelo contrário, que a ré não só comunicou à autora a existência de desconformidades (defeitos) como pretendeu que a mesma os corrigisse. Improcede, pois, a censura dirigida pela apelante à decisão sobre a matéria de facto. B. Do mérito da apelação - a denúncia dos defeitos, a recusa na sua eliminação e o direito à redução do preço. Considerando a improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, é patente a improcedência da apelação, sendo de corroborar a decisão da primeira instância que considerou demonstrado o cumprimento defeituoso do contrato de subempreitada pela autora (subempreiteira) – veja-se a desconformidade entre os materiais contratados e os materiais efectivamente utilizados na obra (factos 20 e 21) –, a sua denúncia (vejam-se os factos 6 a 11 e 25), a não eliminação da desconformidade e recusa a fazê-lo pela subempreiteira e consequente direito da ré, empreiteira, à redução do preço (art.1222º do CC), ponderando que a desconformidade (a diminuição da quantidade de ferro) importou na redução do valor real da obra (tendo em conta só o aço), orçada em 70.000,0€, em 37.005,00€, tendo por isso a prestação já efectuada pela ré (pagamento de 35.000,00€) suplantado o valor da prestação recebida, ponderando a valorização económica feita pelas partes a propósito do preço a que a autora teria direito (correspectivo) pela realização da obra – o montante da redução do preço, nos termos dos arts. 1222º, nºs 1 e 2 e 884º, nº 1 do CC, deve encontrar-se utilizando a valorização económica considerada pelas partes para fixar o preço do contrato, pois que o propósito da redução é o de equilibrar e fazer equivaler as prestações recíprocas e sinalagmáticas das partes, por forma a que a prestação efectuada sem defeito realizada por uma, considerando a valorização que ambas fizeram do negócio, tenha reflexo na prestação a cargo da outra, que recebeu tal prestação parcialmente cumprida em defeito; a prestação a cargo da parte que recebe a obra deve corresponder ao segmento em que a mesma se mostra sem defeito ou desconformidade, em montante apurado considerando a valorização da contraprestação que esteve na base do contrato outorgado; tendo as partes valorizado a obra a efectuar em 70.000,00€ e tendo as desconformidades importado numa diminuição do seu valor em 37.005,00€, constata-se que a prestação a cargo da ré já efectuada (35.000,00€) suplanta o valor da prestação recebida (70.000,00€ - 37.005,00€ = 32.995,00€). Improcede, pois, a apelação. C. Síntese conclusiva Do exposto resulta a improcedência da apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC – excluindo os argumentos e ponderações exclusivamente referentes à apreciação e decisão sobre a impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto) nos seguintes termos: ……………………………… ……………………………… …………………………….... * DECISÃO * Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a sentença apelada. Custas pela apelante. * João Ramos Lopes Márcia Portela Alberto Taveira (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) ________________ [1] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 395. [2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 31 e pp. 119 e ss. [3] Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei nº 303/2007), p. 53. [4] Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 71 e p. 74. [5] Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 119/120. [6] P. ex., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 645 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 566. [7] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, p. 68. [8] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado (…), p. 69 afirma, a propósito, que os fundamentos não invocados na contestação não podem ser apresentados em sede de alegações ou contra-alegações de recurso – o que vale também para fundamentos não invocados na petição de embargos. [9] Cfr., a propósito, Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, 2014, p. 783. [10] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 176. [11] A indicação dos pontos impugnados tem de constar nas conclusões, mas a decisão pretendida para cada um dos pontos impugnados pode ser expressa no corpo das alegações (a especificação/indicação da decisão a proferir para cada um dos factos impugnados - do resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação - pode constar no corpo da motivação - as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões) - Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 165/166 e 168/169 e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Vol. I, p. 771. [12] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 290. [13] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227, Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 286/287, 298 a 303 (maxime 302 e 303) e, por exemplo, os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot), de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), de 16/12/2020 (Tomé Gomes), de 1/07/2021 (Rosa Tching) e de 29/03/2022 (Pedro de Lima Gonçalves), no sítio www.dgsi.pt. [14] A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339. [15] Manuel de Andrade, Noções (…), pp. 191/192. [16] Deixa-se consignado ter-se procedido à audição integral dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento (depoimento de parte do legal representante da ré e depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes). |