Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
448/10.2GVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA NATÉRCIA ROCHA
Descritores: ANTECEDENTES CRIMINAIS
CANCELAMENTO
PROVA PROIBIDA
Nº do Documento: RP20210414448/10.2GVFR.P1
Data do Acordão: 04/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA (RECURSO DO ARGUIDO)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O facto de o Tribunal a quo se referir sobre os antecedentes criminais constantes do certificado do registo criminal não consubstancia questão de que aquele Tribunal não podia tomar conhecimento, porquanto os referidos antecedentes criminais constam do (único) CRC do arguido junto aos autos e a que o Tribunal a quo se socorreu para os considerar na sentença que proferiu. Situação diferente, e que consubstanciaria a nulidade da sentença nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1 do art.º 379.º, do Cód. Proc. Penal, era a de constarem dos autos dois certificados de registo criminal do arguido: um CRC onde constassem as condenações do arguido e outro atualizado do qual já não constariam tais condenações por terem sido canceladas por força do disposto no art.º 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (anteriormente, art.º 15.º, da Lei n.º 57/98, de 18.08), e o Tribunal a quo ter valorado o primeiro em detrimento do CRC atualizado.
II - A questão sobre a valoração dos antecedentes criminais que, por força das citadas normas legais, devem considerar-se cancelados, tem suscitado controvérsia na Jurisprudência. Contudo, entendemos que, regulamentando a lei o cancelamento dos registos criminais e estabelecendo prazos peremptórios para tanto, em função da natureza e da medida das respectivas penas (cancelamento esse que, tal como assinalámos, na vigência da Lei 57/98, era automático), a possibilidade da sua valoração não pode estar dependente de qualquer aleatoriedade, relativamente à data do efectivo cancelamento, por parte de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por qualquer razão, não tenha procedido ao apagamento, no registo criminal, de decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas.
III - A não se entender assim, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do CRC, embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um CRC efetivamente atualizado, não seria, por isso, penalizado.
IV - Pelo que, considerar um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 448/10.2GBVFR.P1
Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira– J3– Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 448/10.2GBVFR a correr termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira (J3) foi julgado e condenado o arguido B… pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo p. e p. artigo 210.º n.º 1 do Código Penal (na pessoa de C…), na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo p. e p. artigo 210.º n.º 1 do Código Penal (na pessoa de D…), na pena de 2 anos de prisão, e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º n.º1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 10 meses de prisão, sendo que, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva.

Desta decisão veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das conclusões seguintes (transcrição):
I. O Tribunal a quo pronunciou-se relativamente a antecedentes criminais do arguido inscritos no CRC dos quais não podia tomar conhecimento, o que configura a nulidade da sentença, nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1, do art.º 379º do CPP.
II. Tendo em consideração o CRC do arguido nos termos em que foi emitido, a decisão recorrida viu contaminadas as operações de determinação das circunstâncias agravantes, a escolha da pena, a determinação da medida da pena e a determinação de eventual pena de substituição.
III. Ao fazê-lo, incorreu o Tribunal a quo na nulidade da sentença por violação dos art.os 1º, 2º e 18º n.º 2 da Constituição da República e dos art.ºs 40º n.º 1, 70º, 71º n.º 1 e 50º n.º 1 do CP.
IV. A prova referente aos antecedentes criminais do arguido deverá ser renovada.
V. A decisão recorrida não valorou adequadamente as circunstâncias atenuantes.
VI. Existindo circunstâncias dadas como provadas na sentença que não foram devidamente consideradas nem valoradas a favor do agente nos termos do artigo 71º nº. 1 e nº. 2 do CP, para uma justa determinação da medida da pena, ocorre, em nosso entender, uma violação do referido preceito legal.
VII. A qualificação da integração social do arguido deverá ser revista para ter objetivamente em conta a prova documental e testemunhal ad hoc suprarreferida (art.º 13º da motivação).
VIII. A qualificação das exigências de prevenção especial deverá ser revista à luz de prova renovada dos antecedentes criminais do arguido.
IX. A decisão recorrida acolhe as declarações relativas à situação familiar, pessoal e económica do arguido. No entanto, tal factualidade, ainda que dada como provada, foi incorretamente levada em consideração para efeitos do artigo 71º do Código Penal.
X. A decisão recorrida retirou erradamente da factualidade provada, que o arguido "demonstra uma personalidade contrária ao direito", sendo os antecedentes criminais constantes no CRC em crise um dos elementos- quiçá o principal- que motivam tal conclusão.
XI. Existe um erro notório na apreciação da prova, devendo conclusão ser eliminada da decisão recorrida, pois é incompatível com os factos dados como provados de que o arguido não pratica qualquer crime desde 2012 e regressou voluntariamente a Portugal para acertar as suas pendências judiciais.
XII. As considerações supra expendidas permitem concluir que a decisão recorrida não ponderou ou não ponderou adequadamente todos os fatores a que a lei manda atender em sede de atenuação geral da pena, violando o disposto nos art.os 40° e 71° do CP.
XIII. A operação de medida da pena deverá ser refeita tendo em conta um CRC expurgado de informação impertinente e levando em conta o percurso pessoal e comportamental do arguido desde 2012.
XIV. A decisão recorrida omitiu a possibilidade de atenuação especial da pena.
XV. Decorreram dez anos sobre a prática dos factos e oito anos desde a prática pelo arguido de qualquer ilícito penal;
XVI. Chegado a Portugal em outubro de 2019, o arguido cumpriu pena pela prática de crime de condução sem habilitação legal e cumpre atualmente pena por factos parcialmente idênticos aos dos presentes autos praticados em 12/05/2008, ou seja, anteriores aos que ora motivaram a sua condenação, não lhe restando qualquer outra pendência judicial penal;
XVII. No Reino Unido o arguido tem família estável, residência certa e trabalho assegurado.
XVIII. A omissão da atenuação especial da pena aplicada ao arguido viola a al. c) do n.º 1 do art.º 379º do CPP.
XIX. A decisão recorrida dá uma relevância desmesurada- et pour cause - aos antecedentes criminais, em detrimento da consideração devida ao percurso de vida do arguido, que permitiria prognosticar uma necessidade diminuída da pena privativa da liberdade.
XX. Este enviesamento configura erro notório na apreciação da prova, violando a al. c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP.
XXI. No iter decisório da suspensão da execução da pena deverão ser sopesadas todas as alternativas mais conformes às finalidades de prevenção das penas, antes ser adotada uma decisão de aplicação de uma pena de prisão efetiva.
XXII. A suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta e ao regime de prova, por um período de suspensão mais dilatado, sendo pacífico o reconhecimento de todas as vantagens que daí podem advir, em termos de ressocialização do agente e de proteção de bens jurídicos.
XXIII. É consabido que a prudente aplicação combinada de medidas é em geral eficaz para afastar o transgressor da prática de futuros ilícitos através da simples censura do facto e da ameaça da prisão, satisfazendo as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da paz e ordem públicas, realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XXIV. A decisão recorrida não se debruçou sobre qualquer uma destas possibilidades, incorrendo em violação do disposto nos artigos 40°, 50°, 51°, 52° e 53°, todos do CP.
XXV. A decisão recorrida incorre ainda no vício de deficiência de fundamentação.
XXVI. O vício de deficiência de fundamentação em que está incursa acarreta a sua nulidade, ao abrigo do que conjugadamente vem disposto no n.º 2 do artigo 374° e na alínea a) do artigo 379°, ambos do Código de Processo Penal.
Termina pedindo seja declarada inválida a decisão contida na sentença recorrida de que resultou a fixação da medida concreta da pena única de três anos de prisão efetiva aplicada ao arguido-recorrente, reenviando o processo para novo julgamento, ou, caso assim se não entenda, se suspenda a execução da pena subordinando-a, eventualmente, ao cumprimento de deveres e/ou à observância de regras de conduta,

A este recurso respondeu o Ministério Público nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, da seguinte forma:
- Insurge-se o recorrente contra, por um lado, a valoração do teor do certificado de registo criminal junto aos autos e, por outro, da concreta medida da pena que lhe foi aplicada, pretendendo vê-la suspensa na sua execução.
- Muito singelamente diremos apenas que do referido certificado constam as condenações "não canceladas", conforme alegado, no estrito cumprimento do disposto na Lei 37/2015, de 05 de maio, mormente nos seus artigos 10.º a 13.º.
- Assim, são de valorar, como foram, os antecedentes criminais do arguido e, nessa medida, ficaria prejudicada a apreciação do restante peticionado.
Mas sempre se dirá que,
- A incriminação ou não de certos factos depende de razões de política criminal, que variam no espaço e no tempo, e a imposição de sanções penais visa a proteção de determinados valores jurídico-criminais.
- O legislador, ao fixar a moldura penal abstrata, valora os bens jurídicos que são postos em perigo com a violação de determinada norma penal, atendendo ao bem jurídico violado e à sua ressonância ético-social.
- Posteriormente, é tarefa do julgador, face a uma violação da norma penal, encontrar o quantum exato da pena a aplicar.
- Como se sabe, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos, a defesa da sociedade e a reintegração social do agente.
- Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, que continua a constituir, não o fundamento, mas um dos fundamentos irrenunciáveis da aplicação de qualquer pena (dr. artigo 40.º, n." 1 e 2 do Código Penal).
- A eficácia do sistema jurídico-penal tem, pois, a ver com a prevenção, cabendo-lhe, por fim, na sua vertente especial, encontrar o quantum exato da pena que dentro dessa função melhor sirva as exigências de (re)socialização.
- À data da prática dos factos, o arguido tinha já sido condenado, para além de em penas (plural) de multa, numa pena de 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa; numa pena de 8 meses de prisão suspensa por 1 ano; numa pena de 8 meses de prisão e numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
- Deste modo, bem andou o Tribunal a quo ao aplicar a pena única sem qualquer substituição.
- Ponderando os fatores de determinação da escolha e medida concreta da pena, plasmados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, afigura-se-nos que a pena aplicada é justa e adequada.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a sentença recorrida.

Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra nos autos, pugna pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada mais veio a ser acrescentado de relevante ao conhecimento de recurso.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II- Fundamentação:
Fundamentação de facto
a) São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
1. No dia 24 de fevereiro de 2010, cerca das 16h00m, as ofendidas C… e D… aceitaram convite para passear com o arguido B…, que conduzia um automóvel ligeiro de passageiros da marca Rover, quando se encontravam na cidade de São João da Madeira.
2. No interior do veículo seguiam outros dois indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, um do sexo masculino, o outro feminino.
3. A dado momento do percurso, o arguido saiu da EN1, onde circulava no sentido Sul-Norte, virando na direção da localidade de …, Santa Maria da Feira; depois imobilizou e trancou as portas do veículo, sacou um objeto que aparentava ser uma navalha de dimensões não concretamente apuradas, e apontando-a em direção às ofendidas ordenou que estas lhe entregassem os seus telemóveis e respetivos códigos PIN e de segurança, bem assim, todo o dinheiro que tivessem.
4. Assim intimidadas, receando pela integridade física e até pela vida, caso não cooperassem, as ofendidas C… e D…, como solicitado, entregaram ao arguido dois terminais móveis da marca Samsung, modelo ….., cada qual com o valor venal de €59,90, um com o IMEI…………….., propriedade da primeira, o outro com o IMEI ……………., propriedade da segunda e comunicaram-lhe os códigos de segurança.
5. Posteriormente, o arguido conduziu o veículo até à localidade de São João de Ver, onde deixou as ofendidas e seguiu viagem, levando os telemóveis consigo, para local indeterminado.
6. O arguido agiu no propósito, de resto, concretizado, de se apoderar dos telemóveis acima descritos, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, antes eram propriedade das ofendidas C… e D…, contra a vontade de quem atuou.
7. E para realizar aquele intento não se coibiu de apontar uma navalha em direção às ofendidas, sabendo que tal ato era idóneo a fazê-las recear pela integridade física e até pela vida, como recearam e, consequentemente, a limitar-lhes a capacidade de reação e de defesa quanto ao ato de despojamento, assim, compelindo-as a proceder à entrega dos telemóveis.
8. Por outro lado, o arguido não era, nem é, titular de carta de condução ou de qualquer outro documento suscetível de o habilitar à condução do veículo ligeiro de passageiros da marca Rover, o que não ignorava.
9. E, mau grado, decidiu conduzi-lo em plena via pública, como conduziu, apesar de saber estar-lhe legalmente vedada tal atividade.
10. Em todas as circunstâncias narradas, o arguido B… agiu de forma livre e voluntária, perfeitamente consciente da ilicitude penal da sua conduta.
11. O arguido admitiu a condução do veiculo referido em 1) sem para tal estar devidamente habilitado.
12. O arguido é oriundo de um agregado familiar de condição sócio económica humilde (pai operário da construção civil e mãe doméstica), sendo o mais novo de uma fratria de 7.
13. Beneficiou de condições materiais ajustadas, apesar de algumas dificuldades que se iam verificando.
14. Integrou o sistema de ensino em idade considerada como normal, contudo o seu percurso mostrou-se irregular face ao desinteresse que foi apresentando em relação às matérias escolares lecionadas, o que originou o registo de pelo menos 2 ou 3 reprovações.
15. Com 17 anos, sensivelmente, começou a trabalhar na construção civil, conjuntamente com os seus irmãos e progenitor.
16. Em 2012 emigrou para Inglaterra, país onde se encontravam irmãos seus, e que lhe deram apoio aos mais diversos níveis, trabalhando na empresa de um irmão no sector das limpezas.
17. Em termos afetivos, em 2011 contraiu matrimónio, sendo que se encontra separado há já 6 anos, aproximadamente, concretizando divórcio em 2019.
18. Por altura dos factos em causa nos autos o arguido residia na habitação de progenitor na morada indicada nos autos.
19. O arguido encontra-se em Portugal desde outubro 2019, tendo estado detido no EP E… e posteriormente, entre dezembro 2019 e junho de 2020, cumpriu pena de prisão em regime de permanência na habitação com recurso a mecanismos de vigilância eletrónica, medida que decorreu com normalidade.
20. O arguido apresenta problemas de saúde (diabetes).
21. O arguido projeta regressar a Inglaterra com a brevidade possível, país onde o mesmo considera ter um conjunto de condições que lhe proporcionam condições de vida mais favoráveis aos mais diversos níveis, visto que conta com a possibilidade de integrar novamente a empresa deste familiar, laborando no sector das limpezas.
22. Em Inglaterra o arguido mencionou-nos que auferia um vencimento semanal de 250 €, bem como em termos habitacionais estava devidamente enquadrado.
23. Desde 23/09/2020 encontra-se detido no EP E…, cumprindo pena de prisão de 4 anos e 6 meses à ordem do processo 322/08.2JAPRT do Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2.
24. O arguido sofreu já as seguintes condenações transitadas em julgado:
a. PS 1662/02.0GAVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 9/01/2003 pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa;
b. PS 250/03.0GFVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 2/04/2003 pela prática em 16/03/2003 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa;
c. PCS 44/03.0GCVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 19/01/2004 pela prática em 19/09/2002 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 150 dias de multa;
d. PCS 7647/04.4TDPRT, foi condenado por sentença transitada em julgado em 29/06/2009 pela prática em 18/09/2014 de um crime de emissão de cheque sem provisão na pena de 75 dias de multa;
e. PCS 1235/04.2PAESP, foi condenado por sentença transitada em julgado em 28/03/2011 pela prática em 20/09/2004 de um crime de emissão de cheque sem provisão na pena de 150 dias de multa;
f. PS 316/11.0PFVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 14/11/2013 pela prática em 13/10/2011 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa;
g. PCS 540/10.3PTPRT, foi condenado por sentença transitada em julgado em 18/11/2011 pela prática em 19/04/2010 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão suspensa por 1 ano;
h. PS 218/12.3GCVFR, foi condenado por sentença transitada em julgado em 22/06/2012 pela prática em 20/04/2012 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão;
i. PCC 322/08.2JAPRT, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 6/07/2020 pela prática em 12/05/2008 de um crime de sequestro, um crime de extorsão na forma tentada e um crime de roubo na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
b) Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

c) É a seguinte a motivação da matéria de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios já constantes dos autos, tudo ao abrigo do princípio da livre valoração da prova previsto no art.º 127.º do C.P.P.
O arguido B… prestou declarações em audiência de julgamento, admitindo a condução do veiculo sem para tal estar legalmente habilitado, mas negando a autoria dos demais factos. Segundo o arguido, convidou as ofendidas para irem tomar café, sendo que uma delas lhe pediu para ir primeiro buscar um casal seu amigo (e que o arguido não conhecia), após o que foi buscar cada uma das ofendidas, perto de casa das mesmas. Segundo o arguido, ao seu lado seguia a ofendida C…, atrás desta o individuo do sexo masculino cuja identidade desconhece, atras do condutor, a ofendida D…, e no meio, o individuo de sexo feminino. Mais relatou o arguido que se apercebeu que o referido casal começou a discutir com as ofendidas sobre o valor dos seus telemóveis, dizendo que os mesmos valiam pouco, enquanto lhos tiravam da mão e tentavam revistá-las para tirar outros objetos que possuíssem. Mais afirmou que então parou a viatura junto de um fontanário em …. e alertou-os para pararem, sob pena de os deixar ficar a todos na estrada. Disse que todos os passageiros saíram da viatura, estiveram alguns minutos fora do carro e depois voltaram a entrar mais calmos. No entanto, porque voltaram todos a discutir sobre o valor dos telemóveis, acabou por parar novamente o carro na estrada nacional n.º 1 e dizer para todos saírem, deixando-os ficar em tal local. Negou, assim, ter subtraído qualquer telemóvel às ofendidas, ter uma navalha na sua posse ou qualquer intervenção nestes factos.
Foram ouvidas as testemunhas C… e D…, ofendidas nos autos, as quais efetuaram uma descrição consentânea entre si dos factos ocorridos na data em causa, dizendo que tinham combinado ir tomar um café com o arguido, sendo que o mesmo apareceu no carro com um casal, que as ofendidas desconheciam, dizendo tratar-se dos seus primos. Segundo as ofendidas, no lugar do passageiro seguia o tal individuo e atrás dele a C…, no meio a D… e atrás do condutor a outra rapariga. Após uma troca de palavras sobre o lugar onde iam, as ofendidas disseram-se desagradadas com a ideia de irem ao Porto, conforme sugerido pelo arguido. Relataram então que o mesmo parou a viatura junto a um fontanário e, virando-se para trás, com um objecto que lhes pareceu uma navalha, disse-lhes para lhe darem os telemóveis, o que fizeram por estarem com medo. Mais referiram que o outro rapaz lhes pediu os pins do telemóvel e a rapariga as revistou à procura de outros bens. Por fim, referiram que o arguido acabou por deixá-las sair do veiculo alguns metros à frente, dizendo-lhes para não apresentarem queixa.
As testemunhas foram ainda confrontadas, ao abrigo do disposto no art.º 356.º n.º 2 alínea b) e n.º5 do C.P.P. com as suas declarações prestadas em inquérito, perante OPC, e que se encontram a fls. 9 a 15, 24, 28 a 31 e 45 a 48 dos autos. Em tais declarações, prestadas em data mais próxima à da ocorrência dos factos, as ofendidas efetuaram uma pormenorizada descrição dos factos ocorridos no dia em causa nos autos, esclarecendo o contexto em que os mesmos ocorreram, a exata sequência dos acontecimentos e qual a concreta intervenção do arguido.
Ora, não só as ofendidas, quando confrontadas com tais depoimentos em audiência de julgamento, confirmaram que os factos decorreram da forma ali descrita, como a sua maior proximidade em relação à ocorrência dos factos e a menor solenidade do ato da sua prestação, à luz das regras da experiência, traduzirão mais fielmente a realidade, em virtude de as declarantes estarem em melhores (ou mais fáceis) condições para as prestar.
É certo que no auto de denúncia de fls. 3 e 24 as ofendidas não fizeram menção a alguns aspetos do seu depoimento posterior, tais como a existência de um objeto que aparentava ser uma navalha ou a presença de outras pessoas no interior do veículo. No entanto, quer pela forma pormenorizada como tais factos foram relatados na fase de inquérito, quer ainda pela espontaneidade e memória ainda vívida dos acontecimentos que demonstraram ter em audiência de julgamento, nenhuma ressalva nos mereceu tais depoimentos das ofendidas quanto à credibilidade que possam merecer. As ofendidas não revelaram qualquer especial animosidade para com o arguido ou sequer manifestaram qualquer particular rancor pelos factos ocorridos, motivo pelo qual o tribunal lhes atribuiu credibilidade.
Por fim, foi ainda valorada a seguinte prova documental: registo fotográfico de fls. 319 e informação do IMTT de fls. 367 e 368.
Em face da prova assim produzida, certo é que, desde logo, quanto à dinâmica dos factos, nenhuma dúvida nos suscitou a descrição que dos mesmos foi feita pelas ofendidas. Ademais, a versão apresentada pelo arguido também não mereceu qualquer credibilidade ao tribunal. O mesmo adotou um discurso pouco lógico e que não se afigurou credível à luz das regras da experiência, querendo fazer crer ao tribunal que, na sequencia de uma alegada discussão sobre o valor patrimonial dos telemóveis das ofendidas, duas das pessoas que transportava no seu veiculo (e cuja identidade desconhecia por completo) subtraíram os telemóveis e revistaram as outras duas pessoas, as ofendidas, suas amigas à data, e que o mesmo nada fez, optando por parar a viatura e deixar todos aqueles no meio da estrada, distanciando-se totalmente do que havia ocorrido. Note-se que, nem a posição dos passageiros no interior do veiculo referida pelo arguido é compatível com a sua versão, implicando que o outro indivíduo a quem o arguido imputou factos tivesse revistado a ofendida D… por cima da outra rapariga que se encontrava no meio, logrando retirar o telemóvel também à C…, a qual estaria no lugar do passageiro, à frente e ao lado do arguido. Tal versão é totalmente inverosímil e não mereceu qualquer credibilidade por parte do tribunal, tanto mais que surge desmentida pelos depoimentos das ofendidas, as quais relataram a autoria dos factos pelo arguido – ainda que conjuntamente com os outros dois passageiros da viatura – de forma que se mostrou séria, segura e objetiva. Nessa medida, o tribunal deu como provados todos os factos constantes da acusação (com pequenas precisões de pormenor que resultaram das declarações do arguido e dos depoimentos das ofendidas). Relativamente às características do objeto empunhado pelo arguido, as ofendidas relataram tratar-se de uma navalha. Porém, não tendo aquelas logrado examinar o objeto e em face da ausência da sua apreensão nos autos, apenas se poderá concluir que se tratava de um objeto que aparentava ser uma navalha.
Quanto às condições sociais e económicas do arguido, foi valorado o teor do relatório social elaborado pela DGRSP e junto aos autos, conjugado com o depoimento prestado pela testemunha F…, irmã do arguido.
Por fim, para prova dos antecedentes criminais do arguido, foi valorado o certificado de registo criminal junto ao processo.
*
Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).
Questões que cumpre apreciar:
- se a sentença recorrida enferma de nulidade por o Tribunal a quo ter valorado as condenações constantes do CRC que deveriam estar canceladas;
- se a sentença recorrida padece de nulidade por violação do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal;
- caso assim não se entenda, se a mesma medida da pena aplicada ao arguido, mas suspensa na sua execução e impondo ao arguido o cumprimento de regras de conduta previstas no art.º 52.º, do Cód. Penal, cumpre igualmente todas as exigências de prevenção geral e especial da situação em concreto.
Vejamos.
Alega o recorrente que o Tribunal a quo pronunciou-se relativamente a antecedentes criminais do arguido inscritos no Certificado de Registo Criminal, mas que deveriam estar cancelados, o que configura a nulidade da sentença, nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1, do art.º 379.º do Cód. Proc. Penal.
Vejamos, pois, se tal consubstancia nulidade da sentença por excesso de pronúncia, isto é, por o Tribunal a quo ter conhecido questão de que não podia tomar conhecimento.
Sob a epígrafe “Nulidade da Sentença”, dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal que: “É nula a sentença: (…); c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
O facto de o Tribunal a quo se referir sobre os antecedentes criminais constantes do certificado do registo criminal não consubstancia, a nosso ver, questão de que aquele Tribunal não podia tomar conhecimento, porquanto os referidos antecedentes criminais constam do (único) CRC do arguido junto aos autos e a que o Tribunal a quo se socorreu para os considerar na sentença que proferiu. Situação diferente, e que consubstanciaria a nulidade da sentença nos termos previstos na al. c), in fine, do n.º 1 do art.º 379.º, do Cód. Proc. Penal, era a de constarem dos autos dois certificados de registo criminal do arguido: um CRC onde constassem as condenações do arguido e outro atualizado do qual já não constariam tais condenações por terem sido canceladas por força do disposto no art.º 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (anteriormente, art.º 15.º, da Lei n.º 57/98, de 18.08), e o Tribunal a quo ter valorado o primeiro em detrimento do CRC atualizado. Ora, no presente caso não se verifica tal situação, razão pela qual não padece a sentença recorrida do apontado vício.
A nosso ver, a situação alegada pelo recorrente, poderia consubstanciar a nulidade da sentença, nos termos previstos na al. c), parte inicial, do n.º 1, do art.º 379.º do Cód. Proc. Penal, por o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre se se deveriam valorar os antecedentes criminais inscritos no CRC do arguido, mas que deveriam estar cancelados por força do disposto no art.º 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (anteriormente, art.º 15.º, da Lei n.º 57/98, de 18.08).
Contudo, como sabemos, a nulidade resultante da omissão de pronúncia, prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal, ocorre quando a decisão é omissa ou incompleta relativamente às questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, às questões de conhecimento oficioso e às questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais (cf. art.º 660.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art.º 4.º do Cód. Proc. Penal). Ora, no presente caso, nem tal questão é de conhecimento oficioso nem o recorrente, em momento algum antes da prolação da sentença, refere ter solicitado ao Tribunal a quo pronúncia sobre se deveriam ser valorados os antecedentes criminais inscritos no CRC do arguido, por os mesmos deverem estar cancelados por força do disposto no art.º 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (anteriormente, art.º 15.º, da Lei n.º 57/98, de 18.08).
Assim, a sentença recorrida não padece do apontado vício que determinaria a peticionada invalidade da mesma.
Verdadeiramente a questão suscitada em sede de recurso pelo recorrente é a de saber se o Tribunal a quo violou uma proibição de valoração de prova, o que, a verificar-se acarretará a necessidade de repensar e, eventualmente, reformular, quer a escolha quer a medida da pena em que o arguido foi condenado, expurgando da respetiva fundamentação todos os registos constantes do CRC, isto porque a relevância do CRC é evidente, pois fornece informação importante para a determinação da sanção, a escolha e a medida da pena.
Na verdade, a decisão sobre a pena assenta sempre num juízo de prognose, configurando “necessariamente uma estrutura probabilística” e não podendo “senão concretizar-se por aproximações” (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 27). Para tanto, há que dotar a sentença de todos os factos necessários à ponderação. Estes factos, que acrescem aos da culpabilidade, são essencialmente os que se relacionam com a personalidade do arguido e o seu comportamento anterior e posterior aos factos, incluindo os antecedentes criminais.
Os juízos de prognose pressupõem “um trabalho teórico-prático de recolha e valoração de dados e informações acerca das pessoas e dos factos em causa”, devendo, portanto, a decisão incluir os factos relativos à pessoa do condenado e os seus antecedentes criminais (cf. Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 28-30).
Assim, em caso de arguidos não primários, na determinação da pena há que avaliar os efeitos das condenações anteriores no comportamento do condenado, ou seja, saber das concretas sanções anteriormente experimentadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que penas idênticas possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena a proferir seja a de prisão. Antecedentes criminais significativos evidenciam, em princípio, necessidades de prevenção especial mais elevadas.
A sindicância da pena proferida na sentença envolve, pois, a apreciação dos pressupostos em que concretamente assentou, ou seja, envolve a tomada de posição sobre a possibilidade de valoração dos antecedentes criminais do condenado.
É este o fundamento da decisão que o recorrente problematiza em recurso. Os antecedentes criminais (e a ausência deles) relevam sempre na decisão sobre a pena, como se disse, e relevaram também concretamente neste caso concreto, como resulta da sentença.
Vejamos, pois, se assim sucedeu indevidamente.
Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante geral.
O registo criminal visa dar a conhecer o passado judiciário do condenado. Mas esse conhecimento deve ser um conhecimento legal, ou seja, conhecimento processado e obtido de forma lícita, através de um instrumento ou meio legalmente conformado.
Não poderemos deixar de referir que ao sistema de registo deve presidir uma intenção de restringir uma estigmatização social do delinquente. Por esta razão, tal como defende Almeida Costa (in “O Registo Criminal – História, Direito comparado, Análise político-criminal do instituto”), “(…) O cancelamento dos cadastros parece implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena)”.
O cancelamento dos registos é uma imposição legal. Uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.
O aproveitamento judicial de informação que só por anomalia do sistema se mantém no CRC, além de ilegal, viola o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro cujo CRC, nas mesmas condições, se encontre devidamente “limpo”. (cf. Acórdão do TRE, de 10.05.2016, disponível em www.dgsi.pt).
A sentença recorrida deu como provadas todas as nove condenações anteriormente sofridas pelo arguido, nos exatos termos que melhor resultam do respetivo certificado do registo criminal junto aos autos (cf. ponto 24 dos factos provados).
Para além disso, a escolha e a medida da pena tiveram em conta, não só, mas também, as referidas condenações, resultando, da correspondente fundamentação, terem-se elas constituído em factor particularmente relevante.
A sentença data de 15.10.2020 (publicação e depósito) e a interposição de recurso de 23.11.2020. Considerando as referidas datas, estava em vigor a Lei n.º 37/2015, de 05.05, (em vigor a partir de 06.05.2015), que veio a ser regulamentada pelo Dec. Lei n.º 171/2015, de 25.08 (em vigor a partir de 26.08.2015. (Aquela Lei veio revogar a Lei n.º 57/98, de 18.08; aquele Decreto Lei veio revogar o Dec. Lei n.º 381/98)
Sob a epígrafe “Cancelamento Definitivo”, é o seguinte o teor do art.º 11.º, da Lei 37/2015:
1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
(…)
g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.
3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.
(…)
6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável”.
Considerando os prazos decorridos contados a partir da extinção de cada uma das penas e atendendo à ocorrência, ou não, de condenação por crime de qualquer natureza, tal como determina o citado preceito legal, vejamos, então, se as condenações constantes do CRC deste deviam constar e, consequentemente, se o Tribunal podia, ou não, tê-las em conta na sentença recorrida.
De acordo com o ponto 24. dos factos provados, retirado do CRC do arguido junto aos autos, o arguido sofreu as seguintes condenações transitadas em julgado:
a. PS 1662/02.0GAVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 9/01/2003 pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa, cuja extinção* ocorreu em 19.05.2008;
b. PS 250/03.0GFVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 2/04/2003 pela prática em 16/03/2003 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa, cuja extinção* ocorreu em 23.02.2006;
c. PCS 44/03.0GCVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 19/01/2004 pela prática em 19/09/2002 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 150 dias de multa;
d. PCS 7647/04.4TDPRT, foi condenado por sentença transitada em julgado em 29/06/2009 pela prática em 18/09/2014 de um crime de emissão de cheque sem provisão na pena de 75 dias de multa, cuja extinção* ocorreu em 08.04.2011;
e. PCS 1235/04.2PAESP, foi condenado por sentença transitada em julgado em 28/03/2011 pela prática em 20/09/2004 de um crime de emissão de cheque sem provisão na pena de 150 dias de multa, cuja extinção* ocorreu em 07.04.2015;
f. PS 316/11.0PFVNG, foi condenado por sentença transitada em julgado em 14/11/2011 pela prática em 13/10/2011 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa, cuja extinção* ocorreu em 16.06.2020;
g. PCS 540/10.3PTPRT, foi condenado por sentença transitada em julgado em 18/11/2011 pela prática em 19/04/2010 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão suspensa por 1 ano, cuja extinção ocorreu em 17.06.2019;
h. PS 218/12.3GCVFR, foi condenado por sentença transitada em julgado em 22/06/2012 pela prática em 20/04/2012 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão, cuja extinção* ocorreu em 22.06.2016;
i. PCC 322/08.2JAPRT, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 6/07/2020 pela prática em 12/05/2008 de um crime de sequestro, um crime de extorsão na forma tentada e um crime de roubo na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, encontrando-se recluído, em cumprimento desta pena, desde 23.09.2020.
(*a extinção da pena aplicada ao ora recorrente considera a data do facto extintivo e não a data da decisão que declarou a extinção, por entendermos que a interpretação mais consentânea com o espírito da norma aponta para que seja o momento em que ocorre o factor extintivo da pena aquele que deverá relevar para efeitos de contagem do prazo, tanto mais quanto é certo que a lei não alude à declaração/decisão de extinção da pena mas, sim à extinção desta propriamente dita (“decorridos 5 anos sobre a extinção da pena” – destaque e sublinhado de nossa responsabilidade. Reconhece-se, todavia, que a ocorrência de um facto, verdadeiramente, só existirá, na plenitude dos seus efeitos, a partir da altura em que uma decisão judicial o reconheça e declare como tal. Contudo, entendemos que os efeitos da decisão que declare a extinção da pena, no que ao cancelamento do registo criminal diz respeito, hão de retroagir à data em que ocorreu o factor extintivo da pena de multa, ou seja, o correspondente pagamento. E, muito embora a pena cuja execução ficou suspensa, a lei exija declaração expressa da sua extinção (cf. art.º 57.º, n.º 1, do Cód. Penal), a verdade é que, para efeitos do cancelamento do registo criminal, o que releva é a data em que se esgotou o prazo de suspensão, posto que cumpridos os requisitos que, porventura, a condicionassem).
Nos termos do disposto nas a) e b), do n.º 1, do art.º 11.º, da Lei 37/2015, tendo em conta que todas as condenações são em penas de prisão, inferiores a 5 anos, ou em penas de multa, o prazo de cancelamento definitivo dos respetivos registos é de 5 anos “sobre a extinção da pena”,desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”.
Anote-se, porque, a nosso ver, particularmente relevante, enquanto o n.º 1 do art.º 11º, da Lei 37/2015 dispõe que “As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:”, o n.º 1, do art.º 15.º, da Lei 57/98 estabelecia que “São canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal:”.
A questão sobre a valoração dos antecedentes criminais que, por força das citadas normas legais, devem considerar-se cancelados, tem suscitado controvérsia na Jurisprudência. Contudo, entendemos que, regulamentando a lei o cancelamento dos registos criminais e estabelecendo prazos perentórios para tanto, em função da natureza e da medida das respetivas penas (cancelamento esse que, tal como assinalámos, na vigência da Lei 57/98, era automático), a possibilidade da sua valoração não pode estar dependente de qualquer aleatoriedade, relativamente à data do efetivo cancelamento, por parte de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por qualquer razão, não tenha procedido ao apagamento, no registo criminal, de decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas.
A não se entender assim, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do CRC, embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um CRC efetivamente atualizado, não seria, por isso, penalizado.
Pelo que, considerar um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.
Da análise do caso concreto de que ora nos ocupamos, ao percorrer-se o CRC constante do processo, ser-nos-á possível, desde já, por aplicação dos critérios decorrentes da norma referenciada, concluir que no decurso dos 5 anos a contar da data de extinção de cada uma das referidas penas aplicadas ao arguido, este foi condenado, por sentença transitada em julgado, por novo crime, ainda que de natureza diversa.
Assim, a manutenção, no certificado, do registo de uma condenação está sempre justificada pela condenação constante do seguinte registo.
Pelo exposto, todas as condenações constantes do registo do arguido são passíveis de valoração, posto que, em qualquer caso, da data de extinção de cada uma das penas nunca decorreram 5 anos sem que o arguido não tivesse sido condenado por sentença transitada em julgado por novo crime.
Do exposto, resulta que o Tribunal a quo não valorou prova que lhe estava vedado valorar, razão pela qual, e por esse motivo, não há a necessidade de repensar e, eventualmente, reformular, quer a escolha, quer a medida da pena em que o arguido foi condenado.
Alega a recorrente que a sentença recorrida enferma de nulidade por insuficiência de fundamentação.
Nos termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.2018 (disponível em www.dgsi.pt) a necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP, que concretizam os requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, decorre diretamente do art.º 205.º, n.º 1, da CRP. A fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspetos do direito a um processo equitativo protegido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Por outras palavras, mas exatamente no mesmo sentido, refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.05.2019 (disponível em www.dgsi.pt), que é pela fundamentação que a decisão se revela um ato não arbitrário, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional. É por ela que as partes ficam a saber da razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente admitidos.
Não surpreende, pois, que a falta de fundamentação da decisão, quando ela é devida, gere a sua nulidade. Este vício penaliza a falta absoluta de fundamentação da decisão, não padecendo desse vício, aquela que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada. Este é o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência.
A falta de fundamentação da decisão, seja ela um mero despacho ou uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira.

Ora, no presente caso, a sentença recorrida apresenta a sua fundamentação da decisão de facto e a sua fundamentação sobre a escolha e a medida da pena aplicada ao arguido, não se vislumbrando que a mesma padeça de falta de fundamentação.
Alega, ainda, o recorrente que a sentença recorrida padece de vício que determina a sua nulidade, por ter omitido a aplicação da atenuação especial da pena aplicada, violando, por isso o disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal.
Seguindo os ensinamentos do Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 26.10.2011 (disponível em www.dgsi.pt), o instituto da atenuação especial da pena tem em vista casos especiais expressamente previstos na lei, bem como, em geral, situações em que ocorrem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena – art.º 72.º, n.º 1, do Cód. Penal. Pressuposto material da atenuação especial da pena é, pois, a ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo certo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. Por isso, a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Trata-se, assim, de uma válvula de segurança, só aplicável a situações que, pela sua excecionalidade, não se enquadram nos limites da moldura penal aplicável ao respetivo crime, ou seja, a situações em que se mostra quebrada a relação/equivalência entre o facto cometido e a pena para o mesmo estabelecida, consabido que entre o crime e a pena há (deve haver) uma equivalência.
De acordo com o que se deixa exposto, apenas na situação em que haja ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída, é que é obrigatória a aplicação do instituto da atenuação especial da pena, ocorrendo omissão de pronúncia, que determina a nulidade da sentença, caso não seja aplicado.
Ora, de acordo com a fundamentação de direito apresentada pelo Tribunal a quo é manifesto que o caso presente não foi entendido como um caso extraordinário ou excecional em que a data da ocorrência dos factos (fevereiro de 2010) fosse circunstância que diminuísse de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena.
Situação diversa da descrita nulidade da sentença é o recorrente entender que deveria ter sido aplicado o instituto da atenuação especial da pena considerando a data da ocorrência dos factos e as demais circunstâncias do caso e, por isso, recorrer da sentença com esse fundamento, o que, mais adiante, será objeto de análise (apenas para que dúvidas não se suscitem, pois, é nossa convicção, que o recorrente não tem tal situação como um dos fundamentos do seu recurso).
Considerando o que se deixa exposto, não se verifica a omissão de pronúncia que lhe era apontada pelo recorrente, não padecendo a sentença recorrida da arguida nulidade.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso apresentado pelo arguido.
Alega o recorrente que a decisão, apesar de as ter considerado provadas, não valorou a favor do arguido as circunstâncias atenuantes para uma justa determinação da medida da pena, não só as atinentes à integração social do arguido como também as referentes aos antecedentes criminais do arguido que deveriam estar cancelados.
No que concerne aos antecedentes criminais constantes do certificado do registo criminal do arguido, já acima deixámos explicada a razão pela qual, ao contrário do defendido pelo arguido, os mesmos estão, e bem, registados, pelo que podem ser, como o foram, valorados pelo Tribunal a quo.
Analisemos, agora, a sentença recorrida no que se refere, nomeadamente, às circunstâncias atenuantes por forma a avaliar se não foi efetuada uma ponderação adequada de tais circunstâncias como alega o recorrente.
De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.07.2017, no processo 17/16.3PAAMD.L1-9, in www.dgsi.pt, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. A intervenção corretiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”.
Importa recordar que no artigo 71.º do Cód. Penal se encontra consagrado o critério geral para a determinação da medida da pena que deve fazer-se «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», concretizando-se, no seu número 2, que na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais:
- fatores relativos à execução do facto [alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta];
- fatores relativos à personalidade do agente [alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e
- fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto (alínea e).
Deverá a pena a aplicar permitir alcançar o desiderato contido no número 1 do artigo 40º do Cód. Penal – a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sem olvidar que, como consta do número 2 desse preceito, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A sentença recorrida, considerando o disposto no art.º 71.º, n.º 1, do Cód. Penal, referiu o seguinte:
“Ora, reportando ao caso concreto, haverá que ter em consideração as seguintes circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, relativamente a ambos os crimes:
- atenuantes: o valor não muito elevado dos bens subtraídos; a ausência de consequências graves para as ofendidas; o período de tempo já decorrido desde os factos em julgamento, não havendo noticia da ocorrência de factos posteriores; a circunstância de o arguido ter admitido a condução de veiculo automóvel sem para tal estar legalmente habilitado; a moderada integração social e profissional do arguido e o apoio familiar de que beneficia;
- agravantes: o dolo do arguido, que reveste a sua modalidade mais intensa, de dolo direto; os antecedentes criminais, visto que, para além de outros tipos legais de crime (emissão de cheque sem provisão), o arguido sofreu já seis condenações pela prática de crime de condução sem habilitação legal e uma condenação pela prática de crimes contra as pessoas e contra o património (roubo, sequestro, extorsão na forma tentada), o que agrava em larga medida as exigências de prevenção especial.
Assim, ponderando as exigências de prevenção especial que tais circunstâncias demandam e as de prevenção geral, de reposição da confiança da sociedade na norma jurídica violada, e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, o qual é moderado, pela prática de cada um dos dois crimes de roubo mostra-se adequada a aplicação da pena de 2 (dois) anos de prisão, e pela prática do crime de condução sem habilitação legal mostra-se adequada a pena de 10 (dez) meses de prisão.
Importa agora determinar a pena única a aplicar ao arguido pela prática dos dois ilícitos criminais cujas penas parcelares se determinaram, tendo em consideração a moldura do concurso estabelecida por recurso aos critérios previstos no art.º 77.º n.º 2 do C.P. e cujo limite mínimo corresponde à pena parcelar mais elevada (2 anos de prisão) e o limite máximo à soma das penas parcelares concretamente apuradas (4 anos e 10 meses de prisão).
A justificação para o regime especial de punição previsto no art.º 77.º do C.P. radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente. Assim, considerando conjuntamente os factos (cuja gravidade se mostra elevada, mas foram praticados no âmbito de um mesmo quadro factual), a personalidade do arguido e os já referidos antecedentes criminais, e concluindo da factualidade provada que a prática dos ilícitos em causa demonstra já uma personalidade contraria ao direito, com especial incidência quanto aos crimes de natureza estradal e patrimonial, determina-se a aplicação ao arguido de uma pena única de 3 (três) anos de prisão”.
A referida medida da pena concretamente aplicada ao crime de roubo e, após o cúmulo jurídico efetuado, à pena única, situa-se abaixo do ponto médio da moldura penal prevista e, na sua fixação, foram atendidos os critérios do art.º 71.º, do Cód. Penal, razão pela qual, e no que a este propósito diz respeito, nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida, nomeadamente à ponderação efetuada às circunstâncias atenuantes e às agravantes considerando os factos dados como provados.
Sempre se consigna que, considerando as condutas ilícitas do arguido, o facto de as mesmas terem ocorrido em fevereiro de 2010 não permitem, só por si, - e até mesmo conjugadas com a sua integração e apoio familiar, com o valor não muito elevado dos bens subtraídos e a ausência de consequências graves para as ofendidas – concluir que os factos praticados pelo arguido se apresentam com uma gravidade tão diminuída que determinem uma diminuição da culpa ou das exigências de prevenção que exija a aplicação do instituto da atenuação especial da pena.
Assim, a decisão recorrida no que concerne à medida concreta das penas parcelares e da pena única é inteiramente correta, equilibrada e ajustada aos níveis da culpa e da ilicitude refletidas na conduta do arguido, bem como das exigências de prevenção especial e de prevenção geral.
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.
Para fundamentar o seu recurso, alega o recorrente que a mesma medida da pena, mas suspensa na sua execução e impondo ao arguido o cumprimento de regras de conduta previstas no art.º 52.º, do Cód. Penal, cumpre igualmente todas as exigências de prevenção geral e especial da situação em concreto.
Decorre do estabelecido pelo art.º 50.º, n.º 1, do Cód. Penal que a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos é suspensa se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, uma vez que que o seu cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.
Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal).
O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável.
A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ter lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do mencionado art.º 50.º do Código Penal. Circunscrevendo-se estas, de acordo com o art.º 40.º do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.
Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, § 518, págs. 342/3., pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». E acrescentava: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Adverte ainda o citado Professor que apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Reafirma que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
A suspensão da execução da pena tem na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
A suspensão da execução da pena não pode, contudo, ser vista como forma de clemência legislativa, pois tem forte exigência no plano individual, sendo particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como fatores de inclusão, evitando os riscos de fratura familiar, social, laboral e comportamental como fatores de exclusão.
A suspensão de execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa.
Como se extrai de um outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.01.2008, “São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas com o fim de melhor reinserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter”.
A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado.
A caracterização da suspensão da execução da pena de prisão como um poder vinculado conduz à necessidade de fundamentação da decisão que a aplica, ou a desconsidera, incorrendo em nulidade a decisão que não contemple tal injunção, de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 379.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Código de Processo Penal.
Considerando o que se deixa exposto, vejamos do caso presente.
Como dito, sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas de substituição, o Tribunal só deve recusar essa aplicação quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias.
Estando verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos), há que indagar se ocorre o respetivo pressuposto material, isto é, se se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente se bastarão para afastar a arguida da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão.
O Tribunal a quo entendeu que não e justificou assim a conclusão a que chegou: “No caso vertente, o arguido tem antecedentes criminais, designadamente pela prática de crimes da mesma natureza, encontrando-se atualmente a cumprir pena de prisão efetiva pela prática de crimes idênticos. Com o efeito, não obstante a integração social de que beneficia, certo é que ao arguido foram aplicadas sucessivas penas não privativas da liberdade, sendo que, ainda assim, o arguido voltou a delinquir ao praticar os factos em causa nestes autos, os quais revestem elevada gravidade. Em face disto, torna-se inviável a formulação de um juízo de prognose positiva que permita ao tribunal considerar que a censura e ameaça de cumprimento de uma pena de prisão serão paliativos suficientes para afastar o arguido da prática de novos crimes”.
Não merece qualquer censura a decisão recorrida que aplicou ao recorrente a pena de de prisão efetiva. Nenhuma disposição legal ou mandamento constitucional – mormente de proporcionalidade – se mostra infringido.
A história de vida do arguido comprova que, apesar de o seu desenvolvimento ter decorrido num contexto familiar com alguma organização, desembocou em graves problemas de socialização relacionados com a prática de atos delituosos (o arguido tem anteriores condenações).
O cenário que envolveu os atos em apreciação não é alheio a tal percurso, e a conduta do arguido acaba, afinal, por revelar características da sua personalidade em nada compatíveis com a possibilidade de lhe ser facultada a almejada pena de substituição, não obstante não lhe ser conhecida a prática de factos ilícitos após a sua partida para o Reino Unido.
A conjunção de necessidades de prevenção geral face ao bem jurídico questionado e cuja validade tem de ser reafirmada, bem como de outras de prevenção especial que o passado do arguido não comprovam, e, pelo contrário, antes infirmam, não permitem preencher o juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir.
A circunstância de a pena privativa da liberdade surgir no nosso sistema punitivo sempre como a ultima ratio, não significa, porém, que não haja casos em que só essa pena é adequada a satisfazer os fins das penas.
Se deve privilegiar-se a socialização em liberdade, não é menos certo que a defesa do ordenamento jurídico não pode ser postergada, sob pena de se sacrificar a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha.
Considerando tudo quanto se deixa exposto, improcedem as alegações do arguido recorrente e, em consequência improcede o recurso pelo mesmo interposto.
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça.

Porto, 14 de abril de 2021
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas suas signatárias)
Paula Natércia Rocha
Élia São Pedro