Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
756/20.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE DO DIREITO
CONJUNTO DE FACTOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20220608756/20.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Se a trabalhadora procede à resolução do contrato de trabalho invocando justa causa, alegando um conjunto de factos que se sucedem, sem serem independentes, na apreciação da caducidade do direito da trabalhadora a resolver o contrato de trabalho não se podem fracionar os factos, pois foi no conjunto dos factos que a trabalhadora retirou a gravidade que impossibilitou a continuidade da relação de trabalho.
II - Se desse conjunto de factos faz parte a alegação de ter sido aplicada em procedimento disciplinar sanção “totalmente injustificada, infundada”, pode o tribunal apreciar se essa foi uma “sanção abusiva”, não se exigindo a formulação de pedido expresso de anulação da aplicação da sanção, porque estamos perante fundamento da resolução do contrato de trabalho com justa causa, sendo este o pedido cuja apreciação que passa pela apreciação da aplicação da sanção disciplinar.
III - A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador é efetuada extrajudicialmente, como prevê o art.º 395º do Código do Trabalho, o qual não exige que seja formulado pedido da indemnização prevista no art.º 396º do Código do Trabalho, não ficando o trabalhador de reclamar o pagamento dessa indemnização em juízo se não fizer referência a ela na carta de resolução.
IV - A indemnização prevista no nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho, abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais, tratando-se de indemnização fixada conjuntamente com os critérios ali referidos, apenas se podendo fixar um valor fora desse critério, como prevê o nº 3 do mesmo artigo, isto é superior, no caso de o valor assim arbitrado não se mostrar adequado à salvaguarda de todos os danos (patrimoniais e/ou patrimoniais) efetivamente sofridos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 756/20.4T8MAI.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia – J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou contra “F..., Lda.” (Ré) a presente ação, com processo comum, pedindo a condenação da Ré:
a) a reconhecer a justa causa de resolução do contrato de trabalho;
b) a pagar-lhe a quantia de € 38.617,31 a título de indemnização pela cessação do contrato e por danos de ordem não patrimonial, bem como de outros créditos salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que é trabalhadora da Ré desde 21/10/2003, sendo o local de trabalho sempre o Departamento de Contabilidade, mas no início de outubro de 2019 a chefe do seu departamento comunicou-lhe que a Ré a pretendia transferir para o Departamento de Logística da sociedade “X..., Lda.”, manifestando a Autora desde logo oposição a essa pretensão; em 21/10/2019 recebeu carta da Ré a comunicar essa transferência a partir de dia 23, tendo interpelado a Ré por email de 23/10/2019, que lhe respondeu e após foi convocada para reunião a ter lugar dia 29, na qual compareceu; no final da reunião foi-lhe apresentada a ata, na qual consignou “tomei conhecimento e não aceito”; no dia seguinte interpelou a Ré por email, respondendo a Ré, comunicando a Autora que não iria para a Logística, e continuou a exercer as suas funções; a partir dessa data a sua superior hierárquica começou a trata-la com agressividade, a dificultar-lhe o trabalho e a impedi-la de executar atempadamente as tarefas, atribuindo-lhe outras, desnecessárias e em excesso; permanecia longos períodos sentada ao seu lado ou de pé nas costas a fiscalizar e criticar o seu trabalho; perseguia-a durante todo o período de trabalho, e passou a recusar-lhe a compensação dos minutos de atraso à chegada com a hora de almoço ou da saída; ao mesmo tempo instaurou-lhe procedimento disciplinar, comunicando-lhe em 15 de novembro a intenção de lhe aplicar a sanção de 20 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, vindo a aplicar-lhe a sanção de 10 dias; em 10/01/2020 comunicou por carta a resolução do contrato com justa causa; por causa da atuação da sua superior hierárquica passou a sofrer de “burnout” no trabalho.

Foi determinada a não realização de «audiência de partes» em face da situação de pandemia, sendo notificada a Ré para poder contestar, apresentando a mesma contestação na qual alegou, em resumo, que a Autora não cumpriu a obrigação legal de na comunicação escrita à empregadora fazer uma indicação, ainda que sucinta, dos factos que justificam a resolução do contrato; a Autora entrou de baixa em 22/11/2019, tendo feito a comunicação da resolução do contrato para lá de 30 dias depois de conhecidos os factos, verificando-se a caducidade do direito; que é falso o alegado pela Autora e não são devidos todos os créditos peticionados; formula pedido reconvencional pedindo o pagamento de indemnização porque improcedente a justa causa para resolução do contrato, operando-se a compensação com os créditos que reconhece serem devidos; a Autora litiga de má-fé; termina dizendo dever ser a ação julgada improcedente e absolvida do pedido, ser julgada procedente a exceção de caducidade e procedente a reconvenção, e ainda condenada a Autora como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização à Ré.

A Autora apresentou resposta, em que reduz o pedido relativo a créditos em falta, contradiz o alegado pela Ré, e pede a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da Autora, a liquidar nos termos do disposto no art.º 543º do Código de Processo Civil.

Foi proferido despacho a admitir a redução do pedido apresentada pela Autora e a reconvenção apresentada pela Ré.
Foi fixado o valor da ação em € 40.438,26.
Foi proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade da instância, relegando para final o conhecimento da invocada exceção de caducidade do direito de resolução “no que respeita ao pretenso assédio”, sendo dispensada a prolação de despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas de prova.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo julgar parcialmente procedente a ação e em consequência condenar a Ré a:
a) reconhecer a justa causa de resolução do contrato de trabalho;
b) pagar à Autora a quantia de € 25.063,29, a título de indemnização pela cessação do contrato e por danos de ordem não patrimonial e de outros créditos salariais;
c) pagar à Autora os juros de mora, à taxa legal, que se vencerem quanto às indemnizações em que a Ré vai condenada em b) no montante total de € 22.268,42, desde a data da prolação da sentença até integral pagamento;
d) pagar à Autora os juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos quanto ao montante de € 2.794,87 de outros créditos salariais, em que a Ré vai também condenada em b), desde a citação até integral pagamento.
sendo a Ré absolvida do demais contra si peticionado na presente ação.
Foi ainda julgado totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré/Reconvinte e, em consequência, absolvida a Autora/Reconvinda da totalidade do pedido reconvencional contra si deduzido na presente causa.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
………………………………
………………………………
………………………………
Termina dizendo dever o recurso ser julgado integralmente procedente, e a sentença recorrida revogada, julgando-se totalmente procedente o pedido reconvencional.

A Autora apresentou resposta, sem formular conclusões, pronunciando-se no sentido de o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente e nos próprios autos (sendo o efeito meramente devolutivo).

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de o recurso não obter provimento, improcedendo a impugnação da matéria de facto e mantendo-se o decidido na apreciação desses factos, bem como sobre a não caducidade do direito de ação.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[2], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[3] é saber se:
● verifica-se a nulidade da sentença recorrida por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento?
● houve erro no julgamento sobre a matéria de facto?
● verifica-se a caducidade do direito da Autora à resolução do contrato de trabalho?
● não se configura justa causa para resolução do contrato de trabalho pela Autora/trabalhadora?
● não pode haver condenação no pagamento de indemnização? não sendo de qualquer modo devida a quantia fixada a título de danos não patrimoniais?
● deve proceder o pedido reconvencional apresentado pela Ré?
*
Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de contabilidade, auditoria e gestão.
2. Por contrato celebrado em 21 Out 2003, admitiu a Autora para, sob a sua autoridade, direção e fiscalização desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de escriturária de 3ª;
3. Pelo prazo de um ano, mediante a retribuição mensal de € 550,00 e nos demais termos e condições constantes do respetivo instrumento junto a fls.10 e v., nomeadamente, nos termos da sua Cláusula 5ª:
“1. O horário de trabalho que o segundo outorgante se obriga a cumprir é de Segunda a Sexta-feira, das 08.30 às 17.30.
2. Porém, o segundo outorgante dá, desde já., o seu acordo à alteração do horário de trabalho estabelecido no número anterior, inclusive para o regime de turnos (diurno e/ou noturno), desde que tal alteração seja determinada por razões de funcionamento da primeira outorgante.”
4. E nos termos da sua Cláusula 6ª, prevê-se a submissão da relação laboral ao CCT FENAME/FETESE, posteriormente revogado in BTE 36 de 29/09/2016 e substituído pelo CCT FENAME-SITESE da mesma data, atual CCT FENAME-SITESE, in BTE 27 de 22/07/2019.
5. Fruto de sucessivas renovações, o aludido contrato convolou-se em sem termo.
6. A partir de 2009 à Autora passaram a ser cometidas, com caráter permanente, as funções inerentes à categoria de ‘Técnica de contabilidade e tesouraria’, na qual foi reclassificada, e que consistiam na execução das tarefas melhor descritas no ‘Mapa de Eficiência de Gestão’ junto a fls. 11 e vº.
7. O seu local de trabalho foi sempre no Departamento de Contabilidade, sito no 1º andar do ... das instalações da Ré.
8. No ano de 2013 foi aplicada à Autora sanção de 7 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade.
9. E em 2019 o seu vencimento mensal era de € 1.067,05, acrescido de € 17,46 de abono para falhas e € 6,16 diários de subsídio de refeição.
10. Em início do mês de outubro de 2019, a chefe do departamento da Autora, Sra. BB, informou-a que a Ré pretendia transferi-la para o Departamento de Logística da sociedade X..., Lda.
11. A Autora manifestou desde logo a sua oposição e solicitou que tal pretensão lhe fosse transmitida por escrito.
12. No dia 03 de outubro de 2019, a Autora iniciou um período de baixa, que durou até ao dia 26 de outubro de 2019.
13. Em 21 Out, por carta registada expedida em 18 Out, recebeu a seguinte Ordem de Serviço, junta a fls.12 v.:
“Vimos informar V.Exª que, por razões emergentes e inadiáveis de organização e funcionamento da empresa F..., Lda., nomeadamente no âmbito dos serviços por esta prestados à sociedade X..., Lda. se impõe como medida de salvaguarda de postos de trabalho, que passe a exercer funções nos seguintes termos:
− 50% no Departamento de Contabilidade (nos mesmos termos que vem exercendo até agora);
− 50% no Departamento de Logística Interna (exercendo funções de âmbito administrativo, conexas com as atuais).
A forma de concretizar as funções a desempenhar nos dois departamentos deverá ser organizada com as respetivas chefias.
Esta nova organização de trabalho terá início no próximo dia 23/10/2019”, “Maia, 18 de outubro de 2019”,
seguindo-se uma assinatura manuscrita e legível com os dizeres “CC”,
seguida dos dizeres “A Gerência”
e tendo sido aposta sobre o carimbo com os dizeres “F...”.
14. Face àquela ordem, por email de 23 Out, a Autora interpelou a Ré para:
“a) indicar quais as tarefas que, em concreto, me serão cometidas no Departamento de Logística Interna da sociedade X..., Lda.
b) justificar devidamente as razões da alteração das minhas funções e indicar a sua previsível duração.
c) esclarecer se, no exercício das mesmas, permanecerei sob a autoridade e direção exclusivas da F..., Lda. ou (também) sob o poder de direção da X..., Lda.” (cfr. fls. 13).
15. Em resposta do que, em 27 Out seguinte, recebeu um email do seguinte teor:
“Boa tarde AA,
Em resposta aos pedidos de informação que nos solicitou, vimos esclarecer o seguinte:
A) As tarefas que vai exercer no Departamento de Logística serão as seguintes:
• Cruzar com a contabilidade os valores dos custos dos transportes antes e após fecho do mês;
• Verificar possíveis “cargos” de clientes (exemplo: embalagem, aluguer de armazém, etc) e reportar;
• Verificar diariamente todas as necessidades (efetivas e risco) de transporte urgente do dia a seguir encontrando e propondo soluções, negociar, adjudicar e acompanhar todos os serviços adjudicados;
• Consultar, negociar e adjudicar os contentores por conta da X... (IMP + EXP) – passar informação interna a todos os departamentos intervenientes;
• Preencher os formulários de TU's;
• Preencher semanalmente o KPI transportes na App interna (Gerência).
B) As razões desta adaptação estão devidamente explícitas na Ordem de Serviço que lhe fizemos chegar, dizem respeito a condicionantes de mercado, pelo que julgamos não serem necessários esclarecimentos adicionais.
Prevemos que esta necessidade possa ter duração nunca inferior a um ano; porém, como sabe, considerando os motivos que impõem esta decisão, que não dependem de nós, o tempo de duração é muito difícil de concretizar;
C) Uma vez que continuará a ser trabalhadora da F..., Lda., continuará sob a direção desta empresa, sendo certo que será necessário articular o exercício das suas funções com as chefias do Departamento de Logística. No entanto, continuará sob o poder de direção exclusivo da sua entidade empregadora atual.
Julgamos ter prestado todos os esclarecimentos necessários, razão pela qual recordamos o tero da Ordem de Serviço já enviada.
Com os nossos respeitosos cumprimentos.
CC
Human Resources Manager”
(cfr. fls.13 vº).
16. Após o que a Ré a convocou para uma reunião a realizar no dia 29 de outubro seguinte, às 14h15, na sala “DD” das instalações da firma ‘X..., Lda.
17. A Autora compareceu à dita reunião, que se realizou com a presença das seguintes pessoas:
- EE – colaboradora da firma X..., Lda., com as funções de técnica de logística;
- BB – Diretora do departamento de contabilidade da Ré;
- FF – colaborador da X..., Lda. com as funções de Diretor do departamento de logística;
- GG - colaboradora da X..., Lda. com as funções de Diretora do departamento de Higiene e Segurança;
- HH – Diretor-Geral fabril da firma X..., Lda.;
- CC – colaboradora da X..., Lda., com as funções de Diretora do departamento de recursos humanos.
18. No decurso da mesma, para além do que já constava no email de 27 Out, a Autora constatou, nomeadamente, que, segundo a pretensão da Ré:
a) iria substituir a trabalhadora EE da X...;
b) as funções e responsabilidades que lhe iriam ser cometidas não só exigiam uma ocupação em full-time como disponibilidade para além do horário normal de trabalho, inclusive de noite, pois ser-lhe-ia atribuído um telemóvel para estar contactável 24 horas por dia, a fim de assegurar os transportes;
c) no exercício das mesmas ficaria necessariamente sujeita às ordens, instruções e superintendência das chefias do Departamento de Logística da X...;
d) foi fixado o dia 04 de novembro de 2019 para início de execução da ordem de serviço.
19. Quando, no final, lhe foi apresentado o documento denominado ‘Ata de reunião’, junta a fls. 14, a Autora nele consignou ‘Tomei conhecimento e não aceito’.
20. E, no dia seguinte, 30 Out, por correio eletrónico, interpelou a Ré nos termos seguintes:
“Tendo-me sido comunicadas as minhas novas funções e o meu novo horário de trabalho na reunião realizada na X... no dia 29 Out, e a fim de tomar posição sobre as mesmas, sou a comunicar e solicitar a V.Exas. o seguinte:
As funções que me pretendem atribuir não são afins ou funcionalmente ligadas à categoria de técnica de contabilidade que me foi atribuída, nem estão compreendidas na atividade para a qual fui contratada e que sempre tenho exercido, pelo que constituem alteração e, segundo delas resulta, o exercício das mesmas implica que tenha de reportar e estar sob as ordens e superintendência de chefias da X....
Acresce que, V.Exas. ainda não justificaram devidamente a referida alteração nem a sua previsível duração.
Face ao exposto, nos termos do disposto nos arts. 120º e 288ºss do CT e na Cl. 7º do CCT publicado no BTE nº 27, 22/07/2019, deverão V.Exas.
a) Esclarecer quais as ‘condicionantes de mercado’ que alegam como razão de alteração, quando é certo que as funções que me pretendem agora cometer estão a ser exercidas pela trabalhadora da X..., EE, que permanece no quadro daquela empresa e, como tal, garante a ocupação daquele posto de trabalho;
b) Indicar expressamente que, caso possam impor-me tal alteração, a mesma não ultrapassará o período máximo de 120 dias estabelecido na Cl. 7ª do CCT;
c) Informar como me será possível exercer as ditas funções mantendo-me exclusivamente subordinada ao poder de direção da F..., ou seja, sem reportar nem receber quaisquer ordens, indicações ou instruções de chefias da X...”.
(cfr. fls.14 v.).
21. Ao que a Ré, em 5 Nov, respondeu o seguinte:
“Bom dia AA,
Em resposta ao email que nos enviou e no qual coloca algumas questões que pretende ver esclarecidas, informamos o seguinte:
- a ordem de serviço dada é para cumprir, admitindo a empresa que, dadas as circunstâncias, estas funções tenham início apenas a partir de amanhã;
- as razões que subjazem à ordem dada estão devidamente indicadas na ordem de serviço dada por escrito e foram pessoalmente explicadas na reunião ocorrida no passado dia 29 de outubro, na X...;
- importa esclarecer que, como muito bem sabe, a F..., Lda. existe para prestar serviços à X..., não tendo, propriamente, uma atividade comercial ou industrial autónoma da atividade da X...;
- a AA sempre trabalhou nas instalações da X..., pois é aí que os trabalhadores da F... sempre trabalharam, inclusive partilhando, em muitos casos, as salas entre trabalhadores da X... e da F...;
- o email no qual pede esclarecimentos, é-me dirigido a mim, que sou a Diretora de Recursos Humanos da X... e não da F...;
- todas as questões que precisa de resolver, de âmbito laboral, ainda que como trabalhadora da F..., são sempre resolvidas com recurso ao Departamento de Recursos Humanos da X..., como muito bem sabe;
- o processamento de salários, controle de faltas, etc., é feito pelo Departamento de Recursos Humanos da X...;
- todos os trabalhadores da F... estão, e sempre estiveram, na dependência funcional dos diretores da X..., a começar pelo diretor de país;
- ou seja, esta situação de prestação de serviços à X... existe desde que foi contratada pela F... e sempre foi aceite pelas três partes envolvidas: as duas empresas e a AA;
- e apesar de tudo o que acima se descreveu, o poder de direção manteve-se sempre na sua entidade empregadora, a F...;
- há, por isso e desde sempre, uma partilha de organização, espaço e serviços entre as duas empresas, o que sempre foi aceite pelas partes envolvidas;
- quanto ao CCT que invoca – publicado no BTE nº 27 de 2019 – não nos é aplicável; por outro lado, a Cl. 7ª do CCT aplicável aos trabalhadores da X... diz respeito a matérias de progressão na carreira, pelo julgamos haver equívoco na sua invocação;
- quanto ao período de duração, o mesmo já foi indicado na ordem de serviço.
Em função destes esclarecimentos, deve iniciar o exercício das tarefas indicadas a partir de amanhã, sob pena de a sua conduta ser considerada desobediência e infração disciplinar.
Cumprimentos,
CC
Human Resources Manager”
(cfr. fls.15 e v.).
22. A Autora comunicou que, face às objeções que levantara, não iria para a Logística e continuou a exercer as suas funções no seu posto de trabalho habitual.
23. Todavia, a partir dessa data, a sua superior hierárquica direta, Sra. BB, passou a tratá-la com agressividade, dando-lhe ordens e falando-lhe sempre com acinte ou em altos brados;
24. Começou a dificultar-lhe o trabalho e a impedi-la de executar atempadamente as tarefas pelas quais era responsável, atribuindo-lhe outras, desnecessárias e em excesso, tendo obrigado a autora durante duas semanas a classificar faturas de transporte que só seriam lançadas nos meses seguintes;
25. Permanecia longos períodos sentada a seu lado ou de pé nas suas costas a fiscalizar, superintender e criticar o trabalho da Autora;
26. Durante todo o período de trabalho impedia a Autora de se ausentar do posto sem sua prévia autorização, verificando ao minuto a chegada e saída da Autora;
27. E passou a recusar-lhe a compensação dos minutos de atraso à chegada com a hora do almoço ou da saída, como era prática estabelecida e sempre lhe fizera.
28. Tudo com clara intenção de a impedir de continuar a trabalhar no departamento de contabilidade e a pressionar para que aceitasse ir trabalhar para a outra firma, a X....
29. Ao mesmo e com igual intenção, a Ré instaurou processo disciplinar à Autora, comunicando-lhe em 15 novembro a intenção de lhe aplicar a sanção de 20 (vinte) dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelos motivos e fundamentos da Nota de Culpa que adrede lhe enviou, e que se encontra junta a fls.16 a 18 v.
30. Sobre a qual, a Autora apresentou a resposta junta a fls. 19 a 20 vº.
31. Por decisão tomada em 13 Dez seguinte, comunicada à Autora e por esta recebida a 17, a Ré aplicou-lhe a sanção de 10 (dias) com fundamento nos factos e motivos do Relatório Final de fls. 21 a 25.
32. A Autora entrou de baixa no dia 22 de novembro de 2019 e não mais compareceu ao trabalho.
33. A X..., Lda. tem uma participação de 20% no capital social da Ré, partilham instalações (sendo as entradas comuns), equipamentos e serviços, como os refeitórios, zonas comuns, equipamentos sanitários e zona de aparcamento e o processamento de salários, de férias e faltas, não havendo sequer, propriamente, uma separação física entre as duas empresas – a sociedade aqui Ré e a sociedade X..., Lda. –, havendo, inclusive, salas onde trabalham, misturados, trabalhadores das duas empresas, embora na sala onde a Autora trabalhava, apenas estejam funcionários da aqui Ré, e têm representantes comuns, havendo uma estrutura organizativa comum.
34. Os diretores da X... têm poderes delegados de gestão, conferidos através de procuração notarial.
35. A Autora não aceitou a transferência e houve a falta de comunicação da sua duração prevista.
36. A Ré já prestou serviços da sua atividade de contabilidade, auditoria e gestão à H..., Lda., NIPC ....
37. A Autora era ‘Técnica de Contabilidade e Tesouraria’, a que, nos termos do CCT aplicável, correspondem as seguintes tarefas:
- Organizar e supervisionar os serviços de contabilidade e elaborar pareceres sobre esta matéria.
- Efetuar revisões contabilísticas; elaborar declarações de impostos, reclamações às autoridades e previsões de lucros e orçamentos ou informar sobre esta matéria; proceder a inquéritos financeiros, desenvolvendo a sua atividade respeitando a legislação pertinente e as normas de higiene, segurança e ambiente.
38. Tarefas essas que sempre, e apenas, efetivamente exercia.
39. As novas funções que a Ré lhe pretendia atribuir, conforme consta da própria Ordem de Serviço que lhe foi dada, consistiam em:
Verificar possíveis “cargos” de clientes (exemplo: embalagem, aluguer de armazém, etc.) e reportar, verificar diariamente todas as necessidades (efetivas e risco) de transporte urgente do dia a seguir, encontrando e propondo soluções, negociar, adjudicar e acompanhar todos os serviços adjudicados, consultar, negociar e adjudicar os contentores por conta da X... (IMP + EXP), passar informação interna a todos os departamentos intervenientes, preencher os formulários de TU’s e preencher semanalmente o KPI transportes na App interna (Gerência),
40. integrando a profissão de ‘Técnica de Logística’.
41. A Autora comunicou à Ré a resolução com contrato com justa causa, por meio de carta registada com aviso de receção, expedida a 10 e recebida a 13 janeiro de 2020, cuja cópia está junta a fls.25 v. e 26, com o seguinte teor :
AA
Rua ..., ...
... ...
Exmºs Senhores
F..., Lda.
Rua ..., ...
... Maia
Data: 10 Jan 20
Assunto: Resolução com justa causa
Referência: Contrato de trabalho de 21 Out. 2003
Exmºs Senhores,
Os m/ melhores cumprimentos.
Pela presente sou a comunicar a V.Exas, nos termos do disposto nos arts. 394º, 1 e 2 als. b) e c) e 395º do CT, que considero resolvido o contrato de trabalho acima, em referência, com fundamento em justa causa, consubstanciada, sucintamente, nos seguintes factos:
- em outubro de 2019, V.Exas, sem qualquer justificação atendível nem indicação de duração previsível, ordenaram-me que passasse a trabalhar no Departamento de Logística da sociedade X..., Lda. pretendendo, assim, modificar substancialmente a minha posição e funções e submeter-me à autoridade e direção de entidade empregadora diversa.
- como, legitimamente, me recusei a cumprir aquela ordem ilegítima, nos termos do disposto nos arts.120º e 288ºss do CT e na Cl.7ª do CTT publicado no BTE nº 27, 22/07/2019 por falta da devida justificação, da indicação da previsível duração e por se tratar de efetiva cedência a outra entidade.
- passei a ser assediada no local de trabalho, principalmente pela minha superior hierárquica direta, Sr.ª BB, vg tratando-me com agressividade, falando-me em altos brados, atribuindo-me excessivas tarefas desnecessárias para me impedir de assegurar atempadamente as que são da minha responsabilidade, permanecendo sentada ao meu lado ou de pé nas minhas costas a fiscalizar e criticar o meu trabalho, perseguindo-me durante todo o período de trabalho para me impedir de me ausentar do meu posto sem prévia autorização, verificando ao minuto a minha chegada e saída e recusando-se a compensar-me os minutos de atraso á chegada com a hora de almoço ou da saída, como era prática estabelecida e sempre lhe fizera, tudo o que determinou que passasse a sofrer de “burnout” no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica e tivesse de entrar em baixa por doença.
- e após, instauração de processo disciplinar, cujo conteúdo aqui dou como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi-me aplicada a sanção, totalmente injustificada, infundada e , como tal, abusiva, de 10 (dez) dias de suspensão.
Face ao exposto, devem considerar imediatamente cessado o contrato de trabalho, com todas as legais consequências, nomeadamente as estatuídas no art.º 396º do citado compendio legal.
Mais R. a V. Exas se dignam emitir e entregar-me a correspondente Declaração Mod. RP 5044/ 2018 –DGSS e proceder ao processamento e liquidação dos créditos laborais a que tenho direito.
Sem outro assunto, de momento, subscrevo-me,
De V.Exas,
Atentamente
AA”.
42. A Autora é uma pessoa sensível, respeitadora e responsável, e nos mais de 16 anos que trabalhou para a Ré foi sempre uma excelente profissional, assídua, cumpridora, obediente, disponível e competente,
43. Credora, por isso, de toda a confiança, respeito e melhor reputação por parte de todos com quem se relacionava no meio laboral.
44. Como consequência direta e necessária do referido em 23 a 28, a Autora passou a sofrer de ‘burnout’ no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica.
45. E como consequência direta e necessária de perder o seu posto de trabalho de mais de 16 anos, viu afetadas a sua reputação profissional, confiança, auto estima e estabilidade social e familiar, e sofreu, e continua a sofrer, angústia, desgosto, inquietação, perturbação e indignação.
46. A Autora gozou menos 3 dias de férias em 2019 e a Ré nunca lhe proporcionou quaisquer horas de formação,
47. Nem a Autora gozou as férias vencidas em 01 Jan 2020, não lhe tendo sido pagos o subsídio de férias vencido em 01 Jan 2020, nem os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.
48. No art.º 137º da sua contestação “a Ré aceita que, com a cessação do contrato, tem a Autora direito ao recebimento de créditos laborais devidos a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, este em proporcionais pelos dias de vigência do contrato em 2020, bem como o crédito de horas de formação”.
49. No art.º 3º da sua resposta a Autora admite que “conforme alegado pela Reconvinte, as quantias peticionadas nas alíneas c), d) e e) do nº 60 da P.I. relativas a férias e subsídio de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, apenas totalizam € 1.969,95 e não os € 2.283,10 aí alegados”, “pelo que se reduz ao pedido a respetiva diferença, no montante de € 313,15 (€ 2.283,10 – € 1.969,95)” (cfr. art.º 4º da resposta).

E quanto a factos NÃO PROVADOS foi consignado o seguinte, que se reproduz:
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente que:
− a Ré tenha tido conhecimento, tenha dado o seu consentimento e instruções para a perseguição e assédio que a superior hierárquica direta da Autora lhe moveu (cfr. artigo 54º da P.I.);
− a Ordem de Serviço tenha sido entregue à Autora apenas no dia 27 de outubro de 2019 (cfr. artigo 39º da Contestação);
− não se tenha verificado qualquer tipo de assédio exercido sobre a trabalhadora (cfr. artigo 46º da Contestação);
− a trabalhadora tenha sido sempre tratada com o máximo respeito ao longo do procedimento (cfr. artigo 47º da Contestação);
− a Ré não tenha uma atividade comercial ou industrial própria ou autónoma do Grupo F1... (cfr. artigo 69º da Contestação);
− a Ré apenas tenha sempre prestado serviços à empresa X..., Lda. (cfr. artigo 70º da Contestação);
− a Autora, desde sempre, tenha exercido as suas funções para a sociedade X..., Lda. e não que desde sempre, tenha exercido as suas funções apenas para a Ré, (cfr. artigo 41º da Contestação);
− os trabalhadores da Ré, aqui se incluindo a Autora, sempre tenham estado na dependência funcional dos diretores da X..., incluindo o diretor da fábrica e de país (cfr. artigo 74º da Contestação);
− as novas funções que no início do mês de outubro de 2019 foram comunicadas à Autora, que passaria a desempenhar, a 50% do seu tempo de trabalho, num espaço de trabalho diferente, fossem funções conexas com as já desempenhadas pela Autora (cfr. artigos 81º e 82º da Contestação);
− uma parte das tarefas a desempenhar no novo espaço já fossem desempenhadas pela Autora no seu posto de trabalho habitual (cfr. artigo 83º da Contestação);
− as tarefas de verificar possíveis “cargos” de clientes (exemplo: embalagem, aluguer de armazém, etc.) e reportar; verificar diariamente todas as necessidades (efetivas e risco) de transporte urgente do dia a seguir encontrando e propondo soluções, negociar, adjudicar e acompanhar todos os serviços adjudicados; consultar, negociar e adjudicar os contentores por conta da X... (IMP + EXP) – passar informação interna a todos os departamentos intervenientes; preencher os formulários de TU's e preencher semanalmente o KPI transportes na App interna (Gerência), fossem tarefas que a Autora já acompanhava e conhecia pelo exercício normal das suas funções (cfr. artigo 89º da Contestação);
− tais tarefas, embora dizendo respeito ao Departamento de Logística da X... já fossem por si acompanhadas e conhecidas (cfr. artigo 90º da Contestação).
*
Da nulidade da sentença:
Alega a Recorrente, invocando o disposto no art.º 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil[4], que a sentença recorrida é nula porque conheceu de questão que não podia tomar conhecimento, dizendo que uma vez que a Autora na carta de resolução se limita a qualificar a sanção como abusiva por a julgar “totalmente injustificada, infundada”, não pode o tribunal julgar a sanção como abusiva com qualquer outro fundamento que não este.
De acordo com a disposição legal citada – art.º 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil – é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, estando em causa o ter a sentença um conteúdo que não pode ter (excesso de pronúncia), tendo tal vício a ver diretamente com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art.º 608º, nº 2 do Código de Processo Civil [5].
Como escrevem João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[6], a não possibilidade do conhecimento de uma questão pode ser absoluta, se o tribunal não pode conhecer em circunstância alguma, dessa questão, ou relativa, se o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias [o tribunal não pode proferir uma decisão-surpresa (art.º 3º, nº 3 do Código de Processo Civil), mas pode decidir com base num fundamento não alegado pelas partes depois de as ouvir previamente[7]].
Vejamos o que está mais concretamente em causa.
A Autora/trabalhadora procedeu à comunicação da resolução do contrato de trabalho que celebrara com a Ré (art.º 394º do Código do Trabalho) invocando, entre o mais, que após, instauração de processo disciplinar, … foi-me aplicada a sanção, totalmente injustificada, infundada e, como tal, abusiva, de 10 (dez) dias de suspensão.
O tribunal a quo reputou de abusiva a sanção disciplinar aplicada à trabalhadora, escrevendo o seguinte:
Aqui chegados, vejamos então se há de presumir como abusiva a sanção aplicada [cfr. artigo 331º, nº 1, alínea d) e nº 2, alínea a), do Código do Trabalho], vejamos se a presunção se mostra ilidida e, enfim, se a sanção é ou não de qualificar abusiva.
Recorde-se que para que opere a presunção decorrente desse nº 2, al. a), do citado preceito, como referência à al. d) do nº 1 , é necessário que:
i) se verifique que o trabalhador exerce, exerceu, pretendeu exercer ou invocar os seus direitos e garantias;
ii) a sanção tenha sido aplicada nos seis meses posteriores à data de tal exercício, pretensão ou invocação.
“O ónus de alegação e prova de tais pressupostos cabe ao trabalhador e, uma vez demonstrados, a lei presume que a aplicação da sanção tem natureza abusiva, passando então a caber ao empregador fazer a prova do contrário (arts. 344º, nº 1, e 350º, nº 2, do Cód. Civil).
Ora, verifica-se, da factualidade provada (cfr. factos provados 1, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 29, 30 e 31) que a Autora reclamou legitimamente contra as condições de trabalho e recusou-se a cumprir ordem a que não deva obediência, verificando-se assim o elemento objetivo da sanção abusiva, no sentido de que ao alegado comportamento da trabalhadora se seguiu o procedimento disciplinar.
Por outro lado, resultou ainda provado que foi com clara intenção de impedir a Autora de continuar a trabalhar no departamento de contabilidade e a pressionar para que aceitasse ir trabalhar para a outra firma, a X..., que a Ré instaurou o processo disciplinar à Autora.
E constata-se que a sanção foi aplicada nos seis meses após a Autora ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho e se recusado a cumprir ordem.
Ora, face à presunção legal de natureza abusiva da sanção (artigo 331º, nº 2, al. a) do CT), sobre a Ré impendia afastar essa presunção (artigos 349.º e 350.º, nº 2, do Código Civil), o que não logrou fazer.
Entende-se, por consequência, que não se mostra ilidida a presunção da natureza abusiva da sanção, funcionando a presunção.
Para justificar a nulidade da sentença nos termos da disposição legal referida, escreve a Recorrente o seguinte:
Ao acima alegado, acresce a circunstância de a Autora/Recorrida não ter formulado, na petição inicial, qualquer pedido autónomo ao tribunal para que conhecesse da natureza da sanção, não lhe tendo sido peticionado que declarasse abusiva a sanção aplicada.
Entende a Recorrente que este concreto fundamento de resolução do contrato carecia de pedido autónomo formulado na ação, devendo também ter sido pedida a respetiva anulação. A Autora não fez nem uma coisa nem outra.
Na sentença declara-se a sanção em causa como abusiva sem que tal conste do pedido, o que, em bom rigor, até impediu o correto exercício do direito de defesa por parte da Ré.
Dando-se ainda o absurdo de a dita sanção ser julgada abusiva, mas não ter sido nem impugnada, nem anulada e sem que o respetivo processo disciplinar esteja junto aos autos.
Motivo pelo qual, para além de violar o disposto nos arts. 398º, nº 3 e 395º, nº 1 do CT, a sentença recorrida conheceu de questão que não podia tomar conhecimento sendo, por esse motivo, nula nos termos previstos no art.º 615º, nº 1, al. d) do CPC.
Ora, o trabalhador para proceder à resolução do contrato, com justa causa, não tem que instaurar ação em tribunal com vista a esse reconhecimento, bastando a comunicação ao empregador nos termos do art.º 395º do Código do Trabalho, podendo o empregador pedir em tribunal a declaração da ilicitude da resolução (art.º 398º do Código do Trabalho).
A ação instaurada pela Autora, in casu, teve em vista a condenação da Ré (empregadora) no pagamento da indemnização/compensação prevista no art.º 396º do Código do Trabalho (a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade …, pelo tribunal), tendo nessa medida sido pedido o reconhecimento da existência de justa causa para resolução do contrato.
Subjacente à verificação da justa causa está, entre o mais, a invocação de aplicação de sanção abusiva aplicada em procedimento disciplinar.
Ou seja, a Autora não optou por impugnar em ação própria a aplicação da sanção disciplinar que reputa de abusiva com vista à sua anulação (mantendo a relação laboral), antes tendo invocado a sua aplicação, a par de outros factos, para resolver o contrato com justa causa por meio de comunicação à empregadora, e veio depois pedir em juízo o reconhecimento da verificação de justa causa e o pagamento de indemnização/compensação
Assim, sendo esse o objeto da ação, a Autora tem que pedir seja declarada a verificação de justa causa para a resolução, como fez, mas não tem que expressamente pedir a anulação da decisão disciplinar aplicada porque não é esse o fim último da ação.
Em suma, a questão da aplicação de sanção abusiva é questão a apreciar na presente ação, tal como configurada pela Autora, porque subjacente à verificação da justa causa invocada perante a empregadora, não se impondo pedido expresso no sentido da anulação da sanção aplicada para poder a mesma ser apreciada.
Precisando melhor: a invocada nulidade da sentença existiria se o tribunal a quo não pudesse conhecer da existência ou não de sanção abusiva, como fez, mas essa questão foi posta ao tribunal a quo na medida em que se trata de questão invocada na carta da Autora de comunicação da resolução do contrato, tendo havido possibilidade de contraditório, não se exigindo pedido expresso de anulação da aplicação da sanção disciplinar para se poder conhecer a questão; saber se o tribunal a quo podia ou não podia atender aos fundamentos, designadamente factuais, que atendeu para considerar (presumir) a sanção abusiva (porque não invocados na carta em que a Autora comunicou a resolução à Ré), é questão a apreciar infra no enquadramento jurídico dos factos, mas que, como decorre do acima exposto, não leva a ponderar a nulidade da sentença[8].
Em face do exposto, não se verifica a apontada nulidade da sentença.

Do erro de julgamento na decisão sobre matéria de facto:
Sabido que os poderes de cognição deste Tribunal da Relação abrangem tanto matéria de facto como matéria de direito (cfr. art.º 662º do Código de Processo Civil), comecemos por ver se os factos provados são aqueles que o tribunal a quo fixou como tal, e nos termos em que os fixou, ou se há que alterar o decidido sobre matéria de facto como defende a Recorrente, começando por fazer uma breve referência aos termos em que tem lugar a impugnação e apreciação da decisão sobre matéria de facto.
Para impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso)[9].
Assim, o recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador[10]; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção[11].
Em conformidade, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo, como consta do art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Há ainda que ter presente que a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, sendo esse o caso da prova testemunhal (art.º 396º do Código Civil), do depoimento de parte (na medida em que não seja confessório - art.º 361º do Código Civil) e das declarações de parte (art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Com efeito, dispõe o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária[12].
Assim, não basta uma testemunha proferir palavras em determinado sentido para ficar provado o por ela dito, importando que as testemunhas sejam credíveis, que o depoimento tenha consistência de modo que o julgador, na sua livre apreciação, forme convicção de que o dito corresponde ao sucedido (o que fundamenta).
De referir, ainda, que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos que se expuseram, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[13].

Feitas estas considerações, vejamos a impugnação apresentada, analisando os pontos em relação aos quais a Recorrente alega ter havido erro de julgamento.

Da alteração da matéria provada:
Começando pelo ponto 10 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a ter a seguinte redação (colocando-se lado a lado, em quadro, para melhor compreensão, a redação dada em 1ª instância e a proposta pela Recorrente, sublinhando-se o segmento que traduz a alteração):

Redação atualRedação proposta
10. Em início do mês de outubro de 2019, a chefe do departamento da Autora, Sra. BB, informou-a que a Ré pretendia transferi-la para o Departamento de Logística da sociedade X..., Lda.10. Em início do mês de outubro de 2019, a chefe do departamento da Autora, Sr.ª BB, informou-a que a Ré pretendia que esta passasse a exercer funções, a 50% do tempo, no Departamento de Logística da sociedade X..., Lda.

Para justificar a alteração invoca o doc. 4 junto com a petição inicial (PI) – “ordem de serviço”; doc. 6 junto com a PI – comunicação da Diretora de Recursos Humanos à Autora, em 27/10/2019; doc. 7 junto com a PI – ata da reunião ocorrida em 29/10/2019; e depoimentos das testemunhas II, JJ e BB (de que transcreve excertos).
Em resposta, a Autora refere que no ponto 13 dos factos provados consta que na altura foi dito à Autora que a transferência seria a 50%, mas mesmo que se interprete que o tribunal a quo quis dar como provado que a Ré pretendia de facto uma transferência total, tal resulta dos depoimentos das testemunhas II e KK, de que transcreve excertos, referindo ainda os documentos em audiência de julgamento.
Da motivação da decisão de facto extrai-se este ponto ficou provado com base no depoimento da testemunha BB (que fez a comunicação em causa), estando referido que a mesma disse que “ordenou à Autora se transferir para o departamento de logística” porque lhe foi pedido “pela administração através de LL (diretor do País)”, embora também esteja referido que a testemunha disse desconhecer com que base e em que termos essa decisão foi tomada (ou seja, o seu conteúdo ao certo).
Os pontos 10, 11 e 13 dos factos provados (que tiveram na base os artigos 8 a 10 da PI), estão encadeados (a sequência é esta: há uma comunicação verbal, um pedido de comunicação por escrito e envio de carta), não se reportando o ponto 10 ao mesmo momento temporal que o ponto 13 (este reporta-se a 21 de outubro, aquele a momento anterior, o início do mês).
Assim, e até porque a “ordem de serviço” referida no ponto 13 dos factos provados não foi subscrita por quem fez a comunicação verbal referida no ponto 10 dos factos provados (cfr. doc. 4 junto com a PI, que serviu de suporte ao ponto 13 dos factos provados), não se pode confundir o ponto 13 com o ponto 10 dos factos provados, e é claro que os documentos referidos pela Recorrente não levam a alterar o que consta do ponto 10 dos factos provados porque se reportam ao momento temporal do ponto 13 dos factos provados (após 21 de outubro).
A questão está em ver se os depoimentos das testemunhas citados impõem a alteração deste ponto 10 dos factos provados como defende a Recorrente.
Ora, tal não sucede, incluindo o excerto do depoimento da própria BB, que fez a comunicação, pois vistos os mesmos facilmente se conclui que não permitem dizer que a informação oral do início de outubro fosse idêntica ao comunicado depois, em 18 de outubro, por escrito (sendo certo que se pode dizer ser totalmente irrelevante que fosse ou não idêntica, pois a “ordem de serviço” referida no ponto 13 dos factos provados é que está subscrita pela gerência).
De resto, o tribunal a quo na motivação da decisão da matéria de facto, na apreciação do depoimento da testemunha BB, refere que a testemunha ordenou à Autora para se transferir para o departamento de logística.
Assim, sem necessidade de outras considerações, concluímos ser de manter o ponto 10 dos factos provados com a redação que tem, porque a sua eliminação ou outra redação não se impõem.

Quanto ao ponto 18 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a não provado, pois, além da alínea d), não resultou da prova produzida o seu teor, resultando do teor da ata da reunião (doc. 7 junto com a PI) não ser verdadeiro, e resultando dos depoimentos das testemunhas BB, CC e MM (de que cita excertos) o contrário, remetendo ainda para os excertos dos depoimentos das testemunhas II, JJ e BB citados a propósito do ponto 10 dos factos provados.
Acrescenta que a julgadora não indicou os meios de prova em que sustentou a decisão deste ponto, e efetivamente não houve prova sobre este facto.
Em resposta, a Autora refere que a matéria resulta dos depoimentos das testemunhas, transcrevendo excerto do depoimento da testemunha NN.
É correto que da motivação da decisão da matéria de facto não se encontra expressa a razão da prova deste ponto concreto.
Este ponto reporta-se àquilo que a Autora constatou na reunião de 29 de outubro (que está referida nos pontos imediatamente anteriores), não se reportando àquilo que a Ré pretendia fazer.
O teor da “ata da reunião” (doc. 7 junto com a PI) suporta a alínea d) deste ponto 18 e também a 1ª parte da alínea b) – pois da ata consta, entre o mais «1- Horário: 08:30 às 12:30 – Logística + 13:30 às 17:00 – Contabilidade + 17:00 às 17:30 – se necessário Logística (…) 4- Iniciar no dia 4 de novembro na Logística» –, sendo certo que não suporta o demais mas também não o contraria.
Assim, o demais só poderá permanecer como provado se resultar da demais prova.
Sucede que não se alcança que as testemunhas se tenham pronunciado sobre o que terá constatado a Autora na reunião.
Todavia, referindo a testemunha NN que a Autora iria “supostamente” substituir a colega do Departamento de Logística, EE, e tendo esta estado na reunião (como consta da ata), sendo a única presente, além da Autora, que não tinha funções de Direção (cfr. ponto 17 dos factos provados) é de concluir que tal tivesse sido constatado pela Autora na dita reunião.
Por outro lado, esclarecendo a testemunha NN que na logística se impõe estar contactável por telemóvel
Quer isto dizer que apenas se impõe adaptar a redação da parte final da alínea b) e eliminar a alínea c), porque o teor desta última não se alcança que resulte da prova produzida.
Deste modo, a redação do ponto 18 dos factos provados passa a ser a seguinte:
18. No decurso da mesma, para além do que já constava no email de 27 Out, a Autora constatou, nomeadamente, que, segundo a pretensão da Ré:
a) iria substituir a trabalhadora EE da X...;
b) as funções e responsabilidades que lhe iriam ser cometidas, além de exigirem uma ocupação em full-time, implicavam ser-lhe atribuído telemóvel para estar contactável 24 horas por dia a fim de assegurar transportes;
c) foi fixado o dia 04 de novembro de 2019 para início de execução da ordem de serviço.

Quanto ao ponto 28 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a não provado, estando em consonância com a alteração do ponto 10 dos factos provados, citando ainda excertos dos depoimentos das testemunhas FF, BB e CC.
Em resposta, refere a Autora que, além de resultar da prova produzida, a matéria resulta por mero raciocínio lógico dos factos dos pontos 10 a 27 dos factos provados.
Há que ter presente que neste ponto está em causa a intenção da atuação da Ré, descrita nos pontos precedentes.
Ora, a prova da “intenção de condutas” nem sempre resulta de prova direta, porquanto, sendo um facto psicológico, a sua demonstração é obtida bastas vezes, podendo dizer-se até que quase sempre, por prova indireta, ou seja, não é de esperar que seja provada por referência expressa nos depoimentos de testemunhas [não raras vezes é referido expressamente no depoimento das testemunhas, mas quase sempre não passa, em bom rigor, de uma opinião da testemunha, da “leitura” dos factos que a testemunha faz], antes sendo uma conclusão que o tribunal retira a partir da conduta da pessoa, na medida em que seja uma consequência ou prolongamento dos factos que se lhe imputam e são demonstrados, ou, dito de outra forma, decorre de inferências sobre factos materiais e objetivos analisados criticamente, à luz das regras da experiência comum (cfr. art.º 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, que na parte final refere compatibilizando toda a matéria adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência) [14].
Os excertos de depoimentos citados pela Recorrente não excluem este ponto 28, e lendo a motivação da decisão da matéria de facto, designadamente a apreciação dos depoimentos das testemunhas II, JJ e BB, resulta o suporte para a prova deste ponto 28 (estando subjacente que o trabalhar para a outra firma, a “X...”, é nos termos que constam da Ordem de Serviço referida no ponto 13 dos factos provados).
E acompanhamos essa justificação, que está conforme as regras da experiência comum.
Assim, sem necessidade de outras considerações, concluímos ser de manter o ponto 28 dos factos provados.

Quanto ao ponto 29 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a ter a seguinte redação (colocando-se lado a lado, em quadro, para melhor compreensão, a redação dada em 1ª instância e a proposta pela Recorrente, que se traduz em eliminar a expressão inicial, que se sublinha):
Redação atualRedação proposta
29. Ao mesmo e com igual intenção, a Ré instaurou processo disciplinar à Autora, comunicando-lhe em 15 novembro a intenção de lhe aplicar a sanção de 20 (vinte) dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelos motivos e fundamentos da Nota de Culpa que adrede lhe enviou, e que se encontra junta a fls.16 a 18 v.29. A Ré instaurou processo disciplinar à Autora, comunicando-lhe em 15 de novembro a intenção de lhe aplicar a sanção de 20 (vinte) dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelos motivos e fundamentos da Nota de Culpa que adrede lhe enviou, e que se encontra junta a fls. 16 a 18 v”.

Para justificar a alteração cita excertos dos depoimentos das testemunhas BB e CC, dizendo que não houve prova de que existisse alguma relação entre os pretensos atos de assédio e a instauração do procedimento disciplinar, antes o contrariando a prova produzida.
Acrescenta que a julgadora não indicou os meios de prova em que sustentou a decisão deste ponto, o que dificulta a sua impugnação.
Em resposta, refere a Autora que, além de resultar da prova produzida, a matéria resulta por mero raciocínio lógico dos factos dos pontos 10 a 27 dos factos provados.
Também no segmento inicial deste ponto está em causa uma “intenção de condutas”, e também aqui os excertos de depoimentos citados pela Recorrente não excluem o segmento inicial deste ponto 29.
Como se disse não se espera que esteja expresso nos depoimentos esta intenção, mas lendo a motivação da decisão da matéria de facto, na análise dos depoimentos referidos a propósito do ponto 28, análise crítica tendo em conta as regras da experiência comum, face à conduta da superior hierárquica da Autora para com esta, encontramos justificação, que se acompanha, para ficar consignado o segmento inicial deste ponto 29, sendo o mesmo contexto daquilo que consta dos pontos 23 a 28 dos factos provados.
E não colhe o argumento de que a Autora nunca reportou qualquer prática de assédio para dizer que o mesmo nunca existiu, sendo amplamente conhecido que os casos denunciados de assédio correspondem a uma pequena parte dos verificados.
No entanto, impõe-se retificar lapso, pois deveria constar “ao mesmo tempo”, e mais rigoroso será dizer que “nesse contexto” (o referido nos pontos anteriores).
Assim, retifica-se o segmento inicial do ponto 29 dos factos provados, de modo que a sua redação passa a ser a seguinte:
29. Nesse contexto, e com igual intenção, a Ré instaurou processo disciplinar à Autora, comunicando-lhe em 15 novembro a intenção de lhe aplicar a sanção de 20 (vinte) dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelos motivos e fundamentos da Nota de Culpa que adrede lhe enviou, e que se encontra junta a fls.16 a 18 v.

Quanto ao ponto 34 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a ter a seguinte redação (colocando-se lado a lado, em quadro, para melhor compreensão, a redação dada em 1ª instância e a proposta pela Recorrente, que se traduz em intercalar a expressão “da Ré”, que se sublinha para fácil localização):
Redação atualRedação proposta
34. Os diretores da X... têm poderes delegados de gestão, conferidos através de procuração notarial.34. Os diretores da X... têm poderes delegados de gestão da Ré, conferidos através de procuração notarial.

Para justificar a alteração, cita excertos dos depoimentos das testemunhas BB e CC, dizendo impor-se a clarificação da proveniência dos poderes delegados (da Ré).
Na verdade, este ponto sem referir quem delegou os poderes carece de sentido permanecer como provado.
Não se alcança que esteja junta no processo a “procuração notarial” ali referida, e não se nos afigura que possa ficar consignado que a procuração é notarial sem estar a mesma junta.
Considerando os excertos citados pela Recorrente procede-se à clarificação pretendida, mas eliminando a expressão “notarial” como se disse, de modo que a redação do ponto 34 dos factos provados passa a ser a seguinte:
34. Os diretores da “X...” têm poderes delegados de gestão da Ré, conferidos através de procuração.

Quanto ao ponto 35 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a ter a seguinte redação (colocando-se lado a lado, em quadro, para melhor compreensão, a redação dada em 1ª instância e a proposta pela Recorrente):
Redação atualRedação proposta
35. A Autora não aceitou a transferência e houve a falta de comunicação da sua duração prevista.35. A Autora não aceitou a Ordem de Serviço.

Para justificar a alteração, além de invocar a alteração do ponto 10, refere os documentos 4, 6 e 7 juntos com a PI, e cita excerto do depoimento da testemunha CC.
Em resposta, refere a Autora que a Recorrente “joga” com as palavras, estando a matéria provada.
Ora, é claro que quando está dito que “a Autora não aceitou a transferência” se reporta àquilo que consta à Ordem de Serviço, e não àquilo que antes lhe foi dito oralmente, e também é claro que não foi comunicada a duração prevista, estando expresso nos esclarecimentos prestados por escrito sobre a Ordem de serviço (ponto 15 dos factos provados) que “o tempo de duração é muito difícil de concretizar”.
Assim, o ponto 35 mantém-se provado com a redação que tem.

Quanto ao ponto 39 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a ter a seguinte redação (colocando-se lado a lado, em quadro, para melhor compreensão, a redação dada em 1ª instância e a proposta pela Recorrente, sendo a alteração apenas no corpo deste ponto, aditamento de expressão, pelo que apenas ele se reproduz e sublinhando a expressão em causa para mais fácil localização):
Redação atualRedação proposta
39. As novas funções que a Ré lhe pretendia atribuir, conforme consta da própria Ordem de Serviço que lhe foi dada, consistiam em:
(…)
39. As novas funções que a Ré lhe pretendia atribuir, a executar a 50% do tempo no Departamento de Logística, conforme consta da própria Ordem de Serviço que lhe foi dada, consistiam em:
(…)
Para justificar a alteração, além de invocar a alteração do ponto 10, refere os documentos 4 e 7 juntos com a PI, e cita excertos dos depoimentos das testemunhas II, JJ e BB.
A Autora respondeu em conjunto com o ponto 10, pelo que se remete para o acima referido.
Ora, o aditamento pretendido pela Recorrente reproduz um segmento da Ordem de Serviço, e o ponto 39 remete para a Ordem de Serviço (que está reproduzida no ponto 13 dos factos provados), pelo que a leitura deste ponto tem que ser feita articulada com aquele outro.
Assim, não há necessidade de transportar para este ponto um parágrafo da Ordem de Serviço, o mesmo é dizer que o ponto 39 dos factos provados mantém-se com a redação que tem.

Quanto ao ponto 44 dos factos provados, alega a Recorrente que deve passar a ter a seguinte redação (colocando-se lado a lado, em quadro, para melhor compreensão, a redação dada em 1ª instância e a proposta pela Recorrente, que se traduz em aditar segmento no final, que se sublinha para mais fácil localização):
Redação atualRedação proposta
44. Como consequência direta e necessária do referido em 23 a 28, a Autora passou a sofrer de ‘burnout’ no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica.44. Como consequência direta e necessária do referido em 23 a 28, a Autora passou a sofrer de ‘burnout’ no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica, conforme reconhecido por atestado médico emitido em 27/11/2019.

Para justificar a alteração refere o doc. 14 junto com a PI (Relatório Médico, datado de 27/11/2019).
Quanto a este pretendido aditamento há que dizer que não se ponde confundir o meio de prova com o facto provado.
Ou seja, se o tribunal acolhe um relatório pericial dá como assente aquilo que o(s) perito(s) com os seus conhecimentos especializados disseram, sendo o facto provado aquilo que levou à perícia e não que “os peritos disseram que…”.
Queremos com isto dizer que o tribunal a quo, tendo por base o Relatório Médico junto com a PI (doc. 14) deu como provado o que consta do ponto 44 (reproduz em essência o seu primeiro parágrafo), ficando na motivação que foi considerado o documento, mas não tendo que nos factos constar que o consignado está conforme o relatado pelo médico psiquiatra que o subscreveu.
Poderá pensar-se que a Recorrente pretende a inserção desta data nos factos provados porque a invoca para sustentar a caducidade do direito da Autora a resolver o contrato de trabalho (como data em que a patologia e efeitos foram diagnosticados e conhecidos pela Autora).
Todavia, na contestação quando invocou a caducidade não referiu essa data (e o Relatório Médico já estava junto ao processo, com a PI), não se justificando a sua inserção pelas razões expostas.
Assim, o ponto 44 dos factos provados mantém-se com a redação que tem.

Do aditamento de factos aos provados:
Pretende a Recorrente o aditamento dos seguintes pontos entre os factos provados:
A) A Ré é uma empresa de prestação de serviços, sem atividade comercial ou industrial própria ou autónoma do Grupo F1....
B) A Ré apenas presta serviços à sociedade “X..., Lda.”.
C) No exercício das suas funções na Ré, a Autora, desde sempre, prestou serviços à sociedade “X..., Lda.”.
D) Os trabalhadores da Ré, aqui se incluindo a Autora, sempre estiveram na dependência funcional dos diretores da X..., incluindo o diretor de fábrica e de país.
E) Uma parte das tarefas a desempenhar neste novo espaço, já era desempenhada pela Autora no seu posto de trabalho habitual.
O tribunal a quo consignou que a factualidade não provada supra discriminada não resultou provada por não ter sido feita qualquer prova a esse respeito que permitisse ao Tribunal tomar uma posição diversa acerca de tal factualidade.
Relativamente às alíneas A), B) e C), refere a Recorrente ser matéria alegada nos artigos 69º, 70º e 72º da contestação, e justifica a sua prova citando excertos dos depoimentos das testemunhas II, BB, CC e FF.
Em resposta, a Autora refere aceitar o aditamento do constante no artigo 69º da contestação (alínea A) e não lhe repugnar que seja considerado o alegado no artigo 70º da contestação (alínea B), desde que com a seguinte redação “A Ré, presentemente, apenas presta serviços à sociedade X...”.
Quanto à alínea A), a primeira parte já consta do ponto 1 dos factos provados, e a segunda parte pressupunha que os autos contivessem elementos que permitissem consignar existir empresas numa “relação de grupo”.
O Título VI do Código das Sociedades Comerciais (CSC) – art.ºs 481º a 508º-G – tem por objeto as «sociedades coligadas», sendo a propósito das «sociedades em relação de grupo» – art.ºs 488º a 508º – que se pode falar em “grupos de sociedades”, que podem ser de três tipos: «grupos constituídos por domínio total» (art.ºs 488º e 489º), «grupos (contratuais) paritários» (art.º 492º) e «grupos (contratuais) de subordinação» (art.º 493º)[15].
Parece pacífico que, mesmo existindo um «grupo», as sociedades mantêm a personalidade jurídica, de modo que o empregador não é o grupo (que não tem personalidade jurídica) mas sim a sociedade que contratou o trabalhador[16], sem prejuízo de situações de desconsideração da personalidade jurídica desta última[17] [diferente será a situação de existir contrato com as várias sociedades, que tem que ser escrito – art.º 101º do Código do Trabalho].
Ora, do processo não constam elementos para se afirmar que exista, reportando-nos à Ré e à sociedade “X..., Lda.”, um “grupo de sociedades”, não sendo manifestamente as referências a “grupo” nos excertos citados pela Recorrente bastantes para isso, nem o que consta do ponto 33 dos factos provados (não é pelo facto de a “X..., Lda.” deter uma participação de 20% no capital social da Ré que o determina).
Assim, em face do que já consta do ponto 1 dos factos provados, e não havendo elementos para consignar mais do que aquilo que consta do ponto 33 dos factos provados, o constante na alínea A) não passará para os factos provados.
Quanto à alínea B), dos excertos dos depoimentos das testemunhas resulta a matéria, mas também resulta que já prestou serviços à H... (de resto, como consta no ponto 36 dos factos provados), pelo que este ponto deve passar para os factos provados, mas com o esclarecimento proposto pela Recorrida, assim se harmonizando com o ponto 36 dos factos provados.
Assim, é aditado um ponto 36-A nos factos provados, com o seguinte teor:
36-A. A Ré, presentemente, apenas presta serviços à sociedade “X..., Lda.”.
Quanto à alínea C), tem uma formulação genérica, sendo certo que os excertos dos depoimentos citados não permitem ir além daquilo que ficou a constar do ponto 36-A dos factos provados, ou seja que a Ré presta serviços àquela empresa (“X..., Lda.”), o que não se confunde com o prestar a Autora serviços, sendo ainda de referir que no ponto 33 dos factos provados consta que “na sala onde a Autora trabalhava, apenas estejam funcionários da aqui Ré”.
Sendo assim, o constante da alínea C) não passará para os factos provados.
Quanto à alínea D), refere a Recorrente ser matéria alegada no artigo 74º da contestação, e justifica a sua prova citando excertos dos depoimentos das testemunhas CC, MM e BB.
O artigo 74º da contestação precede aquilo que ficou a constar do ponto 34 dos factos provados, assim tendo que ser entendido, ou seja, quando é referida “dependência funcional” não o é como diretores da “X..., Lda.” que são, mas como alguém que está mandatado com poderes de gestão pela empregadora da Autora.
Em consonância, no excerto do depoimento da testemunha CC, esta refere-se a procuração, e, volta-se a dizer, e tal é consabido, uma coisa é receber instruções de alguém dos quadros doutra empresa mandatado para o fazer, outra diversa é estar na dependência funcional desse alguém como diretor da outra empresa.
Ora, do ponto 33 dos factos provados já consta que a Ré e a sociedade “X..., Lda.” têm representantes comuns, havendo uma estrutura organizativa comum, e não se nos afigura que os excertos citados imponham que se vá mais além e se consigne, necessariamente em articulação com o ponto 34 dos factos provados, o que consta desta alínea D).
Deste modo, o constante da alínea D) não passará para os factos provados.
Quanto à alínea E), refere a Recorrente ser matéria alegada no artigo 83º da contestação, e justifica a sua prova citando excerto do depoimento de parte da Autora e excertos do depoimento da testemunha OO.
Em resposta, refere a Autora que “dá-se de barato que ‘uma parte’ das tarefas a desempenhar no novo espaço já era desempenhada pela Autora no seu posto de trabalho habitual; a questão reside na ‘outra parte’, ou seja, nas tarefas de logística que, das seis elencadas na Ordem de Serviço são nada mais nada menos que… cinco!”.
O teor desta alínea é vago e genérico, não especificando a que “parte das tarefas” se refere, o que constitui obstáculo a que ingresse nos factos provados.
Deste modo, sem necessidade de considerações adicionais, o constante da alínea E) não passará para os factos provados.

Em suma, é alterada a redação dos pontos 18, 29 e 34 dos factos provados, e aditado um ponto 36-A aos factos provados, tudo conforme se expôs, mantendo-se no mais o decidido sobre matéria de facto em 1ª instância.
Assim, os factos provados a considerar na apreciação do recurso são os que acima se transcreveram com as alterações agora decididas.

Do enquadramento jurídico dos factos:
Da caducidade do direito a resolver o contrato de trabalho:
Defende a Recorrente que o prazo de 30 dias para a Autora invocar o assédio e consequências respetivas como justa causa (art.º 395º, nº 1 do Código do Trabalho) teve início em 22/11/2019 (início da suspensão do contrato de trabalho, último contacto com o superior hierárquico) ou mais tardar em 27/11/2019 (data em que a patologia efeitos foi diagnostica e conhecida da Autora), pelo que, sendo a carta remetida em 10/01/2020, estava ultrapassado o referido.
Em resposta, refere a Recorrida que na carta foi invocado um conjunto de comportamentos da Ré que consubstancia uma atitude persecutória e intimidativa, que inclui a instauração de procedimento disciplinar, no âmbito do qual só lhe foi comunicada a decisão final em 17/12/2019.
O tribunal a quo considerou não se verificar a caducidade, escrevendo essencialmente o seguinte:
No caso vertente, a Autora pôs termo ao contrato de trabalho que a vinculava à Ré através da carta junta a fls.25 vº e 26, datada de 10 de janeiro de 2020, recebida pela Ré a 13 de janeiro de 2020, referida no ponto 41º da matéria de facto provada, na qual comunicou a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, com os seguintes fundamentos:
“- em outubro de 2019, V.Exas, sem qualquer justificação atendível nem indicação de duração previsível, ordenaram-me que passasse a trabalhar no Departamento de Logística da sociedade X..., Lda. pretendendo, assim, modificar substancialmente a minha posição e funções e submeter-me à autoridade e direção de entidade empregadora diversa.
- como, legitimamente, me recusei a cumprir aquela ordem ilegítima, nos termos do disposto nos arts.120º e 288ºss do CT e na Cl. 7ª do CTT publicado no BTE nº 27, 22/07/2019 por falta da devida justificação, da indicação da previsível duração e por se tratar de efetiva cedência a outra entidade.
- passei a ser assediada no local de trabalho, principalmente pela minha superior hierárquica direta, Sr.ª BB, v.g. tratando-me com agressividade, falando-me em altos brados, atribuindo-me excessivas tarefas desnecessárias para me impedir de assegurar atempadamente as que são da minha responsabilidade, permanecendo sentada ao meu lado ou de pé nas minhas costas a fiscalizar e criticar o meu trabalho, perseguindo-me durante todo o período de trabalho para me impedir de me ausentar do meu posto sem prévia autorização, verificando ao minuto a minha chegada e saída e recusando-se a compensar-me os minutos de atraso á chegada com a hora de almoço ou da saída, como era prática estabelecida e sempre lhe fizera, tudo o que determinou que passasse a sofrer de “burnout” no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica e tivesse de entrar em baixa por doença.
- e após, instauração de processo disciplinar, cujo conteúdo aqui sou como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi-me aplicada a sanção, totalmente injustificada, infundada e , como tal, abusiva, de 10 (dez) dias de suspensão.”
Na carta em que procede à resolução, a Autora refere o assédio no local de trabalho pela sua superior hierárquica direta, por si aí descrito, “determinou que passasse a sofrer de “burnout” no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica e tivesse de entrar em baixa por doença.”
Para além, dessa forma, se mostrar claramente cumprida pela Autora a exigência de indicação sucinta dos factos em que se funda a justa causa de resolução constante do artigo 395º, nº 1 do Código do Trabalho, (improcedendo assim, o invocado a esse propósito pela Ré nos artigos 10º a 15º da sua contestação) resulta claramente da imputação feita pela Autora à Ré que se está perante factos instantâneos, mas com efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, tendo os comportamentos imputados pela Autora à sua superiora hierárquica direta determinado” que passasse a sofrer de “burnout” no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica e tivesse de entrar em baixa por doença”, que, conforme se constata pelo relatório médico junto pela Autora a fls.26 vº, lhe foram diagnosticados em 27/11/2019, e que necessariamente terá de ser conjugado com a factualidade constante do ponto 32º da matéria de facto provada de que, a Autora entrou de baixa no dia 22 de novembro de 2019 e não mais compareceu ao trabalho, pois o aludido relatório médico foi elaborado em 27/11/2019 (cfr. fls.26 v.), ou seja encontrando-se a Autora há 5 dias de baixa.
O que significa que os efeitos do imputado assédio ainda se verificavam quando a Autora enviou a carta de resolução à Ré, pois conforme resultou igualmente provado desde o dia (22/11/2019) em que a Autora entrou de baixa não mais compareceu ao trabalho.
Ou seja, nem se está perante um facto instantâneo tout court, em que a conduta é uma só, realizada ou executada em dado momento, facto este que se esgota com o respetivo ato concretizador, nem os efeitos do invocado assédio terminaram no dia anterior à aludida baixa, conforme parece entender a Ré nos seus artigos 27º a 31º da contestação.
Ao invés, conforme já se referiu e se constata da factualidade provada, e bem assim dos documentos juntos, que não mereceram impugnação, no caso do imputado assédio estamos perante factos da empregadora com efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, o que, aliás, se conjuga com a própria natureza e caracterização do de assédio moral.
(…)
Assim, não se pode considerar, como parece pretender a Ré, que o decurso do prazo de caducidade quanto ao imputado assédio se tenha iniciado no dia imediatamente anterior à Autora ter entrado de baixa no dia 22 de novembro de 2019, com o fundamento de que as condutas de assédio cessaram “obrigatoriamente no dia 21 de novembro de 2019” pois “o último dia em que poderia ter sido vítima de assédio, teria que ser o dia 21 de novembro de 2019”, (cfr. artigos 29º e 32º da contestação – cfr. fls.48 vº).
Ao invés, não se esgotando os comportamentos assediantes na instantaneidade da sua prática, pelas suas consequências sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego, importa assim concluir estar-se perante factos instantâneos, mas com efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, pelo que o prazo de caducidade de 30 dias não se inicia no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando assumem tal gravidade no contexto da relação laboral que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, sendo certo que decorre da factualidade provada que a autora ainda sofria das consequências de tais factos quando remeteu para a ré a carta de resolução do contrato de trabalho.
Recorde-se ter resultado provado que como consequência direta e necessária do referido nos factos provados 23 a 28, a Autora passou a sofrer de ‘burnout’ no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica, (cfr. facto provado 44) e que a Autora entrou de baixa no dia 22 de novembro de 2019 e não mais compareceu ao trabalho, (cfr. facto provado 32), decorrendo do documento de fls.26 vº que as apuradas consequências nefastas para a saúde da Autora do comportamento assediante de que foi vítima, foram diagnosticadas já depois da autora ter entrado de baixa (em 27/11/2019), permitindo concluir ter sido esse seu estado de enfermidade que lhe motivou ter entrado de baixa em 22 de novembro de 2019, improcedendo, assim, necessariamente a invocada exceção da caducidade.
*
Acresce que, conforme acertadamente refere a Autora no seu articulado de resposta, a justa causa de resolução por si invocada na carta de resolução é uma justa causa complexa, constituída por todos os comportamentos aí descritos violadores das garantias legais e convencionais da Autora (em síntese: ordem ilegítima, assédio no local de trabalho e sanção abusiva), “não podendo invocar tal justa causa enquanto não lhe fosse comunicada a decisão do processo disciplinar, que ocorreu em 17 de dezembro”, pelo que “invocou-a atempadamente pela carta de 10 Jan seguinte” (cfr. artºs 18º, 19º e 20º do articulado de resposta - fls.69 vº).
Efetivamente só o conjunto dos motivos invocados para a resolução do contrato permite aferir da inexigibilidade da manutenção da relação laboral por parte do trabalhador, pressuposto essencial para se poder considerar ter ocorrido a invocada justa causa para tal resolução, pelo que, é no mínimo discutível, que o prazo de caducidade de 30 dias possa ser invocado separadamente relativamente a cada uma das invocadas causas de resolução, forçando-se, desse modo, o trabalhador a ter de enviar separadamente uma carta por cada fundamento, o que poderia enfraquecer irremediavelmente a apreciação da (in)sustentabilidade da manutenção da relação laboral perante a factualidade imputada à entidade empregadora.
O critério decisivo terá de ser sempre, conforme se tem entendido, não o momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando assumem tal gravidade no contexto da relação laboral que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível.
Cumpre, pois, decidir pela total improcedência da exceção de caducidade do direito de resolução do contrato por parte da Autora com alegação de justa causa.
Vejamos.
Nos termos do nº 1 do art.º 395º do Código do Trabalho, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Pode dizer-se pacífico o entendimento de que estarmos perante prazo de caducidade[18], ainda que não de conhecimento oficioso.
A contagem do prazo de 30 dias inicia-se com o conhecimento pelo trabalhador dos factos que integram a justa causa de resolução invocada pelo trabalhador.
Tem-se entendido, e assim escrevem Pedro Furtado Martins[19] e Ricardo Nascimento[20], que a interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa. Significa isto que o prazo se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação.
Em conformidade, escreveu-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 17/11/2014[21] o seguinte, que é muito elucidativo e por isso se transcreve:
A contagem do prazo de 30 dias inicia-se com o “conhecimento” pelo trabalhador dos factos que integram a justa causa de resolução invocada, conhecimento este que, em princípio, coincide com a data por ele alegada para a sua verificação, atendo o estreito envolvimento pessoal das partes no contrato de trabalho e o facto de, por definição (cfr. o artigo 394.º, n.ºs 2 e 3), o facto que integra a justa causa se refletir de imediato na pessoa do trabalhador, envolvido no devir de um contrato que é executado diariamente, com exceção dos períodos de fins de semana, feriados e férias.
Este necessário nexo cronológico entre a decisão de resolver o contrato e os factos invocados mais não constitui do que “uma manifestação do princípio da atualidade da justa causa que traduz a regra de que a resolução se deve seguir imediatamente à verificação da situação de impossibilidade, até em consonância com a finalidade do direito de resolução – evitar situações insustentáveis”[22].
Seja como for, a interpretação desta regra “tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa”[23], o que se nos afigura determinar que, consoante o tipo de factos invocados em fundamento da justa causa, se devam adotar diferentes perspetivas na fixação do dies a quo para a contagem do prazo que a mesma prevê.
Com a fixação de um prazo de caducidade, o legislador parte do princípio de que, se depois de tomar conhecimento dos factos que fundamentam a resolução, o trabalhador não reagiu por mais de 30 dias, é de supor que o ato do empregador não impossibilitou a prossecução da relação, não havendo por isso justa causa para a resolução.
Assim, tratando-se de factos instantâneos, em que a conduta é uma só, realizada ou executada em dado momento, factos estes que se esgotam com o respetivo ato concretizador, aquele prazo inicia-se no momento do conhecimento da materialidade dos factos.
Já no caso de o comportamento ilícito do empregador ser continuado (p. ex. no caso de violação do direito de ocupação efetiva), o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último ato de violação do contrato (o conhecimento da situação ilícita renova-se permanentemente enquanto ela se mantiver), ao invés do que ocorre com os factos instantâneos que se esgotam com o respetivo ato concretizador, embora os seus efeitos possam protrair-se no tempo (p. ex. em determinados casos de baixa de categoria profissional ou de redução da retribuição)[24].
Mas nestas últimas hipóteses, assentes em factos instantâneos, mas com efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, tem-se entendido que aquele prazo se inicia, não no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando assumem tal gravidade no contexto da relação laboral que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível[25]. Assim, se o trabalhador não tiver logo a exata perceção das implicações do ato instantâneo do empregador (p. ex. por estar o trabalhador convicto de que se trata de uma situação temporária), deve entender-se que o prazo se inicia, não no momento inicial do conhecimento da pura materialidade dos factos mas, sim, quando no contexto da relação laboral o trabalhador fique ciente da sua efetiva gravidade e a mesma seja de molde tornar inexigível a partir de então a manutenção da relação.
Deve pois nestas hipóteses fazer-se um juízo perante cada caso concreto no sentido de aferir se o trabalhador, quando conheceu os factos que invoca em fundamento da justa causa, ficou logo em condições de ajuizar das implicações de tal ato no devir do contrato.
Em conformidade com este entendimento foram proferidos o Acórdão da Relação do Porto de 25 de fevereiro de 2013[26] – de acordo com o qual, pese embora a alteração das funções da trabalhadora tenha efeitos duradouros, esta circunstância, sem mais, não impede o decurso do referido prazo de 30 dias quando não resulta da matéria de facto que a decisão de pôr fim ao contrato dependeu de qualquer ponderação com base na efetiva prestação do trabalho depois de decorridos os 30 dias –, o Acórdão do STJ de 14 de setembro de 2011[27] – do qual se extrai que, tendo o trabalhador conhecimento de todos os factos atinentes à retirada de parte das funções que até então exercia, o que lhe permitia ajuizar da dimensão da lesão dos seus direitos e exercer o direito de resolução do contrato nos trinta dias subsequentes a esse conhecimento, ocorre a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador se a declaração de resolução só foi efetivada depois desses 30 dias – e o Acórdão do STJ de 18 de dezembro de 2013[28] – segundo o qual, provando-se que, a partir de maio de 2010 até novembro de 2010, a Autora se inteirou de toda a factualidade atinente à retirada de funções que desempenhava e à atribuição das mesmas a outro trabalhador e bem assim tendente a persuadi-la a celebrar um novo acordo de cedência ocasional de trabalhadores, com inclusão de cláusula indicativa de local de trabalho diferente do que possuía, estava a mesma em condições de ajuizar a dimensão da lesão dos seus direitos e exercer o direito de resolução do contrato, nos 30 dias subsequentes à obtenção de tal conhecimento.
Pertinente é também o acórdão do TRG de 23/05/2019[29], no qual (estando alegada uma situação de prática, por mais de 16 anos, pela empregadora de atos violadores dos direitos da trabalhadora, que culminaram numa depressão profunda da mesma, só ganhando a trabalhadora mais tarde, com a ajuda médica, lucidez sobre o que lhe tinha acontecido) se escreveu que se o trabalhador não ficou em condições de avaliar as consequências para o cumprimento do contrato do facto constitutivo da justa causa para a sua resolução, ainda que instantâneo, o prazo de caducidade para o exercício desse direito inicia-se não no momento do conhecimento da materialidade do facto, mas antes, quando, segundo a cognoscibilidade do trabalhador e no contexto da relação laboral, esse facto assuma tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna a partir da então imediatamente impossível[30] [31].
No caso sub judice, a Autora na carta que remeteu (ponto 41 dos factos provados) alega uma situação de assédio que se iniciou com a sua recusa em passar a trabalhar no Departamento de Logística da sociedade “X..., Lda.” (recusa que apelida de legítima), em outubro de 2019, referindo que teve que entrar de baixa por doença, e referindo ainda a instauração de procedimento disciplinar que culminou com a aplicação de sanção disciplinar de 10 dias de suspensão.
O prazo de caducidade não se interrompe nem se suspende (art.º 328º do Código Civil), e por isso a suspensão do contrato de trabalho, só por si, não leva à paralisação do prazo de caducidade[32], mesmo que por baixa médica ou doença[33].
Sendo claro que não estamos perante facto instantâneo, a questão está em saber, como acima se expôs e refere a sentença recorrida, quando assumiram os factos invocados na carta tal gravidade no contexto da relação laboral [independentemente de constituírem ou não justa causa, o que se verá de seguida, caso não se verifique a caducidade] que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível.
Dos factos provados resulta esta sequência (independentemente de se poder falar numa planificação da Ré, que não pode, e independentemente de se poder ou não falar de uma gradação ascendente, a sucessão de acontecimentos foi esta):
- em 21/10/2019 a Autora recebeu Ordem de Serviço comunicando a alteração do exercício de funções;
- a Autora não aceitou essa alteração;
- a superior hierárquica da Autora começou a “dificultar-lhe o trabalho e a impedi-la de executar atempadamente as tarefas”;
- em 15/11/2019 é comunicada à Autora a instauração de procedimento disciplinar com intenção de aplicação de sanção disciplinar de 20 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade;
- em 22/11/2019 a Autora entra de baixa médica;
- em 17/12/2019 recebe carta com a decisão de aplicação da sanção disciplinar;
- em 10/01/2020 a Autora remete à Ré a carta a comunicar a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa.
Assim, podemos dizer que temos um período que a Autora considerou de assédio, quando é instaurado procedimento disciplinar a Autora sente/entende não ter condições para prestar trabalho entrando de baixa médica (reconhecido medicamente, portanto), e quando recebe a decisão a aplicar a sanção disciplinar sente/entende não existirem condições para a subsistência da relação laboral [recordamos que estamos a ver os factos na perspetiva da Autora, sendo infra apreciado se se verifica ou não justa causa para resolução].
Ou seja, a instauração de procedimento disciplinar e aplicação da sanção disciplinar integra a situação de assédio[34], sendo o que resulta da carta remetida pela Autora, pois em momento algum da carta é dito que o assédio terminou antes, ou com a instauração do procedimento disciplinar [por isso não se pode querer separa os factos, e afastar parte por questões formais, porque não foi com base em parte que a Autora fez operar a resolução do contrato, fundando a Autora a resolução numa reiteração do comportamento – de resto, lendo-se a «nota de culpa» notificada no procedimento disciplinar (doc. 10 junto com a PI) é cristalino como está imbricada a instauração do procedimento disciplinar com os factos que levaram à atuação da superior hierárquica da Autora descrita nos pontos que precedem os pontos 29 a 31 dos factos provados].
Dito de outra forma: é claro que estamos a apreciar a caducidade do direito da Autora a resolver o contrato de trabalho pelo conjunto de factos, não se podendo fracionar os factos [35]: foi com base nesse conjunto de factos que a trabalhadora resolveu o contrato de trabalho invocando justa causa, não com base em parte deles.
Ora, ainda que a Autora tenha entrado de baixa médica em 22/11/2019, tendo nessa altura que ter tomado consciência de que a situação tinha gravidade, o certo é que nessa altura estava pendente procedimento disciplinar, e a decisão que aplicou sanção disciplinar foi-lhe comunicada em 17/12/2019 (pontos 29 a 31 dos factos provados), sentindo-a Autora como abusiva (assim o diz na carta que remeteu), e assim sentiu existir justa causa para resolver o contrato de trabalho.
Não se trata de antes de ser instaurado o procedimento disciplinar/aplicada a sanção disciplinar a Autora não reconhecer gravidade aos factos, trata-se sim de naquele momento lhe ter sido permitido ajuizar da seriedade e dimensão da lesão dos seus direitos, nomeadamente para poder avaliar da impossibilidade da manutenção da relação laboral[36].
E não se argumente que só em articulado de resposta a Autora falou em “justa causa complexa”, inviabilizando o contraditório, pois releva o que foi alegado na carta (materialmente) e não como a Autora o classifica [diga-se que, é natural que em sede de resposta em processo judicial, perante a invocação de caducidade, e acompanhada de advogado, a trabalhadora reúna argumentos já com cariz jurídico para rebater a invocada caducidade].
Assim, considerando que temos que atender ao momento em que os factos assumem uma gravidade tal que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, tendo a decisão que aplicou a sanção disciplinar sido comunicada em 17/12/2019, concluímos, como na sentença recorrida, que em 13/01/2020, quando a Ré recebeu a carta a comunicar a resolução do contrato de trabalho não se verificou a caducidade.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.

Da existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho:
Nestes autos está em causa a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador com invocação de justa causa – art.ºs 340º, al. g), e 394º do Código do Trabalho.
Pode dizer-se ser pacífico que na apreciação da justa causa há apenas que ter presentes os factos invocados na comunicação escrita do trabalhador à entidade empregadora (art.º 395º, nº 1 do Código do Trabalho), não podendo outros ser invocados judicialmente[37].
Naturalmente que estamos a falar dos factos, que o trabalhador tem que indicar de forma sucinta, e não da apreciação que deles se faça.
Ou seja, serão os factos materiais que delimitam espácio-temporalmente os factos motivadores da resolução do contrato, não a qualificação deles (se a justa causa pode ser considerada complexa ou não, se uma sanção disciplinar é abusiva...).
Como acima se disse, a Autora invocou na carta que remeteu à Ré justa causa integrada por um conjunto de factos, que entendeu configurar uma situação de assédio.
O nº 1 do art.º 394º do Código do Trabalho prevê a possibilidade de o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato no caso de ocorrer justa causa, estabelecendo os seus nºs 2 e 3 situações que, entre outras, constituem justa causa, as quais estão relacionadas com os deveres do empregador e garantias do trabalhador (arts. 127º e 129º do Código do Trabalho).
Para aferição concreta da existência de justa causa, o nº 4 do art.º 394º do Código do Trabalho manda atender aos critérios de apreciação da justa causa disciplinar com as necessárias adaptações, pelo que se impõe a verificação de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjetiva, a saber:
i) comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
ii) atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa (sendo certo que, porque nos encontramos no domínio da responsabilidade contratual, há uma presunção de culpa do não cumpridor – art.º 799º do Código Civil)[38];
iii) o comportamento do empregador tem que tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência do vínculo laboral[39].
Estas são situações em que o empregador falta culposamente ao cumprimento dos deveres emergentes do contrato de trabalho, só podendo o trabalhador resolver o contrato se do comportamento do empregador resultar uma justa causa para desvinculação: tem que existir um comportamento ilícito, culposo e que, em razão, da sua gravidade, implique a insubsistência da relação laboral[40].
O nº 2 do art.º 394º do Código do Trabalho refere que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente:
b) violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
(…)
f) a ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
De salientar que o «punível por lei» constante da alínea f) não se reporta necessariamente a lei criminal, podendo estar em causa a própria lei laboral (como por exemplo a violação de direitos de personalidade)[41].
Estão, assim, incluídas na justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, ou melhor nos exemplos-padrão indicados pelo legislador, situações de assédio moral.
O art.º 15º do Código do Trabalho consagra o direito do trabalhador à respetiva integridade física e moral, consagrando o art.º 127º do Código do Trabalho deveres ao empregador em consonância com esse direito [cfr. nº 1, als. a) e c)].
Por sua vez, o art.º 29º, nº 2 do Código do Trabalho estabelece que se entende por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Acompanhando Mago Graciano de Rocha Pacheco[42], podemos afirmar que a consciência social unânime considera, hodiernamente, que a prática de quaisquer maus tratos, vexames ou opressões ou qualquer ato que viole a dignidade do trabalhador é intolerável e totalmente inadmissível no trabalho.
Vem-se afirmando que o assédio pressupõe reiteração ou que o comportamento indesejado tem que ter uma certa duração[43].
Ora, é verdade que o assédio moral é um fenómeno que como regra se prolonga no tempo, não se tratando de um “ato isolado”, assim se afastando de uma situação de “mero conflito” que bastas vezes acontece no relacionamento humano[44].
A reiteração, ou a pluralidade de atos com carácter sistematizado, constitui um fator de identificação do fenómeno de assédio, podendo tal traduzir-se em destinar-se a situação a prolongar-se no tempo, pois não se pode olvidar que a pedra de toque para a verificação de uma situação de assédio moral pode dizer-se estar na intensidade/gravidade da atuação, ou seja, temos um comportamento que pode não ser integrado por atos reiterados, mas verificar-se-á, pela análise da globalidade da situação, que o mesmo assume um desvalor tal que inequivocamente afeta a dignidade do trabalhador ou cria-lhe um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador[45].
Por outro lado, não sendo pacífico se o assédio moral pressupõe ou não uma intenção persecutória, o certo é que da lei não parece resultar a exigência de que esteja presente a intenção de afetar a vítima, mas acompanhamos o acórdão do STJ de 09/05/2018[46], quando refere que, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que – no plano da vontade do agente – não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.
É ainda de ter presente o acórdão do TRG de 23/01/2020[47], ao referir que o assédio moral pode traduzir-se na utilização do poder de direção em termos aparentemente legítimos, mas que, em substância, o não são, pela finalidade ou efeito que lhe subjaz, estranho à sua função contratual, designadamente por visar ou acarretar um estado de constrangimento psicológico do trabalhador potenciador de comportamentos que vão ao encontro dos interesses do assediante, como a demissão ou a aceitação de alterações contratuais.
De salientar também o expresso no acórdão do TRG de 10/07/2019[48] de que na situação de assédio, o comportamento indesejado não tem de basear-se necessariamente em fator de discriminação, podendo ter um fundamento que tenha uma virtualidade semelhante, como seja o caso de existir um litígio entre o trabalhador e o empregador ou de aquele ter uma atitude reivindicativa.
Ora, à luz das considerações acabadas de expor, temos que o comportamento da Ré constante dos pontos 23 a 31 dos factos provados configura uma situação de assédio, que configura justa causa como refere a sentença recorrida para a qual se remete, realçando-se agora o seguinte em face do alegado pela Recorrente.
A parte final da alínea b) do nº 2 do art.º 394º do Código do Trabalho refere “praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores”, e a parte final da alínea f) refere “pelo empregador ou seu representante”, pelo que, se dúvidas houvesse, claro se torna que releva uma situação de assédio (denunciada ou não) levada a cabo pelo superior hierárquico, não se impondo a prova de que a empregadora (no caso de pessoa coletiva, órgãos de direção) soubesse dessa prática (embora se diga que, apesar de possível, dificilmente se concebe que um superior hierárquico leve a cabo tais práticas por sua iniciativa, sem a entidade empregadora pelo menos estar ao corrente delas sem interferir).
Poderá é a empregadora provar que a situação de assédio é da inteira responsabilidade de um trabalhador seu (que assim pratica infração disciplinar).
Assim, independentemente de ter sido a Ré a determinar a atuação da sua trabalhadora BB (superior hierárquica da Autora), ou de conhecer essa atuação, não demonstrando ser alheia a ela, estamos perante atuação suscetível de relevar para efeitos de apreciação da justa causa.
A alteração de funções determinada pela Ré (pontos 6 e 13 a 15 dos factos provados) viola claramente as garantias da Autora/trabalhadora, mesmo que a alteração representasse 50% das funções que vinha exercendo, até porque se traduzia na prestação de trabalho a outra sociedade [cfr. art.º 129º, nº 1, al. g) do Código do Trabalho].
Com efeito, há que deixar claro que in casu temos uma sociedade (a Ré) que presta serviços a outra sociedade (a “X..., Lda.”), ambas com personalidade jurídica, e para prestar esses serviços a Autora, trabalhadora da Ré, tem como local de trabalho as instalações da Ré, ainda que haja partilha de instalações entre ambas as sociedades (pontos 1, 7, 33 e 36-A dos factos provados).
Mas prestar uma sociedade serviços a outra sociedade não se confunde com o trabalhador da primeira prestar trabalho à outra sociedade à qual a sua empregadora presta serviços, e no caso em apreço, ao ser pretendido que a Autora prestasse trabalho (parcialmente) no Departamento de outra sociedade (a “X..., Lda.”), tal traduz-se em prestar trabalho a essa empresa (tal está até admitido no email a que se refere o ponto 15 dos factos provados, ao ser dito “sendo certo que será necessário articular o exercício das suas funções com as chefias do Departamento de Logística”).
Já acima se disse que não existem elementos para falar no caso em apreço de “grupo de sociedades”, mas mesmo que fosse esse o caso sempre teria que haver acordo da Autora para prestar atividade, ainda que parcial, a outra sociedade[50], e esse não é claramente o caso.
Note-se que também para a cedência ocasional de trabalhador (mesmo entre sociedades coligadas) é necessário o acordo do trabalhador (art.º 289º do Código do Trabalho).
Assim, concluímos que é legítima a posição da Autora ao não aceitar a Ordem de Serviço da Ré a que se refere o ponto 13 dos factos provados (de resto, muito parca em informação, compreendendo-se os pedidos de esclarecimento formulados pela Autora).
Relativamente ao procedimento disciplinar instaurado pela Ré, o tribunal a quo considerou a sanção de abusiva, dizendo a Recorrente que neste processo só pode ser atendido aquilo que a Autora invocou na carta de resolução sobre o ser a sanção abusiva, mais propriamente ser “totalmente injustificada, infundada”, logo não podia ser considerada como tal.
Ora, já acima se deixou expresso que na carta de resolução o trabalhador faz uma “indicação sucinta dos factos”, não tendo que justificar exaustivamente a justa causa, muito menos se lhe exigindo que referisse as alíneas dos nºs 1 e 2 do art.º 331º do Código do Trabalho que considerava aplicáveis.
Escreveu-se no acórdão do STJ de 13/12/2000[51] (estando em sintonia com ele o acórdão do TRC de 29/01/2021 acima citado) que a especial censurabilidade da conduta da entidade empregadora, no caso das sanções abusivas, radica no abuso do direito que resulta da utilização do poder disciplinar para fins diversos dos visados pelo legislador quando outorgou esse poder à entidade empregadora, como sucede quando esta o utiliza não para sancionar verdadeiras infrações disciplinares mas para fins de retaliação contra trabalhadores que ousaram reivindicar direitos que estavam convencidos que lhes assistiam, sendo indiferente que os direitos reclamados sejam, ou não juridicamente exigíveis.
A situação dos autos equipara-se a esta, pois quando a Autora refere “sanção totalmente injustificada, infundada”, fala da utilização do poder disciplinar para fins diversos dos visados pelo legislador, como sucede no caso de retaliação contra trabalhador que recusou cumprir ordem de serviço que não era legítima, e é neste âmbito que cai a apreciação do tribunal a quo, que não merece censura, referindo-se aqui as considerações finais:
Ora, verifica-se, da factualidade provada (cfr. factos provados 1, 6, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 29, 30 e 31) que a Autora reclamou legitimamente contra as condições de trabalho e recusou-se a cumprir ordem a que não deva obediência, verificando-se assim o elemento objetivo da sanção abusiva, no sentido de que ao alegado comportamento da trabalhadora se seguiu o procedimento disciplinar.
Por outro lado, resultou ainda provado que foi com clara intenção de a impedir a Autora de continuar a trabalhar no departamento de contabilidade e a pressionar para que aceitasse ir trabalhar para a outra firma, a X... que a Ré instaurou o processo disciplinar à Autora.
E constata-se que a sanção foi aplicada nos seis meses após a Autora ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho e se recusado a cumprir ordem.
Ora, face à presunção legal de natureza abusiva da sanção (artigo 331º, nº 2, al. a) do CT), sobre a Ré impendia afastar essa presunção (artigos 349º e 350º, nº 2, do Código Civil), o que não logrou fazer.
Entende-se, por consequência, que não se mostra ilidida a presunção da natureza abusiva da sanção, funcionando a presunção.
Termos em que se reputa abusiva a sanção disciplinar de 10 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade aplicada à Autora, reforçando a conclusão de estar em território da inexigibilidade da manutenção da relação contratual por parte da Autora, afigurando-se a inteira adequação e razoabilidade quanto à inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral por parte da Autora/Trabalhadora.
Ou seja, não foram atendidos factos diversos daqueles que constam da carta de resolução.
E como já se disse (a propósito da invocada nulidade) não se impunha pedido expresso de anulação da aplicação da sanção, porque estamos perante fundamento da resolução do contrato de trabalho com justa causa, sendo este o pedido cuja apreciação que passa pela apreciação da aplicação da sanção disciplinar.
Importa ainda referir que o acórdão do TRC de 29/01/2021 acima citado não exclui, ao contrário do referido pela Recorrente, que se aprecie num processo como este a sanção aplicada no procedimento disciplinar apesar de não ter sido executada a sanção.
Com efeito, há que ter presente que a situação subjacente a esse aresto é tão só a impugnação da decisão disciplinar aplicada (apesar de o contrato entretanto ter cessado por resolução por iniciativa da trabalhadora com invocação de justa causa, tal não é objeto do processo), e no aresto o que se diz é que o pedido de indemnização que ali havia sido formulado pela aplicação de sanção abusiva (não por resolução do contrato com justa causa, frisa-se) não pode ter provimento (como não havia tido em 1ª instância) porque se verificou a inutilidade superveniente da lide em relação a ele, na medida em que a sanção não foi executada e entretanto se efetivou a resolução do contrato de trabalho por iniciativa da trabalhadora.
Ou seja, não é a situação dos autos.
Por outro lado, não se encontrou publicado o texto do acórdão do STJ de 28/11/2008 de que a Recorrente transcreve o sumário, mas desse sumário depreende-se que ali o trabalhador havia invocado apenas a aplicação de sanção abusiva, sem fazer a ligação (causa/efeito) entre a aplicação da sanção e um comportamento anterior do trabalhador que a leve a enquadrar nalguma das alíneas do atual nº 1 do art.º 331º do Código do Trabalho, e tal não aconteceu no caso em apreço (não se exigindo, como se disse, que na carta de resolução seja referida a disposição legal).
Aqui chegados, pergunta-se se não verificou um comportamento culposo do empregador seja de molde a tornar imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, como defende a Recorrente.
Ora, o comportamento da empregadora é grave, e grave de modo que implica a insubsistência da relação laboral, tanto que integra, como se disse, os exemplos-padrão previstos no nº 2 do art.º 394º do Código do Trabalho.
Em suma, improcedem todos os argumentos aduzidos pela Recorrente, mantendo-se o decidido em 1ª instância.

Da oportunidade da formulação do pedido de indemnização e seu valor:
Alega a Recorrente que a trabalhadora deveria ter formulado o pedido de indemnização na carta de resolução, e não o tendo feito não podia ter formulado pedido em tribunal (no fundo o trabalhador apenas poderia vir reclamar o pagamento de indemnização em juízo no caso de desacordo com a empregadora sobre o quantum, dado não ser o valor fixo como decorre do art.º 396º do Código do Trabalho).
O tribunal a quo considerou ser devida, escrevendo, a propósito dessa alegação, o seguinte:
… não se vislumbre qualquer fundamento para a tese apresentada pela Ré na sua contestação de que “na comunicação escrita que enviou à Ré para resolução do contrato, era obrigação da Autora ter exigido à Ré o pagamento de um determinado valor indemnizatório, liquidando tal valor” (cfr. art.º 116º da contestação), não constituindo manifestamente “a total ausência do pedido de pagamento da indemnização – como é o caso da declaração de resolução da Autora – uma verdadeira renúncia abdicativa ao direito à indemnização” (cfr. art.º 121º da Contestação), não estando, como é óbvio (até pelo imperativo constitucional do artigo 20º da CRP) impedido o trabalhador “que omite tal pedido na declaração de resolução de vir agora em ação judicial, liquidar e exigir o respetivo pagamento” (cfr. art.º 122º da Contestação).
Conforme já se deixou referido, os próprios termos do art.º 396º, nº 1, do CT contrariam a invocada (sem qualquer fundamento legal, doutrinal ou jurisprudencial) renúncia abdicativa ao direito à indemnização, não estando, o trabalhador obrigado ou vinculado juridicamente a formulado um pedido de pagamento na indemnização na sua comunicação de resolução do contrato invocando justa causa, como, de resto, resulta também do normativo do artigo 395º do CT, onde se prevê de forma taxativa o procedimento para resolução de contrato pelo trabalhador.
Vejamos.
A resolução é efetuada extrajudicialmente, como prevê o art.º 395º do Código do Trabalho, o qual não exige que seja formulado pedido da indemnização prevista no artigo seguinte (o art.º 396º do Código do Trabalho).
Por outro lado, prevendo o nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho que a indemnização é “a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”, só pode estar a remeter para fixação judicial, não cabendo nem ao trabalhador nem ao empregador essa fixação.
É certo que as partes poderão acordar entre si um valor, mas não decorre do art.º 395º do Código do Trabalho que o trabalhador tenha que reclamar o seu pagamento, quantificando-a, na carta de resolução, muito menos que fique precludida a possibilidade de a reclamar se o não fizer.
Ou seja, poderá ser boa prática indicar na carta de resolução essa pretensão, mas não tem que o fazer, e se o não fizer não fica inviabilizada a reclamação dela em tribunal.
Visto que o pedido de indemnização podia ser formulado, há que ver se podia ser fixado o valor arbitrado pelo tribunal a quo, referindo a Recorrente que não podia haver condenação no pagamento da quantia de € 5.000,00 a esse título porque “a indemnização fixada nos termos do nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho deve condensar todo o quantum indemnizatório (danos patrimoniais e não patrimoniais), só podendo ser fixada indemnização por danos não patrimoniais se ficar provado que os danos efetivamente sofridos são superiores e a indemnização fixada nos termos do nº 1 do art.º 396º só por si não é suficiente”.
O tribunal a quo fixou a indemnização devida à Autora em € 17.268,42 nos termos do nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho (tomando como referência 30 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade ou fração), mais fixando € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Comecemos por ver a redação do art.º 396º do Código do Trabalho, na parte com relevo para a questão que agora nos ocupa, que é a seguinte (sendo a epígrafe «indemnização ou compensação devida ao trabalhador»):
1- Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2- No caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
3- O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
Como se vê, o nº 1 diz ter o trabalhador direito a indemnização, a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades em função da antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador.
No nº 3 está previsto que a indemnização pode ser superior ao valor que resulta do nº 1 sempre que o trabalhador demonstre que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
A questão está em ver como se articulam estas normas, tendo interesse, para melhor compreensão do regime vigente, fazer uma referência ao regime anterior ao Código do Trabalho de 2009 (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, o vigente – a redação atual do art.º 396º resultou da Lei nº 14/2018, de 19 de março, mas apenas na epígrafe, introduzindo a expressão “ou compensação”, e introduzindo um nº 5).
No Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto), a resolução do contrato de trabalho com justa causa estava prevista no art.º 441º, prevendo o art.º 443º da “indemnização devida ao trabalhador”, sendo a sua redação a seguinte:
1- A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no nº 2 do artigo 441.º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
2 - No caso de fração de ano o valor de referência previsto na segunda parte do número anterior é calculado proporcionalmente, mas, independentemente da antiguidade do trabalhador, a indemnização nunca pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
Como se vê não continha norma idêntica ao nº 3 do art.º 396º do Código do Trabalho/2009, referindo o nº 1 que a indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por referência à antiguidade correspondia à indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
No fundo tínhamos o legislador a fixar uma indemnização para todos os danos (patrimoniais e não patrimoniais) balizada por um mínimo (três meses de retribuição base e diuturnidades) e um máximo (45 dias de retribuição base e diuturnidades em função da antiguidade).
Tal disposição legal foi alvo de críticas pela doutrina, sendo-lhe apontada uma redação deficiente (confere direito a uma indemnização … que deve corresponder a uma indemnização…), contraditória (confere direito a uma indemnização por todos os danos mas com teto, quando os danos não patrimoniais por natureza o não têm) e contrariar o princípio da adequação valorativa (o regime geral do Código Civil – art.º 496º), fazendo uma parte da doutrina uma interpretação restritiva de modo que poderiam ser considerados os danos não patrimoniais[52].
O legislador, com a revisão de 2009 veio alterar o regime da “indemnização devida ao trabalhador”, quem sabe se sensível a essas críticas veio sanar essa apelidada de “redação deficiente”, estabelecendo o regime do art.º 396º do Código do Trabalho que se transcreveu.
Foi mantido o limite mínimo (três meses de retribuição base e diuturnidades), sendo referido o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador.
Mas no nº 3 prevê a possibilidade de uma majoração no caso de o trabalhador sofrer danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado (ao valor resultante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade).
Decorre daqui que a indemnização prevista no nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho, apesar de este o não dizer expressamente (mas como decorre do nº 3, que refere danos patrimoniais e não patrimoniais, o legislador não quis separar a indemnização), abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais, tratando-se de indemnização fixada conjuntamente com os critérios ali referidos, apenas se podendo fixar um valor fora desse critério, isto é superior, no caso de o valor assim arbitrado não se mostrar adequado à salvaguarda de todos os danos efetivamente sofridos[53].
Ou seja, se a indemnização adequada aos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais sofridos pelo trabalhador é coberta pelo valor referido no nº 1 do art.º 396º, o trabalhador fica ressarcido (sem acrescer quanta a título de danos não patrimoniais); se a indemnização adequada aos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais sofridos pelo trabalhador for de montante superior ao que resulta do estabelecido no nº 1 do art.º 396º, então será compensado pelo valor adequado (cabendo, naturalmente, ao trabalhador provar a sua existência e a relação causal com a cessação do contrato de trabalho)[54].
Posto isto, há que ver se é de manter a condenação da Ré no pagamento de € 5.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, a acrescer a indemnização fixada ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho em € 17.268,42.
O tribunal a quo fixou a indemnização no valor de € 17.268,42 referindo o seguinte:
Considerando ser a retribuição da Autora de valor médio e o grau de ilicitude do comportamento da empregadora de grau médio (não decorrendo da factualidade provada uma especial gravidade de tal ilicitude -como sucederia, por ex. …) temos por adequada a retribuição de referência correspondente a 30 (trinta) dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade ou fração.
Como se vê, não fez aqui qualquer referência a estar ponderado naquele valor compensação por danos não patrimoniais, autonomizando-o, como se o nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho não se reportasse a danos não patrimoniais (mas reporta, como se viu), e justificou a fixação da compensação de € 5.000,00 referindo o seguinte:
Ora, a esse propósito provou-se in casu que:
A Autora comunicou que, face às objeções que levantara, não iria para a Logística e continuou a exercer as suas funções no seu posto de trabalho habitual;
Todavia, a partir dessa data, a sua superior hierárquica direta, Sra. BB, passou a tratá-la com agressividade, dando-lhe ordens e falando-lhe sempre com acinte ou em altos brados;
Começou a dificultar-lhe o trabalho e a impedi-la de executar atempadamente as tarefas pelas quais era responsável, atribuindo-lhe outras, desnecessárias e em excesso, tendo obrigado a autora durante duas semanas a classificar faturas de transporte que só seriam lançadas nos meses seguintes;
Permanecia longos períodos sentada a seu lado ou de pé nas suas costas a fiscalizar, superintender e criticar o trabalho da Autora;
Durante todo o período de trabalho impedia a Autora de se ausentar do posto sem sua prévia autorização, verificando ao minuto a chegada e saída da Autora,
E passou a recusar-lhe a compensação dos minutos de atraso à chegada com a hora do almoço ou da saída, como era prática estabelecida e sempre lhe fizera,
Tudo com clara intenção de a impedir de continuar a trabalhar no departamento de contabilidade e a pressionar para que aceitasse ir trabalhar para a outra firma, a X...;
Ao mesmo e com igual intenção, a Ré instaurou processo disciplinar à Autora, comunicando-lhe em 15 de novembro a intenção de lhe aplicar a sanção de 20 (vinte) dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelos motivos e fundamentos da Nota de Culpa que adrede lhe enviou, e que se encontra junta a fls. 16 a 18 vº;
Sobre a qual, a Autora apresentou a resposta junta a fls. 19 a 20 vº;
Por decisão tomada em 13 Dez seguinte, comunicada à Autora e por esta recebida a 17, a Ré aplicou-lhe a sanção de 10 (dias) com fundamento nos factos e motivos do Relatório Final de fls.21 a 25;
A Autora entrou de baixa no dia 22 de novembro de 2019 e não mais compareceu ao trabalho;
A Autora é uma pessoa sensível, respeitadora e responsável, e nos mais de 16 anos que trabalhou para a Ré foi sempre uma excelente profissional, assídua, cumpridora, obediente, disponível e competente;
Credora, por isso, de toda a confiança, respeito e melhor reputação por parte de todos com quem se relacionava no meio laboral;
Como consequência direta e necessária do referido nos factos provados 23 a 28, a Autora passou a sofrer de ‘burnout’ no trabalho, com sintomatologia ansioso-depressiva, ansiedade com palpitações, anergia, astenia, humor depressivo, sentimentos de incapacidade e cognições negativas sobre o futuro, episódios de hipersónia diurna, insónia inicial, algesia generalizada, cefaleias de tensão e défices mnésica;
E como consequência direta e necessária de perder o seu posto de trabalho de mais de 16 anos, viu afetadas a sua reputação profissional, confiança, auto estima e estabilidade social e familiar, e sofreu, e continua a sofrer, angústia, desgosto, inquietação, perturbação e indignação.
Verificando-se assim um dano imputável à Ré, afigura-se que o mesmo atinge o patamar de gravidade exigido pelo art.º 496º do CC e consequentemente merece a tutela do direito para efeitos indemnizatórios por danos de natureza não patrimonial.
Com efeito, os referidos danos sofridos pela trabalhadora aqui Autora integram uma lesão grave, que vai para além daquela que sempre acontece em situações similares de sanção disciplinar conduzindo à conclusão segura da necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.
O que implica concluir pela procedência da presente ação também quanto a esse pedido, fixando-se a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora, por se afigurar adequada e razoável, atenta a factualidade provada e o grau de ilicitude e de culpa da conduta da Ré que os autos demonstram.
A questão está em ver se há razões para acrescer um montante de € 5.000,00 ao montante de € 17.268,42, fixado nos termos do nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho, nos termos acima expostos.
Ora, ao ser ponderada uma indemnização com escolha do fator de cálculo de 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade, afigura-se-nos uma indemnização adequada por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, globalmente ponderados.
Quer isto dizer que não existe fundamento para o acréscimo de uma compensação no valor de € 5.000,00 por danos não patrimoniais.
Assim, procede nesta parte o alegado pela Recorrente.

Da reconvenção apresentada pela Ré:
Tendo acima concluído não merecer censura a consideração da verificação de justa causa para resolução do contrato de trabalho pela Autora, fica prejudicado conhecer a questão da procedência do pedido reconvencional, que pressupunha considerar-se não verificada a referida justa causa, que não foi o caso.
Assim, sem necessidade de outras considerações, não merece censura o decidido a este propósito em 1ª instância.
*
Quanto a custas, ainda que proceda em parte a impugnação da decisão sobre matéria de facto, não teve interferência na decisão de mérito, pelo apenas se pondera o valor de € 5.000,00 no vencimento da Recorrente, pelo que as custas do recurso ficam a cargo da Recorrente e Recorrida na proporção do decaimento que se fixa em 87,5% e 12,5% respetivamente (art.º 527º do Código de Processo Civil).
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se:
I) alterar a redação dos pontos 18, 29 e 34 dos factos provados, de modo que a sua redação passa a ser a seguinte:
18. No decurso da mesma, para além do que já constava no email de 27 Out, a Autora constatou, nomeadamente, que, segundo a pretensão da Ré:
a) iria substituir a trabalhadora EE da X...;
b) as funções e responsabilidades que lhe iriam ser cometidas, além de exigirem uma ocupação em full-time, implicavam ser-lhe atribuído telemóvel para estar contactável 24 horas por dia a fim de assegurar transportes;
c) foi fixado o dia 04 de novembro de 2019 para início de execução da ordem de serviço.
29. Nesse contexto, e com igual intenção, a Ré instaurou processo disciplinar à Autora, comunicando-lhe em 15 novembro a intenção de lhe aplicar a sanção de 20 (vinte) dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelos motivos e fundamentos da Nota de Culpa que adrede lhe enviou, e que se encontra junta a fls.16 a 18 v.
34. Os diretores da “X...” têm poderes delegados de gestão da Ré, conferidos através de procuração.
II) aditar um ponto 36-A aos factos provados com a seguinte redação:
36-A. A Ré, presentemente, apenas presta serviços à sociedade “X..., Lda.”.
III) revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais (abrangendo a indemnização no valor de € 17.268,42 a compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais).
IV) manter, no mais, a sentença recorrida (incidindo os juros naturalmente apenas sobre as quantias cuja condenação subsiste).
Custas na 1ª instância como ali fixado.
Custas do recurso pela Recorrente e Recorrida na proporção do decaimento (que se fixa em 87,5% e 12,5% respetivamente), com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP), e sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora.
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.

(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 08 de junho de 2022
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
________________
[1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[2] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[3] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[4] Aplicável por via do disposto nos art.ºs 1º, nº 2, al. a) e 77º do Código de Processo do Trabalho.
[5] O qual dispõe o seguinte: O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
[6] Cfr. “Manual de Processo Civil”, volume I, AAFDL Editora, 2022, pág. 633.
[7] Vd. acórdãos do TRL de 11/07/2019 e de 19/11/2020, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 4794/18.9T8OER.L1-7 e nº 3332/13.4TBTVD-B.L1-6.
[8] Como se escreve no acórdão do STJ de 17/10/2017 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1), as causas de nulidade da sentença visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada.
[9] O que não se confunde com o entendimento, que vêm os tribunais superiores seguindo, de que, à luz do disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece [vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286].
[10] De outra forma ocorreria uma inversão da posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão (o recorrente).
[11] Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se).
[12] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.
[13] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293.
[14] Sobre a questão, vd. Cláudia Sofia Alves Trindade, “A Prova de Estados Subjetivos no Processo Civil – presunções judiciais e regras de experiência”, Almedina, 2016, em especial págs. 19/20.
[15] Sobre as situações de coligação societária, vd. Maria do Rosário Palma Ramalho, “Grupos Empresariais e Societários – Incidências Laborais”, Almedina, págs. 127-134.
[16] Vd. Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXVI, 1990, “Grupos de Sociedades e Direito do Trabalho”, págs. 124 a 147 (em especial pág. 136).
[17] Sobre a questão vd. Maria Irene Gomes, “Grupos de Sociedades e Algumas Questões Laborais”, in Questões Laborais, Ano V – 1998, nº 12, págs. 162 a 204 (em especial págs. 172 a 177), e também Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Manual de Direito do Trabalho”, Verbo, 2011, págs. 382/383.
[18] Casos em que o ato tem que ser praticado em determinado prazo, em que está em causa o prazo para o exercício de um direito (art.º 298º, nº 2 do Código Civil).
Cfr. acórdão do TRC de 28/04/2017, consultável em www.dgsi.pt, processo 176/16.5T8LMG.C1.
[19] In “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição revista e atualizada, Principia, págs. 529/530.
[20] In “Da Cessação do Contrato de Trabalho – em especial por iniciativa do trabalhador”, Coimbra Editora, 2008, págs. 249/250.
[21] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 739/12.8TTMTS-A.P1.
[22] Em nota de rodapé (12) refere o seguinte: Vide Ricardo Nascimento, in ob. citada [Da Cessação do Contrato de Trabalho – em especial por iniciativa do trabalhador, Coimbra, 2008], pp.249 e 250.
[23] Em nota de rodapé (13) refere o seguinte: Vide Pedro Furtado Martins, in ob. citada [Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3ª edição, 2012], p. 530.
[24] Em nota de rodapé (14) refere o seguinte: Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de maio de 2002, Revista n.º 3662/01 e de 25 de setembro de 2002, Revista n.º 2157/01, ambos da 4.ª Secção.
[25] Em nota de rodapé (15) refere o seguinte: Como refere Albino Mendes Baptista, um atraso de 15 dias no pagamento da retribuição ao trabalhador pode não significar a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, mas, o decurso da mora pode agravar os fatores potenciais da justa causa de cessação do contrato – in Estudos sobre o Código do Trabalho, citado [Coimbra, 2004], p. 31.
[26] Em nota de rodapé (16) refere o seguinte: Processo n.º 203/11.2TTBCL.P1, in www.dgsi.pt.
[27] Em nota de rodapé (17) refere o seguinte: Recurso n.º 296/07.7TTFIG.C1.S1 – 4ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[28] Em nota de rodapé (18) refere o seguinte: Recurso n.º 259/11.8TTOAZ.P1.S1 - 4ª Secção, sumariado no mesmo sítio.
[29] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 960/17.2T8BRG-A.G1.
[30] Note-se que não está em causa qualquer suspensão do decurso do prazo de caducidade por doença, mas sim a consideração de que, como está dito no acórdão, “as causas instantâneas podem ser também conciliáveis na sua sucessiva ocorrência de modo a que faça sentido refleti-las como de efeito duradouro”.
[31] Também no acórdão do TRC de 17/01/2013 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 889/11.8TTLRA.C1) se escreveu que o prazo de caducidade apenas começa a correr quando o trabalhador tem conhecimento de todos os factos que lhe permitem ajuizar da seriedade e dimensão da lesão dos seus direitos, nomeadamente para poder avaliar se é impossível a manutenção da relação laboral.
[32] Cfr. acórdão do TRL de 13/01/2016, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 903/15.8T8FNC.L1-4.
[33] Vd. Ricardo Nascimento, “Da Cessação do Contrato de Trabalho – em especial por iniciativa do trabalhador”, Coimbra Editora, 2008, pág. 251.
[34] Como se escreveu no acórdão do TRC de 29/01/2021 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1937/18.6T8GRD-A.C1), «a ratio legis do caráter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a verdadeira razão da aplicação da sanção disciplinar se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador».
[35] Buscando a situação de alguma forma paralela, a do exercício do poder disciplinar pela entidade empregadora (art.º 329º do Código do Trabalho), é aí pacífico que verificando-se infração continuada o prazo para exercer o poder disciplinar só começa a contar na data em que tiver sido praticado o último facto gerador da infração [Ana Lambelho e Luísa Andias Gonçalves, “Poder Disciplinar – Justa Causa de Despedimento”, Quid Juris Sociedade Editora (2012), pág. 21].
[36] Vd. a propósito o acórdão do STJ de 09/09/2009, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3444/06.0TTLSB.S1.
[37] Vd. Ricardo Nascimento, “Da Cessação do Contrato de Trabalho – em especial por iniciativa do trabalhador”, Coimbra Editora, 2008, pág. 246.
[38] Cabendo, pois, ao empregador provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.
[39] Seguiu-se de perto Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, pág. 910.
[40] Vd. Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2ª ed., Almedina, pág. 988.
[41] Vd. Ricardo Nascimento, “Da Cessação do Contrato de Trabalho – em especial por iniciativa do trabalhador”, Coimbra Editora, 2008, pág. 236; sendo que na pág. 237 (segundo parágrafo) conclui: «em nosso entender, existe justa causa sempre que se atente contra o respeito que é devido a quem presta a sua atividade laboral por conta de outrem».
[42] Citando Giuseppe Pera, in “O Assédio Moral no Trabalho – O Elo Mais Fraco”, Almedina, 2007, pág. 16.
[43] Cfr. por exemplo acórdão do STJ de 03.12.2014, publicado na Colectânea de Jurisprudência/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Associação de Solidariedade Social “Casa do Juiz”, Ano XXII, tomo III/2014, págs. 258-261.
[44] Sobre a distinção «assédio moral» vs «conflito», vd. Mago Graciano de Rocha Pacheco, “O Assédio Moral no Trabalho – O Elo Mais Fraco”, Almedina, 2007, págs. 139-143.
[45] Sobre a questão, vide Pedro Barrambana Santos, “Do Assédio Laboral (pelo reenquadramento do assédio moral no ordenamento jurídico português)”, Almedina, 2ª edição, págs. 290-305.
[46] Publicado na Colectânea de Jurisprudência/Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Associação de Solidariedade Social “Casa do Juiz”, Ano XXVI, tomo II/2018, págs. 257-262 (também consultável em www.dgsi.pt, processo nº 532/11.5TTSTRE.E1.S1).
[47] Sumariado na Colectânea de Jurisprudência, Associação de Solidariedade Social “Casa do Juiz”, Ano XLV, tomo I/2020, pág. 312.
[48] Consultável em www.dgs.pt, processo nº 2458/17.0T8GMR.G1.
[49] Como acima se disse, não existem elementos para falar em “grupo de sociedades”, mas mesmo aí as sociedades mantêm personalidade jurídica.
[50] Veja-se a propósito Maria do Rosário Palma Ramalho (in “Grupos Empresariais e Societários – Incidências Laborais”, Almedina, págs. 473-476 e 488-492 ) que enuncia situações de mobilidade de trabalhadores no seio de grupos societários, e na situação de contrato único com uma empresa do grupo só fala na transferência no caso de existência de cláusula no contrato a possibilitar a mobilidade.
[51] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 00S2449.
[52] Vd. Ricardo Nacimento, “Da Cessação do Contrato de Trabalho – em especial por iniciativa do trabalhador”, Coimbra Editora, 2008, págs. 257ss, que cita Albino Mendes Batista (e contra a interpretação restritiva José Eusébio Almeida).
[53] Assim, vd. acórdão do TRG de 20/10/2016, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 466/14.1TTVNF.G1.
[54] Vd. a propósito o acórdão do TRL de 25/09/2019, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2910/18.T8PDL.L1-4, que embora se reportando a situação de “serviço doméstico (com regime específico previsto no DL nº 235/92, de 24 de outubro) aponta as linhas gerais (que têm aqui cabimento).