Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6014/17.4T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RP20210413/6014/17.4T8AMT.P1
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No domínio da propriedade horizontal, o condomínio e o seu administrador correspondem a realidades jurídicas diversas.
II - Ao condomínio compete administrar as partes comuns do edifício, o que compreende, além do mais, o dever de promover a vigilância e conservação das partes comuns para que se mantenham aptas aos fins para que foram constituídas.
III - Caso contrário, se daí resultarem danos para terceiros ou para os próprios condóminos, o condomínio, verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, deve ser obrigado a repará-los, seja em espécie, quando seja possível reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso, seja compensando esses danos, na hipótese contrária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6014/17.4T8MTS.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- B… e marido, C…, D… e E…, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra F…, Ldª, sustentando, em breve resumo, que nas frações autónomas de que são proprietários sofreram diversos danos que identificam, ocasionados por infiltrações oriundas das partes comuns do edifício em que se inserem essas frações, edifício esse que é administrado pela Ré.
Nessa medida, porque as ditas infiltrações já deviam ter sido eliminadas e reparadas as suas consequências danosas, pretendem que a Ré seja condenada a realizar as obras necessárias à eliminação dos vícios existentes no interior das frações autónomas de que são proprietários; a levar a cabo as intervenções no exterior do prédio onde se situam essas frações, necessárias para evitar futuras infiltrações de água e humidade nas ditas frações; e ainda a pagar a cada um dos AA. quantia nunca inferior a 1.500,00€, a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
2- Contestou a Ré rejeitando este pedido. Desde logo, porque se considera parte ilegítima, dado que não é proprietária de qualquer fração autónoma, nem votou nenhuma deliberação no condomínio em causa. Apenas é a sua administradora desde 17/06/2014.
Por outro lado, não se considera responsável pela situação relatada pelos AA.
Daí que peça a sua absolvição da instância ou, subsidiariamente, de todos os pedidos.
3- Os AA. responderam defendendo a solução contrária.
4- Posteriormente, foi proferido despacho no qual se determinou a retificação da identificação da Ré para “H…, Ldª, na qualidade de administradora do condomínio do prédio sito na Rua …, em …, Matosinhos”.
E, atendendo a que a R. havia contestado a ação como se a mesma tivesse sido contra si interposta a título pessoal, pois assim a interpretou, foi-lhe concedido, na qualidade de administradora do condomínio, um novo prazo de 30 dias para apresentar nova contestação.
5- Nesta nova contestação, defendeu-se o Condomínio do Edifício sito na Rua …, … a …, representado em juízo pelo seu administrador, F…, unipessoal, Ldª, reeditando os argumentos antes expressos por esta sociedade, na parte que rotulou de impugnação.
Termina pedindo a sua absolvição dos pedidos.
6- Os AA. responderam reafirmando a sua posição anterior.
7- Terminados os articulados, foi proferida sentença na qual se começou por apreciar a exceção de ilegitimidade deduzida, tendo-se concluído, depois do enquadramento normativo e doutrinário que se teve por pertinente, que “(…) prefigurando a acção nos termos delineados pelos Autores - pretendem a reparação dos defeitos de partes comuns do edifício, a reparação dos prejuízos sofridos nas suas fracções e causados pela existência desses defeitos e ser ressarcidos pelos danos não patrimoniais sofridos - não nos restam dúvidas que a titularidade de tal relação jurídica reside apenas no Condomínio (universo de condóminos) pois nele reside a obrigação de conservação/reparação do prédio, bem como a de indemnizar os prejuízos causados.
Nessa medida, sendo o Condomínio o sujeito jurídico do dever, só ele pode vir a ser prejudicado com a procedência da acção e, portanto, só ele tem interesse directo em contradizer.
Concluindo, a presente acção deveria ter sido intentada contra o condomínio, citando-se o administrador como seu representante legal.
É certo que, nos presentes autos, os AA. não propuseram a acção contra o Condomínio representado pelo seu administrador, mas sim contra o administrador em funções, a R. “H…, Lda.”, na qualidade de administradora do Condomínio.
Contudo, conforme decorre do alegado na p.i., a R. está a ser demandada enquanto representante do Condomínio, e não a título pessoal no âmbito da sua gestão, pelo que a verdadeira parte é o Condomínio representado pela Ré “H…, Lda.”.
Aliás, a própria R., na nova contestação apresentada nos autos, e pese embora o seu teor, fez constar no seu cabeçalho “Condomínio do Edifício sito Rua …, … a …, pessoa colectiva nº ………, representada em juízo pelo seu administrador – F…, unipessoal, Lda.” e junta procuração outorgada pelo Condomínio do Edifício sito na Rua …, … a …, representado pelo seu administrador “H…, Unipessoal, Lda.”.
Em face do exposto, julga-se improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida”.
E, depois de elencar os factos que se julgaram provados, decidiu-se, em sede de mérito, julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, condenando-se a Ré, “na qualidade de administradora do Condomínio do prédio sito na Rua …, …, Matosinhos:
- A realizar as obras necessárias à eliminação dos danos existentes no interior das fracções dos AA., descritos na factualidade provada.
- A realizar as intervenções exteriores necessárias, por forma a evitar futuras infiltrações de água e humidade nas fracções dos AA.
- A pagar a cada um dos autos a quantia de € 1.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados, à taxa legal anual de 4% desde 18/12/2017 e até efectivo e integral pagamento”.
8- Inconformada com esta sentença, dela recorre a sociedade, “H…, Unipessoal, Ldª, na qualidade de administração do condomínio da Rua …, … a …, …, Matosinhos”, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“1) A douta sentença recorrida deve ser revogada parcialmente, por manifesta desconformidade com a realidade dos factos.
2) Com o devido respeito, a sentença do tribunal a quo, condenou erradamente a Recorrente.
3) A douta sentença, e salvo o devido respeito que lhe é devido, fez uma incorreta apreciação dos factos e da prova carreada e realizada nos Autos.
4) Com base nessa errónea avaliação da matéria em causa nos Autos e dos factos provados, julgou parcialmente procedente e condenou o Recorrente a realizar as obras necessárias à eliminação dos danos existentes no interior das frações dos AAs., a realizar as intervenções exteriores necessárias, por forma a evitar futuras infiltrações de água e humidade nas frações dos AA e a pagar a cada um dos autos a quantia de € 1.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados, à taxa legal anual de 4% desde 18/12/2017 e até efetivo e integral pagamento, deve ser revogada na sua totalidade.
5) Ora, a Ré não pode concordar com tal decisão;
6) Desde logo porque entende que os Recorridos agiram com omissão, uma vez que, à data da entrada da ação em Juízo, as obras na cobertura e paredes do edifício já tinham sido realizadas pelo ora Recorrente, o condomínio;
7) Obras essas também do conhecimento e pagas pelos Recorridos;
8) No que concerne ao pagamento do valor constantes nos orçamentos apresentados pelos Recorridos, o mesmo não deverá ter lugar, pois, a não realização das obras são consequência direta e necessária da inércia do conjunto de condóminos, nos anos anteriores à realização dos trabalhos, onde se incluem os próprios Recorrentes.
9) Pois, aquando do aparecimento dos primeiros danos, logo deveriam os Recorridos ter exigido que o Administrador iniciasse o processo de reparações externas necessárias.
10) O que não se verificou;
11) Os Recorridos não alegaram ou fizeram prova de quais as diligencias adotadas para salvaguardar e proteger o seu direito de propriedade e compropriedade.
12) O que prova a supra alegada omissão dos Recorridos;
13) E em consequência disso, fez aumentar de forma rápida o valor das reparações das frações;
14) Não foi feita prova dos danos patrimoniais alegados dos Recorridos, tanto mais que o Tribunal a quo não considerou a quota parte de responsabilidade dos Recorridos, pelo seu não agir, transferindo para o Recorrente toda a culpa e responsabilidade.
15) Pelo que o montante a que o mesmo foi condenado foi excessivamente exagerado.
16) Não existe no processo prova técnica que sustente a matéria dada como provada relativa à acção dos Recorrentes nem tão pouco existe, na matéria dada como provada, o nexo de causalidade para a responsabilidade da Recorrente.
17) A decisão sob recurso viola o disposto nos artigos 1430, 1436º e 1437º do Código Civil”.
Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada, na parte em que julgou a ação procedente.
8- Em resposta, os AA. defendem a confirmação do julgado.
10- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito do recurso
1- Definição do seu objeto
Este objeto tem por parâmetros, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, as conclusões das alegações do recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, considerando as referidas conclusões, limita-se o objeto deste recurso à questão de saber se a Apelante não é devedora das prestações que lhe foram impostas na sentença recorrida.
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2- Fundamentação de facto
Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1) Encontra-se registada a favor dos AA., B… e C…, desde 07/04/2000, a propriedade da fração autónoma designada pela letra “F” do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, em …, Matosinhos, com entrada pelo nº ….
2) A A., D…, por contrato de compra e venda celebrado por escritura pública outorgada em 21/07/2000, adquiriu a fração autónoma designada pela letra “H”, do prédio referido em 1).
3) A A., E…, por contrato de compra e venda celebrado por escritura pública outorgada em 06/06/2000, adquiriu a fração autónoma designada pela letra “L”, do prédio referido em 1).
4) A Ré exerce as funções de administradora do condomínio do prédio onde se situam as frações dos AA..
5) Pelo menos desde o ano de 2014 que os AA. se queixam, junto da Ré, administradora do condomínio, da entrada de água em diversas divisões das respetivas habitações.
6) Infiltrações que têm a sua origem na cobertura e nas paredes do edifício e que causaram e causam danos aos AA.
7) Na fração “F”, que corresponde ao 1º Esquerdo, Frente, necessitam de reparação, a sala, o quarto, a cozinha, a lavandaria e a varanda.
8) Estas divisões apresentam manchas pretas no teto e nas paredes, o aparecimento de fungos e o descasque do reboco.
9) Bem como a caixilharia de madeira das janelas danificada e descolorida.
10) Tais danos obrigam às intervenções referidas no orçamento junto com a p.i. como documento n.º 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, orçando a reparação a quantia de 3.424,85€.
11) Na fração “H”, 1º Esquerdo, Traseiras, necessitam de reparação, a sala, o quarto, a cozinha e a lavandaria.
12) Estas divisões apresentam manchas pretas no teto e nas paredes, e o aparecimento de fungos e o descasque do reboco.
13) Necessita ainda de reparação o armário embutido, que se situa no quarto, o qual, também resultado das infiltrações de água se encontra danificado, sendo necessário substituir a forra interior de madeira.
14) Tais danos obrigam às intervenções referidas no orçamento junto com a p.i. como documento n.º 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, orçando a reparação a quantia de 3.852,30€.
15) Na fração “L”, que corresponde ao 1º Direito, Frente, necessitam de reparação, o Hall de entrada, o quarto, a sala e a casa de banho.
16) Estas divisões também apresentam manchas pretas no teto e nas paredes, assim como o surgimento de fissuras, nomeadamente no teto da casa de banho, e neste, também, o descasque do reboco dos tetos e das paredes.
17) Existem, ainda, danos na caixilharia de madeira da janela de um dos quartos, bem como no móvel da sala, de madeira, que se encontra danificado, fruto das infiltrações de água.
18) Tais danos obrigam às intervenções referidas no orçamento junto com a p.i. como documento n.º 38, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, orçando a reparação a quantia de 1.289,19€.
19) No dia 3 de Agosto de 2015, foi aprovado em Assembleia de Condóminos o orçamento apresentado para a realização de obras na cobertura do edifício.
20) Em 5 de Janeiro de 2016, ficou consignado na Ata nº 2, que “Após realizadas as obras da cobertura será efetuado um levantamento de todas as anomalias nas habitações com problemas provenientes de causa comum e será efetuada orçamentação para posterior deliberação e assembleia.”
21) Na assembleia de condóminos realizada em 18 de Janeiro de 2017 ficou consignado, relativamente às frações dos AA., que “Os condóminos decidiram por maioria com os votos contra das frações “I”, “B” e “E” e a abstenção da fração “D” aprovar a execução de obras no interior das frações lesadas, contudo estas terão de apresentar orçamentos solicitados à G…”, desconsiderando os orçamentos apresentados pelos AA..
22) Os AA. voltaram a submeter à aprovação novos orçamentos.
23) Em assembleia de condóminos realizada em 22 de Junho de 2017, no que diz respeito aos orçamentos apresentados pelos autores, ficou consignado na respetiva acta:
“Posto à votação, foi reprovado por maioria dos condóminos, não avançando com as obras.”.
24) Nessa mesma assembleia, os AA. declararam: “Os condóminos das frações F, H, e L informaram os restantes de que nesta reunião terá de ficar definido uma data de início para a realização das obras nos interiores das suas habitações, reparações estas necessárias, uma vez que os danos foram causados por partes comuns. Mais referem que entregam o processo a um advogado para que este exija a sua realização. Os condóminos referem também de que estão a aguardar pelas ditas obras há mais de 2 anos, situação esta que não se pode prolongar mais.”
25) Os AA. sentem-se emocionalmente desgastados com o arrastar da presente situação.
26) Sentem-se tristes por ver degradadas as paredes interiores das suas habitações, por verem degradadas as suas casas.
27) Sentem-se também incomodados e envergonhados quando recebem visitas de familiares e amigos, pois não gostam de mostrar as suas casas nas condições supra descritas.
28) Procurando sempre que possível evitar receber em casa pessoas, o que os deixa constrangidos.
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B- Fundamentação jurídica
Está em causa no presente recurso, como vimos, a questão de saber se a Apelante não é devedora das prestações que lhe foram impostas pela sentença recorrida. Mas, ao contrário do que parece sustentar a Apelante, não se trata apenas de saber se essas prestações existem e qual a respetiva dimensão, mas também quem deve ser responsabilizado pelo seu cumprimento. Isto porque não obstante na sentença recorrida se tenha considerado que o Condomínio que a Apelante representa é a “verdadeira parte” nesta ação, foi a Apelante, e não aquele Condomínio, quem nela foi condenado. Daí que não possa deixar de se abordar também este aspeto.
Pois bem, começando justamente por ele, o que verificamos é que esta ação tem um percurso deveras sinuoso. Começou por ser instaurada contra a sociedade, F…, Ldª, mas, na sequência da sua arguição de ilegitimidade processual, foi ordenada a retificação da respetiva identificação, que passou para “H…, Ldª, na qualidade de administradora do condomínio do prédio sito na Rua …, em …, Matosinhos”. E foi nessa qualidade que lhe foi concedido novo prazo para contestar. Surpreendentemente, porém, quem se apresentou a contestar não foi essa sociedade, mas o referido Condomínio, que na sentença recorrida, de resto e como já dissemos, foi considerada a “verdadeira parte”. Só que, condenada acabou por ser a Apelante.
Ora, o que deve dizer-se, em primeiro lugar a este respeito, é que o condomínio e o seu administrador não são a mesma realidade jurídica.
O condomínio é um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos[1], cuja natureza é controvertida, mas a quem a lei reconhece o direito de ser parte nas “ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” – artigo 12.º, al. e), do CPC.
Já o administrador, por sua vez, é apenas um dos seus órgãos – artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil. Órgão que, para além de outras, tem funções de representação (artigos 1436.º, al. i), e 1437.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), mas que não se confunde com o seu representado. Mesmo quando a lei lhe atribui essas funções, “a entidade que está em juízo como parte é a associação de condóminos”[2] e não o administrador[3]. Nessa medida, não pode ser na sua esfera jurídica que se repercutem os efeitos da atuação do próprio condomínio ou do conjunto dos condóminos. Quando muito, o administrador pode ser responsabilizado pela sua gestão. Nunca em vez do próprio condomínio.
Ora, o que se verificou no caso presente foi justamente esta última hipótese. Ou seja, condenou-se a Apelante pelas omissões e consequências danosas imputadas ao Condomínio que a mesma representa. O que, está bem de ver, não pode manter-se.
Mas, pode esse Condomínio, nesta ação, ser responsabilizado pelas prestações reclamadas pelos AA.?
É que, como já dissemos, não foi ele inicialmente demandado como réu. Demandada foi a sociedade, F…, Ldª, e depois desta contestar, quem teve uma nova oportunidade de defesa foi a sociedade, H…, Ldª, embora “na qualidade de administradora do condomínio do prédio sito na Rua …, em …, Matosinhos”.
Sucede que, como já vimos também, quem se apresentou a contestar desta última vez, foi o Condomínio representado pela Apelante e foi ele igualmente quem na sentença recorrida foi qualificado como a “verdadeira parte”. Isto, a propósito da ilegitimidade da Apelante, no qual se assumiu posição expressa a esse respeito.
Neste contexto, não vindo questionada essa decisão e tendo ela transitado em julgado, não podemos deixar de considerar, face ao que se dispõe no artigo 620.º do CPC, que aquele Condomínio passou a estar também integrado nesta ação como parte passiva; ou seja, passou a poder ser responsabilizado pelas prestações reclamadas pelos AA..
É certo que se reconheceu também legitimidade passiva à Apelante. Mas essa matéria, porque não vem questionada no presente recurso e transitou em julgado, não pode ser reapreciada. Isto, não obstante se tratar de uma exceção de conhecimento oficioso (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. e) e 578.º, do CPC). Mas, neste contexto, não pode ser por nós conhecida.
O que importa reafirmar é que o Condomínio representado pela Apelante pode ser responsabilizado pelas prestações reclamadas pelos AA.
E, face aos factos provados, dúvidas não restam de que o tem de ser.
Com efeito, como resulta do disposto no artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao condomínio administrar as partes comuns do edifício. E administrá-lo compreende, além do mais, o dever de promover a vigilância e conservação das partes comuns para que se mantenham aptas para os fins para que foram constituídas[4]. Caso contrário, se daí resultarem danos para terceiros ou para os próprios condóminos, o condomínio, verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil delitual, pode ser obrigado a repará-los (artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil). Seja em espécie, quando seja possível reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso ou compensando esses danos, na hipótese contrária (artigo 562.º e 566.º do Código Civil).
E foi isso que os AA. pediram e que lhe foi reconhecido, em parte, pela sentença recorrida.
Alega, no entanto, a Apelante a obrigação de realizar obras na parte comum do edifício já tinham sido levadas a cabo à data da propositura desta ação.
Ora, não há qualquer notícia nos autos (em sede de articulados) de tal já ter sucedido. Assim, porque esta era uma exceção que ao conjunto dos condóminos competia alegar e provar (ainda que por intermédio do seu representante) – artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil -, não pode esse fundamento de defesa ser acolhido, nesta fase processual. Até porque também não foi requerida a modificação da matéria de facto.
Por outro lado, alega igualmente a Apelante que na sentença recorrida não se levou em consideração a inércia do conjunto dos condóminos, inclusive os AA., seja para a obrigação que lhe foi imposta de eliminar os danos existentes no interior das frações autónomas de que estes últimos são proprietários, seja para o cálculo da obrigação de indemnização determinada.
Mas também neste aspeto não lhe assiste razão. Como de forma exemplar se assinalou na sentença recorrida, havendo, como há, uma presunção de culpa a favor dos AA., que resulta da deficiente conservação das partes comuns do edifício (artigo 493.º, n.º1, do Código Civil), competia a quem tem o dever de proceder a essa conservação, isto é ao condomínio, o ónus de a ilidir (artigos 344.º, n.º 1 e 350.º, do Código Civil)[5], provando, não só a alegada inércia dos AA., mas também e sobretudo que essa inércia foi determinante para o resultado danoso a que se chegou. Ora, nada disso se provou.
De modo que, neste aspeto, a sentença recorrida não pode deixar de ser confirmada.
Ou seja, em resumo, a sentença recorrida deve ser modificada quanto ao obrigado às prestações que nela foram determinadas, mas, no mais, deve ser mantida em vigor.
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III- DISPOSITIVO
Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedentes as razões invocadas no presente recurso, mas alterar a sentença recorrida, condenando o Condomínio do prédio sito na Rua …, …, Matosinhos:
a) A realizar as obras necessárias à eliminação dos danos existentes no interior das frações dos AA., descritos na factualidade provada.
b) A realizar as intervenções exteriores necessárias, por forma a evitar futuras infiltrações de água e humidade nas frações dos AA.
c) A pagar a cada um dos AA. a quantia de 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados, à taxa legal anual de 4%, desde 18/12/2017 até efetivo e integral pagamento.
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-Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pelo referido Condomínio – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 13 de abril de 2021
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
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[1] Neste sentido, Gonçalo Oliveira Magalhães, A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo, Revista Julgar, n.º 23, pág. 61.
[2] João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIº Vol. (revisto e atualizado), 1987, AAFDL, pág. 30
[3] Ou dito por outras palavras, “é o condomínio que deve ser demandado; é ao administrador que incumbe a sua representação (n.º 1 do art.º 1437.º do CC)” – Ac RP de 27/11/2017, Processo n.º 822/17.3T8VFR.P1, consultável em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido se pronunciou o Ac. R Lx de 12/02/2009, Processo n.º 271/2009-6, consultável no mesmo endereço eletrónico, no qual se afirma o seguinte: A redacção algo dúbia do primeiro dispositivo legal citado (1437.º) permite sustentar que o Administrador do Condomínio pode accionar e ser accionado, enquanto tal (como órgão executivo e representativo do CONDOMÍNIO) e a título pessoal, sem necessidade da presença em juízo deste último (neste sentido, jurisprudência emanada dos nosso tribunais superiores, designadamente no quadro do regime jurídico anterior ao actualmente em vigor – ver, por exemplo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/1983, em BMJ, 323,393 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/04/1989 e de 8/11/1993, em CJ, 1989 e 1993, Tomos II e V, págs. 151 e segs. e 106 e segs. e Luís Pedro Moitinho de Almeida, “Propriedade Horizontal”, 3.ª Edição, Almedina, 2001, página 123) mas julgamos que não é esse o verdadeiro sentido e alcance das normas em análise, que devem ser, aliás, conjugadas com as outras duas disposições de natureza adjectiva igualmente reproduzidas e que apontam em direcção diversa, ou seja, que é o CONDOMÍNIO que recorre a tribunal ou aí é interpelado, muito embora seja devidamente representado pelo dito Administrador (neste sentido, ao que parece, Rui Vieira Miller, “A propriedade horizontal no Código Civil”, Almedina, 1998, páginas 321 e 322 e Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 22/01/1998, em BMJ, 480, páginas 562 e seguintes e do Tribunal da Relação do Porto de 6/07/2000, do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/04/2005 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/03/2004, todos em www.dgsi.pt)”.
[4] Neste sentido, Ac. RLx de 26/05/2015, Processo n.º 4360/10.7TBCSC.L1-7, consultável em www.dgsi.pt
[5] Neste sentido, por exemplo, Ac. RE de 14/09/2017, Processo n.º 1680/16.0TBFAR.E1, consultável em www.dgsi.pt.