Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
179/19.8PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: CRIME DE FALSIFICAÇÃO
MATRÍCULA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
BENEFÍCIO ILEGÍTIMO
Nº do Documento: RP20220608179/19.8PWPRT.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA (RECURSO DO ARGUIDO)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A chapa de matrícula de um veículo, depois de nele aposta, enquanto sinal que identifica e revela que foi feita a matrícula – entendida como o resultado do ato de matricular isto é, o ato administrativo de registo de um veículo destinado ou autorizado a circular na via pública, efetuado pela entidade competente, que identifique o veículo e estabeleça as suas condições de circulação (art. 2º, d) do Dec. Lei nº 128/2006, de 5 de Julho, na redação introduzida pelo Dec-Lei nº 152-A/2017 de 11.12.2017) – e que o respetivo número é o que dela consta, constitui um documento, para efeitos do crime de falsificação.
Os veículos a motor só são admitidos em circulação desde que matriculados (art. 117º, nº 1 do C. da Estrada), correspondendo a cada veículo matriculado um documento, destinado a certificar a matrícula, do qual devem constar as suas características identificadoras (art. 118º, nº 1 do mesmo código). Nos termos dos arts. 4º e 5º do Dec. Lei nº 128/2006, de 5 de Julho, compete à DGV [hoje, ao IMT] matricular os veículos com motor e, portanto, atribuir-lhes o número de matrícula.
II - A falsificação não atinge a chapa mas o número criado pela entidade pública, número de que aquela é mero suporte físico. Por isso que, muito embora a chapa não seja emitida pela entidade pública, porque constitui o suporte físico de um número – o número de matrícula – que, para além de obrigatório, foi emitido por uma entidade pública e no exercício da competência que a lei lhe atribui, depois de fixada no veículo, passa a ter a força probatória de um documento autêntico.
III - Na vigência do C. Penal de 1982, o Assento nº 3/98 (DR I-A, de 2 de Dezembro) fixou a seguinte jurisprudência, relativamente ao crime de falsificação qualificado, (então p. e p. pelos arts. 228º nºs 1 e 2 e 229º nº 3, ambos do C. Penal): «Na vigência do Código Penal de 1982, redação original, a chapa de matrícula de um veículo automóvel, nele aposta, é um documento com igual força à de um documento autêntico, pelo que a sua alteração dolosa consubstancia um crime de falsificação de documentos previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 228.º n.º 1, alínea a) e 2, e 229.º n.º 3 daquele diploma».
IV - As alterações posteriores ao crime de falsificação de documento não alteram a estrutura do respetivo tipo, e no que respeita à qualificação, foi apenas ampliada a respetiva previsão [pelo aumento do elenco dos documentos relevantes]. Por isso, não obstante as alterações posteriormente ocorridas no Cód. Penal, não vemos razão para que a jurisprudência ali uniformizada não continue aplicável, pois não só o verdadeiro número de matrícula do veículo do arguido foi atribuído por uma entidade pública no exercício das suas atribuições, como no regime legal vigente, o ato administrativo de matricular automóveis, motociclos, ciclomotores, triciclos quadriciclos compete à mesma autoridade, o IMT (cfr. arts. 4º e 5º do Dec. Lei 128/2006, de 5 de Julho).
V - Constitui benefício ilegítimo visado pelo arguido o de circular com o veículo na via pública, circulação que não poderia fazer sem chapas de matrícula, razão pela qual colocou as chapas de outro veículo. O benefício ilegítimo determinativo da direção da vontade do arguido, consubstancia-se na própria circulação na via pública, posto que não se encontrava matriculado, traduzindo-se o engano das autoridades num mero pressuposto para alcançar aquele benefício. Aliás, nem sequer se descortina ou é possível conjeturar com que outra intenção poderia o arguido ter agido que não fosse a de conseguir o "benefício ilegítimo" de que o veículo circulasse sem que estivesse em condições para tal. E, para o preenchimento do tipo, não é necessário que o arguido tivesse efetivamente circulado na via pública com as chapas de matrícula de outro veículo. Com efeito, tratando-se, como se disse, de um crime de perigo abstrato e de mera atividade, basta que ao colocar as chapas de matrícula, o agente aja com "intenção" de obter benefício ilegítimo, ainda que o mesmo se não venha a verificar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 179/19.8PWPRT.P1
1ª secção


Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto


I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 6, Comarca do Porto, com o nº 179/19.8PWPRT, foi submetido a julgamento o arguido AA, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 18.11.2021, que condenou o arguido, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º nº 1 al. a), d) e e) e nº 3 do Cód. Penal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 8,50.
Inconformado com a sentença condenatória, veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. O recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo douto tribunal “a quo”, que padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, porquanto para além de matéria de facto da acusação ter sido julgada erradamente como provada, a prova produzida impunha que fosse dado como provados factos que constam como não provados, o que compromete irremediavelmente a solução jurídica dada pelo tribunal a quo.
2. Tal como já havia sucedido aquando a dedução da acusação, se bem que esta assente em meros indícios, também a decisão em crise descurou, além do mais, em absoluto, as imagens vídeo extraídas no local dos factos, pois que, além do mais, delas não se extrai o comportamento que se narra na acusação, - como, por exemplo, que o arguido circulou com o veículo e o fez na via pública -, muito menos a descrição dos agentes da PSP envolvidos, e/ou comprometidos, na operação em causa.
3. Concretamente, da prova produzida e constante dos autos, não pode o Tribunal a quo decidir como decidiu, além do mais, da matéria dada como provada que o arguido, “ao colocar as matrículas, teve precisamente a intenção de fazer circular o veículo de modo a evitar que as autoridades fiscalizadoras o autuassem por estar sem matrículas, bem assim, que, por mais curto que fosse o percurso, o arguido usou as matrículas de outro veículo”…
4. Sobre a discordância quanto ao julgamento da matéria de facto, chama à colação o que resulta dos autos, contextualizado com o momento/dia a que se atribui a prática dos factos, em termos de prova documental, como seja, o AUTO DA PSP e as citadas imagens das câmaras de VÍDEO, estas últimas que o tribunal a quo dá a entender, senão expressamente, pelo menos, implicitamente, que não visualizou, mas que se revelam esclarecedoras para a compreensão e contextualização da factualidade relevante.
5. Quanto ao primeiro, (auto de notícia da PSP), da autoria da testemunha, agente BB, resulta o seguinte que, contextualizado em dois momentos distintos, se afigura, desde logo, contraditório, bem assim, como se verá adiante, com a versão em depoimento destes, do arguido e das demais testemunhas: (…) “Data/Hora da Intercepção: 2019-02-28 11:30h” Confrontado com os factos acima relatados, o suspeito de imediato admitiu que havia sido ele a instalar as matrículas, refutando que havia invertido a marcha por ter constatado a presença desta Polícia. Perante os factos, foi o suspeito conduzido por esta Esquadra, juntamente com o veículo, a fim de realizar as diligências processuais tidas por convenientes”. O suspeito deu entrada nesta Esquadra às 11:55.
Já nesta Esquadra, o suspeito confirmou novamente que foi este que instalou as matrículas no trator e que a pretensão de tal ato era de levar o veículo para a oficina da Scania a circular na via pública com aquelas chapas de matrícula”.
6. Quanto ao segundo, “imagens extraídas pela PSP das câmaras de vídeo”, como se expressa e ilustra na motivação, nenhuma imagem mostra que o arguido, muito menos aquando a interpelação pelos agentes da PSP., (que, por mais estranho que pareça, nem sequer é observada), deu a volta ao veículo, de modo a inverter a marcha, e/ou, muito menos, ia sair com o veículo das instalações onde se encontrava…
7. Apesar das inúmeras horas de gravação (+ de 48 horas), as mesmas acabam precisamente no momento que, atento a descrição, relevaria, para sustentar a tese da acusação, não se extraindo delas sequer o episódio/momento da alegada abordagem pela PSP., o que se afigura incompreensível, ademais, se foi a própria PSP que as apreendeu e que, seguramente, a fez juntar aos autos, sendo certo que nenhuma imagem expressa o comportamento evasivo que, em maior ou menor grau, mesmo assente em “presunções”, os agentes da PSP imputam ao arguido.
8. O arguido, de todo o modo, não pode ser condenado pelo que, alegadamente, queria inicialmente fazer (estacionar no parque, até vir o camião “zorra”), e não fez, (com indicação para o colocar no parque das traseiras).
9. Sem prejuízo do que resulta do já referido supra, encontra-se incorretamente julgados os pontos 4, 5, 6 e 7 da matéria de facto provada, bem assim as alíneas B) a F) da matéria de facto não provada.
10. A respeito dos pontos 4 e 5 dos factos provados, tal como os demais infra expostos em discordância, os primeiros que referem, 4.º O arguido ao colocar naquele veículo as matrículas com os dizeres “..-OE-..” e ao usar aquele veículo onde havia aposto aquelas matrículas, fê-lo bem sabendo que aquelas não atestavam factos verdadeiros na medida em que não correspondiam às matrículas atribuídas àquele veículo pela respectiva entidade competente, bem sabendo, além do mais, que aquelas matrículas pertenciam a outro veículo; 5.º O arguido ao colocar naquele veículo as matrículas com os dizeres “..-OE-..” e ao usar aquele veículo onde havia aposto aquelas matrículas, pretendia circular com aquele na via pública de modo a ludibriar as autoridades, policiais ou outras, obtendo, dessa forma, benefício ilegítimo para si e, simultaneamente, prejudicando o Estado, garante da fé pública de tal documento, pondo em causa a segurança e credibilidade atribuídos a tais documentos, o tribunal formou a convicção, como se depreende, do que foi dito pelas testemunhas, porém, reapreciada a prova, de modo algum se pode dar como provada tal matéria.
11. As declarações do arguido, AA, sessão de julgamento de 18.10.2021, depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, – Duração: 9h52m às 9h54m. – assim o contrariam, como se extrai das passagens assinaladas nas rotações 00:00:01 a 00:01:31 “Meti as matrículas, mas não circulei”; 00:01:32 a 00:03:08; 00:04:14 a 00:04:47; 00:04:50 a 00:06:55; 00:08:03 a 00:08:28; 00:10:53 a 00:11:45; 00:15:03 a 00:15:14; 00:15:37 a 00:16:24;
12. O depoimento da testemunha, BB, Agente da PSP, gravado através do sistema integrado de gravação digital já identificado supra, rotação 00:01:39 a 00:02:37; 00:01:39 a 00:03:19; 00:03:20 a 00:04:14; 00:04:15 a 00:04:52; 00:04:53 a 00:05:53; 00:05:54 a 00:06:19, 00:06:20 a 00:07:11; 00:07:44 a 00:08:22; 00:09:29 a 00:10:03; 00:10:04 a 00:11:36; 00:11:37 a 00:12:25; 00:12:26 a 00:12:51; 12:52 a 00:13:55, “Foi uma coisa que eu ia dizer, é que ele não conduziu; 00:13:56 a 00:14:44, “…, eu só posso presumir; 00:15:34 a 00:16:40, é ainda mais elucidativo do erro de julgamento;
13. O depoimento do outro agente da PSP, CC, sistema integrado de gravação digital, já referenciado, duração: 10h54m às 11h07, - que, afinal, ao contrário do que sustentou, nem contacto ou aproximação teve com o arguido -, revelou-se pouco credível, deveras comprometido, e contrariou o prestado antes pelo seu colega, pelo que devia ter determinado o tribunal a quo, no mínimo, a desvalorizar a sua (já de si insustentável) tese de que o arguido disse, na ocasião, queria levar o camião “embora, para circular”, como se infere, em maior grau, das passagens com rotação 00:02:25 a 00:02:54; 00:04:45 a 00:05:25, procurando, a certa altura, proteger-se, dizendo “o meu colega é que teve contacto...”, 00:05:26 a 00:06:32; 00:06:41 a 00:07:15; 00:07:16 a 00:08:39; 00:09:30 a 00:10:09; 00:11:00 a 00:11:30; 00:11:31 a 00:12:36.
14. O depoimento da testemunha, DD, viúvo, dono de uma agência de regularização automóvel, de 86 anos de idade, gravado no referido sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10.26.02 horas e termo pelas 10.43.57 horas, foi claro, convincente e contrariou a matéria fática cuja impugnação se pretende, como resulta, em maior grau, das passagens com rotação, 00:04:49 a 00:05:32; 00:05:33 a 00:06:24; “Para ele o pôr na retaguarda, mas aquilo foi assim instantâneo…para o carregar, para o levar”, 00:06:50 a 00:08:19; 00:08:20 a 00:09:20, “Passado três dias já tinha matrículas para ele. Eu já tinha dado entrada da papelada, só estava à espera”, 00:09:21 a 00:09:54; 00:09:55 a 00:10:20; 00:10:55 a 00:11:51; 00:13:16 a 00:13:51; 00:13:52 a 00:14:22; 00:14:23 a 00:14:39.
15. O depoimento da testemunha, EE, casado, condutor manobrador, 36 anos, gravado através do referido sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10.44.46 horas e termo pelas 10.53.08 horas, foi igualmente claro, convincente e contrariou a matéria fática cuja impugnação se pretende, como resulta, em maior grau, das passagens com a rotação que se indica, revelando que o arguido tinha combinado, de manhã, o transporte por camião zorra do veículo em causa: 00:02:01 a 00:02:39, 00:02:43 a 00:03:18; 00:03:53 a 00:04:26; 00:04:27 a 00:05:04; 00:05:57 a 00:06:24; 00:08:07 a 00:08:22.
16. A testemunha, FF, esposa do arguido, cujo depoimento, como as demais, foi gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10.53.38 horas e termo pelas 11.06.35 horas, refere que o arguido comentou que tinha cometido um “ato irrefletido”, o que bem demonstra a humildade deste, salientando que “depois lhe arranjaram um sítio onde ficar o camião”, rotação 00:01:38 a 00:02:42.
17. Dos esclarecimentos solicitados ao arguido, na sessão de julgamento de 09.11.2021, registados no sistema áudio já referenciado, resulta, com maior acuidade, e face às questões que lhe foram colocadas pela Exma. Procuradora da República, que o segundo agente da PSP nem contacto teve com o mesmo, como resulta da rotação 00:01:42 a 00:02:35.
18. Face ao que precede, não se pode extrair, nem mesmo com recurso às regras da experiência e normalidade de acontecer, que os pontos em crise ou discordância da matéria de facto podiam ser julgados em conformidade com as respostas que lhe foi dado pelo tribunal a quo, devendo, como tal, ser considerados não provados e, mesmo que assim se não entendesse, sempre se teria de equacionar a questão da dúvida quanto à sua prática e alcance, pois, seguramente não se pode afirmar, com o mínimo grau de certeza, que o arguido circulasse com a viatura (mesmo não dizendo onde), que tivesse intenção de ludibriar quem quer que seja, que visasse alcançar uma vantagem, etc., pelo que, atento o princípio in dúbio pro reo, melhor explicitado adiante, sempre se devia dar o benefício ao arguido e dar como não provados os factos em causa ou, pelo menos, com a extensão que lhes é conferida.
19. O arguido discorda ainda das respostas dadas aos pontos 6.º e 7.º da matéria dada como provada, que, 6.º (…) sabia que os dizeres colocados nas chapas de matrículas apostas nos veículos são da emissão exclusiva das entidades públicas competentes, não se abstendo, ainda, assim de alterar as matrículas originais do veículo que, depois, usou para circular com o mesmo; e que (7.º) agiu, em todas as circunstâncias, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal, pois em momento algum se provou que o arguido usou as chapas para circular com o veículo, muito menos ainda na via pública, antes que “atento o adiantado da hora – pois ia fechar o Centro de Inspecções - e na ocasião não tinha como fazer transportar o veículo numa “zorra”, o arguido ia estacionar o veículo na traseira do Centro, ponto a partir do qual, logo que possível, ia ser transportado por “zorra”, tal como previamente estabelecido e, a corroborar o que se acaba de dizer, repristina-se a prova e passagens da gravação dos depoimentos do arguido, bem assim das testemunhas a que se alude nas conclusões anteriores, que se dão como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, pelo que tal matéria deve ser julgada também como não provada.
20. A matéria de facto dos pontos/alíneas identificadas como B) a F), foi julgada de modo errado e/ou deficiente, ao ter sido dado como não provada, a recordar, B) Que o arguido tenha agido irrefletidamente na medida em que ao agir do modo descrito, o fez sem sequer ter a percepção de que podia estar a incorrer numa situação ilegal muito menos num crime; C) quando abordado pelos senhores agentes da PSP, referiu, desde logo e de forma espontânea e verdadeira, que não era intenção circular na via pública, e que logo que possível ia ser transportado em veículo próprio (“Zorra”); D) Que em circunstância alguma percepcionou ou representou que ao agir do modo descrito prejudicava ou podia prejudicar o Estado, como garante da fé pública do “documento” – chapa de matrícula – pondo em causa a segurança e/ou credibilidade que lhe é atribuído; E) Que não percepcionou ou representou que o seu comportamento era contrário e proibido pela lei penal e, al. F), Que a dita chapa não foi colocada de forma inamovível no veículo em causa; pois que, recorrendo ainda à mesma prova produzida, que se alude supra, em maior grau, a que resulta dos transcritos excertos dos depoimentos que, para não descontextualizar e não ser fastidioso, também se dão como integralmente reproduzidos, não se afigura, de todo, acertado a resposta dada pelo tribunal a quo, devendo, como tal, tais factos serem julgados provados.
21. O facto de, a titulo de exemplo, ter sido dado como não provado “Que a dita chapa não foi colocada de forma inamovível no veículo em causa”, atento o modus operandi, é incompreensível, atento o descrito a respeito, pelo arguido (rotação 00:15:37 a 00:16:24) e, inclusive, pela testemunha, DD, não deixando de causar alguma perplexidade, pois, quer isto significar, reforçando, que o tribunal a quo, além do mais já objecto de discordância, se descuidou também da valoração desta prova, deixando-se conduzir para respostas ao encontro da tese que sustentou a condenação.
22. São elementos constitutivos do tipo base da falsificação ou contrafação de documento (art.º 256º, nº 1 do C. Penal): [Tipo objectivo] - Que o agente, a) fabrique ou elabore documento falso, b) falsifique ou altere documento, c) abuse da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento, d) faça constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, e) use documento falsificado ou contrafeito, f) por qualquer meio, faculte ou detenha documento falsificado ou contrafeito; [Tipo subjetivo] - O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade; - O dolo específico, a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
23. O arguido, ao agir do modo descrito, fê-lo sem sequer ter a percepção de que podia estar a incorrer numa situação ilegal muito menos num crime, sendo certo que não era intenção circular na via pública, e que não usou o usou, como também não é verdade que pretendeu ludibriar as autoridades policiais ou administrativas, ou obter qualquer benefício para si ou outrem - como o seria para a reputada firma, A... Lda. - muito menos ainda ilegítimo.
24. Não se afigura, aliás, que benefício tirava (ele ou a empresa), quando o veículo estava a ser legalizado, como ocorreu cerca de 5 dias depois com a conclusão do processo, e quando lhe bastaria mandar fazer e colocar a matrícula estrangeira e, em circunstância alguma, pese embora a infelicidade da sua conduta, consubstanciada tão só na simples colocação da chapa, percepcionou ou representou que ao agir do modo descrito prejudicava ou podia prejudicar o Estado, como garante da fé pública do “documento” – chapa de matrícula – pondo em causa a segurança e/ou credibilidade que lhe é atribuído.
25. O arguido, ao contrário do que resulta da douta sentença, não agiu de forma livre, voluntária e consciente, muito menos “em todas as circunstâncias”, como aludia, por sinal, a douta acusação no item 7 e, embalado nesta, não se descortinando sequer como possa o tribunal ter dar como provado que a dita chapa não foi colocada de forma inamovível no veículo em causa, pois que, s.m.o., só após a sua colocação, de forma inamovível, e com o uso, é que a dita chapa cumpria o seu efeito indentificador “e revelador de que foi feita a matrícula do veículo e de que o número é o que dela consta”.
26. O arguido não fabricou nem elaborou a dita chapa de matrícula, não fez constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, nem tampouco usou, com intenção de causar prejuízo ao Estado ou a quem quer que seja, o que também não se especificou muito menos se provou, como não percepcionou/representou, em ocasião alguma, na sua irrefletida conduta, que tal podia ocorrer, nem podia obter benefício, como não obteve ou obtinha, para si ou para terceiro, muito menos ainda ilegítimo, como o impõe a “facttispecie” da norma do n.º 1 do artigo 256.º do C.P., carecendo também a factualidade descrita na acusação, na realidade, do elemento subjetivo que caracteriza o tipo de crime.
27. O simples ato de colocar uma chapa de matrícula num veículo, que não era do próprio, e que, como se referiu já, se encontrava em processo de legalização, ademais, sem que o tenha utilizado, muito menos na via pública, não pode constituir, desde logo, crime, preenchendo a factispécie da norma pela qual o arguido foi condenado, tanto assim que, como ensinava o prof. Oliveira Ascensão, pressupõe já uma situação juridicamente valorada, a que se ligam ulteriores efeitos jurídicos, para o facto de sobrevir determinado facto jurídico.
28. Referir tão só, como se extrai da douta sentença, para caracterizar o tipo de crime, “ao usar aquele veículo onde havia aposto aquelas matrículas” é muito vago, pois, não se sabe sequer o que significa tal imputação, onde usou, como, para onde, não sendo, aliás, despiciendo recordar que não resultou provado, na íntegra, e no que relevaria, o ponto 1 e 5 da douta acusação, mais precisamente, e respectivamente, “circulando com o mesmo na Rua ..., Porto”, e que, ao usar aquele veículo onde havia aposto aquelas matrículas, “pretendia circular com aquele na via pública, como circulou”.
29. Face ao circunstancialismo em causa, independentemente da alteração ou não da resposta à matéria de facto, não pode dizer-se, pois, e com segurança que, com o comportamento em causa, o arguido pretendia circular com o veículo na via pública de modo a ludibriar as autoridades, obtendo, que não obteve, dessa forma um benefício ilegítimo, para si ou para terceiro, prejudicando o Estado, garante da fé pública do documento em questão, tanto que ‘Ludibriar as autoridades não constitui, em si mesmo, nenhum benefício ou prejuízo’, e que ‘parece tautológico afirmar meramente que o prejuízo causado ao Estado seria a circulação com matrícula diversa da atribuída pelos serviços competentes’.
30. No caso em apreciação nestes autos, não está verificado também o pressuposto do “benefício ilegítimo”, determinativo da direção da vontade do arguido, pois que este só se verificaria com a própria circulação, com a dita chapa de matrícula, na via pública, o que, não só não sucedeu, como não estava na resolução do arguido, ao contrário do que os agentes da PSP quiseram “dar a entender”, fazê-lo.
31. Não basta também que conste que o agente agiu com intenção de causar prejuízo ou de obter um benefício ilegítimo, para nela se ter por contemplado o dolo específico do crime em questão, que in casu, não se chegou a verificar, dado que esta fórmula, ou qualquer outra semelhante, até porque corresponde à letra da lei, traduz apenas e só um juízo conclusivo, cuja validade de imputação fica dependente da possibilidade de ser densificado através de outros factos constantes da acusação.
32. Não quer o arguido sustentar que esteve bem e/ou se conforme a sua conduta, pois que o ato de colocação naquelas circunstâncias, e completamente desnecessário, da chapa de matrícula, representou um momento infeliz no seu exemplar histórico de vida, porém, também não se pode, desde logo, e com todo o respeito pelo tribunal a quo, face ao circunstancialismo que a envolveu e com tal prova, sustentar que cometeu, efetivamente, o tipo de crime em causa, muito menos, embora não o diga expressamente, de forma consumada.
33. Não tem a mínima sustentação na prova, antes é especulativo, o vertido na fundamentação da douta sentença, certas afirmações como a de que “não justificou a sua posse naquele momento”; se o arguido colocou as matrículas no veículo e a seguir conduziu o veículo em direção à saída, confirma que pretendia abandonar as instalações do Centro”; que nesse momento estava já a fazer uso das matrículas; que, “ao colocar as matrículas, teve precisamente a intenção de fazer circular o veículo de modo a que evitar que as autoridades fiscalizadoras o autuassem por estar sem matrículas”, etc.
34. O tribunal a quo ao sustentar que “o arguido admitiu que colocou as matrículas e que a sua intenção era, enquanto esperava pela legalização da viatura com a atribuição de matrículas portuguesas, colocar o veículo do outro lado da via pública onde ficaria estacionado”, além de descontextualizado, não permite sequer, e com o mínimo de segurança, dizer que, aquando a interpelação pelos agentes da PSP, este tinha ou manteve tal propósito, pois que, além do mais, como se alude nas conclusões anteriores, o próprio e a testemunha DD, deveras convincentes e verdadeiros, o contraiam.
35. Não havendo certezas, mesmo que relativa, repristinando as próprias palavras da referida testemunha, agente da PSP que abordou o arguido, BB, a respeito do comportamento e, de certo modo, intenção do arguido, Rotação 00:07:44 a 00:08:22, “Porque uma pessoa fica sempre na dúvida. Vê um veículo direcionado para a via pública sem matrículas, como já vi lá alguns, de facto, já vi lá alguns, mas nunca saíram”, na dúvida, o tribunal tinha de dar sempre o benefício ao arguido, atento o princípio do in dubio pro reo, que constitui uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art.º 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa) contempla e que impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
36. In extremis, e sem conceder, face ao quadro fático em causa, i.e., mesmo sem considerar a alteração da matéria de facto, estaríamos perante mera tentativa da prática do tipo de crime.
37. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outras, como as já citadas, as disposições, do n.º 1 do art.º 14.º do Código Penal, bem assim do art.º 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e) e n.º 3, do Código Penal.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: transcrição
1.º No dia 28 de Fevereiro de 2019, pelas 11h30m, o arguido colocou as chapas matrícula com os dizeres “..-OE-..”, à frente e atrás, no veículo Scania ... com o nº de chassis ....
2.º A chapa de matrícula com os dizeres “..-OE-..” haviam sido atribuídas pelas entidades competentes ao veículo Volvo .../... com o nº de quadro ..., o que era sabido e do conhecimento do arguido
3.º Porque o veículo Scania se encontrava em processo de legalização, ainda não tinha matrícula atribuída.
4.º O arguido ao colocar naquele veículo as matrículas com os dizeres “..-OE-..” e ao usar aquele veículo onde havia aposto aquelas matrículas, fê-lo bem sabendo que aquelas não atestavam factos verdadeiros na medida em que não correspondiam às matrículas atribuídas àquele veículo pela respectiva entidade competente, bem sabendo, além do mais, que aquelas matrículas pertenciam a outro veículo.
5.º O arguido ao colocar naquele veículo as matrículas com os dizeres “..-OE-..” e ao usar aquele veículo onde havia aposto aquelas matrículas, pretendia circular com aquele na via pública de modo a ludibriar as autoridades, policiais ou outras, obtendo, dessa forma, benefício ilegítimo para si e, simultaneamente, prejudicando o Estado, garante da fé pública de tal documento, pondo em causa a segurança e credibilidade atribuídos a tais documentos.
6.º De igual modo, sabia o arguido que os dizeres colocados nas chapas de matrículas apostas nos veículos são da emissão exclusiva das entidades públicas competentes, não se abstendo, ainda, assim de alterar as matrículas originais do veículo que, depois, usou para circular com o mesmo.
7.º Agiu o arguido, em todas as circunstâncias, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal.
8.º O veículo marca Scania ..., identificado no facto provado em 2.º, foi adquirido na Alemanha pela firma A... Lda., NIPC ... e, vindo num de barco num contentor, foi desalfandegado no Porto de Leixões.
9.º A firma A... Lda., que adquiriu o veículo, logo tratou de proceder à sua legalização, ficando, então, pendente da elaboração/execução das chapas de matrícula.
10.º Pelo que, entretanto, o veículo foi transportado em camião “zorra” para o Centro de Inspeções com vista à sua inspeção, de onde, e de seguida, ia ser transportado para a empresa “Scania Portugal”.
11.º Ocorre que, realizada a dita inspeção, ainda não se tinha logrado obter a matrícula por parte da Direção Geral de Viação (DGV),
12.º Atento o adiantado da hora – pois ia fechar o Centro de Inspeções - e na ocasião não tinha como fazer transportar o veículo numa “zorra”.
13.º O arguido goza de excelente reputação, é pessoa séria, muito respeitado e considerado no meio onde vive.
14.º Tem dois filhos a seu cargo, trabalha e vive exclusivamente do produto do seu trabalho.
15.º O arguido é apoiante ativo de causas sociais e ambientais, colaborando, inclusive, em iniciativas da K... (...), como as de limpeza do Rio e margens.
Das condições sócio-económicas do arguido:
16.º Casado.
17.º O arguido é casado e tem um filho com 17 anos, que é estudante.
18.º Vive em casa própria, pela qual paga um empréstimo no valor de cerca de € 200.
19.º O arguido despende cerca de €300 nas despesas de casa, como água, eletricidade, internet.
20.º O filho está a estudar, pagando o arguido pelo quarto do filho a quantia de 400€ mensais, mais alimentação.
21.º O arguido trabalha por conta própria, numa empresa de transportes pesados e aufere mensalmente a quantia de € 1.400.
22.º A mulher do arguido também é gerente e aufere mensalmente a quantia de € 1.000.
23.º A empresa existe desde os anos 70, tem lucros, não concretamente apurados.
24.º O arguido concluiu o 11.º ano escolaridade.
25.º Nada consta do certificado de registo criminal do arguido.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: transcrição
Da acusação:
A) Que o arguido tenha chegado a circular com o veículo na Rua ..., Porto, área desta Comarca.
Da contestação:
B) Que o arguido tenha agido irrefletidamente na medida em que ao agir do modo descrito, o fez sem sequer ter a percepção de que podia estar a incorrer numa situação ilegal muito menos num crime.
C) Efetivamente, quando abordado pelos senhores agentes da PSP, referiu, desde logo e de forma espontânea e verdadeira, que não era intenção circular na via pública, e que logo que possível ia ser transportado em veículo próprio (“Zorra”).
D) Que em circunstância alguma percepcionou ou representou que ao agir do modo descrito prejudicava ou podia prejudicar o Estado, como garante da fé pública do “documento” – chapa de matrícula – pondo em causa a segurança e/ou credibilidade que lhe é atribuído.
E) Que não percepcionou ou representou que o seu comportamento era contrário e proibido pela lei penal.
F) Que a dita chapa não foi colocada de forma inamovível no veículo em causa.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: transcrição
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida e analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
O arguido quis prestar declarações e admitiu que colocou as matrículas e que a sua intenção era, enquanto esperava pela legalização da viatura com a atribuição de matrículas portuguesas, pretendia colocar o veículo do outro lado da via pública onde ficaria estacionado. O arguido referiu também que é sócio da empresa dona do veículo de camiões/transportes, constituída nos anos 70, empresa familiar, que detém 19 veículos, o que nos permite concluir que o arguido tinha necessariamente que conhecer o significado da sua conduta, que a sua conduta era proibida por lei.
O que o arguido pretendeu vir dizer foi que o fez irrefletidamente. Acontece que ninguém, nas condições de vida do arguido comete tais factos irrefletidamente, até porque o arguido tinha consigo as chapas de matrícula de outro veículo da empresa e não justificou a sua posse naquele momento.
Por outro lado, se o arguido colocou as matrículas no veículo e a seguir conduziu o veículo em direção à saída, confirma que pretendia abandonar as instalações do Centro e, por outro lado, que sabia que para circular na via pública o veículo tinha que ter apostas as respectivas matrículas de modo a poder ser fiscalizado pelas autoridades. Mais se conclui que nesse momento estava já a fazer uso das matrículas.
Ora, não é crível, à luz das regras da experiência comum, que o arguido desconhecesse a proibição e o desvalor da sua conduta.
As circunstâncias admitidas pelo arguido foram confirmadas pelos Agentes da PSP que fiscalizaram o veículo, BB e CC. Estas testemunhas confirmaram, designadamente, que o veículo estava a ser conduzido pelo arguido em direção à saída do recinto, que tinha as matrículas de outro veículo apostas e que não chegou a sair do recinto do Centro de Inspeção.
Daqui resultou, desde logo, como não provado que o arguido tenha circulado na via pública e, por outro lado, pelas razões acima expostas, que o arguido desconhecesse que cometia factos proibidos por lei.
Ora, o arguido, ao colocar as matrículas, teve precisamente a intenção de fazer circular o veículo de modo a que evitar que as autoridades fiscalizadoras o autuassem por estar sem matrículas.
A testemunha de defesa DD, funcionário do Centro de Inspeções confirmou as circunstâncias de tempo e lugar, bem como esclareceu em que estado estava o processo de legalização do veículo. Mais referiu que o veículo estava virado para o portão da rua e que alertou o arguido para que não pusesse as matrículas, mas que o arguido lhe respondeu que “era só para pôr ali no parque”. Esclareceu que o parque ficava ali em frente e que para se aceder ao mesmo bastava atravessar uma rua.
Ora, por mais curto que fosse o percurso, o arguido usou as matrículas de outro veículo, fazendo uso de elementos que sabia serem determinantes para as entidades fiscalizadoras, e pretendia circular na via pública.
Por seu turno, a mulher do arguido, testemunha FF, que não estava presente, veio dizer que o marido lhe contou que colocou umas matrículas para colocar o veículo na via publica. Além disso, descreveu as condições profissionais do arguido, o tipo de empresa que gerem, bem como atestou o bom comportamento do arguido.
Por fim, depôs EE, condutor manobrador que faz o transporte dos camiões sem matrícula e que confirmou que o arguido solicitou o transporte para aquele dia à tarde, mas que não se chegou a realizar por causa dos factos deste processo. Nada mais de relevante acrescentou com o seu depoimento.
O tribunal considerou, ainda, o teor do auto de notícia de fls. 5 e seguintes, elaborado e confirmado pelo Agente BB; os autos de apreensão de fls. 7 e 8 (veículo e chapas de matrícula); o print que identifica o veículo ao qual pertence a matrícula usada pelo arguido de fls. 19, bem como o pedido de legalização do veículo e inspeções, de fls. 20 a 22 e o print com a nova matrícula, portuguesa, do veículo aqui em causa, de fls. 132 e 142 a 144.
Relativamente à empresa que o arguido gere, considerou-se a certidão permanente de fls. 118 e seguintes, bem como a lista dos veículos da empresa de fls. 122, que foram conjugados com o depoimento do arguido e da mulher.
No que respeita às condições sócio-económicas do arguido o tribunal acolheu as informações que prestou em julgamento, o depoimento da mulher, cujo conteúdo não foi infirmado por qualquer outro meio de prova.
A ausência de antecedentes criminais resulta do teor do certificado de registo criminal de fls. 140.
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III - O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Das conclusões de recurso é possível extrair a ilação de que o recorrente delimita o respetivo objeto à impugnação da matéria de facto e à questão de saber se a matéria de facto provada integra os elementos objetivos e subjetivos da prática de um crime de falsificação de documento p. e p. nos artºs. 256º nºs 1 e 3.

A) Da impugnação da matéria de facto:
Alega o recorrente que se encontram incorretamente julgados os pontos 4, 5, 6 e 7 da MFP[3] e as alíneas B) a F) da MFNP[4].
A respeito da impugnação da matéria de facto provada, nos termos do artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal, há que considerar o seguinte:
Como se refere nos doutos acórdãos do S.T.J de 15.12.2005 e de 09.03.2006[5] e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto[6] .
E, como se refere no acórdão desta Relação do Porto de 26 de Novembro de 2008[7] «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido diretamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância». A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores», fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reações, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam»[8].
Deste modo, o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
Quando, no artigo 412º, nº 3, b), do C.P.P., se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua concreta valoração.
Ora, da leitura das motivações resulta cristalinamente que o presente recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção formada pelo tribunal a quo. Ou seja, o recorrente não põe em causa a existência dos depoimentos que fundamentam a convicção do tribunal a quo. O que questiona é a valoração que foi conferida pelo tribunal recorrido às declarações do arguido e das testemunhas inquiridas.
Ou seja, o que o recorrente pretende é que este tribunal de recurso proceda a um segundo julgamento, quando a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, tem por fim corrigir cirurgicamente os pontos mal julgados, devendo para isso, o recorrente apontar os factos concretos e em que passagem do depoimento a(s) testemunha(s) disse(ram) uma coisa e o tribunal deu como provada outra.
Em bom rigor, quando seja impugnada a matéria de facto, com base em erro de julgamento, o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas».
Formal e substancialmente o recorrente não cumpre minimamente as exigências legais de impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.
O recorrente limita-se a indicar os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que em seu entender se mostram mal julgados, por discordar da valoração dada à prova pelo tribunal a quo.
O arguido/recorrente mais não fez, que fazer uma apreciação geral de toda a prova, fazendo dela a sua interpretação e tirar a conclusão de que todos os factos impugnados devem ser dados como não provados e os factos não provados devem ser considerados provados, na forma por si apontada, e consequentemente ser absolvido do crime pelo qual foi condenado.
Obviamente que o tribunal deve apreciar de forma crítica todos os elementos probatórios e interpretá-los, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, onde as regras da experiência são trave mestra.
Ora, o que o recorrente, efetivamente faz, após proceder à transcrição parcial das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas, é extrair de tais meios de prova a sua própria versão diferente da colhida pelo tribunal a quo.
Ora, não é esta a forma de atacar a matéria de facto, com base em erro de julgamento, pois não obedece ao prescrito no art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, de modo a podermos concluir que existem provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida e em conformidade com a pretensão do recorrente.
Pelo contrário, o recorrente quedou-se pela interpretação que o próprio faz da prova produzida. E esta não é manifestamente a forma de alterar a matéria de facto, pela via da impugnação ampla, ou seja com base em erro de julgamento, em que na reapreciação da concreta prova se vai constatar se a testemunha disse ou não o que foi vertido na sentença, que não tem a ver com a valoração que o tribunal dá ao depoimento.
Como já referimos, a impugnação da matéria de facto não se pode tornar numa repetição do julgamento da 1.ª instância, sob pena de os tribunais superiores deixarem de cumprir o que legalmente lhe está atribuído, que é julgar em sede de recurso, isto é, limitar-se a corrigir pontual e cirurgicamente o que estiver errado.
Analisando os meios de prova indicados pelo recorrente, e começando pelas imagens extraídas das câmaras de vídeo, verifica-se que o arguido sai do pavilhão do centro de inspeções e imobiliza o camião em frente ao pavilhão; de seguida, procede à colocação das chapas de matrícula (que pertenciam a outro veículo); posteriormente, desloca o camião, conduzindo-o, e coloca o mesmo de frente para a saída do recinto do Centro de Inspeções.
É o próprio arguido que refere em audiência que colocou as matrículas e que pretendia colocar o veículo do outro lado da via pública onde ficaria estacionado. Facto e intenção que são confirmados pelas testemunhas DD e FF.
Aliás, conjugando os referidos meios de prova com as regras da experiência comum, conclui-se que, efetivamente, à colocação das chapas de matrícula num veículo que ainda não se encontrava legalmente matriculado, só poderia ter presidido a intenção de o fazer circular na via pública e de enganar as autoridades fiscalizadoras do trânsito, fazendo-as crer que o veículo se encontrava matriculado. Só assim se compreende, aliás, que o arguido trouxesse consigo umas chapas de matrícula pertencentes a outro veículo, o que pressupõe que as havia previamente retirado do veículo a que pertenciam. Com que outro objetivo - pergunta-se?
Se o arguido apenas pretendesse que o veículo ficasse aparcado no perímetro do Centro de Inspeções, a aguardar a "Zorra" que o iria transportar para fora desse recinto e para a via pública, não tinha qualquer necessidade de colocar as chapas de matrícula. Por um lado, porque o veículo acabara de ser inspecionado sem matrícula e por outro lado porque, se não ia circular na via pública, não tinha necessidade de apor as chapas de matrícula no veículo. Dos factos provados e ainda da circunstância de o arguido ter posicionado o veículo de frente para a saída do recinto do Centro de Inspeções, conclui-se, de acordo com as regras da experiência e do normal acontecer que a intenção do arguido era, efetivamente, de fazer deslocar o veículo para o exterior, para a via pública.
Não obstante tudo o que agora poderá ser alegado em recurso, o certo é que o próprio arguido admitiu em audiência ter "matriculado" o veículo, apondo-lhe à frente e atrás, as chapas de matrícula pertencentes a outro veículo automóvel, com intenção de colocar o veículo do outro lado da via pública, onde ficaria estacionado.
Quanto ao facto não provado de que "a dita chapa não foi colocada de forma inamovível no veículo em causa", para além de se tratar de facto irrelevante para a decisão da causa, sempre se dirá que as chapas de matrícula, por regra, são amovíveis (sendo por encaixe ou através de colocação de parafusos), inclusivamente para permitir a sua troca quando as letras e os números se tornam ilegíveis por efeito dos fenómenos naturais, como o tempo e a corrosão, ou danificadas na sequência de qualquer acidente.
Conclui-se, assim, que a matéria de facto provada e não provada constante da sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo manter-se, razão por que improcede a impugnação da matéria de facto.
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D) Da qualificação jurídico-penal dos factos provados:
Para além de voltar a questionar a matéria de facto provada (que foi já julgada improcedente), alega o recorrente que a chapa de matrícula não constitui um documento autêntico, corporizando antes um documento particular, pelo que não lhe é aplicável o nº 3 do artº 256º do Cód. Penal e que não se verificou o pressuposto do "benefício ilegítimo", uma vez que este só se verificaria com a própria circulação com a dita chapa de matrícula, o que não sucedeu.
Vejamos:
O art. 255º, a) do C. Penal define documento como, "a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta".
Para efeitos do tipo de crime de falsificação de documento p. e p. no artº 256º do Cód. Penal, documento é pois, a declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante, e o sinal feito, dado ou posto numa coisa para provar um facto juridicamente relevante.
Desta forma, a chapa de matrícula de um veículo, depois de nele aposta, enquanto sinal que identifica e revela que foi feita a matrícula – entendida como o resultado do ato de matricular isto é, o ato administrativo de registo de um veículo destinado ou autorizado a circular na via pública, efetuado pela entidade competente, que identifique o veículo e estabeleça as suas condições de circulação (art. 2º, d) do Dec. Lei nº 128/2006, de 5 de Julho, na redação introduzida pelo Dec-Lei nº 152-A/2017 de 11.12.2017) – e que o respetivo número é o que dela consta, constitui um documento, para efeitos do crime de falsificação.
Os veículos a motor só são admitidos em circulação desde que matriculados (art. 117º, nº 1 do C. da Estrada), correspondendo a cada veículo matriculado um documento, destinado a certificar a matrícula, do qual devem constar as suas características identificadoras (art. 118º, nº 1 do mesmo código). Nos termos dos arts. 4º e 5º do Dec. Lei nº 128/2006, de 5 de Julho, compete à DGV [hoje, ao IMT] matricular os veículos com motor e, portanto, atribuir-lhes o número de matrícula.
De tudo isto resulta que os veículos com motor só podem circular nas vias públicas tendo apostas as chapas de matrícula e estas, como é óbvio, devem ter impresso o correspondente número de matrícula, criado e atribuído ao veículo por aquela entidade pública.
Em condutas como a levada a cabo pelo arguido, a falsificação não atinge a chapa mas o número criado pela entidade pública, número de que aquela é mero suporte físico. Por isso que, muito embora a chapa não seja emitida pela entidade pública, porque constitui o suporte físico de um número – o número de matrícula – que, para além de obrigatório, foi emitido por uma entidade pública e no exercício da competência que a lei lhe atribui, depois de fixada no veículo, passa a ter a força probatória de um documento autêntico.
Acresce que, na vigência do C. Penal de 1982, o Assento nº 3/98 (DR I-A, de 2 de Dezembro) fixou a seguinte jurisprudência, relativamente ao crime de falsificação qualificado, (então p. e p. pelos arts. 228º nºs 1 e 2 e 229º nº 3, ambos do C. Penal): «Na vigência do Código Penal de 1982, redação original, a chapa de matrícula de um veículo automóvel, nele aposta, é um documento com igual força à de um documento autêntico, pelo que a sua alteração dolosa consubstancia um crime de falsificação de documentos previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 228.º n.º 1, alínea a) e 2, e 229.º n.º 3 daquele diploma».
Como se refere naquele aresto "é a autoridade pública que, dentro dos limites da sua competência, efetua a matrícula dos veículos automóveis e atribui o correspondente número, sem que todavia emita as respetivas chapas. Estas, como simples coisas móveis, suporte material dos grupos de letras e de números ou de números e letras que representam o número de matrícula, são livremente adquiridas às entidades particulares que as comercializam. Porém, antes de apostas nos veículos automóveis a que respeitam carecem de relevância. A sua eficácia jurídica só surge com a respetiva aposição no veículo. É a aposição da chapa de matrícula no veículo que verdadeiramente releva para efeitos de a mesma poder ser considerada jurídico-penalmente documento[9]. Só depois de aposta no veículo, só depois de fixada no veículo de forma inamovível[10], é que ela cumpre o seu efeito identificador e revelador de que foi feita a matrícula do veículo e que o respetivo número é o que dela consta.
Um veículo só pode circular com chapas de matrícula, mas estas têm de expressar o correspondente número de matrícula e nenhum outro.
E a falsificação de chapas de matrícula de veículo automóvel, como ilícito criminal, consubstancia-se pela substituição das chapas com número de matrícula dado pela autoridade pública por outras com letras e números ou números e letras diversos, ou pela alteração das letras e números ou dos números e letras de uma chapa com o número de matrícula dado pela autoridade pública de modo a formar um novo número.
Daí que, em bom rigor, a falsificação atinja não a chapa em si mas o próprio número de matrícula dado pela autoridade pública, número que, como resulta dos artigos 42.º, n.º 1, e 44.º, n.os 2 e 5, do Código da Estrada de 1954, até é anterior à emissão do correspondente certificado de matrícula que vem a ser o livrete.
A chapa de matrícula aposta num veículo constitui o suporte material, visível para toda a gente e obrigatório, de um número criado por entidade pública com competência para tal - por isso com a fé pública que daí decorre.
Não foi emitida por essa entidade, mas, uma vez fixada no veículo automóvel a que respeita a matrícula, passa a ter a mesma força probatória que um documento autêntico. Não é um documento autêntico nem um documento autenticado - a lei penal nem sequer acolheu esta classificação de documento -, mas um documento com igual força, na terminologia legal do artigo 228.º, n.º 2, do Código Penal".
As alterações posteriores ao crime de falsificação de documento não alteram a estrutura do respetivo tipo, e no que respeita à qualificação, foi apenas ampliada a respetiva previsão [pelo aumento do elenco dos documentos relevantes]. Por isso, não obstante as alterações posteriormente ocorridas no Cód. Penal, não vemos razão para que a jurisprudência ali uniformizada não continue aplicável, pois não só o verdadeiro número de matrícula do veículo do arguido foi atribuído por uma entidade pública no exercício das suas atribuições, como no regime legal vigente, o ato administrativo de matricular automóveis, motociclos, ciclomotores, triciclos quadriciclos compete à mesma autoridade, o IMT (cfr. arts. 4º e 5º do Dec. Lei 128/2006, de 5 de Julho).
Conclui-se, assim, que o arguido, com a sua descrita conduta, preencheu o tipo do crime de falsificação de documento qualificado, p. e p. pelos arts. 255º al. a) e 256º nº 1 als. a) e e) e 3 do C. Penal, razão por que improcede mais este fundamento do recurso.
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Alega ainda o recorrente que não se verificou o pressuposto do "benefício ilegítimo", uma vez que este só se verificaria com a própria circulação com a dita chapa de matrícula, o que não sucedeu.
Integrado no Livro II, Título IV – Dos crimes contra a vida em sociedade, Capítulo II – Dos crimes de falsificação, do C. Penal, o crime de falsificação ou contrafação de documento é um crime comum, de perigo abstrato e de mera atividade, que tutela a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que à prova documental respeita[11] e tem como elementos do respetivo tipo (art. 256º, nº 1 do C. Penal):Tipo objetivo:
- Que o agente, a) fabrique ou elabore documento falso, b) falsifique ou altere documento, c) abuse da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento, d) faça constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, e) use documento falsificado ou contrafeito, f) por qualquer meio, faculte ou detenha documento falsificado ou contrafeito;
Tipo subjetivo:
- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto;
- O dolo específico, a intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
“Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do ato de falsificação ou do ato de utilização do documento falsificado”[12].
No caso em apreço, resultou provado que «ao colocar naquele veículo as matrículas com os dizeres "..-OE-.." e ao usar aquele veículo onde havia aposto aquelas matrículas, o arguido pretendia circular com aquele na via pública de modo a ludibriar as autoridades, policiais ou outras, obtendo dessa forma benefício ilegítimo para si ... »
E nisso constitui o benefício ilegítimo visado pelo arguido: o de circular com o veículo na via pública, circulação que não poderia fazer sem chapas de matrícula, razão pela qual colocou as chapas de outro veículo. O benefício ilegítimo determinativo da direção da vontade do arguido, consubstancia-se na própria circulação na via pública, posto que não se encontrava matriculado, traduzindo-se o engano das autoridades num mero pressuposto para alcançar aquele benefício. Aliás, nem sequer se descortina ou é possível conjeturar com que outra intenção poderia o arguido ter agido que não fosse a de conseguir o "benefício ilegítimo" de que o veículo circulasse sem que estivesse em condições para tal.
E, para o preenchimento do tipo, não é necessário que o arguido tivesse efetivamente circulado na via pública com as chapas de matrícula de outro veículo. Com efeito, tratando-se, como se disse, de um crime de perigo abstrato e de mera atividade, basta que ao colocar as chapas de matrícula, o agente aja com "intenção" de obter benefício ilegítimo, ainda que o mesmo se não venha a verificar.
Improcede, assim, mais este fundamento do recurso.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando consequentemente a douta sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC - artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa.
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Porto, 08 de junho de 2022
(Elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários)
Eduarda Lobo
Castela Rio
Francisco Marcolino
________________
[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Leia-se "Matéria de Facto Provada".
[4] Leia-se "Matéria de Facto Não Provada".
[5] Proferidos nos Procs. nº 2951/05 e 461/06, respetivamente, ambos relatados por Simas Santos e disponíveis in www.dgsi.pt
[6] Neste sentido, v. acórdão do S.T.J. de 21.01.2003, Proc. nº 02ª4324, rel. Afonso Correia, também disponível in www.dgsi.pt
[7] Relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, pgs. 176 e segs.
[8] Neste sentido, v. acórdão do S.T.J. de 09.07.2003, Proc. nº 3100/02, rel. Leal Henriques, disponível in www.dgsi.pt).
[9] Sublinhado nosso.
[10] Pensamos que aqui o termo "inamovível" não está utilizado no sentido de não mais poder ser retirada, mas antes com o significado de irremovível ou transferível para outro veículo.
[11] Cfr. Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 680.
[12] Helena Moniz, ob. cit., pág. 685.