Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
514/20.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: SUSPENSÃO DE PRAZOS
SARS-COV-2
ENTREGA DE BEM LOCADO
RAZÃO SOCIAL IMPERIOSA
Nº do Documento: RP20210427514/20.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A suspensão de prazos processuais e de diligências decorrente do regime excecional e transitório, adotado em consequência da situação epidémica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19), Lei n.º 1-A/2020, de 19/3 não se aplica aos processos urgentes, pelo que a execução de entrega judicial determinada no âmbito do procedimento cautelar de entrega de bem locado, decretada ao abrigo do disposto no art. 21º do DL 149/95 de 24.6, não se suspende.
II - Porém, atenta a especial proteção que nessa lei foi conferida á “casa de morada de família”, se a efetivação da providência implicar a entrega de imóvel, que constitua casa de morada de família, o ex-locatário, (por interpretação extensiva da proteção conferida ao arrendatário), poderá demonstrar que a entrega o coloca em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, podendo obter dessa forma a suspensão temporária da entrega judicial do imóvel.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 514/20.6T8VNG.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3

SUMÁRIO:
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Acordam, os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
BANCO B…, S.A., que incorporou o BANCO C…, S.A interpôs a presente PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ENTREGA DO BEM LOCADO nos termos do artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho, contra D…, LDA., com sede em VILA NOVA DE GAIA, pedindo a imediata entrega à requerente do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 2526, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3536, devoluto de pessoas, animais e bens, pedindo ainda a requerente a dispensa do ónus de propositura da ação principal, nos termos do disposto no art.º 369.º, n.º 1, do Cód. Processo Civil.
Citada, a Requerida não deduziu oposição.
Veio a ser decretada a medida cautelar requerida, por decisão de 24-07-2020, com o seguinte teor:
“Pelo exposto, defere-se a presente providência cautelar e, consequentemente, determina-se a imediata entrega à requerente do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 2526, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 3536, devoluto de pessoas, animais e bens.
Considerando que a matéria adquirida no procedimento permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e a natureza da providência decretada se mostra adequada a realizar a composição definitiva do litígio, dispensa-se a Requerente do ónus de propositura da ação principal, nos termos do disposto no art.º 369.º, n.º 1, do Cód. Processo Civil.
Custas a cargo da Requerente - cfr. art.º 539.º, n.º 1 do Cód. Processo Civil”.
Na sequência da declaração de insolvência da requerida D…, LDA., foi em 10.2.2020 foi proferido o seguinte despacho:
“Em conformidade com o determinado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no apenso A, nos termos do art. 162º do Código das Sociedades Comerciais (aplicado analogicamente), os autos prosseguem, neste tribunal, contra os sócios da requerida – E… e F….
Notifique.”
No auto de diligência para entrega que teve lugar em 11.8.2020, o senhor funcionário Judicial fez ali consignar o seguinte: “De imediato dirigi-me ao imóvel a entregar e fui recebido pela Srª F… (….), que depois de informada do objetivo da diligência, declarou que aquela é a morada e casa da família, sendo o agregado familiar composto por oito pessoas, das quais cinco são menores. A mesma disse que reside ali há cerca de nove anos sem qualquer tipo de contrato com a requerida. A Srª F… disse que é sócia da requerida e que não se encontra em condições de abandonar o imóvel, uma vez que o agregado familiar não tem, neste momento para onde ir morar”, tendo aí declarado não proceder á diligência ordenada, invocando as limitações/imposições decorrentes da Lei 16/2020 de 29.5.
O Requerente veio requerer o reagendamento da diligência de entrega.
Foi proferido despacho datado de 19.2.2021 com o seguinte teor:
Requerimento de 15/10/2020:
Conforme foi constatado pelo Sr. funcionário judicial que ali se deslocou (cfr. auto de diligência de 11/8/2020), os Requeridos residem, com o seu agregado familiar, no imóvel cuja entrega foi ordenada no presente procedimento cautelar (o que, aliás, também resulta do atestado da Junta de Freguesia …, que acompanha o requerimento de 15/10/2021).
Ora, apesar de não estar demonstrada a existência de qualquer contrato de arrendamento entre Requerente e Requeridos relativo àquele imóvel (sendo que a própria Requerida, naquele auto de 11/8/2020, reconheceu, perante o sr. funcionário judicial, que ocupa o imóvel sem qualquer tipo de contrato), o certo é que a concretização da entrega do imóvel constitui um acto executivo em sede do presente procedimento cautelar.
Assim, é forçoso aplicar o disposto no art. 6º-B nº6 da L 1-A/2020 de 19-3, com a redação da L 4-B/2021 de 1-2, de acordo com o qual são suspensos todos os atos a realizar em sede de processo executivo (aqui tendo de se incluir todo o tipo de atos executivos).
Pelo exposto (e não sendo a entrega de imóvel enquadrável nas diligências previstas nos nº7 ou 10, da mesma norma, pois não está em causa qualquer dano irreparável ou de difícil reparação para a Requerente), em conformidade com aquele art. 6º-B nº6, declaro suspensa a diligência de entrega do imóvel a que alude a sentença aqui proferida.
Notifique.
Inconformado o BANCO B…, S.A., veio interpor o presente recurso de Apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do despacho que declarou suspensa a diligência de entrega do imóvel ao abrigo do artigo 6.º-B, n.º 6 da lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redação atual.
2. A presente providência cautelar foi intentada ainda antes do contexto pandémico que estamos a viver e foi decretada em Julho de 2020, não cabendo na disposição excecional da referida norma.
3. Não se trata de nenhuma ação executiva, nem processo de insolvência, pelo que não há norma naquela legislação excecional que possa ser aplicada a este caso.
4. O aqui Recorrente é o legítimo proprietário do imóvel e os ocupantes nunca o foram.
5. O processo tem origem no facto de a Requerida inicial, uma sociedade comercial que se dedicava à construção de edifícios, em tempos locatária (financeira) do imóvel em questão, ter incumprido o contrato subjacente (em Novembro de 2018), deixando de pagar as rendas devidas, o que determinou a resolução do contrato (/em Abril de 2019).
6. O imóvel não foi entregue aquando da resolução do contrato, há muito ocorrida (muito antes do contexto pandémico) e os ocupantes continuam a ocupá-lo ilegalmente.
7. Portanto, as circunstâncias de facto que estão na origem do presente processo e que fundamentaram a decisão nele proferida são em muito anteriores à pandemia que assolou o país e que esteve na origem na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
8. Os ocupantes do imóvel bem conheciam a sua obrigação de entrega do imóvel, sabendo perfeitamente que o deviam entregar ao Requerente em data muito anterior aos factos em que se baseou o despacho de que ora se recorre.
9. Por outro lado, conforme decorre do leitura do auto de diligência de entrega, o imóvel está ocupado pelos ex-sócios da Requerida, seus representantes legais, e pelo seu agregado, o que fazem ilegitimamente e sem qualquer título justificativo.
10. Portanto, não estamos perante um processo executivo ou de insolvência, ao que acresce o facto de esta ilegítima ocupação poder provocar prejuízo irreparável no direito do Requerente, conforme invocado na petição inicial da providência cautelar – os pressupostos que determinaram o decretamento da providência mantêm-se.
11. Os Requeridos não são parte passiva de um processo de execução nem de insolvência. A sua posição é a de ocupantes ilegítimos – situação já reconhecida por sentença judicial há muito transitada em julgado.
12. Sendo excecionais as normas que se destinam ao enquadramento e execução da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS- CoV-2 e da doença COVID -19, as mesmas não podem interpretar-se analogicamente (art. 11.º CC).
13. Pelo que o despacho proferido deve ser revogado e substituído por outro que ordene de imediato a realização da diligência de entrega, atenta a natureza urgente da providência cautelar e o facto de esta situação não estar contemplada nas normas excecionais e de carácter temporário que estão previstas na Lei n.º 1-A/2020.”
Os Requeridos, E… E F…, sócios da empresa D…, Lda., vieram pugnar pela improcedência do recurso, juntando contra-alegações, onde concluíram que:
“1 - A presente providência cautelar foi decretada em julho de 2020 e a diligência de entrega do imóvel teve lugar em 11 de agosto de 2020.
2 - A referida diligência ficou suspensa, pois, o Sr. Funcionário Judicial incumbido de a realizar, uma vez chegado ao local, constatou que no imóvel “sub judice” residem os Recorridos e os seus 6 filhos, dos quais 5 são menores.
3 - Este imóvel constitui a habitação própria e permanente deste agregado familiar, nunca tendo havido qualquer oposição do Recorrente.
4 - A efetivação da supracitada diligência colocaria os Recorridos, mas, principalmente, os filhos tão pequenos, numa situação de manifesta fragilidade, por falta de habitação, não tendo estes, à data, para onde ir.
5 - A concretização da entrega do imóvel constitui um ato executivo em sede do presente procedimento cautelar, pelo que, in casu, é forçoso aplicar o disposto no artigo 6º-B, nº6, da Lei 1-A/2020 de 19-3, com a redação da Lei 4-B/2021 de 1-2, de acordo com o qual são suspensos todos os atos a realizar em sede de processo executivo (aqui tendo de se incluir todo o tipo de atos executivos).
6 - Mesmo que assim se não entenda, deverá ser feita uma aplicação analógica do referido preceito legal, pois, crê-se que o mesmo teve o intuito de ser o mais abrangente possível, justificado pela situação transitória e excecional que vivemos.
7 – Face ao exposto, andou bem o Tribunal da primeira instância ao declarar a suspensão da diligência de entrega do imóvel, ainda para mais porque não está em causa qualquer dano irreparável ou de difícil reparação para o Recorrente.”
Foi admitido o recurso como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:
A questão decidienda delimitada pelas conclusões de recurso consiste em saber se deve ser suspensa a entrega de imóvel, que constitui casa de morada de família, decretada no âmbito de procedimento cautelar, por aplicação do regime de suspensão de prazos e procedimentais decorrentes das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

III-FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais acima descritos

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:
O procedimento cautelar de entrega de bem locado requerido pelo Banco ora Apelante inicialmente contra a sociedade D…, LDA. foi decretado por sentença datada de 24-07-2020, nos termos da qual, foi julgada procedente a providência cautelar, com a consequente determinação da “imediata entrega à requerente do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 2526, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 3536, devoluto de pessoas, animais e bens.”
Tendo a requerida sido declarada insolvente, veio a providência cautelar a prosseguir, ocupando os Requeridos a posição processual daquela sociedade, por decisão transitada em julgado.
A execução ou efetivação da diligência de entrega de imóvel veio porém, a ficar suspensa, pelo despacho proferido em 19.2.2021, (ora sob recurso), onde se entendeu que, por se ter apurado no auto de diligência de entrega judicial que os Requeridos residem, com o seu agregado familiar, no imóvel cuja entrega foi ordenada no presente procedimento cautelar “é forçoso aplicar o disposto no art. 6º-B nº6 da L 1-A/2020 de 19-3, com a redação da L 4-B/2021 de 1-2, de acordo com o qual são suspensos todos os atos a realizar em sede de processo executivo (aqui tendo de se incluir todo o tipo de atos executivos).
Entendeu ainda o tribunal recorrido que a entrega de imóvel não é enquadrável nas diligências previstas nos nº7 ou 10, da mesma norma, por não estar em causa qualquer dano irreparável ou de difícil reparação para a Requerente.
Contra esta decisão insurge-se o Banco Apelante requerente da providência cautelar, dizendo em suma que não estamos perante um processo executivo ou de insolvência, ao que acresce o facto da ilegítima ocupação do imóvel pelos Requeridos poder provocar prejuízo irreparável no direito do Requerente, conforme invocado na petição inicial da providência cautelar, pois os pressupostos que determinaram o decretamento da providência mantêm-se. E que, sendo excecionais as normas que se destinam ao enquadramento e execução da prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS- CoV-2 e da doença COVID -19, as mesmas não podem interpretar-se analogicamente (art. 11.º CC).
Analisemos.
Antes de mais há que ter presente o âmbito e natureza da diligência processual que foi suspensa.
Trata-se de uma diligência de entrega de imóvel ordenada no âmbito de um procedimento cautelar de Entrega Judicial de Bem Locado, ao abrigo do disposto no art. 21º do DL 149/95 de 24.6.
O âmbito deste procedimento cautelar circunscreve-se às relações jurídicas que possam qualificar-se como contratos de locação financeira.
Com efeito, o procedimento cautelar de entrega judicial foi especificamente criado para enfrentar situações de periculum in mora relacionadas com incumprimento de obrigações do locatário emergentes de contratos de locação financeira.
Locação financeira é o contrato através do qual, uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável.
É-lhe aplicável o regime jurídico que regula este contrato típico, consagrado no DL 149/95 de 24 de Junho, com as alterações entretanto introduzidas.
Como refere o Prof. Leite de Campos [1], a locação financeira será um contrato a médio ou longo prazo, dirigido a financiar alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas através do uso de um bem.
E tal contrato diferencia-se da locação geral prevista no Código Civil, essencialmente pela opção aquisitiva final, pela renda, tendencialmente resolutiva, por o locador não responder pelos vícios da coisa locada ou pela sua inadequação aos fins do contrato, por o risco de perecimento ou deterioração da coisa correr por conta do locatário, por o locador fazer suas, sem compensação as benfeitorias realizadas pelo locatário e por a resolução se reger pelas normas gerais.
A este procedimento cautelar especificado, são aplicáveis por força do nº 8 do citado art. 21º do DL 149/95 as disposições gerais sobre providências cautelares em tudo o que não estiver especialmente regulado naquele diploma, tendo por isso natureza urgente por força do que dispõe o art. 363º nº 1 do CPC.
Feitas estas considerações, atenta a profusa legislação que surgiu emergente do estado de pandemia resposta à pandemia da doença COVID-19, que criou e regulou um regime excecional e transitório, há que, antes de mais, aferir qual a lei em vigor aplicável á situação em apreço, isto é vigente no momento em que foi suspensa a execução a diligência cautelar.
A lei aplicável é aquele que estava em vigor á data da prática do ato (tempus regit actum), sendo que no caso em caso em apreço, a lei aplicável é aquela que se encontrava em vigor na data da prolação do despacho que suspendeu a realização da diligência de entrega judicial.
No conjunto das medidas excecionais e temporárias aprovadas pela Assembleia da República no domínio do segundo confinamento geral, na parte relativa ao sistema de justiça civil, interessam à situação em apreço, as medidas que se encontram estabelecidas no art. 6.º-B da L 1-A/2020, de 19/3 e artigo 7º que foram aditados pela L 4-B/2021, de 1.02, á Lei 1-A/2020, de 19/3.
Esta lei (Lei 4-B/2021, de 1.02) entrou em vigor em 2 de Fevereiro de 2021 (cfr. art. 5º da mesma lei) e procedeu à nona alteração da L 1-A/2020, de 19/3 (anteriormente alterada pela L 4-A/2020, de 6/4, L 4-B/2020, de 6/4, L 14/2020,de 9/5, L 16/2020, de 29/5, L 28/2020, de 28/7, L 58-A/2020, de 30/9, L 75-A/2020, de 30/12, e L 1-A/2021, de 13/1), que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidémica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
Entretanto, entrou em vigor no ordenamento jurídico nova alteração á L 1-A/2020, de 19/3, desta feita pela Lei 13-B/2021 de 54.
A situação epidémica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) constitui causa excecional, temporária e legal de suspensão dos prazos que respeitem à prática de atos em juízo, incluindo os atos que devam ser praticados no âmbito de procedimentos que podem correr termos nos tribunais judiciais.
A Lei 4-B/2021 de 1.2 que se encontrava em vigor na data do despacho recorrido, veio introduzir uma nova alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, tendo aditado o artigo 6.º-B, que merece desde já a nossa especial atenção, por ser a norma em que o Tribunal recorrido fundamenta a suspensão da execução da medida cautelar de entrega de imóvel decretada:
Dispõe o artº 6-B seguinte relativamente a prazos e diligências:
1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) (…)
6 - São também suspensos:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, com exceção dos seguintes:
i) Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados; e
ii) Atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
(…)”
7 - Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
(…)
10 - Para o efeito referido no n.º 7, consideram-se também urgentes, para além daqueles que, por lei ou por decisão da autoridade judicial sejam considerados como tal:
a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro;
b) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável ou de difícil reparação, designadamente os processos relativos a menores em perigo ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
11 - São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
(…)”
Delgado de Carvalho[2] afirma a respeito desta matéria, o seguinte: “nos termos do inciso inicial da al. b) do n.º 6 do art. 6.º-B L 1A/2020 (na redação da L 4-B/2021), ficam suspensos quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo; na generalidade, ficam suspensos os termos da execução, vale dizer, não só o curso dos prazos processuais, como também a prática de atos e diligências executivas, pois, como estabelece o referido normativo, não podem realizar-se “quaisquer atos” enquanto durar a situação de suspensão (designadamente, os referentes a diligências de penhora, vendas, qualquer que seja a modalidade, e entrega judicial de imóveis, independentemente da sua finalidade).
Esta medida – excecional, transitória e legal – tem um campo de abrangência bastante amplo, pelo que parece entender-se que inclui situações consolidadas (portanto, que não dependem de contraditório prévio do executado) quando a execução do ato a praticar pelo agente de execução seja suscetível de, em abstrato, deteriorar a situação socioeconómica que aquele tinha antes do início da suspensão (ou seja, antes de 22/01/2021), evitando-se a degradação das suas condições de subsistência e de habitação.”
Em face da suspensão generalizada dos atos praticados em processo executivo, interessará saber se a diligência em causa integra o conceito de “quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo.”
Parece-nos que, ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal de recurso, a resposta a esta questão tem de ser negativa.
A diligência de entrega do imóvel nestes autos, não ocorre no âmbito de um processo de natureza executiva. Os Requeridos não têm a qualidade de executados, nem a Requerente é exequente.
Ocorre em consequência de ter sido decretada uma medida cautelar em sede de providência cautelar, providência que tem ínsita uma natureza declarativa e executiva na medida em que se efetiva uma vez decretada, sem necessidade de recurso a uma ação executiva.
O facto de na execução desta medida serem aplicáveis normas próprias do processo executivo, que visam a efetivação da medida cautelar ordenada, não transforma o procedimento cautelar em processo executivo.
Ora, o artigo 6º -B, tem ínsita natureza executiva do processo. Tratam-se de medidas transitórias adotadas no domínio do processo executivo, que se caraterizam pela excessiva proteção do devedor (“ficam suspensos quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo”), independentemente da tutela daqueles interesses jurídicos da subsistência e habitação.
Como refere Delgado de Carvalho,[3] nos termos do inciso inicial da al. b) do n.º 6 do art. 6.º-B L 1A/2020 (na redação da L 4-B/2021), ficam suspensos quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo; na generalidade, ficam suspensos os termos da execução, vale dizer, não só o curso dos prazos processuais, como também a prática de atos e diligências executivas, pois, como estabelece o referido normativo, não podem realizar-se “quaisquer atos” enquanto durar a situação de suspensão (designadamente, os referentes a diligências de penhora, vendas, qualquer que seja a modalidade, e entrega judicial de imóveis, independentemente da sua finalidade).
Esta medida – excecional, transitória e legal – tem um campo de abrangência bastante amplo, pelo que parece entender-se que inclui situações consolidadas (portanto, que não dependem de contraditório prévio do executado) quando a execução do ato a praticar pelo agente de execução seja suscetível de, em abstrato, deteriorar a situação socioeconómica que aquele tinha antes do início da suspensão (ou seja, antes de 22/01/2021), evitando-se a degradação das suas condições de subsistência e de habitação.
Neste sentido, e a título meramente exemplificativo, ficam sustados os atos de emissão de títulos de transmissão, as entregas judiciais de imóveis, qualquer que seja a garantia do credor (exequente ou reclamante) e a finalidade do imóvel, as apreensões relativas a penhoras de rendimentos efetuadas a partir de 22/01/2021 e enquanto durar a medida de suspensão.”
É a natureza do processo (executivo por confronto ao processo declarativo- cfr. art. 10º do C.P.C.) em que são praticados os atos, que faz com que “qualquer ato” seja excecionalmente suspenso.
Posto isto, porque de procedimento cautelar urgente se trata, a situação em apreço, cabe sim na previsão legal do nº 7 da mesma norma que dispõe o seguinte:
“7 - Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte: (sublinhado nosso)
A regra é pois a da não suspensão de prazos, atos ou diligências nos processos e procedimentos urgentes (n.ºs 7 e 10), o que bem se compreende, já a que a suspensão não se mostra compatível com a urgência de tais processos.
Nos termos do disposto no n.º 7 do art. 6.º-B L 1-A/2020 (com as alterações introduzidas pela L 4-B/2021), os processos de natureza urgente (no domínio civil e penal), continuam a ser tramitados, sem suspensão de prazos, atos ou diligências.[4]
A lei expressamente exclui do regime de suspensão, as diligências consideradas urgentes por lei que continuam a ser tramitados, sem suspensão de diligências.
A natureza urgente dos processos pode decorrer tanto da lei, como de decisão da autoridade judicial.
A natureza urgente dos processos pode decorrer tanto da lei, como de decisão da autoridade judicial.
São ainda equiparados aos processos urgentes, para o efeito de não suspensão dos prazos (cf. n.º 10, als. a) e b) do art. 6.º-B):
– Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias;
– Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável ou de difícil reparação.
Atenta a natureza cautelar do presente providência cautelar a mesma tem natureza urgente por força de lei- cfr. artigo 363º nº 1 do CPC que estabelece que os procedimentos cautelares revestem sempre carater urgente.
Não ficou estabelecida no regime transitório e provisório que adotou medidas excecionais no âmbito da pandemia da doença COVID-19, a medida de suspensão da prática de atos ou da realização de diligências nos processos e procedimentos urgentes, diferentemente do que estabelecia o art. 7.º, n.º 7, al. c), L 1-A/2020, na redação dada pela L 4-A/2020.[5]
Isto quererá significar que os atos e diligências, no domínio dos processos urgentes, terão de se realizar em qualquer caso.
Ou seja a urgência dos procedimentos judiciais afasta a aplicação das medidas provisórias excecionalmente previstas no âmbito da pandemia covid -19.
Do regime legal em análise resulta assim que a lei expressamente excluiu do regime de suspensão, as diligências consideradas urgentes por lei, como é a providência em causa, que continuam a ser tramitados, sem sujeição a quaisquer suspensão de diligências.
Porém, esta lei excecional acolheu medidas também elas excecionais que visam proteger os interesses específicos relacionados com a “casa de morada de família.”
Isto porque o legislador pretendeu evitar durante o regime excecional, que as famílias fiquem sem habitação (própria ou arrendada), para evitar a exponenciação de prolemas familiares e sociais e da especial vulnerabilidade de pessoas sem casa quanto aos perigos de contágio e disseminação do vírus.
Com esse propósito o legislador criou um regime específico, também ele excecional, tendo em vista proteger a “casa de morada de família”, seja pertencente ao executado ou insolvente, seja de imóvel arrendado.
Referimo-nos ao caso específico das ações e procedimentos referidos no n.º 11 do art.6.º-B da L 1-A/2020 em análise.
Estabelece esta norma o seguinte: “São igualmente sujeitos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega da casa de morada da família, ou de entrega de locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o coloquem em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.”. (sublinhado nosso).
Esta norma foi recentemente revogada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, que entrou em vigor no dia 6 de abril de 2021, a qual veio revogar este art.º 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, substituindo-o pelo seu art.º 6.º-E, do seguinte teor:
“(…) 7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
(…) b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa; (sublinhado nosso).
(…)
8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.”
Verifica-se que a redação da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação dada pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, apesar de parcialmente alterada com a Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, foi integralmente reposta pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, no seu art.º 6.º-E, atualmente em vigor.
Este é um regime excecional, relativo a um específico ato de cariz executivo – suspensão de diligências relacionadas com a entrega judicial da casa de morada de família.
O regime consiste no seguinte: A entrega de imóvel pertencente ao executado ou insolvente, e que constitua casa de morada de família, que haja sido vendido numa execução ou num processo de insolvência, é um ato que não pode praticar-se, sempre, isto é, seja qual for a situação concreta, enquanto durar o regime excecional de suspensão (ato abstrata e aprioristicamente proibido, que impõe a suspensão do ato de entrega da casa de morada de família), enquanto a entrega judicial de imóvel arrendado para habitação obedece a uma ponderação casuística, e não apenas abstrata, que não impõe, em regra, a suspensão do ato de entrega do locado), que ocorre incidentalmente no processo ou procedimento.
A lei estabeleceu um regime excecional quando está em causa a entrega judicial de imóvel arrendado para habitação sujeitando a suspensão da diligência a uma ponderação casuística, e não apenas abstrata.
No caso em apreço, está em causa a entrega não de um imóvel arrendado, mas objeto de um imóvel objeto de locação financeira, pelo que é necessário saber se é possível fazer-se uma aplicação analógica do referido preceito legal, tal como defendem os Apelados nas suas contra-alegações de recurso.
Não está em causa a não entrega do bem locado, que é para ser realizada. O que está em causa é saber se essa diligência de entrega deverá ficar temporariamente suspensa, como resultado da especial proteção conferida pelo regime excecional á habitação das famílias em contexto pandémico.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 17 de Março de 2017[6] “A nossa atividade, enquanto julgadores, passa por fixar o sentido e o alcance que o texto legislativo deverá ter, sendo que não poderá ser um qualquer sentido de entre os possíveis (caso haja mais do que um), mas antes procurar extrair-se da lei, enquanto instrumento de conformação e ordenação da vida em sociedade, dirigida à generalidade das pessoas e abarcando uma miríade de casos, um sentido decisivo que garanta um mínimo de uniformidade de soluções, por forma a evitar-se o casuísmo e o arbítrio de cada julgador, incompatíveis com a necessária segurança jurídica, cfr Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, 176.”
Tal como flui do art. 9º, nº 1 do Cód. Civil a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Pode assim dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Contudo, quando assim não suceda, o Código faz apelo, a critérios de carácter objetivo, como são os que constam do nº 3 do art. 9º. [7]
Por outro lado, deverá também ter-se em atenção o disposto no art. 11º do Cód. Civil onde se estabelece que «as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.»
O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, que uma determinada situação não esteja compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que na interpretação extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do efetivamente pretendia dizer.
A interpretação extensiva é admitida apenas no que concerne às normas excecionais.
Ora, no art. 1º, al. b) da Lei nº 1-A/2020, de 19.3 estatui-se que «a presente lei procede à (…) à aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2, agente causador da doença COVID-19.»
Por conseguinte, daqui decorre não haver qualquer dúvida de que estamos perante normas de carácter excecional, área onde é viável o recurso à interpretação extensiva.
Interpretação extensiva significa que a formulação adotada pela letra do texto legal diz menos do que aquilo que se pretendia dizer, habilitando o intérprete, com recurso a elementos racionais, a alargar ou a estender o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, que, no caso é o de proteger a casa de morada de família, em contexto de pandemia, do executado em primeira linha, é certo, mas de outros intervenientes no processo, que igualmente justifiquem o reconhecimento, em concreto, do direito fundamental à habitação. Esta extensão teleológica é permitida pelo art. 11.º do Código Civil.
O preceito em interpretação como vimos, tem a sua razão de ser na presente situação de pandemia e é neste contexto, com todo um conjunto de efeitos negativos a nível social e económico, que a sua interpretação deve ser efetuada.
Ora, considerando a segunda parte do nº 11, que se refere aos “processos de entrega de coisa imóvel arrendada”, parece-nos não haver justificação para não estender a suspensão ao processos de entrega de coisa imóvel locada, isto é objeto de locação financeira, dada a similitude dos regimes jurídicos, nomeadamente quanto à disponibilidade do gozo da coisa, contra o pagamento de uma renda.
Entendemos assim que, face à natureza excecional da norma aqui em causa é de admitir, nos termos do art. 11º do Cód. Civil, a sua interpretação extensiva, pelo que entendemos que a situação em apreço, referente a uma entrega judicial de imóvel decretada em procedimento cautelar de entrega judicial, os ex locatários (os aqui requeridos vieram substituir a locatária na ação, ocupando a respetiva posição daquela na lide, por força do disposto no art. 162º do Cod. Comercial) possam lançar mão do incidente urgente previsto naquele normativo, podendo demonstrem que a entrega os coloque em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
O espírito de proteção do arrendatário em termos de pandemia, permite a extensão aos locatários de imóvel que constitua a casa de morada de família, devendo consequentemente ser paralisados os efeitos de uma decisão proferida, é certo num processo urgente, no período excecional de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19.
A natureza cautelar do procedimento em causa, a nosso ver não impede tal entendimento.
O procedimento cautelar visa, por definição, colocar termo de forma urgente a uma situação que sumariamente se apurou ser violadora de um direito de outrem, sendo preliminar (no caso) de uma ação em que os direitos em confronto serão devidamente definidos (sem prejuízo da questão da inversão do contencioso).
Porém, no tipo de providência cautelar em apreço – entrega judicial de bem locado - estão em causa essencialmente a proteção e direitos económicos do locador.
Como refere Abrantes Geraldes,[8] referindo-se ás situações de defesa periculum in mora relativamente a outras providências cautelares, “Porém nenhuma destas razões encontra eco na locação financeira. Para além do credor ser, em geral, entidade dotada de elevado poder económico, o litígio decorre apenas do incumprimento de obrigações contratualmente assumidas.” (…) “Ao regular a providencia, o legislador transportou para a esfera dos tribunais um fator de eficiência e de celeridade destinado a evitar o arrastamento de situações litigiosas e os correspondentes prejuízos económicos derivados de situações de imobilização de bens”.
Entendemos por isso que, para garantir um mínimo de uniformidade de soluções, sempre que esteja em causa a diligência de entrega de casa arrendada (ou locada), mesmo que a entrega tenha sido determinada no âmbito de processo de natureza urgente, deve tal entrega ser sujeita a uma ponderação casuística, que ocorre incidentalmente no processo ou procedimento, permitindo ao arrendatário ou ex-arrendatário e ao locatário ou ex-locatário demonstrar que e entrega o possa colocar em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, em tempos de pandemia apenas enquanto durar o regime excecional transitório, que lhe confere tal proteção.
Concluindo, é nosso entendimento que isso que a situação em apreço tem-se por abrangida por interpretação extensiva, no artº. 6-A nº 11 Lei nº. 1-A/2020 de 19/3, na redação dada pela Lei 4-B/2021, assim como pelo art.º 6.º-E nº 7 al. c), atualmente em vigor, na redação dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04.

V-DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se o despacho proferido, mas devendo aquele ser substituído por outro que permita aos requeridos, na qualidade de ex locatários, a eventual demonstração da possibilidade de poderem ser colocados em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
Custas pelo apelante.

Porto, 27 de abril de 2021
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
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[1] In Análise Tipológica do Contrato de Locação Financeira, no Boletim da Faculdade de Direito da U.C., 1987, pg 10
[2] Em artigo publicado no Blog do IPPC “As incidências da L 4-B/2021 de 1.2 no âmbito Processual Civil, acessível em https:/blogippc.com/2021/02/as-incidências-da-l-4-b2021-de-12.
[3] Loc citado, pg 11 e ss.
[4] Ver loc citado., pg 21
[5] O art. 7º nº 7 alínea c) da Lei n.º 4-A/2020 de 6 de abril dispunha o seguinte: “7 - Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte: (Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1””
[6] In www.dgsi.pt (relatora Ana Paula Boularot).
[7] cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de Henrique Mesquita, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., págs. 58/59.
[8] In Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol, 4ª edição, pg.340.