Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
668/19.4T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: RATEIO FINAL
RATEIOS PARCIAIS
PAGAMENTOS
Nº do Documento: RP20210415668/19.4T8STS.P1
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A operação de rateio final constitui uma operação a ser realizada, pela secretaria, depois de elaborada a conta, o que a distingue dos rateios parciais, os quais são realizados pelo Administrador da Insolvência e aprovados pelo tribunal.
II - O rateio final traduz-se em operações aritméticas, que não envolvem juízos de legalidade, oportunidade ou probabilidade.
III - Deve ser indeferido o pedido de alteração à forma como no mapa de rateio se organizaram os pagamentos, quando na sua elaboração se procedeu em estrita obediência ao decidido na sentença de verificação e graduação de créditos já transitado em julgado por não ter sido objecto de qualquer impugnação por parte de nenhum dos credores/reclamantes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 668/19.4T8STS.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comercio de Santo Tirso
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
Por apenso aos autos de insolvência de pessoa singular com pedido de exoneração de passivo restante em que é requerente B…, foi proferida a seguinte sentença de verificação e graduação de créditos na qual foi decidido entre o mais o seguinte:
Que o crédito reclamado pelo credor C…, S.A. gozava de garantia real sobre o imóvel apreendido nos autos – hipoteca voluntária.
Que a hipoteca conferia ao credor reclamante o direito de ser pago pelo produto da venda do imóvel apreendido com preferência sobre os demais credores que não gozem do privilégio especial ou de prioridade de registo – art.º 686º, nº1 do Código Civil.
Que os outros créditos reconhecidos seriam reconhecidos como créditos comuns.
Por fim, foram reconhecidos os créditos acima descriminados e graduados os mesmos, para serem pagos pela seguinte forma:
1º Credito reclamado pelo C…, S.A., no montante de € 80.063,47;
2º Créditos comuns em pé de igualdade e rateadamente.
Nos presentes autos e notificada que foi do mapa de rateio entretanto elaborado, veio a credora D…, S.A. apresentar requerimento no qual pede o seguinte:
Que seja determinado que o crédito garantido ao credor C…, S.A. se encontra integralmente pago com as verbas já recebidas, em rateio parcial, provenientes do produto da venda da garantia apreendido, no âmbito dos presentes autos e do processo 937/19.3T9STS;
Que seja ordenado ao referido credor para devolver à massa o valor de 2.303,63 €, que recebeu em excesso;
Que seja determinado a elaboração de novo mapa de rateio e a distribuição pelos credores comuns do remanescente, no montante de 8.009,96 €.
Em resposta veio o C…, S.A. opor-se a tal pretensão, alegando em síntese o seguinte:
Recordando que foi proferida sentença de graduação de créditos, a qual reconheceu e graduou o seu crédito na parte garantida por hipoteca.
Salientando que nos termos do nº3 do art.º 693º do Código Civil, a hipoteca abrange três anos de juros e que o inicio desse período de três anos é o dia de vencimento e consequente exigibilidade dos juros.
Referindo que o seu crédito não ascende apenas a 80.063,47 €, mas siam à quantia de 85.013,84 €, proveniente dos capitais vencidos, acrescidos dos juros de mora desde a data do incumprimento (25/09/2018) até à data da elaboração do rateio – 01/07/2020, porquanto o período de contagem de juros não chega a três anos.
Fazendo notar que já recebeu a quantia de 42.335,07 € nos presentes autos e a quantia de 42.335,07 € no âmbito do processo de insolvência nº937/19.3T8STS, sendo certo que ainda permanece em dívida do crédito garantido, a quantia de 343,70 €.
Conclui pedido que seja indeferida a pretensão da D…, S.A. e que, consequentemente, se ordene a correcção do mapa de rateio, para que receba a totalidade do crédito garantido no valor de 343,70 € e o respectivo crédito comum reclamado.
Veio depois a D…, S.A. apresentar novo requerimento no qual e entre o mais refere que o credor C… foi notificado do mapa de rateio, onde consta o valor do crédito de 80.063,47 € e aceitou o mesmo como correcto, não tendo designadamente dito que já havia recebido no processo 937/19.3T8STS o montante de 42.335,07 €, razão pela qual não pode vir agora, a reboque da reclamação apresentada, requerer a correcção do mapa.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“Requerimentos de 16.07.2020 e ss.:
O crédito reconhecido ao credor C…, S.A. foi no montante de € 80.414,22 (cf. sentença proferida no apenso de reclamação de créditos).
O mesmo crédito foi reclamado no processo do co-titular do imóvel, que corre termos neste Juízo de Comércio – Juiz 4, com o nº 937/19.3T8STS, onde metade do produto da venda foi apreendida.
Nesse processo, tal como neste, o referido credor recebeu, em rateio parcial o montante de 42.335,07€ (cf. requerimento d e Administrador de Insolvência).
Veio o credor C…, S.A. alegar que foi proferida sentença de graduação de créditos, a qual reconhece e gradua o crédito do Banco na parte garantida por hipoteca, que nos termos do disposto no nº 3 do artigo 693.º a contrario do Código Civil, a hipoteca abrange três anos de juros e que o crédito garantido do Reclamante não ascende apenas a 80.063.47€, mas sim à quantia de 85.013,84€.
Cumpre apreciar e decidir:
O crédito reconhecido ao credor C…, S.A. foi no montante de € 80.414,22.
Nos termos do disposto no artigo 128º/1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas os credores apresentam reclamação de créditos dirigida ao Administrador de Insolvência, que, por sua vez, apresenta nos autos a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos nos termos do disposto no artigo 129º do mesmo diploma (não sendo as reclamações de créditos juntas ao processo).
A lista de créditos reconhecidos pode ser impugnada pelos credores nos termos do artigo 130º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Não havendo impugnações, como foi o caso, em cumprimento do disposto no artigo 130º/3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foi proferida sentença e homologada a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador.
Se o credor considerava que o montante constante da lista, nomeadamente no que se refere a juros, não estava correto, podia e devia ter impugnado a mesma.
Como podia ter recorrido da sentença, o que não fez.
Assim, o montante do crédito reconhecido é o que consta da sentença.
Pelo exposto, tem o credor de proceder a devolução do valor recebido em excesso conforme rateio de 05.08.2020.
Assim:
- Fixo a remuneração variável do Exmo. Administrador em € 4.900,04, conforme cálculo de 30.06.2020.
- Defere-se o pagamento da remuneração por levantamento da massa. - Homologo o mapa de rateio de 05.08.2020.
Notifique, sendo o credor C…, S.A. para proceder a devolução da quantia recebida em excesso e o Exmo. Administrador de Insolvência para proceder aos respectivos pagamentos, através de transferência da conta da massa, fazendo disso prova nos autos.”
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Inconformado com o teor deste despacho dele veio recorrer o credor C…, S.A. apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
Não foi apresentada resposta.
O recurso acabou por ser considerado tempestivo e legal sendo admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação foram colhidos os respectivos vistos aos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre pois decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É sabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo credor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
I. A douta decisão recorrida não deve manter-se pois não consagra a justa e correta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.
II. Afigura-se ao Recorrente que a aliás douta decisão recorrida, ao indeferir a pretensão do Recorrente, violou a douta sentença de verificação e graduação de créditos e o disposto nos artigos 686º e 693º todos do Código Civil.
III. Nos presentes autos foi proferida a douta sentença de graduação de créditos, a qual reconheceu e graduou o crédito do Banco em primeiro lugar.
IV. Na motivação e fundamentação da referida sentença, é expressamente feita a alusão ao crédito hipotecário.
V. Quando na parte final da sentença, é reconhecido ao Banco o crédito no valor de 80.063,47€, tem que se entender que o mesmo seria acrescido de juros de mora relativos aos últimos três anos, nos termos legais.
VI. Assim, não havia, como não há, qualquer necessidade de apresentação de recurso ou reclamação quanto à sentença de graduação proferida.
VII. Do mesmo modo que não havia fundamento para impugnar a lista elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência, já que o crédito do Banco foi reconhecido como “garantido” e pelo valor reclamado.
VIII. Já o mesmo não sucede com o despacho que decide a reclamação apresentada ao mapa de rateio, uma vez que o mesmo não se encontra elaborado em conformidade com as disposições legais, nem em conformidade com a sentença proferida.
IX. As garantias hipotecárias de que beneficia o Banco Recorrente resultam de contratos dotados de força probatória plena, estando legalmente definidas como hipotecas voluntárias – cfr. artigos 703.º e 712.º do Código Civil - e foram constituídas para garantia dos direitos de crédito decorrentes dos empréstimos efectuados pelo Banco Recorrente aos mutuários, garantindo ao credor o direito de ser pago pelo valor da coisa hipotecada, as quais abrangem o valor dos capitais mutuados e os respectivos juros, vencidos e vincendos, contabilizados até ao limite de três anos.
X. O Credor hipotecário tem direito a cobrar os juros contabilizados sobre o capital em dívida até três anos após a data do incumprimento
XI. Sendo certo, pois, que os mutuários não pagaram ao Banco Recorrente, na data do respectivo vencimento, ou posteriormente, as prestações vencidas em 25/09/2018, no âmbito de ambos os contratos de mútuo em apreço, conforme se alega na reclamação de créditos apresentada.
XII. Pelo que os três anos de juros garantidos por hipoteca são os que respeitam ao período compreendido entre 25/09/2018 e 01/07/2020 (data de elaboração do rateio).
XIII. Conforme bem dispõe o artigo 693.º, n.º 2, do Código Civil “Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos”
XIV. Não faz qualquer sentido qualquer sentido reconhecer os juros calculados até à data da reclamação de créditos e ignorar os juros restantes até aos referidos 3 anos.
XV. Ao reconhecer apenas juros calculados até à data da reclamação de créditos e ao ignorar os juros restantes, estamos perante uma clara e total violação do citado artigo 693º do Código Civil.
XVI. Por tudo quanto foi exposto e tendo em conta que o crédito de que Banco Recorrente é titular encontra-se provido de garantia real - hipotecas - com prioridade de registo sobre quaisquer outros direitos reais, afigura-se ao Banco Recorrente que terá o mapa de rateio que ser corrigido, para que o Banco receba a totalidade do crédito garantido no valor de 85.013,84€, em vez dos 80.063,47€.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a rectificação do mapa de rateio elaborado, para que do mesmo passe a constar como crédito garantido a quantia de 85.013,84€, com todas as consequências legais.
Assim, se fará, como sempre, inteira J U S T I Ç A
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Perante o antes exposto, resulta claro que é a seguinte a questão suscitada neste recurso:
Se deve o mapa de rateio ser corrigido, passando a constar do mesmo como crédito garantido do credor C…, S.A. a quantia de 85.013,84 € em lugar dos 80.063,47 €.
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Para apreciar e decidir esta questão, importa ter em conta os elementos melhor descritos no ponto I. deste acórdão.
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Como ficou já visto no despacho recorrido considerou-se que no mapa de rateio mais não se fez do que respeitar a ordem de pagamentos fixada na sentença onde se procedeu à verificação e graduação dos créditos reclamados, nomeadamente o do credor C…, S.A., sentença essa que não foi objecto de impugnação por parte de nenhum dos credores reclamantes, inclusive o agora apelante.
É, pois, tal entendimento, que agora se questiona no presente recurso.
Vejamos se com fundamento:
Todos sabemos que o rateio final está previsto no art.º 182º do CIRE (DL 53/2004 de 14/03, na redacção do DL 200/2004 de 18/08), onde se consigna:
“1. Encerrada a liquidação da massa insolvente, a distribuição e o rateio final são efectuados pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta; o encerramento da liquidação não é prejudicado pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa.
2. As sobras da liquidação, que nem sequer cubram as despesas do rateio, são atribuídas ao Cofre Geral dos Tribunais.”

A operação de rateio final incide sobre o remanescente do produto da liquidação, não sendo necessária para suportar as custas apuradas na conta.
Constitui uma operação a ser realizada, pela secretaria, depois de elaborada a conta, o que a distingue dos rateios parciais, os quais são realizados pelo Administrador da Insolvência e aprovados pelo tribunal.
Como referem João Labareda e Carvalho Fernandes em anotação ao mesmo artigo, na operação de rateio final: “os cálculos são feitos pela ponderação e articulação de três factores, a saber:
-o produto da liquidação não distribuído;
-as custas do processo; e
-a graduação dos créditos (sendo os condicionais tratados em conformidade com o art.º 181º CIRE (DL 53/2004 de 14/03, na redacção do DL 200/2004 de 18/08))” (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris ed. 2009, pág.601)
O rateio final traduz-se em operações aritméticas, que não envolvem “juízos de legalidade, oportunidade ou probabilidade.” (João Labareda e Carvalho Fernandes, obra citada pág.601)
No caso dos autos, procedeu-se apenas a rateio final, pela secretaria, pois no decurso do processo não houve necessidade de proceder a rateios parciais.
O rateio final foi elaborado nos termos constantes de fls.129/130 em simultâneo com a elaboração da conta (cf. fls.131/132).
No referido mapa de rateio organizaram-se os pagamentos com estrita obediência ao decidido na sentença onde se procedeu à graduação dos créditos, sentença essa cujo conteúdo já antes aqui deixamos integralmente transcrito.
Como antes já referimos, a mesma decisão não foi objecto de impugnação e no rateio final a secretaria organizou o mapa de pagamentos em obediência ao ali decidido.
Assim do trânsito em julgado desta decisão resulta a preclusão de qualquer pedido de alteração do que na mesma ficou decidido, designadamente no que diz respeito ao crédito do C…, S.A. (cf. os artigos 619º, nº1 e 620º, nº1, ambos do Código de Processo Civil).
Ora todos aceitam que é de acordo o critério definido na sentença de verificação e graduação de créditos que a secretaria deve proceder aos pagamentos.
E verificando-se, como se verifica, que foi de acordo com tais regras que foi elaborado o mapa de rateio, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido.
Em suma, improcedem de todo os argumentos recursivos do credor/apelante C…, S.A.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC).
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo do credor/apelante C…, S.A. (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 15 de Abril de 2021
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos