Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
760/20.2T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: HIPOTECA
OBJECTO
VENDA EM EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP20211122760/20.2T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 11/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Abrangendo a hipoteca sobre imóvel a construção que no respectivo terreno viesse a ser efectuada, a penhora de tal imóvel e a sua posterior venda em execução tem como objecto esse imóvel assim constituído.
II – Em sede de processo de execução e, nele, do pagamento do crédito exequendo ou reclamado através do produto da venda, independentemente do valor que se possa considerar, em tese, ser de atribuir ao bem, só há que contar com o valor efectivo e concreto que a venda do mesmo origina e não com um qualquer outro valor; o bem, para aquele efeito, só vale a quantia que no âmbito do processo se obtém como produto da sua venda e é apenas tal valor aquele que há que ter em conta para imputação no pagamento do crédito exequendo ou reclamado.
III – A petição de oposição à execução constitui o momento oportuno para deduzir toda a defesa; a sua não dedução em tal peça, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, faz precludir o direito de a invocar no processo executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº760/20.2T8MAI-A.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução da Maia-Juiz 2)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

Por apenso aos autos de execução comum sob a forma ordinária que “B…, S.A.” move a C…, D…, E… e F…, vieram estes deduzir oposição por embargos, pedindo que a execução seja declarada extinta.
Alegam, em síntese, o seguinte:
- após a outorga de escritura pública em que os primeiros embargantes intervieram como mutuários e os segundos embargantes como fiadores, foi proposta contra o executado C… uma acção executiva que sob o nº4340/12.8TBGMR correu termos no Tribunal da Comarca do Porto, Instância Central da Maia, 2ª Secção de Execução, a que a exequente/embargada apensou reclamação de um seu crédito no valor global de € 59.621,53 acrescido de juros vincendos até integral pagamento, que foi verificado e graduado;
- o imóvel que constituía garantia hipotecária daquele mútuo foi objecto de venda judicial, com apresentação de proposta de aquisição pela embargada, na qualidade de credora reclamante, no valor de € 30.120,00, que foi aceite, com adjudicação da parcela de terreno à embargada e cancelamento da hipoteca;
- o imóvel adjudicado não foi avaliado e nele tinha sido edificada uma habitação pelos embargantes mutuários no valor de 100.000,00 €;
- deste modo, no contexto de uma execução e reclamação de crédito no valor de € 59.621,53 foi adjudicado à exequente um terreno com valor superior a € 80.000 (sem contar com o valor da construção) pelo preço de € 30.120,00;
- ao obter a adjudicação do imóvel por 30.120,00 € a embargada obteve um lucro de, pelo menos, 49.880,00 €;
- a casa edificada pelos executados C… e D… na parcela de terreno tem valor superior a este;
- os factos relativos àquela reclamação de crédito e à venda judicial do imóvel não foram comunicados aos aqui executados;
- o executado C… fez a sua primeira intervenção na acção executiva supra identificada em 9/8/2016, após a adjudicação do imóvel, invocando a nulidade da citação, não estando em tal processo representado por advogado pelo menos até 7/11/2016, data em que foi notificado pelo tribunal para constituir mandatário;
- tal executado jamais foi notificado da reclamação de créditos ou da venda judicial;
- a exequente não procedeu à entrega da totalidade do valor mutuado de 80.000,00 €, ficando cerca de 12.000,00 € por entregar;
- os executados C… e D… pagaram várias prestações, pelo que o valor em dívida era muito inferior ao reconhecido no aludido apenso de reclamação de créditos, em que apenas o primeiro foi parte, desconhecendo os demais executados a acção em causa;
- a embargada actua com abuso de direito, tendo conhecimento de que o terreno que lhe foi adjudicado tem um valor muito superior àquele que pagou, reclamando agora a diferença de forma abusiva, quando se deve considerar satisfeito o seu crédito e integralmente paga a quantia exequenda.
A Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Alegou que a adjudicação efectuada à embargada, que apenas interveio no processo que correu termos contra o executado C… como credor reclamante, operou-se por valor superior ao valor base de venda fixado, que não foi questionado; a adjudicação redundou no abatimento parcial à dívida, mantendo-se em dívida o remanescente do crédito então reconhecido; as construções edificadas no terreno hipotecado são abarcadas pela garantia constituída; a obrigação exequenda é inteiramente exigível e fundada no exercício legítimo do direito de crédito.
Juntou documentos atinentes à notificação dos embargantes para pagamento da quantia exequenda.
Os embargantes vieram impugnar os documentos anexos à contestação, alegando que jamais receberam as cartas de notificação juntas pela embargada. Questionam ainda as notificações efectuadas no processo de execução nº 4340/12.8TBGMR.
A embargada tomou posição em relação ao alegado não recebimento das cartas por parte dos embargantes, reiterando o seu envio, e defendendo, quanto aos demais artigos daquela “resposta”, que os mesmos devem ser considerados não escritos, na medida em que constituem considerações sobre a matéria constante da contestação, o que não é processualmente admissível.
Teve lugar audiência prévia, a qual, conforme despacho proferido a 6/1/2021, foi designada na consideração de que os autos reuniam os elementos necessários ao imediato conhecimento do mérito.
De seguida – precedida de despacho em que se admitiu o articulado apresentado pelos embargantes na sequência da notificação da contestação e documentos com esta juntos apenas na parte atinente à pronúncia sobre documentos –, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, determinando o prosseguimento da execução.
De tal sentença vieram os embargantes interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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A Embargada apresentou alegações de resposta, pugnando pela improcedência do recurso.

Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se com a venda de imóvel que teve lugar no processo de execução nº nº4340/12.8TBGMR ocorreu a integral satisfação do crédito da exequente (conclusões 1 a 10);
b) – da invocação das ocorrências processuais relativas àquele processo de execução e seu relevo para os presentes autos (conclusões 11 e 12);
c) – da indagação sobre a quantia em dívida aquando da reclamação de créditos por parte da embargada naquele processo de execução (conclusões 13 e 14);
d) – da alegada não interpelação dos embargantes fiadores E… e F… previamente à propositura da execução (conclusões 15 a 19).
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II – Fundamentação

Dos factos
É a seguinte a matéria de facto exarada na decisão recorrida que não foi impugnada pelos recorrentes:
Factos provados (considerados como tal por prova documental e confissão, com relevância para a decisão da causa, com base nos autos de embargos, na acção principal e no processo de execução nº4340/12-8TBGMR e apenso A de reclamação de créditos, cuja apensação provisória foi ordenada).
a) Por escritura pública datada de 15.07.2004, designada como escritura de mútuo com hipoteca e fiança, em que intervieram exequente e executados, foi declarado, pelos primeiros outorgantes, que o outorgante C… é dono do bem imóvel identificado como parcela de terreno para construção descrito na Conservatória de Registo Predial de Santo Tirso sob o nº894 e que os primeiros outorgantes, C… e D… se encontram a construir no referido imóvel um edifício destinado a habitação unifamiliar; mais declararam que, pela referida escritura, se confessam devedores ao Banco G…, segundo outorgante, da importância de 80.000,00 € que o banco lhes concede ao abrigo das normas de regime geral de crédito à habitação, nos termos ali descritos; mais declararam que, em garantia do bom pagamento da importância mutuada acrescida de juros que forem devidos e das despesas judiciais e extrajudiciais que o banco mutuante tenha de fazer, com o consentimento da sua mulher, constitui hipoteca que abrangerá igualmente a construção que nesse terreno vai ser efectuada; pelos terceiros outorgantes, os executados E… e F…, foi declarado que, em seu nome pessoal se constituem fiadores e principais pagadores por tudo o que venha a ser devido ao Banco F…, S.A. em consequência do empréstimo que os mutuários contraíram junto do Banco F…, S.A. e ali titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia (cfr. documento que constitui o anexo nº1 ao requerimento executivo, cujos demais termos aqui se dão por reproduzidos).
b) Por força da aludida hipoteca registada sobre o imóvel, a exequente reclamou o seu crédito sobre os mutuários, no processo de execuçãonº4340/12.8TBGMR, que correu termos pelo juízo de execução da Maia, juiz 2, comarca do Porto.
c) À data da apresentação da reclamação de créditos, a exequente reclamou o crédito no valor de € 59.621,53, que foi reconhecido, verificado e graduado, sem impugnação.
d) No âmbito do processo de execução aludido em b), o imóvel que constituía garantia hipotecária foi objecto de venda por propostas em carta fechada, com valor base de venda de 29.350,00 EUR; após diligência de abertura de propostas o imóvel foi adjudicado à exequente, ali credora reclamante e única proponente, em 11.04.2016, pelo valor de € 30.120,00, quantia que permitiu liquidar parcialmente o crédito (documentos juntos de fls. 219 a 229 do processo 4340/12).
e) Por despacho datado de 06.06.2016, após pagamento pela reclamante/adquirente, aqui embargada, do valor de 240,96 € em cumprimento de obrigações fiscais e 109,72 € a título de custas prováveis, foi emitido título de transmissão e determinado o cancelamento dos ónus e encargos pendentes sobre o imóvel adjudicado à reclamante no âmbito do processo aludido em c) (despacho de fls. 247 do processo 4340/12).
f) Com data de 12.08.2016, o executado C… deu entrada a um requerimento dirigido ao processo executivo nº4340/12.8TBGMR, no qual requeria a nulidade da citação, alegando nunca ter sido citado para o processo, porquanto a citação pessoal fora feita na pessoa do seu cônjuge, sem que tenha sido cumprido o disposto no art.º 233ºdo CPC, pelo que conclui pedindo que todo o processo seja anulado e lhe seja dado prazo para deduzir oposição; em 07.11.2016 foi proferido despacho, com o teor correspondente ao doc. 33 anexo ao requerimento inicial de embargos, a ordenar a notificação do executado C… para, no prazo de 10 dias, constituir mandatário, sob pena de ficar sem efeito o requerimento de falta/nulidade da citação; em 11.11.206 deu entrada no processo 4340/12.8TBGMR requerimento do executado C…, com junção de procuração forense outorgada a favor do advogado H…; em 01.02.2017 foi proferido despacho em que foi ordenada a notificação do executado, “na pessoa do seu mandatário, para que, em 10 dias, querendo que seja conhecido o incidente de falta/nulidade da citação, comprove o pagamento da taxa de justiça devida”; por despacho datado de 07.03.2017 foi declarado que o executado não pagou a taxa de justiça devida pelo incidente de nulidade da citação e por esse motivo, julgado sem efeito o requerimento do executado em que suscita o aludido incidente (fls. 287, 300, 322 e 338 do processo 4340/12.8TBGMR apenso por linha e doc. 33 anexo ao req. inicial e doc. 99 anexo à contestação, que se dão por reproduzidos)

Factos não provados (por contrariarem prova documental)
1) O Executado C… não constituiu mandatário no Processo nº 4340/12.8TBGMR (35º do req. inicial).
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Do direito

Questão enunciada supra sob a alínea a).
Os recorrentes defendem – sendo que, como se vê do raciocínio com que concluem os embargos (artigos 75º a 80º da respectiva petição) e do pedido neles formulado a final (que se declare extinta a execução), esta é única pretensão que efectivamente deduzem – que com a venda de imóvel que teve lugar no processo de execução nº4340/12.8TBGMR ocorreu a integral satisfação do crédito da exequente.
Consideram para tal que com a venda judicial do imóvel hipotecado pelo preço de € 30.120,00 e tendo por referência a quantia mutuada de € 80.000,00, a exequente obteve um lucro de, pelo menos, € 49.880,00.
Está em causa, como bem se dilucida na sentença recorrida, saber se, como pretendem os embargantes, a quantia a ter em conta para satisfação do crédito hipotecário reclamado na supra identificada execução não pode ser a correspondente ao valor obtido com a sua venda no âmbito de tal processo e antes deve ter por referência o valor que consideram corresponder ao valor real de tal imóvel, o qual defendem ser superior a € 80.000,00 (artigos 14º e 20º da p. i. de embargos) e que ali até estará uma habitação no valor de € 100.000,00 (artigo 13º da p. i. de embargos).
Mas não se lhes pode reconhecer razão.
Como decorre da factualidade provada referida sob a alínea a), a hipoteca constituída sobre o imóvel ali identificado abrangia a construção que no respectivo terreno entretanto viesse a ser efectuada, abrangência essa claramente possibilitada pela extensão que se assinalada a tal garantia no art. 691º nº1, alíneas a) e c) do C. Civil e pelo princípio da sua indivisibilidade, expressamente previsto no art. 696º do C.Civil e do qual decorre que a mesma subsiste por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituem.
Tendo o bem imóvel objecto de hipoteca com tal alcance sido penhorado no âmbito do processo de execução supra identificado, a penhora ali efectuada sobre tal imóvel, até por força do disposto no art. 758º nº1 do CPC, teve como objecto o imóvel composto nos termos previstos na hipoteca (o terreno e a construção nele entretanto efectuada).
Assim como, naturalmente, também teve o mesmo objecto a venda de tal imóvel que ocorreu no âmbito daquela execução.
Tendo tal bem sido em tal execução objecto de venda por propostas em carta fechada, vindo ali, após diligência de abertura das mesmas, a ser inclusivamente adjudicado à embargada pelo valor de € 30.120,00 (alínea d) dos factos provados), e sendo a embargada credora reclamante naqueles autos, por via do concurso de credores que ali necessariamente teve lugar (art. 791 e sgs. do CPC), de um crédito sobre os mutuários de € 59.621,53, é de concluir que à embargada, por via do produto da venda do imóvel, apenas foi paga parte do seu crédito.
Efectivamente, em sede de processo de execução e, nele, do pagamento do crédito exequendo ou reclamado através do produto da venda, independentemente do valor que se possa considerar, em tese, ser de atribuir ao bem, só há que contar com o valor efectivo e concreto que a venda do mesmo origina e não com um qualquer outro valor. O bem, para aquele efeito, só vale a quantia que no âmbito do processo se obtém como produto da sua venda e é apenas tal valor aquele que há que ter em conta para imputação no pagamento do crédito exequendo ou reclamado.
Cumpre ainda dizer, sobretudo face ao teor das conclusões 6 a 10, que após a sua aquisição através da venda judicial que se aludiu, o comprador do bem – que no caso foi a embargada, mas podia ter sido outra pessoa que tivesse oferecido proposta de valor mais elevado – pode, como sua proprietária, fazer com ele o que bem entende, não fazendo qualquer sentido que os recorrentes invoquem a sua conduta posterior a tal aquisição como “violadora dos limites impostos pela boa fé”, ainda para mais por referência a relações contratuais da embargada com terceiros.
Em nenhuma disposição legal se encontra assento para a pretensão dos recorrentes em análise (aliás, nem os próprios recorrentes indicam uma qualquer da qual se extraia, ainda que minimamente, uma qualquer previsão no sentido por si propugnado).
Como tal, perfilhando o que se diz na sentença recorrida, defender “que o crédito exequendo se mostra extinto na proporção de um alegado lucro que a exequente obteve com a aquisição constitui uma construção sem suporte legal, que acarretaria uma total incerteza das vendas judiciais que, entre as diversas formas de transmissão, constituem aquelas que se revestem de maior publicitação e segurança”.
Deste modo, improcede a questão recursória em análise.

Questão enunciada supra sob a alínea b).
Sob as conclusões 11 e 12, os recorrentes invocam a não citação da embargante D… para o processo de execução nº4340/12.8TBGMR e que a sua falta de citação constitui nulidade insanável que, nomeadamente, terá por efeito a anulação de todos os actos ali subsequentes à penhora do imóvel, “entre eles, a reclamação de créditos apresentada pela Recorrida e que, nos presentes autos, é título executivo”.
Porém, além de ser óbvio que não é a reclamação de créditos apresentada pela embargada naquele processo de execução que é o título executivo que baseia a execução de que os presentes são apenso [tal título, como nos parece óbvio e decorre do requerimento inicial e documentos com este juntos, é a escritura pública de mútuo referida sob a alínea a) dos factos provados], a questão da falta de citação invocada só no âmbito daquele mesmo processo de execução poderia ter sido levantada e decidida e só ali poderiam ser traçadas as respectivas consequências.
Como tal, improcede também tal pretensão recursória.

Questão enunciada supra sob a alínea c).
Os recorrentes, sob as conclusões 13 e 14, defendem que há que averiguar sobre a real quantia que se encontrava em dívida aquando da reclamação de créditos por parte da embargada naquele processo de execução – que em seu entender era bastante inferior a € 59.539,72 –, devendo os autos prosseguir para julgamento para tal se averiguar.
Referem quanto a tal que não foi entregue aos mutuários a totalidade da quantia mutuada e que foram pagas à embargada prestações entre 15/7/2004 e 18/9/2005.
Mas esta sua pretensão, face ao que eles próprios alegam na petição de embargos e ao constante da escritura referida sob a alínea a) dos factos provados, não pode merecer acolhimento.
Desde logo, são os próprios embargantes que no artigo 28º de tal petição reconhecem que estava “em dívida o capital global de € 59.539,72” e repetem de novo tal afirmação no artigo 32º (aqui dizem “ter ficado em dívida o capital global de apenas € 59.539,71”, com o manifesto lapso de escrita de terem aposto naquela quantia como último algarismo um “1” em vez de um “2”), assim confirmando a quantia reclamada naquela reclamação de créditos (que, como se vê de tal reclamação, foi a quantia global de € 59.621,53, constituída por aquela quantia de capital de € 59.539,72 acrescida de juros liquidados até ali e imposto de selo).
Depois, contraditoriamente, dizem no artigo 45º que o valor em dívida “era bem inferior ao montante reclamado de € 59.539,72” na sequência de terem afirmado no artigo 43º que, relativamente à quantia de mutuada de 80.000 euros, “a Exequente não procedeu à entrega de quantia que os Executados não podem precisar mas que é de cerca de € 12.000,00” e no art. 44º que os executados C… e D… efectuaram o pagamento de várias prestações e que tal até é admitido pela embargada quando no art. 13º da reclamação de créditos que esta deduziu naquele outro processo de execução afirma que “Os mutuários não pagaram a prestação que se venceu a 18.10.2015, nem nenhuma das subsequentes”.
Note-se desde logo que o pagamento de várias prestações até 18/9/2005 (data referida pelos recorrentes sob a conclusão 13) é claramente pressuposto pela exequente/embargada naquela reclamação de créditos, pois, como decorre do alegado no artigo 13º de tal peça, esta apenas contabiliza no crédito que ali reclamou a prestação vencida a 18/10/2015 e as subsequentes.
Portanto, conclui-se, tanto quanto decorre daquela reclamação de créditos, na contabilização do crédito reclamado teve-se em conta os pagamentos daquelas várias prestações anteriores pelos executados C… e D….
Quanto à alegação de que da quantia mutuada de 80.000 euros não foi entregue a “quantia que os Executados não podem precisar mas que é de cerca de € 12.000,00”, a mesma, além de se mostrar inconsequente com o que os próprios embargantes afirmam/reconhecem nos supra referidos artigos 28º e 32º da sua petição de embargos, é claramente vaga e, como bem se diz na sentença recorrida, “não é suportada em qualquer facto concreto que autorize a sua prova (número de prestações pagas, concreto valor da dívida, extracto que documente os créditos em conta efectuados pelo banco por ocasião das entregas faseadas do valor global do empréstimo) e “atenta contra uma declaração de confissão de dívida expressa em documento autêntico, correspondente à escritura pública anexa ao requerimento executivo, cuja falsidade não foi invocada, sendo este o único meio admissível de contrariar a força probatória do que ali é declarado (art.º 371º, nº1 e 372º, nº1 do Código Civil)”.
Assim, improcede também esta questão recursória.

Questão enunciada supra sob a alínea d).
Os recorrentes, sob as conclusões 15 a 19, defendem que não ocorreu a interpelação dos embargantes fiadores E… e F… previamente à propositura da execução.
Consideram para tal que tendo alegado na oposição que “Os factos supra descritos, relativos à reclamação de réditos pela Exequente e à venda judicial do imóvel, não foram comunicados aos aqui Executados” (artigo 34º da petição e embargos), “não se limitam (…) a questionar apenas o conhecimento da adjudicação do imóvel, efectivamente alegando que não tinham conhecimento da situação de incumprimento do contrato de mútuo ou do vencimento integral da quantia mutuada; tanto assim é que a Recorrida sentiu necessidade de, com a contestação, juntar aos autos cartas dirigidas aos Recorrentes E… e F…, alegadamente informando-os desse incumprimento” e que, porque não receberam aquelas cartas, não foram aqueles embargantes E… e F… notificados da perda do benefício do prazo dos embargantes C… e D….
Analisemos.
No artigo 34º da petição de embargos, os embargantes, referindo-se à reclamação de créditos da embargada no processo de execução nº4340/12.8TBGMR e à venda judicial do imóvel que ali teve lugar, alegam que tais factos não lhes foram comunicados.
Tal alegação, sendo assumida por todos os embargantes, engloba, naturalmente, os embargantes E… e F…, que são, no caso, aqueles relativamente aos quais se põe a questão da sua não interpelação em apreço.
Porém, não obstante aquela alegação, já não se pode concordar com os recorrentes quando defendem que na oposição que deduzem também alegam que não tinham conhecimento da situação de incumprimento do contrato de mútuo ou de integral vencimento da quantia mutuada.
Na verdade, uma coisa é alegar o não conhecimento da reclamação de créditos e da venda judicial naquele processo e outra, bem diferente, é alegar o não conhecimento ou a sua não notificação da situação de incumprimento do contrato de mútuo ou de integral vencimento da quantia mutuada.
Compulsando a petição de embargos, facilmente se verifica que a alegação de tal específica factualidade dela não consta.
Só do articulado em que os embargantes se pronunciam sobre os documentos juntos com a contestação é que se pode extrair uma espécie de alegação algo indirecta de tal factualidade, quando ali os embargantes impugnam ter recebido as cartas que a embargada alegou ter-lhes enviado no sentido da interpelação para pagamento do montante ainda em dívida, datadas de 25 de Julho de 2016 (fls. 48 e 52-verso dos presentes autos), de 24 de Agosto de 2016 (fls. fls. 60 e 61-verso dos presentes autos) e de 29 de Janeiro de 2020 (fls. 67 e 67-verso) e todas elas posteriores às ocorrências supra referidas que tiveram lugar no processo de execução nº4340/12.8TBGMR e anteriores à propositura da execução de que estes autos são apenso (a qual, como deles se vê, deu entrada em 20/2/2020).
Ora, não constando alegada na petição de embargos aquela específica factualidade no sentido da não notificação ou do não conhecimento dos referidos embargantes da situação de incumprimento do contrato de mútuo ou de integral vencimento da quantia mutuada, nem nela se formulando qualquer específica pretensão no sentido de uma qualquer inexigibilidade do crédito ou de parte dele com base numa qualquer situação reconduzível à não interpelação de qualquer dos embargantes previamente à propositura da execução, não há que conhecer da mesma.
Efectivamente, depois do prazo inicial de 20 dias a contar da citação para a dedução de embargos previsto no art. 728º nº1 do CPC, o executado só poderá deduzir outros embargos com base em matéria de oposição superveniente, quer porque o respectivo facto ocorreu posteriormente quer porque o executado só dele teve conhecimento depois (art. 728º nº2 do CPC).
Os embargantes, com a sua citação como executados para a execução (para pagar ou opor-se a ela, como se prevê no art. 726º nº6 do CPC), tiveram conhecimento do conteúdo do requerimento executivo e dos documentos com ele juntos (designadamente, a escritura pública de mútuo no âmbito da qual se obrigaram e que constitui o título executivo, a reclamação de créditos efectuada no processo de execução já aludido e os despachos neste proferidos de adjudicação do bem vendido e de cancelamento do registo de hipoteca).
Portanto, porque aquando da dedução dos embargos dentro daquele prazo inicial de 20 dias quer os embargantes mutuários quer os embargantes fiadores tinham já conhecimento de todas aqueles dados documentais e da responsabilidade que por via dos mesmos lhes era imputada, aquela referida matéria factual, susceptível de poder ter algum relevo em sede de extensão da responsabilização de alguns deles relativamente ao pagamento da quantia exequenda, teria de ser deduzida na respectiva petição inicial, pois “a petição de oposição constitui o momento oportuno para deduzir toda a defesa” (cita-se Rui Pinto, em “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 427).
A sua não dedução em tal peça, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, faz precludir o direito de a invocar no processo executivo (neste sentido, vide José Lebre de Freitas, “A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª edição, pág. 217).
Como tal, porque não invocada na petição inicial de embargos, não se pode conhecer da factualidade em referência.
Pelo exposto, improcede também esta questão recursória.

Face ao que se veio de analisar e decidir anteriormente, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes, que decaíram (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
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Porto, 22/11/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim