Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3126/18.0T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
DANO FUTURO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202104153126/18.0T8AVR.P1
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Por acidente simultaneamente de viação e de trabalho as indemnizações a pagar ao lesado pelo terceiro responsável pelo acidente e pela entidade patronal ou pela seguradora não se cumulam, antes se complementam.
II – Pelo que se a entidade patronal ou a sua seguradora não tiverem exercido o seu direito de sub-rogação ou não tiverem intervindo na acção instaurada pelo lesado contra o terceiro responsável, na indemnização que vier a ser arbitrada nesta acção, terá de ser descontado o valor das quantias já pagas por aquelas entidades.
III – Mas apenas as quantias já pagas têm de ser deduzidas, o que não sucede por ex. com o valor das prestações vincendas da pensão anual arbitrada em processo por acidente de trabalho pelo dano futuro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3126/18.0T8AVR.P1 – 3ª Secção (Apelação) - 1348
Acção de Processo Comum – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, menor, representada pela sua mãe C…, instaurou acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum, contra D… - COMPANHIA DE SEGUROS, SA.
Pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de € 205.000,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Como fundamento, alegou factos tendentes a demonstrar que sofreu danos – que discriminou e quantificou – em consequência de acidente de viação (que foi simultaneamente acidente de trabalho), do qual resultou a morte do seu pai E…, e que ocorreu por culpa exclusiva do condutor de veículo seguro na ré.
O Instituto da Segurança Social IP deduziu contra a ré pedido de reembolso da quantia de € 3.300,08, acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respectivos juros de mora legais, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Como fundamento, alegou ter pagado à autora, como consequência do acidente descrito na petição inicial, em concreto, a quantia de € 1.263,96, de despesas de funeral, e a quantia de € 2.036,12, correspondente a pensões, que irá continuar a pagar, no valor mensal de € 107,63.
A ré contestou, aceitando os factos relativos à culpa na produção do acidente e impugnando os factos relativos à extensão e montante dos danos.
O Instituto da Segurança Social IP, apresentou requerimento de ampliação do pedido para a quantia de € 4.368,36 – o que foi admitido.
Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré:
a) No pagamento à autora da indemnização € 60.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida;
b) No pagamento à autora da quantia de € 30.000,000, a título de danos não patrimoniais;
c) As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da sentença, até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%;
d) No pagamento à autora, a título de dano patrimonial futuro, da quantia de € 22.200,00, acrescida de juros de mora desde a citação, até integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%;
e) No pagamento ao ISS IP, a título de reembolso pelas quantias pagas pela ISS IP à autora, a título de pensão de sobrevivência, o valor de € 4.368,36, acrescido de juros de mora, desde a citação, sobre a quantia de € 2.036,12 e desde a notificação da ampliação do pedido, sobre o valor remanescente, à taxa legal de 4% e até efectivo pagamento;
f) Deduzir ao valor referido na alínea d) (€ 22.200,00), a quantia paga pelo ISS IP e referida em e), a título de pensão de sobrevivência.

A autora recorreu, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
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A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
Com interesse para a decisão do recurso, estão provados os seguintes factos:
1.º No dia 02.05.17, pelas 11h45m, na Estrada Nacional n.º ., sentido Norte-Sul, ao Km 216.150, em …, concelho de Anadia, ocorreu um acidente de que veio a resultar a morte de E….
2.º E…, nasceu no dia 01.03.83, era solteiro e tinha uma filha, a autora, B….
3.º À data dos factos E… trabalhava para a sociedade comercial F…, Lda e exercia a profissão de Operador de Serviços de Assistência Rápida de Segunda, vulgarmente conhecido por rebocador de viaturas por assistência em viagem.
(…).
30.º À data do sinistro a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação do tractor de matrícula ..-..-PN com o semi-reboque de matrícula L-…… estava transferido, por contrato de seguro, para a ré, titulado pela apólice com o n.º ..........., constante de fls. 66-67.
31.º Por carta de 25.07.17, constante de fls. 37, a ré assumiu a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do sinistro que vitimou E….
32.º A autora, menor de idade e com 9 anos à data dos factos, tinha um relacionamento de muito carinho e amor com o progenitor.
33.º Com a morte do seu pai, sofreu um desgosto profundo que a desequilibrou emocionalmente, tendo recorrido a apoio clínico e psicológico para conseguir terminar esse ano escolar.
34.º Os progenitores não viviam juntos e a regulação do exercício das responsabilidades parentais estava regulada, por acordo de 17.12.14, nos seguintes termos:
1.º A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, com a qual ficará a residir (…)
2.º O pai pode visitar e estar com a filha sempre que o desejar, em termos e moldes a combinar entre os progenitores com 24 horas de antecedência (…)
3º Nas épocas festivas de consoada, Natal, fim de ano, ano novo, Páscoa, a menor estará alternadamente com cada progenitor (…)
A menor passará o dia do pai com o pai e bem assim o dia de aniversário deste; passará o dia da mãe com a mãe e bem assim o dia de aniversário desta; no seu dia de aniversário almoçará com um e jantará com o outro, em moldes a combinar entre os progenitores.
4.º Os menores passarão metade das férias escolares de Natal, Pascoa e Verão com o pai, em moldes e termos a combinar entre os progenitores, devendo sê-lo com dos meses de antecedência quanto às férias de Verão.
5.º A título de alimentos devidos à menor, o pai contribuirá com a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros)(…)
Aquela quantia será automaticamente actualizada anualmente em Janeiro, em € 2,50, por mês, com início em Janeiro de 2016.
Atento o valor dos alimentos, não se fixam despesas de saúde e escolares. (…)”.
35.º A autora convivia com o seu pai nos seus períodos de férias, fins-de-semana, tendo uma relação muito próxima com aquele.
36.º E… era uma pessoa saudável, alegre, jovial, dinâmico, trabalhador, não padecia de qualquer doença à data dos factos e com projectos para o futuro.
37.º Trabalhava no seu horário de trabalho, estando sempre disponível para trabalhar mais horas se a sua entidade empregadora lhe solicitasse, prestando trabalho suplementar aos sábados e aos domingos, com regularidade.
38.º E… trabalhava para a sociedade F…, Lda desde Fevereiro de 2017 (fls. 168-169) e auferia o vencimento base de € 650,00 a que acresciam: subsídio de alimentação e outros valores sendo que:
- Em Fevereiro de 2017, auferiu a quantia líquida de € 660,11;
- Em Março de 2017, auferiu a quantia líquida de € 1.011,64;
- Em Abril de 2017, auferiu a quantia líquida de € 918,72.
39.º Para além do que estava previsto na regulação das responsabilidades parentais referidas no artigo 34º, o progenitor participava em todas as despesas escolares e extra-escolares, médicas e medicamentosas, por vezes em valor superior a 50%, com quantias não concretamente apuradas.
40.º O acidente que vitimou E…, porque ocorreu quando este estava no desempenho das suas funções, foi considerado como acidente de trabalho, tendo corrido seus termos, pelo Juízo do Trabalho de Águeda, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, um processo especial por acidente de trabalho-morte, com o n.º 1392/17.8T8AGD.
41:º No processo identificado no artigo anterior foi proferida sentença final, já transitada em julgado, no âmbito da qual foi decidido o seguinte:
(…)
Condenar a ré F…, Lda. no pagamento à autora, B…, de:
- € 2.487,51 a título de pensão anual e temporária, devida desde 03-05-2017 (dia após o decesso), a liquidar em prestações de 1/14, adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, pagos em Junho e em Novembro, respectivamente, sem prejuízo das legais actualizações, sendo devida até à autora perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou equiparado, o curso final de nível superior ou equiparado;
- € 5.561,42, a título de subsídio por morte;
- juros de mora (…)
- Absolver a ré F…, Lda. do demais peticionado (…)
- Absolver a ré G…, S. A. do pedido”.
42.º Como consequência do sinistro que vitimou E…, o ISS IP deferiu o pedido formulado pela autora de pagamento das prestações por morte, no valor mensal de € 107,63 e que passou posteriormente para o valor mensal de € 118,55.
43.º No período compreendido entre Junho de 2017 a Fevereiro de 2020, o ISS IP pagou à autora, na pessoa da sua legal representante, a quantia de € 4.368,36 a título de pensão de sobrevivência.
44.º O ISS IP continuará a pagar à autora as pensões de sobrevivência, com inclusão do 13.º mês de pensão em Dezembro e de um 14.º mês de pensão em Julho de cada ano.
45.º O ISS IP pagou por despesas de funeral a quantia de € 1.263,96.
*
III.
A questão a decidir – delimitada pelas conclusões da alegação da apelante (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do CPC) – é a seguinte:
- Se ao valor da indemnização que foi arbitrada à autora pelo dano futuro não deve ser deduzido o valor das prestações vincendas da pensão anual que lhe foi arbitrada na sentença proferida no processo de acidente de trabalho.

Na sentença recorrida, escreveu-se o seguinte:
Dispõe o artigo 495º, n.º 3 do C. Civil que: Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava em cumprimento de uma obrigação natural.
Consagra este preceito uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, pois nele se abrangem terceiros que só reflexamente são prejudicados com o evento danoso.
Está aqui em causa a compensação pelos danos patrimoniais futuros resultantes da perda de alimentos por falta da vítima, danos esses que devem ser previsíveis (artigo 564º, n.º 2 do C. Civil) e não podendo ser averiguado o seu valor exacto haverá que recorrer à equidade (art. 566º nº 3 do mesmo diploma).
Assim e no que concerne aos filhos – a ora autora - maiores ou menores, estes podem exigir alimentos ao falecido nos termos dos artigos 1878º, n.º 1, 1880º, 2003º, 2009º, n.º 1 c), todos do C. Civil, pelo que estamos perante dano patrimonial futuro que deve ser imputado ao lesante, em concreto, à ré, sua seguradora.
Refere-nos Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, volume I, 7ª ed, pág. 619), que o direito a indemnização pelo denominado “dano da perda de alimentos” existe, quer a necessidade de alimentos seja futura, desde que seja previsível, quer não seja previsível.
A jurisprudência maioritária vem entendendo que, para que nasça o direito a esta indemnização basta a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos (neste sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 05/05/2005, R.P. de 09/02/2009, S.T.J. de 19/10/16, in www.dgsi.pt).
Da matéria de facto dada como provada, resulta que a autora à data do óbito do seu progenitor, tinha 9 anos de idade.
Atendendo à sua idade, será apenas expectável que viesse a precisar de alimentos deste até aos 23, 25 anos – artigo 1905º do C Civil -, admitindo que, depois da escolaridade obrigatória, pretenda continuar a estudar e assim prosseguir com a sua formação profissional.
Devemos ainda ter como razoável e expectável e proporcional considerar como objecto de tutela o facto de os jovens terem como objectivo obterem obter uma licenciatura ou um mestrado. Por outro lado, a formação profissional não acaba com a obtenção do grau académico. No mundo actual, altamente competitivo, em regra, aquela formação inicia-se precisamente depois de obtido o grau académico e pode ter duração mais ou menos variável.
Partindo de um critério de normalidade, se um percurso escolar e académico sem acidentes terminar, por regra, aos 22/23 anos de idade, não deixa de ser razoável aceitar a hipótese de um ano de insucesso ou de um estágio superior a um ano.
Neste pressuposto aderimos ao entendimento dos que defendem que a prestação mensal deve manter-se até que a autora perfaça 25 anos de idade, limite previsto pelo referido artigo 1905º do C. Civil) (ver, de entre outros: Acórdãos do STJ de 8 de Maio de 2008 e de 19 de Março de 2002, disponíveis em www.dgsi.pt).
No cômputo da indemnização, devemos ter em consideração, o valor da pensão anual e temporária que foi atribuída no âmbito do processo laboral, nos termos previstos pelo artigo 60º da Lei n.º 98/2009, no valor anual de € 2.487,51, desde 03-05-2017, o qual, dividido por 14 meses, corresponde ao valor mensal de € 177,67 (o artigo 60º revê o seguinte:
Pensão aos filhos
1 - Se do acidente resultar a morte, têm direito à pensão os filhos que se encontrem nas seguintes condições:
a) Idade inferior a 18 anos;
b) Entre os 18 e os 22 anos, enquanto frequentarem o ensino secundário ou curso equiparado;
c) Entre os 18 e os 25 anos, enquanto frequentarem curso de nível superior ou equiparado;
d) Sem limite de idade, quando afectados por deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.
2 - O montante da pensão dos filhos é o de 20 % da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40 % se forem dois, 50 % se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80 % da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe.”), para que não se dupliquem indemnizações.
Ora, dos factos provados resulta que a vítima procedia ao pagamento, em 2014, a título de pensão de alimentos, do valor mensal de € 150,00, anualmente actualizável, em 2,5€ por mês com início em 2016.
Provou-se, ainda que, para além do valor pago, a vítima procedia a outros pagamentos das despesas da sua filha, em valor não concretamente apurado.
A indemnização aqui em causa tem como critério a medida dos alimentos e não necessariamente todo o rendimento que o falecido auferia depois de descontadas as despesas consigo mesmo.
Daí que o critério de atribuir para despesas com o próprio sustento 1/2, 1/3, 1/4 ou 1/5 do rendimento, sem analisar a situação concreta, se afigure impróprio, como defendido pelo Acórdão do TR Porto de 1-12-2014 (disponível em www.dgsi.pt) com o qual concordamos.
Com efeito e citando o referido Acórdão, se os mencionados terceiros têm direito a ser indemnizados segundo o critério dos alimentos que lhe seriam devidos pelo lesado, caso não tivesse falecido, é a este critério que tem de se atender para fixar a indemnização, o que obriga a analisar as circunstâncias factuais do caso.
Nos termos do artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil, os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. As necessidades daquele que houver de recebê-los, não coincidem com o mínimo necessário à subsistência, mas sim com as necessidades próprias do seu nível social, tendo em conta, claro está, que os alimentos têm de ser proporcionados aos meios do devedor.
No entanto, na interpretação dos meios do devedor não devemos apenas fixar-nos no que o devedor auferia, porque se assim o fosse, não seria fixado qualquer valor se o devedor estivesse desempregado à data do óbito.
Sabendo-se que é sempre uma indemnização que lida com a incerteza, devem ser ponderados factores como a capacidade de ganho futuro do devedor, a sua capacidade laboral, a data da sua reforma, entre outros.
No caso em apreço, temos como provado o rendimento médio mensal do devedor, à data do óbito, e valor mínimo da pensão de alimentos.
Esse rendimento, correspondia, em média, a 1.000,00€ mensais.
Sabemos que em 2017, o valor da pensão de alimentos correspondia a € 155,00, por mês.
Sabemos também que o progenitor contribuía com o pagamento de outras despesas para, valor que, apesar de não provado, podemos fixar, com recurso à equidade, em quantia não inferior a € 50,00. Assim o valor dos alimentos que eram prestados pelo progenitor seria de pelo menos €200,00 euros mensais.
Esse valor, tenderia a aumentar, não só pelo normal e expectável evoluir dos salários, do custo de vida, assim como pelo teor do acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais que previa um aumento de 2,5€ por ano, em cada prestação mensal.
Assim, a titulo de alimentos e somando o valor de € 200,00 por 14 meses, temos o valor anual de € 2.800,00, valor que, como o referimos, seria crescente anualmente.
Tendo a autora 9 anos à data do sinistro e assistindo-lhe o direito a alimentos até aos 25 anos de idade teria direito a receber alimentos durante 16 anos.
16 anos x 2.800,00€ = € 44.800,00.
Sendo o rendimento mensal da pensão de alimentos crescente, o valor de 44.800,00 deve ser arredondado para os 60.000,00, considerando a idade de 25 anos.
(…).”.

Diz o artigo 17.º, n.º 1 da Lei 98/09, de 04.09, que, quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
Já se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante (n.º 3 do mesmo preceito).
Diz ainda o n.º 4 do mesmo artigo 17.º que o empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
E, nos termos do n.º 5, o empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.
Por seu turno, diz o n.º 1 do artigo 9.º da Portaria 377/08, de 28/05, se o acidente que originou o direito à indemnização for simultaneamente de viação e de trabalho, o lesado pode optar entre a indemnização a título de acidente de trabalho ou a indemnização devida ao abrigo da responsabilidade civil automóvel, mantendo-se a complementaridade entre os dois regimes.
E, sendo o lesado indemnizado ao abrigo do regime específico de acidentes de trabalho, as indemnizações que se mostrem devidas a título de perdas salariais ou dano patrimonial futuro são sempre inacumuláveis (n.º 2 do mesmo preceito).

Decorre dos preceitos citados que, no caso de um acidente que é simultaneamente de viação e de trabalho, como o dos presentes autos, as indemnizações a pagar ao lesado pelo terceiro responsável pelo acidente e pela entidade patronal ou pela sua seguradora não se cumulam, antes se complementam – tal como se entendeu na sentença recorrida.
Essa situação tem como consequência que, se a entidade patronal ou a sua seguradora não tiverem exercido o direito de sub-rogação previsto no n.º 4 do artigo 17.º da Lei 98/09, ou não tiverem intervido na acção instaurada pelo lesado contra o terceiro responsável, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, na indemnização que vier a ser arbitrada nesta última acção, terá de ser descontado o valor das quantias já pagas por aquelas entidades, sob pena de o lesado que venha a receber do terceiro responsável o valor total da indemnização, ter de reembolsar as mesmas do valor que já lhe tivessem pagado.
É o que resulta das citadas normas do artigo 17.º da Lei 98/09, conjugadas com as normas dos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito.
Mas essa dedução não tem se ser feita relativamente às quantias que a entidade patronal ou a sua seguradora já foram condenadas a pagar ao lesado, mas que ainda não foram pagas.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a qualificar como sub-rogação legal o direito da seguradora de acidentes de trabalho ao reembolso do que pagou ao lesado em acidente de trabalho[1].
Na sub-rogação um terceiro cumpre uma obrigação alheia e adquire o direito que competia ao credor, substituindo-se a este; distingue-se assim do direito de regresso porque este surge “ex novo” na esfera do seu titular resultante do cumprimento de uma obrigação própria (v.g., emergente de um contrato), embora haja um terceiro que pode ser responsabilizado pelos danos que aquele sofreu em consequência do cumprimento.

Assim, a obrigação da entidade patronal do pai da autora de pagar a esta uma indemnização fixada em acção de acidente de trabalho, que foi simultaneamente de viação, não é uma obrigação própria, mas sim uma obrigação alheia, que impende sobre o condutor do veículo seguro na ré da presente acção, por ter sido este, quem, culposamente, causou o acidente.
Não há, pois, fundamento para que, mostrando-se definida na presente acção a responsabilidade daquele condutor, a entidade patronal do pai da autora continue a pagar as prestações futuras da pensão que lhe foi fixada na acção de acidente de trabalho, ou seja, para que continue a cumprir uma obrigação alheia, sujeitando-a a ter de pedir à ré da presente acção o reembolso das quantias que vier a pagar.
Aquelas prestações futuras não têm, pois, de ser descontadas no valor da € 60.000,00, que, nos presentes autos, foi fixado à autora a título de indemnização pelo dano futuro, nos termos do artigo 495.º, n.º 3 do CC.
Apenas as quantias já pagas têm de ser deduzidas, conforme se explicou.

Procedem, assim, as conclusões da autora, devendo a sentença recorrida ser alterada em conformidade.
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IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se, em parte, a sentença recorrida (als. d) e f) do dispositivo) e, em consequência:
- Condena-se a ré a pagar à autora, a título de dano patrimonial futuro, a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), deduzida: i) da quantia que lhe tiver paga a título da pensão anual fixada na sentença proferida no processo n.º 1392/17.8T8AGD, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Águeda, até ao trânsito em julgado do presente acórdão; ii) da quantia paga pelo ISS IP e referida em e), a título de pensão de sobrevivência. E acrescida de juros de mora desde a citação, até integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%;
- Mantém-se o que foi decidido nas als. a), b), c) e e) do dispositivo da sentença recorrida.
- Custas da acção pela autora e pela ré, na proporção do decaimento.
- Custas da apelação pela ré/apelada.
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Porto, 15 de Abril de 2021
Deolinda Varão
Freitas Vieira
Carlos Portela
______________
[1] Neste sentido, ver, entre muitos outros, os Acs. do STJ de 11.01.11, 25.10.12, 23.01.20 e 26.11.20, todos em www.dgsi.pt, e, na doutrina, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª ed., pág 946, Menezes Cordeiro, Manuel de Direito Comercial, 2007, pág. 820 e José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 153.