Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8233/21.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRAZO DE INÍCIO
IMPERATIVIDADE DO REGIME LEGAL
SISTEMA DE GEOLOCALIZAÇÃO
MEIO DE PROVA
Nº do Documento: RP202206088233/21.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O regime previsto na cláusula 50ª do CCT celebrado entre a ANTRAL e a FESTRU, que prevê a comunicação da intenção de proceder disciplinarmente e o prazo de 5 dias úteis para deduzir «nota de culpa» cede perante a imperatividade do regime legal da «cessação do contrato de trabalho», e como tal o prazo para o início do procedimento disciplinar é o previsto no art.º 329º, nº 2, do Código do Trabalho.
II - A instalação de sistema de geolocalização em táxi, sem visar o controlo do desempenho do motorista (trabalhador), e sem pôr em causa a esfera de privacidade e reserva do motorista (trabalhador), pode ser admitido como meio de prova no procedimento disciplinar.
III - É esse o caso de semanalmente ser feito o apuro de cada motorista de táxi, e conferidas as contas (se os valores recebidos correspondem com os percursos percorridos, não avaliar o desempenho do motorista), conjugando os dados recolhidos da aplicação X... (percursos realizados) com os dados recolhidos da leitura do taxímetro (valores recebidos pelo motorista) e do conta-quilómetros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 8233/21.0T8VNG.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – J2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA (Requerente) impulsionou o presente procedimento cautelar de suspensão do despedimento, requerendo a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento nos termos do nº 4 do art.º 34º do Código de Processo do Trabalho, contra “T..., Lda.” (Requerida), pedindo:
1. que seja decretada a suspensão do seu despedimento, porque ilícito, com as demais legais consequências;
2. a apreciação da regularidade e licitude do despedimento, por consequência, seja declarado que tal despedimento foi irregular ou ilícito.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que é trabalhador da Requerida, a qual em abril de 2021 lhe instaurou procedimento disciplinar, mas verifica-se a prescrição prevista no art.º 329º, nº 2 do Código do Trabalho; por outro lado estamos numa situação de provável inexistência de justa causa do despedimento, pelo que deve ser suspenso o despedimento.

Depois de citada, a Requerida apresentou oposição, alegando, em resumo por um lado que inicialmente vigorou entre as partes contrato de prestação de serviços, sendo celebrado contrato de trabalho em março de 2020, e por outro lado que não se verifica a prescrição apontada, sendo o despedimento lícito e com justa causa; concluiu dizendo dever o procedimento cautelar ser declarado improcedente, não se decretando a suspensão do despedimento do Requerente.

Foi realizada «audiência final», com realização simultânea de «audiência de partes», sendo extraída certidão para início (por apenso) de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (art.º 36º-A do Código de Processo do Trabalho).
Após a realização da «audiência final», foi proferida sentença julgando o procedimento cautelar improcedente, indeferindo a suspensão do despedimento do Requerente.
Foi fixado o valor do procedimento cautelar em € 30.000,01.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio o Requerente interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
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Terminou dizendo ser dado provimento ao recurso, sendo a decisão recorrida revogada e trocada por outra que decrete a suspensão do despedimento do trabalhador.

A Requerida apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
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Terminou dizendo dever a decisão recorrida manter-se integralmente, improcedendo o alegado pelo Recorrente.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença sob recurso, referindo essencialmente o seguinte:
(…)
2. Consequentemente, visto o teor daquelas conclusões, no(s) recurso(s) sob apreciação apenas se discute(m) e importa decidir a(s) seguinte(s) questão(ões):
A) Verificação ou não dos requisitos necessários ao decretamento da providência requerida;
B) Reapreciação da matéria de facto e alteração dos factos provados e não provados;
C) Prescrição/caducidade do procedimento disciplinar;
D) Nulidade do procedimento disciplinar;
E) Nulidade do despedimento e, consequentemente, (i)licitude do que foi decretado pela Ré relativamente ao Autor;
3. Atento o teor da sentença recorrida e das alegações da Ré, apresentadas em 01 de abril de 2022 (referência 41837190), que, com a devida vénia, aqui se dão por integradas e acompanham, afigura-se dever o recurso improceder, mantendo-se inalterada a decisão recorrida, cuja proficiente fundamentação dispensaria qualquer esforço argumentativo adicional.
Ainda assim, em reforço daquela improcedência, aditam-se as seguintes observações:
3.1. Quanto à impugnação da matéria de facto
Para além de tudo quanto foi alegado pela Ré no sentido da improcedência, se não mesmo da rejeição dessa parte do recurso[2], não pode deixar de se registar que a pretensão recursiva do Autor nesse âmbito, mais do que orientada para a demonstração da probabilidade séria da ilicitude do seu despedimento, por provável inexistência de justa causa e/ou inexistência ou invalidade do procedimento disciplinar prévio, únicas causas cuja séria probabilidade de verificação aqui importa averiguar, por serem aquelas de que depende a procedência da requerida suspensão daquele despedimento, nos termos do artigo 39º, nº 1, als. a) e b), do CPT, parece pretender que neste procedimento cautelar especificado se proceda ao julgamento do mérito da ação de impugnação da licitude e regularidade desse mesmo despedimento, instaurada em simultâneo e no mesmo requerimento, nos termos do artigo 34º, nº 4, do mesmo diploma legal.
Essa pretensão, no entanto, não pode proceder, por inadequada e incompatível com a natureza e finalidades dos procedimentos cautelares, como implicitamente decorre da Jurisprudência nº 1/2003, do STJ, de 01.10.2003, proferido no processo nº 2073/2002, de 01.10.2003, publicado no DR, nº 262, I Série-A, de 12.11.2003, onde a dado passo se afirma «(…) Uma providência cautelar não é o meio processual adequado para discutir questões que se afastam do núcleo essencial do objeto a que se destinam; por natureza, as providências cautelares não são ações, antes representam uma reação provisória tendente a acautelar o perigo na demora da decisão definitiva; no caso específico da suspensão do despedimento visa-se através dela assegurar ao trabalhador um meio rápido de restabelecimento do contrato e do cumprimento das respetivas obrigações mas apenas quando esteja em causa o despedimento do trabalhador (…)».
Ainda relativamente à impugnação da matéria de facto, vem o Recorrente também invocar a nulidade da prova obtida através do sistema de georreferenciação “X...”, nos termos dos artigos 20º e 21º do CT.
Sucede que, tal como resulta da matéria de facto provada, aquele sistema não se destinava, nem tinha aptidão para vigiar e controlar o desempenho profissional do trabalhador e muito menos a sua vida pessoal pese embora pudesse acompanhar os percursos dos veículos em serviço de táxi das empresas a ele aderentes, por intermédio da cooperativa que o adotara, outrossim das distâncias percorridas e dos valores registados nos taxímetros e seu estado de ocupado, livre, em pausa ou desligado.
Não dispunha de qualquer sistema de captação de imagem e som e era do conhecimento dos motoristas dos veículos a ele ligados, como era o caso do Recorrente.
Ora, nessas condições, tal sistema de georreferenciação não pode sequer ser considerado como meio de vigilância à distância, tal como previsto e regulado nos citados artigos 20º e 21º do CT, tal como decidiu o STJ no acórdão de 13.11.2013, proferido no processo n.º 73/12.3TTVNF.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Mário Belo Morgado, consultado e disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
Seja como for, na sentença sob escrutínio, diz-se, com pertinência, que a validade da prova obtida pelo referido sistema de georreferenciação, seja por nulidade decorrente daquela suposta proibição de prova, seja por falta de fiabilidade dos elementos informativos recolhidos através dele, é matéria a discutir no âmbito da ação de impugnação da licitude e regularidade do despedimento e não no âmbito deste procedimento, pelo que também não ocorre in casu qualquer omissão de pronúncia.
3.2. Quanto à invalidade do procedimento disciplinar, por caducidade/prescrição do direito de ação disciplinar da Ré.
O Recorrente alega que o procedimento disciplinar é inválido por ter caducado/prescrito o direito de exercício da ação disciplinar antes da instauração do procedimento disciplinar, considere-se ou não a existência de um processo de inquérito prévio, por inobservância dos prazos estabelecidos na cláusula 50º do CCT vigente para a relação de trabalho em discussão nos autos, publicada no BTE nº 16, de 29.04.2010, pp. 1498 a 1517, cujos efeitos foram estendidos por PE, publicada no BTE n.º 27, de 22.07.2010, pp 3166, cuja aplicação àquela relação laboral não é contrariada por quem quer que seja, muito embora a sentença recorrida tenha considerado que aquela cláusula não afastou, nem prejudicou os prazos estabelecidos no artigo 329º do CT, ex vi dos seus artigos 352º e 353º.
Ora, independentemente do maior ou menor acerto do assim decidido, a verdade é que aquela cláusula 50ª do referido CCT não é válida para os processos disciplinares conducentes ao despedimento individual ou coletivo e outras formas de cessação do contrato de trabalho, em face da imperatividade dos correspondentes procedimentos estabelecidos no Capítulo VII do CT – artigos 338º e ss, – como resulta inquestionável da conjugação do seu artigo 339º com aquela cláusula.
Efetivamente, não obstante a imperatividade desse regime estabelecida no nº 1 do artigo 339º admitir a sua modificação em certas situações, conforme resulta dos seus nºs 2 e 3, nelas não cabem as regras relativas aos procedimentos, mas apenas aos prazos de procedimento e de aviso prévio.
Ora, a citada cláusula não altera apenas os prazos, mas também as formalidades a que está sujeito o procedimento tendente à averiguação de qualquer infração disciplinar e à aplicação da correspondente sanção, o que contraria aquela imperatividade e conduz à sua invalidade no que ao despedimento individual e outras modalidades de cessação do contrato de trabalho concerne, sem prejuízo, naturalmente, do seu préstimo para outro tipo de sanções daquela natureza que não sejam extintivas do contrato.
Isso mesmo se concluiu e decidiu no acórdão do TRP, de 17.03.2014, relativamente a cláusula semelhante de anterior CCT, proferido no processo n.º 396/11.9TTMTS.P1, relatado pela Desembargadora Paula Leal de Carvalho, consultado e disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, o que implica a plena validade e aplicabilidade ao caso dos autos dos prazos e regras estabelecidas nos citados artigo 329º, 352º e 353º do CT e, consequentemente, do tempestivo exercício da ação disciplinar por parte da Ré tal como decidido na sentença recorrida, mesmo que vigasse a tese do Recorrente de que o inquérito prévio não podia considerar-se para este efeito, por não ter sido determinado pela entidade empregadora ou pelo seu representante ou ser desnecessário para fundamentar a nota de culpa, que não foi, como evidenciam os factos provados e a Ré sublinha nas suas contra alegações.

A Recorrida apresentou resposta, reiterando a alegação que apresentou e corroborando o parecer emitido pelo MºPº.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Questões prévias:
Alega a Recorrida, por um lado ser inadmissível o recurso, e por outro lado, a admitir-se, dever ser rejeitado na parte em que requer a reapreciação da prova gravada.
Da admissibilidade do recurso:
Alega a Recorrida dever o recurso ser rejeitado por violação do disposto no nº 1 do art.º 81º do Código de Processo do Trabalho, porquanto nem na motivação do recurso, nem nas conclusões apresentadas, o Recorrente especifica de modo inteligível e concretamente quais os vícios que imputa à douta decisão proferida (erro dos pressupostos de facto, erro de julgamento, violação de lei, contradição da matéria de facto provada ou entre esta e a decisão…) com fundamento nos quais pretende ver revogada tal decisão.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art.º 81 do Código de Processo Civil (que tem a epígrafe «modo de interposição dos recursos») o seguinte: o requerimento de interposição de recurso contém, obrigatoriamente, a alegação do Recorrente, devendo constar das respetivas conclusões o fundamento específico da recorribilidade e a identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.
Por sua vez, dispõe o art.º 639º do Código de Processo Civil (com a epígrafe «ónus de alegar e formular conclusões»), no que ora importa, o seguinte:
1- O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2- Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entender do recorrente, devia ser aplicada.
3- Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
(…)
Estão aqui consagrados dois ónus a cargo da parte recorrente: o de alegar e o de concluir, o que vale por dizer que deve começar por expor todas as razões da impugnação da decisão – os fundamentos de facto e de direito da tese ou teses que defende (enunciação dos fundamentos do recurso) – para depois concluir, e de forma sintética, com a indicação dessas razões (formulação de conclusões), de tal modo que possibilite uma apreciação crítica ao tribunal de recurso.
Por conclusões entende-se um apanhado conciso de quanto se desenvolveu no corpo da alegação/motivação (o legislador fala concretamente na indicação, de forma sintética, dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão), devendo traduzir-se num resumo das razões do pedido, em que se concretiza o onde e o porquê se decidiu mal e o como se deve decidir.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes[3], é inteiramente aplicável aos recursos no processo do trabalho o disposto no art.º 639º do Código de Processo Civil.
Com efeito, é nesta última disposição legal que está estabelecido o ónus de alegar e formular conclusões, versando o nº 1 do art.º 81º do Código de Processo do Trabalho sobre o modo de interposição de recurso, tendo subjacente aquele ónus sem o determinar.
Assim, tendo subjacente o ónus de alegar previsto no Código de Processo Civil, diz o referido nº 1 do art.º 81º que a alegação deve estar contida no requerimento de interposição de recurso; tendo subjacente o ónus de formular conclusões diz o referido nº 1 do art.º 81º que nestas devem constar o fundamento específico da recorribilidade e a identificação da decisão recorrida.
Ora, lendo a motivação e conclusões de recurso apresentadas pelo Recorrente retira-se aquilo com que o mesmo discorda na sentença proferida, e que entende o Recorrente que daí derivaria dever ter sido decretada a suspensão do seu despedimento, não se encontrando motivo para não tomar conhecimento do recurso, ou seja, não se encontrando motivo para a sua rejeição liminar (como não se rejeitou).
Mas se o recurso, no seu todo, não é de rejeitar, antes de se enunciarem as questões a decidir (podendo uma delas ser a de saber se houve erro no julgamento sobre a matéria de facto), importa ver se foram observados os ónus impostos pelo legislador para impugnação da decisão sobre matéria de facto, passando-se, assim, à segunda questão prévia colocada pela Recorrida.
Da admissibilidade da impugnação da decisão sobre matéria de facto (prova gravada):
Defende a Recorrida, citando jurisprudência, a rejeição da reapreciação da prova gravada, dizendo que [a]pesar de no decurso das alegações o Recorrente fazer referência a vários depoimentos de testemunhas e de, inclusive, fazer a transcrição de alguns trechos desses depoimentos; não refere com precisão, quais os pontos da matéria de facto dada como provada que, atento o teor desses depoimentos, foram incorretamente julgados, nem refere expressamente qual a decisão sobre a matéria de facto que tais depoimentos necessariamente impõem; [a]penas nos pontos XVII e XXXVII das Conclusões o Recorrente faz referência aos pontos 15 e 17 respetivamente, dos Factos Provados pugnando pela sua alteração; mas, o que consta de tais conclusões é de tal forma vago, genérico e sem qualquer suporte fáctico, que não permite que se apreenda, com certeza e com segurança, quais os concretos pontos da matéria de facto que o Recorrente pretende ver alterados e qual a decisão que, no seu entender devia ser proferida sobre tais questões e os meios de prova que sustentam a alteração da decisão nesse sentido.
Vejamos.
A reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso), ou seja, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso constitui uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto[4].
Em conformidade, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo a mesma expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe à parte recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte:
a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Ora, in casu, o Recorrente, referindo que o recurso tem também como objeto a reapreciação da prova gravada, quanto a concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados refere, como diz a Recorrida, os pontos 15 e 17, sendo a eles que se refere nas conclusões.
Em complemento ao acima dito sobre alegação/conclusões, e decorrendo do supra exposto, refere-se que se as conclusões ficam aquém da motivação, a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque, como se disse supra, estas delimitam o objeto do recurso, só podendo o tribunal de recurso considerar as conclusões [por outro lado, se as conclusões vão além da motivação também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente] [5].
Assim, dúvidas não há que estão indicados como pontos de facto incorretamente julgados os pontos 15 e 17 dos factos considerados indiciariamente provados.
Quanto ao ponto 15, o Recorrente indica como decisão que devia ter sido proferida, acrescentar-se ao mesmo que “… mas comunicou com a representante dessa gerência”, e indicando como concretos meios probatórios que justificam essa decisão as regras da experiência comum, depois de citar excertos dos depoimentos das testemunhas BB (referida no ponto 15) e CC (que será a “representante da gerência”) dos quais diz derivar serem cunhadas, trabalharem no mesmo espaço e viverem perto uma da outra.
Quanto ao ponto 17, o Recorrente indica como decisão que devia ter sido proferida, que não podia constar dele que foi feito “procedimento prévio de inquérito” com vista ao apuramento dos factos denunciados e fundamentação da nota de culpa, indicando como concretos meios probatórios que justificam essa decisão a análise do procedimento disciplinar junto, dizendo que não houve despacho nesse sentido.
Em suma, lendo a alegação e conclusões, encontramos o cumprimento dos ónus enunciados pelo legislador para impugnação da decisão sobre a matéria de facto (apenas) em relação aos pontos 15 e 17 dos factos dados como indiciariamente provados, pelo que será (apenas) sobre eles que infra nos debruçaremos (não relevando excertos de depoimentos transcritos pelo Recorrente que não estejam conexionados com a pretendida alteração desses pontos).

Importa ainda deixar claro, como questões prévias à enunciação daquilo que importa decidir, duas situações que em face do alegado podem gerar alguma dúvida sobre o objeto do recurso.
Por um lado, que não cabe neste procedimento cautelar determinar a data do início do contrato de trabalho [designadamente, em função dos pontos 1 e 2 dos factos indiciariamente provados (os primeiros pontos 1 e 2 como se explicará infra), se em 01 de setembro se em 01 de dezembro de 2015 – o que passará por saber quando efetivamente se iniciou a prestação de trabalho], pois neste procedimento está tão só em causa saber se o despedimento do Requerente promovido pela Recorrida deve ou não ser suspenso (o mesmo é dizer deve ou não ser retomada a prestação de trabalho) – art.º 39º do Código de Processo do Trabalho – e para tal basta saber-se que aquando da instauração do procedimento disciplinar o Requerente era trabalhador da Recorrida – e no caso tal é pacífico – não relevando se a antiguidade do trabalhador se reporta a setembro ou a dezembro [diferente será na decisão a proferir na ação principal].
Por outro lado, como é sabido, o procedimento cautelar de suspensão do despedimento individual é decretado (cfr. o citado art.º 39º do Código de Processo do Trabalho) se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:
-- pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade;
-- pela provável inexistência de justa causa.
Todavia, a análise do tribunal sobre a probabilidade séria de ilicitude do despedimento não abarca todos os possíveis fundamentos previstos pelo legislador para essa probabilidade, mas apenas aqueles que quem impulsiona o procedimento cautelar aduz (cfr. art.º 5º, nº 1 do Código de Processo Civil).
Ora, in casu o Recorrente não questiona que os factos imputados configurem justa causa de despedimento (não sendo questão posta, a analisar), questionando sim a regularidade/validade do procedimento disciplinar e/ou de meio de obtenção de prova.
Posto isto, avancemos.
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FUNDAMENTAÇÃO
Em face do que se expôs, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[6] é saber se:
● verifica-se erro de julgamento sobre os pontos 15 e 17 dos factos considerados indiciariamente provados?
● verifica-se a caducidade/prescrição do procedimento disciplinar (porque iniciado para lá de 10 dias úteis após o conhecimento dos factos, até porque não existe inquérito prévio)?
● o procedimento disciplinar é nulo (porque a procuração outorgada a quem determinou o seu início viola o princípio da pessoalidade da gerência)?
● os dados recolhidos através do X... não podem ser considerados como meios de prova (dado, por um lado não estar o mesmo autorizado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, e por outro lado não serem fiáveis)?
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Por ter interesse para a apreciação do recurso, desde já se reproduzem os factos que o tribunal a quo considerou estarem indiciariamente provados.
São eles:
1. Em 01 de dezembro de 2015, entre o Requerente e a Requerida foi celebrado o «contrato de trabalho a termo certo» cuja cópia foi junta com a oposição e se dá por integralmente por reproduzido.
2. Em 01 de setembro de 2015, Requerente e Requerida subscreveram o acordo de Isenção de Horário de Trabalho cuja cópia foi junta ao articulado motivador do despedimento apenso aos presentes autos e se dá por integralmente por reproduzido.
3. O Requerente exercia as funções motorista de táxi, que consistiam na condução de veículos automóveis ligeiros licenciados e devidamente documentados para o transporte de passageiros.
4. Em 23 de março de 2021 foi elaborado o «auto de notícia» que consta a fls. 3 do processo disciplinar, cujo conteúdo foi comunicado à Ré.
5. Em 06 de abril de 2021, a Ré decidiu instaurar processo disciplinar contra o Requerente – cfr. fls. 7 e 8 do processo disciplinar.
6. Por carta de 16 de abril de 2021, a Requerida comunicou ao Requerente a instauração de processo disciplinar com intenção de despedimento, suspendendo-o preventivamente, sem perda da retribuição e comunicando-lhe que o processo estava em fase de averiguações – cfr. fls. 22 do processo disciplinar.
7. A «nota de culpa» foi elaborada e remetida ao Requerente em 27/04/2021 e por ele recebida em 29/04/2021, na qual lhe era comunicada a intenção de despedimento – cfr. fls. 219 a 233 do processo disciplinar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. O Requerente apresentou a sua defesa nos termos constantes de fls. 235 a 239 do processo disciplinar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. A Requerida remeteu ao Requerente uma carta registada com aviso de receção, datada de 21/10/2021, que a recebeu em 25/10/2021, através da qual lhe comunicou, nos termos e para os efeitos do art.º 357º, nº 6 do CT, a sua decisão de despedimento do Requerente com fundamento em justa causa – cfr. documento de fls. 291 a 301 do processo disciplinar.
10. Nessa comunicação, a Requerida invocou como fundamentos do despedimento do Requerente por justa causa o seguinte:
RELATÓRIO FINAL[7]
22- (…)
a) A sociedade comercial por quotas T..., Lda., a 01/12/2015, admitiu ao seu serviço, por contrato de trabalho a termo certo, o arguido, AA, para exercer as funções de motorista, sob a sua autoridade e direção.
b) Pelo menos desde agosto/2020, por ordem da Gerência, semanalmente o arguido, tal como todos os motoristas da empresa, deslocava-se às instalações provisórias da entidade patronal, sitas à Rua ..., ... – Maia, onde entregava á trabalhadora BB, os valores em dinheiro que tinha na sua posse, referente ao apuro dos serviços efetuados com o táxi que conduzia durante aquela semana e, bem assim as despesas de gasóleo, portagens ou outras.
c) Aquando de cada uma dessas deslocações, a trabalhadora BB, acompanhada pelo arguido, verificava e apontava o valor em euros registado no taxímetro e, bem assim, o número de quilómetros registado no conta-quilómetros do veículo.
d) Na presença do arguido, a trabalhadora BB, já munida do valor registado no taxímetro e do número de quilómetros registado no conta-quilómetros, apurava o número de quilómetros percorrido e o valor em euros realizado naquele período de uma semana, mediante operação aritmética, feita na presença do arguido, subtraindo aos números registados no taxímetro e no conta-quilómetros, os números que tinham sido registados na semana anterior.
e) Após o que, o arguido entregava à citada trabalhadora BB, o valor em euros, assim apurado, que corresponderia ao valor recebido pelo motorista, no âmbito do exercício das suas funções, naquele período de uma semana.
f) Posteriormente, sem a presença do arguido, por incumbência da Gerência, a trabalhadora BB apurava, em média, o valor em euros do quilómetro percorrido e a análise dos percursos efetuados por cada motorista, inclusive o arguido, neste caso, por consulta aos registos constantes da plataforma online da X....
g) A plataforma online da X... regista os percursos efetuados por cada veículo táxi, com indicação concreta do ano, mês, dia, frota, número do táxi, a hora em que se inicia cada percurso, o estado em que se encontra o taxímetro nesse percurso, o número do motorista, a distância percorrida e o tempo despendido, bem como a indicação de todo o percurso no mapa de Portugal, no qual o ponto A é o ponto de partida e o ponto B é o ponto onde termina aquele serviço/percurso.
h) Ainda por incumbência da Gerência, a trabalhadora BB, através da plataforma online da X..., identifica o percurso correspondente a cada uma das faturas emitidas pelos motoristas, inclusive o arguido, comparando o dia e hora constante do registo da X..., com o dia e hora constante em cada fatura.
i) No exercício das tarefas supra descritas, no que concerne ao táxi conduzido exclusivamente pelo arguido, verificou-se que este fez vários percursos/serviços que, propositadamente, não foram registados no taxímetro, muito embora o arguido, pelo menos em alguns, tenha cobrado o respetivo valor do cliente e emitido a respetiva fatura.
A saber, nomeadamente:
j) No dia 01/02/2021, às 09h44 o táxi conduzido pelo arguido estava na postura do Hospital ..., onde permaneceu cerca de 01h17; saiu daquela postura pelas 11h02, com o taxímetro em “LIVRE” e fez um percurso de 7,61 km, desde esse Hospital até ... e quando terminou, às 11h10, emitiu uma fatura de € 5,85 (Fatura nº ...), após o que fez percurso de regresso à postura das ... onde chegou às 11h15.
k) O percurso efetuado pelo arguido do Hospital ... a ..., num total de 7,61 Km, tendo sido feito com o taxímetro no estado de Livre, não contou, pois, o taxímetro não registou qualquer valor em euros; porém, o arguido cobrou o respetivo valor do cliente e emitiu a respetiva fatura.
l)[8] Como não ficou registado no taxímetro (porque estava na posição/estado LIVRE), no final da semana tal valor também não foi contabilizado para efeitos de contas prestadas pelo arguido à entidade empregadora; o valor cobrado por este percurso não foi entregue à empresa.
m) No dia 03/02/2021, pelas 14h10 o táxi conduzido pelo arguido encontrava-se na postura do ... onde ficou por 01h02, sem sair da referida postura; pelas 15h15, o arguido colocou o taxímetro em Livre e assim permaneceu, no mesmo local, por mais 01h22.
n) Pelas 16h38, ainda na postura do ..., colocou o taxímetro em Ocupado e sem fazer nenhuma deslocação, pelas 16h43, desligou o taxímetro, reaparecendo, no sistema, já com o taxímetro na posição/estado de Ocupado, na zona da ..., fazendo um percurso de 0,643 Km neste estado.
o) Pelas 16h46 colocou o taxímetro no estado de Pausa e circulou neste estado mais 1,814 km entre a Avenida ... e a Avenida ...; pelas 16h52 colocou o taxímetro em Livre e deslocou-se 6,755 km entre a Avenida ... e a Travessa ... em Vila Nova de Gaia, no final emitiu uma fatura de € 6,65 (Fatura nº ...) e desligou o sistema porque se encontrava na sua residência.
p) No dia 08/02/2021, pelas 15h02, o táxi conduzido pelo arguido saiu, da Via ..., com o taxímetro em Ocupado e circulou cerca de 374 m, e sem qualquer interrupção na viagem passou o taxímetro a Livre e circulou mais 3,985 km desde a mesma Via até ao ..., aí, emitiu uma fatura de € 7,25 (Fatura nº ...).
q) Pelas 15h06 fez novamente um percurso com o taxímetro em Livre de 1,041 km entre o ... e a Rua ... (na ...) e, de seguida regressou à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
r) No dia 09/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido, pelas 08h28, encontrava-se na postura do Hospital ..., de onde saiu, com o taxímetro em Recolha Central e fez uma deslocação de 2,157 km até à Praceta ..., aí colocou o taxímetro em Ocupado e deslocou-se cerca de 0,849 km até local não devidamente identificado sito em Vila Nova de Gaia, de onde retomou o percurso com o taxímetro em Livre, cerca de 0,755 km, até dentro do Hospital ... – Gaia.
s) No Hospital ... – Gaia, deslocou-se 0,046 km com o taxímetro em Pausa, efetuando depois o regresso à postura sita naquele Hospital.
t) Ainda no dia 09/02/2021, pelas 09h49, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura sita ao Hospital ... – Gaia com o taxímetro em Ocupado circulou nesse estado por 0,114 km e, sem qualquer interrupção no percurso, passou o taxímetro para o estado de Livre, circulando nesse estado 9,344 km entre o final da postura do Hospital ... até ..., onde, ainda em circulação, mudou o taxímetro para o estado de Pausa durante 00h00m11s e voltou a mudar para o estado de Livre circulando mais 11,256 km entre ... e a Rua ..., em ....
u) De seguida, pelas 10h14 mudou o taxímetro para o estado de Ocupado, circulou por mais 0,915 km entre a Rua ... e a Avenida ... e voltou a mudar o taxímetro para o estado de Livre continuando o percurso por mais 9,099 km até à Rua ... no Porto, onde emitiu fatura no valor de € 8,35 (Fatura nº ...) já com o taxímetro em estado de Pausa, após o que fez o percurso de regresso até à ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
v) Ainda no dia 09/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido estava na ... de onde saiu, pelas 11h22, com o taxímetro em estado Livre e assim circulou 3,112 km até à Rua ..., aí emitiu uma fatura no valor de € 4,15 (Fatura nº ...), após o que fez o percurso de regresso até á postura de 4 ....
w) No citado dia 09/02/2021, pelas 12h16, o táxi conduzido pelo arguido encontrava-se na postura dos 4 ..., de onde saiu para efetuar uma recolha da central, deslocando-se 1,704 km até a Rua ..., aí, pressupondo-se que recolheu o cliente, passou o taxímetro (como devia) para o estado de Ocupado e circulou 0,026 km, após o que, voltou a mudar o taxímetro para o estado de Livre e circulou neste estado 10,736 km até próximo da Rua ..., onde emitiu uma fatura no valor de € 7,95 (Fatura nº ...) enquanto está em Pausa, após o que faz o percurso de regresso até à ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
x) Ainda no dia 09/02/2021, pelas 14h03, o veículo conduzido pelo arguido encontrava-se na postura de ... de onde saiu para efetuar uma recolha da Central deslocando-se 0,667 km até à Rua ..., aí mudou o taxímetro para o estado de Ocupado circulando cerca de 1,593 km, após o que, passou o taxímetro para o estado de Livre e circulou nesse estado mais 3,434 km até à Praceta ..., onde em Pausa emitiu uma fatura no valor de € 5,85 (Fatura nº ...).
y) De seguida, pelas 14h21, iniciou o percurso com o taxímetro no estado Livre deslocando-se nesse estado desde a Praceta ... até Rua ..., cerca de 1,563 km. Aí com o taxímetro no estado recolha da Central (pelas 14h25) fez um percurso de 12,891 km até à Rua ..., em ..., findo o qual, pelas 14h42, emitiu uma fatura no valor de € 7,65 (Fatura nº ...), após o que iniciou o percurso de regresso (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) até à ....
z) Ainda no dia 09/02/2021, pelas 15h16, o táxi conduzido pelo arguido saiu da ... circulando com o taxímetro no estado Livre 4,44 km até à Travessa ..., aí mudou o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 0,448 km na mesma rua e, imediatamente a seguir, mudou novamente o taxímetro para o estado Livre e circulou mais 0,623 km até a Rua ..., de seguida, voltou a mudar o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 2,091 km até a Rua ..., após o que fez o retorno do percurso com o taxímetro no estado Livre durante 3,469 km novamente até à Travessa ..., onde emitiu uma fatura no valor de € 6,65 (Fatura nº ...), já com o taxímetro em Pausa e fez o regresso (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) até à postura do ....
aa) No dia 10/02/2021, pelas 10h13, o táxi conduzido pelo arguido estava na postura do ... de onde saiu, pelas 10h23, com o taxímetro no estado Livre circulando 9,15 km até à Rua ...' Este, aí emitiu uma fatura no valor de € 7,15 (Fatura nº ...), após o que regressou (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) para a ....
bb) No dia 11/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura de 4 ... com o taxímetro no estado de Pausa e assim circulou cerca de 9,856 km até ao Hospital ... – Gaia, onde emitiu uma fatura no valor de € 7,45 (Fatura nº ...).
cc) Ainda no dia 11/02/2021, pelas 15h38, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura do ... e com o taxímetro em estado Livre circula 19,136 km até ..., aí colocou o taxímetro no estado de Pausa e emitiu uma fatura no valor de € 18,05 (Fatura nº ...), após o que regressou à ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
dd) No dia 12/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido saiu da ... pelas 12h52 e circulou com o taxímetro no estado Livre 0,986 km até aos CTT ..., de seguida, sem qualquer interrupção na viagem, mudou o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 2,05 km até à Rua ... em ... – Gaia, e sem interromper a viagem, voltou a mudar o taxímetro para o estado Livre, circulando mais 4,032 km até à Rua ...' Este, após o que colocou o taxímetro em Pausa e emitiu uma fatura no valor de € 7,25 (Fatura nº ...) regressando depois (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) à Travessa ..., onde reside.
ee) No dia 23/02/2021, pelas 14h48, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura do ... e circulou com o taxímetro no estado Livre cerca de 11,647 km até junto da Câmara Municipal ...; aí, passou o taxímetro para o estado Pausa e emitiu uma fatura no valor de € 12,15 (Fatura nº ...), após o que efetuou o percurso de regresso até à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
ff) Ainda no dia 23/02/2021, pelas 15h44, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura do ... com o taxímetro no estado Livre e assim circulou 5,542 km até a Escola ..., onde sem interrupção da viagem, mudou o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 0,414 km até a Avenida ..., continuando depois o percurso com o taxímetro no estado Livre mais 3,911 km até junto ao Tribunal de Vila Nova de Gaia, após o que, faz o percurso de regresso à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
gg) No dia 24/02/2021, pelas 10h25, o táxi conduzido pelo arguido saiu da ... e com o taxímetro no estado Livre circulou 5,274 km até ao ... – Gaia, onde, depois de colocar o taxímetro no estado de Pausa, emitiu uma fatura no valor de € 5,35 (Fatura nº ...), após o que se dirigiu para a postura do Hospital ... – Gaia (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
hh) No dia 25/02/2021, pelas 14h46, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura de ... e com o taxímetro no estado Recolha da Central fez um percurso de 8,66 km até ao Bairro ..., no Porto. De seguida, sem interrupção na viagem, mudou o taxímetro para o estado de Ocupado, circulou 1,522 km até aos semáforos do cruzamento junto da Junta de Freguesia ... e, imediatamente a seguir, circulou com o taxímetro no estado Livre mais 10,193 km entre a zona de ..., passando a Avenida ..., até Francos; ao passar na ... mudou de novo o taxímetro para o estado Ocupado e assim circulou cerca de 2,744 km até à Escola Básica ..., imediatamente a seguir mudou novamente o taxímetro para o estado Livre e circulou mais 1,116 km até à Rua ..., aí mudou novamente o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 0,431 km até à Rua ... O' Neil, onde emitiu fatura no valor de € 18,75 (Fatura nº ...) e regressou depois à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
ii)[9] No dia 26/02/2021, pelas 12h53, o táxi conduzido pelo arguido saiu da ... com o taxímetro no estado Livre e circulou 5,426 km até ao Hospital ... no Porto, aí colocou o taxímetro no estado de Pausa e emitiu uma fatura no valor de € 5,85 (Fatura nº ...), regressando depois à Travessa ... onde reside (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
jj) Conforme se descreve supra nas alíneas j) e m) a ii), o arguido fez vários percursos com o taxímetro no estado Livre e no estado de Pausa, outros até, com o taxímetro totalmente desligado e nalguns deles – devidamente identificados supra – o arguido durante o mesmo percurso foi mudando o taxímetro do estado Ocupado ou Recolha da Central para o estado Livre ou Pausa por diversas vezes.
kk) Em todos esses percursos o arguido cobrou do cliente e, por vezes emitiu, até, a respetiva fatura.
ll) O arguido bem sabia, até porque recebeu ordens da entidade patronal nesse sentido, que o taxímetro só deve estar no estado Livre quando está pronto a receber clientes e no estado Pausa apenas quando está temporariamente impossibilitado de receber um serviço.
mm) O arguido bem sabia que o taxímetro quando está no estado Livre ou Pausa não está a contar; ou seja, não regista qualquer valor em euros.
nn) O arguido bem sabia que o taxímetro só regista o valor respetivo quando o percurso é feito no estado de Ocupado, Recolha ou Recolha da Central; sendo que o estado Ocupado significa que está com cliente dentro do táxi, o estado Recolha significa que vai ao encontro do cliente e Recolha da Central significa que vai ao encontro de cliente na sequência de uma chamada da Central.
oo) O arguido é motorista de táxi há longos anos, pelo que, embora a entidade patronal lhe tivesse comunicado todos os estados do taxímetro e seus significados e tivesse ordenado que o taxímetro só poderia estar em Livre quando estivesse a aguardar um serviço e em pausa durante o intervalo de almoço; o certo é que, o arguido, pela experiência profissional que tinha quando começou a trabalhar para esta entidade patronal, tinha perfeito conhecimento do modo de funcionamento do taxímetro.
pp) O arguido tinha perfeito conhecimento que ao circular com o taxímetro no estado Livre ou Pausa ou, até, desligado, o valor do serviço inerente aos quilómetros assim percorridos não ficaria registado no taxímetro; e, como tal, no final da semana, tal valor não era contabilizado pela entidade patronal.
qq) No final da semana, o arguido só entregava em dinheiro à entidade patronal exatamente o valor que constava do taxímetro (mais concretamente, a diferença entre o valor registado e o que havia sido registado na semana anterior).
rr) O arguido, nos dias e horas referidos supra nas alíneas j) e m) a ii), fez vários percursos/serviços com o taxímetro no estado Livre, Pausa e até desligado; sendo que o valor em euros devido pelos percursos assim efetuados, não ficou registado no taxímetro, mas o arguido recebeu esse o valor e, nalguns casos, devidamente descriminados supra, até emitiu fatura dos valores recebidos.
ss) Estes valores, porque não estavam registados no taxímetro, não foram contabilizados no final de cada semana; ao prestar contas, o arguido não entregou à entidade patronal esses valores, causando-lhe pois, um prejuízo efetivo equivalente aos valores em euros que, deste modo, recebeu.
tt) O arguido recebeu da sua entidade patronal, uma ordem de serviço escrita – por email remetido a 01/02/2021 – no sentido de que o procedimento de trabalho deveria ser o que já era do seu conhecimento; ou seja, posicionar-se numa postura da qual sairia com um serviço e no final de cada viagem deveria colocar-se na postura mais próxima do ponto em que ficou e, mais lhe foi ordenado pela entidade patronal, nesse email, que deveria colocar o taxímetro no estado Pausa durante o intervalo para o almoço e nunca desligado.
uu) No dia 08/02/2021 e no dia 09/02/2021, o arguido fez percursos sucessivos sem regressar no final de cada viagem á postura mais próxima, violando, deste modo, a ordem emanada pela sua entidade patronal.
vv) Nos dias 01/02/2021, 02/02/2021, 04/02/2021, 08/02/2021, 09/02/2021, 10/02/2021, 15/02/2021, 17/02/2021 e 26/02/2021, o arguido durante o intervalo para o almoço desligou o taxímetro em vez de o manter no estado de Pausa, como lhe havia sido ordenado pela sua entidade patronal desde o inicio da relação laboral e posteriormente reforçado por email remetido ao arguido no dia 01/02/2021 pelas 09h09.
ww) O arguido violou reiteradamente a ordem de serviço emanada pela entidade patronal, para manter o taxímetro no estado de Pausa durante o intervalo para o almoço.
xx) O arguido não tem antecedentes disciplinares registados.
23- Ficou, assim, provada toda a matéria constante da Nota de Culpa, com exceção do local de término do percurso efetuado pelo arguido no dia 09/02/2021 pelas 08h28, uma vez que não ficou provado que exista o local “Estação de Metro ...” em Vila Nova de Gaia,
24- O arguido não logrou fazer a contraprova que lhe era exigida.
25- O arguido sabia perfeitamente que os comportamentos que teve não lhe eram permitidos, mas não se absteve de os praticar. Agiu, assim, livre e conscientemente, com perfeito conhecimento de que estava a cometer graves infrações disciplinares que punham em causa a especial relação de confiança que preside ao vínculo laboral e lesavam, como lesaram, seriamente os interesses patrimoniais da sua entidade patronal.
(…)
30- O trabalhador arguido praticou todos os factos objeto deste procedimento disciplinar, apesar de saber que eram ilícitos e punham em causa a relação de confiança e respeito que presidem ao vínculo laboral e que com esses comportamentos tornava a subsistência da relação laboral irremediavelmente impossível.
31- O comportamento do arguido é ilícito, culposo e grave, denunciando não ser consciente das suas obrigações como trabalhador perante a entidade patronal e de todos os seus deveres para com esta, tendo violado expressamente os deveres de respeito, zelo, diligência, obediência e lealdade, previstos nas alíneas c), e), f) e h) do art.º 128º do Código do Trabalho.
(…)
DECISÃO FINAL
(…)
III- Analogamente, com tais condutas, o arguido desobedeceu ilegitimamente às ordens emanadas pela entidade patronal, demonstrou desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto e lesou gravemente interesses patrimoniais sérios da entidade patronal; assumindo comportamentos que, pela sua gravidade, consequências e grau de culpa do arguido, tornaram irremediável e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento, nos termos do disposto no nº 1 e alíneas a), d) e e) do nº 2 e nº 3 do art.º 351º do Código do Trabalho.
1.[10] O Taxímetro é o dispositivo que se encontra ligado ao veículo e contabiliza a importância a pagar por cada percurso.
2. O X... é uma aplicação informática com GPS (localização) utilizada pela C... e seus associados para despacho e distribuição de serviço aos motoristas de táxi, cuja informação se processa entre caixa, taxímetro, satélite e telemóvel, cuja relação é visível por uma aplicação no telefone (onde se deve inserir uma password) para o motorista e visível para a entidade empregadora on-line (também com password);
3. O Requerente, tal como os restantes motoristas de táxi que trabalham para a Requerida, prestam contas uma vez por semana a BB.
4. O veículo do Requerente era um veículo velho e teve alguns problemas na bateria.
5. O veículo conduzido pelo Requerente era também conduzido por mais 3 motoristas de táxi cujos contratos de trabalho entretanto cessaram.
6. É o taxímetro, e não o X..., que contabiliza as importâncias a pagar por cada cliente.
7. O sistema X... não é infalível, mas não apresenta falhas que justifiquem os factos constantes da decisão de despedimento referida em 10) [primeiro ponto 10[11]].
8. Por ordem da gerência da Requerida, semanalmente, todos os motoristas deslocam-se à sede da empresa, onde, depois de verificação do taxímetro, conta-quilómetros e das despesas de gasóleo, portagens ou outras, é apurado o montante a entregar à empresa.
9. A verificação é feita pela BB, na presença do motorista e a ela são entregues os valores em dinheiro pelos taxistas.
10. No momento da entrega do apuro semanal, a trabalhadora BB, na presença do motorista, verifica e aponta o valor em euros registado no taxímetro e o número de quilómetros registado no conta-quilómetros, a fim de apurar o número de quilómetros percorridos e o valor em euros apurado naquela semana, por aquele motorista em concreto.
11. Posteriormente, já sem a presença do motorista, a citada BB faz o cálculo do valor do quilómetro efetuado por cada motorista naquela semana e a análise do percurso efetuado por cada motorista naquela mesma semana, através dos registos existentes na plataforma online do sistema X....
12. Foi na análise dos percursos efetuados pelo Requerente que a trabalhadora BB detetou os factos descritos em 10) [primeiro ponto 10].
13. Depois de conferidos todos os elementos que tinha na sua posse, a 23/03/2021, participou-os à gestora da Requerida, que naquele momento tinha poderes de representação da Requerida.
14. A Requerida só tomou conhecimento desses factos através da participação escrita apresentada a 23/03/2021.
15. Antes desta participação, BB nunca comentou verbalmente com a gerência da Requerida o que quer que fosse sobre esses factos.
16. No momento em que foi decidido instaurar processo disciplinar ao Requerente (06.04.2021), foi nomeada instrutora a Ex.mª Senhora Advogada DD – cfr. fls. 7 do processo disciplinar.
17. A instrutora do processo disciplinar iniciou então um «procedimento prévio de inquérito» com vista ao apuramento dos factos denunciados e fundamentação da «nota de culpa», que consistiu no seguinte:
a) Fls. 9 a 13 do processo disciplinar – a 08/04/2021 – Junção de “Ficha de Inscrição de Funcionário” e de cópia do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado a 01/12/2015;
b) Fls. 14 a 17 do processo disciplinar – a 13/04/2021 – Inquirição da trabalhadora BB;
c) Fls. 18 a 21 do processo disciplinar – a 15/04/2021 – Junção de cópia do email remetido ao arguido a 01/02/2021, cópia do email remetido à X... a 26/03/2021 e email de resposta remetida por aquela empresa a 01/04/2021, todos referidos pela BB no seu depoimento de fls. 14 a 17;
d) Fls. 25 a 215 do processo disciplinar – 21/04/2021 – cópia do “Relatório de Serviços do Colaborador AA” elaborado pela trabalhadora BB com base no relatório que juntou à participação, mas, especificando (a solicitação da Instrutora) a descrição concreta do nome das posturas e/ou do início e fim dos percursos com referência aos concretos registos que visualizou na plataforma X... e impressão e junção dos mesmos, individualizados por dias, como anexo ao citado relatório.
e) Fls. 216 do processo disciplinar – 22/04/2021 – Nova inquirição de BB;
f) Fls. 217 e 218 do processo disciplinar – 22/04/2021 – Relatório preliminar elaborado pela Instrutora, no qual, se refere expressamente: “Foram encetadas averiguações preliminares que se julgou necessárias ao apuramento de todas as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que terá sido praticada a infração disciplinar, por forma a fundamentar a nota de culpa.”
18. A Requerida procedeu à produção da prova requerida pelo Requerente na resposta à nota de culpa.
19. A Requerida tinha dado ordens ao Requerente para que durante o período de refeição diária o taxímetro ficasse em modo “PAUSA” e não desligado, sendo que o “ procedimento de trabalho (…) posicionar-se-á na postura e sairá com serviço, sendo que no final de cada viagem deverá colocar-se na postura mais próxima do ponto em que ficou.” – cfr. fls. 19 do procedimento disciplinar.
20. Apesar desta ordem concreta dirigida por escrito ao Requerente e apesar de várias vezes advertido verbalmente, continuava a não cumprir tal procedimento, desligando o taxímetro durante a hora de almoço.
21. Além disso o Requerente, como todos os restantes motoristas, sabiam que qualquer avaria ou problema que surgisse com a viatura e/ou seu equipamento deveria ser imediatamente transmitido à Requerida.
22. Em nenhum dos dias mencionados no ponto 10) [primeiro ponto 10], o Requerente reportou à Requerida qualquer avaria ou mau funcionamento do sistema X....
23. É o motorista que, no início do percurso aciona manualmente o taxímetro para o estado OCUPADO e no final do percurso para PAUSA ou LIVRE.
24. Nenhuma das viaturas conduzidas pelos outros motoristas da área de Vila Nova de Gaia apresentou situações similares às descritas no ponto 10) [primeiro ponto 10].
25. As falhas habitualmente existentes no X... devem-se a problemas de falta de rede, deixando de funcionar, ainda que momentaneamente, o sistema.
26. Na praça do ... havia uma certa área que não estava coberta pela rede e o sistema X... não detetava que o carro estava parqueado
27. O sistema de georreferenciação nada tem a ver com a bateria do carro, dependendo do telemóvel utilizado pelo motorista.
28. O Requerente, no exercício das suas funções e nos dias mencionados no ponto 10), fez os serviços/percursos nas horas e no modo aí indicados, emitindo as faturas aí mencionadas, com o taxímetro em LIVRE, PAUSA ou DESLIGADO (conforme cada uma das situações descritas) ou oscilando entre estes estados e o estado de OCUPADO, bem sabendo que, no estado de LIVRE, PAUSA e DESLIGADO, o taxímetro não estava a contabilizar o valor do percurso e, como tal, no final da semana, não estava incluído nas contas finais que fez com a Requerida.
*
Do erro sobre o julgamento da matéria de facto:
Como acima se deixou expresso, apenas estão em causa os pontos 15 e 17 dos factos indiciariamente provados.
Importa lembrar que, integrando-se o procedimento cautelar nominado de “suspensão de despedimento (individual)” na figura das providências cautelares [que têm como função tutelar aqueles casos em que a falta de uma decisão imediata[12], ainda que provisória, porque dependente da instauração de uma ação (principal) com a inerente demora, seja suscetível de causar graves prejuízos ao requerente], a apreciação a efetuar com vista ao seu decretamento, ou não, nem sempre passa por uma certeza, podendo ser sumária (summaria cognitio), ou seja, bastará uma suficiência da probabilidade[13].
Há que conciliar, na medida do possível, o interesse da celeridade com o da ponderação e segurança jurídica, que também aqui terão que estar presentes, com o inerente dever de averiguação da real situação de facto de onde emerge a pretensão do requerente, mormente quando a providência é decretada sem audiência contraditória. Ou seja, celeridade não significa ligeireza.
Depois, há que ter presente que a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal (como é o caso dos depoimentos das testemunhas), dispondo o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária[14].
Por outro lado, de referir que não basta à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas concretas imponham a modificação da decisão de facto[15].
Importa ainda ter presente que é pacífico que a apreciação a fazer é da questão posta, de saber se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado pelo recorrente[16].
Posto isto, vejamos o caso concreto.

Quanto ao ponto 15, defende o Recorrente que seja acrescentado ao mesmo o seguinte: “… mas comunicou com a representante dessa gerência”, ou seja, defende que a redação do ponto 15 deverá passar a seguinte (acrescentando-se em letra diferente – courier new – o aditamento que pretende):
15. Antes desta participação, BB nunca comentou verbalmente com a gerência da Requerida o que quer que fosse sobre esses factos, mas comunicou com a representante dessa gerência.
Suporta essa alteração com apelo às regras da experiência comum, depois de citar excertos dos depoimentos das testemunhas BB e CC (que será a “representante da gerência”) dos quais diz derivar serem cunhadas, trabalharem no mesmo espaço e viverem perto uma da outra.
O tribunal a quo na motivação da decisão sobre matéria de facto escreveu, quanto aos pontos 14 e 15, que atendeu-se aos depoimentos das testemunhas EE e FF.
Ora, independentemente de CC ser ou não, na altura, representante da gerência nalgumas matérias[17], o facto de ser cunhada de BB e de trabalharem ambas no mesmo espaço, no seu depoimento CC afirmou que nada lhe foi dito sobre a situação objeto do procedimento disciplinar (cfr. excerto transcrito na alegação de recurso e resposta).
Temos, então, que o Recorrente faz uma apreciação diversa da prova produzida, descredibilizando depoimentos para dizer que segundo as regras da experiência comum a trabalhadora BB comunicou a situação objeto do procedimento disciplinar a representante da gerência da Recorrida.
Só que, essa apreciação é a sua e não se impõe, não tendo a partilha de espaço de trabalho que levar forçosamente a concluir ter sido comunicada a situação; pode causar alguma estranheza que não fosse falado, e causa-a, mas não é absurdo, pelo que à falta de outros elementos não é de o dar como provado, ainda que indiciariamente.
Assim, sem necessidade de outras considerações, não se altera este ponto dos factos indiciariamente provados.

Quanto ao ponto 17, defende o Recorrente que não podia constar dele que foi feito o procedimento prévio de inquérito com vista ao apuramento dos factos denunciados e fundamentação da nota de culpa, dizendo que do procedimento disciplinar junto não consta despacho a determiná-lo.
Ora, resulta da alegação/conclusões, e também das questões supra enunciadas a decidir, que a apreciação da caducidade/prescrição passa por saber se houve “procedimento prévio de inquérito”, defendendo o Recorrente que se impunha haver despacho a determiná-lo.
Impõe-se, então, que dos factos não conste que existiu “procedimento prévio de inquérito”, mas apenas aquilo que foi feito pela instrutora nomeada, sendo, depois, aquando da análise de direito a fazer infra, aferido se tal configurou, ou não, o referido “procedimento prévio de inquérito”, a que se refere o art.º 352º do Código do Trabalho.
Deste modo, e depois de consultado o procedimento disciplinar, o ponto 17 dos factos indiciariamente provados passa a ter a seguinte redação:
17. A instrutora do processo disciplinar realizou, então, o seguinte:
a) Fls. 9 a 13 do processo disciplinar – a 08/04/2021 – Junção de “Ficha de Inscrição de Funcionário” e de cópia do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado a 01/12/2015;
b) Fls. 14 a 17 do processo disciplinar – a 13/04/2021 – Inquirição da trabalhadora BB;
c) Fls. 18 a 21 do processo disciplinar – a 15/04/2021 – Junção de cópia do email remetido ao arguido a 01/02/2021, cópia do email remetido à X... a 26/03/2021 e email de resposta remetida por aquela empresa a 01/04/2021, todos referidos pela BB no seu depoimento de fls. 14 a 17;
d) Fls. 25 a 215 do processo disciplinar – 21/04/2021 – cópia do “Relatório de Serviços do Colaborador AA” elaborado pela trabalhadora BB com base no relatório que juntou à participação, mas, especificando (a solicitação da Instrutora) a descrição concreta do nome das posturas e/ou do início e fim dos percursos com referência aos concretos registos que visualizou na plataforma X... e impressão e junção dos mesmos, individualizados por dias, como anexo ao citado relatório.
e) Fls. 216 do processo disciplinar – 22/04/2021 – Nova inquirição de BB;
f) Fls. 217 e 218 do processo disciplinar – 22/04/2021 – Relatório preliminar elaborado pela Instrutora, no qual, se refere expressamente: “Foram encetadas averiguações preliminares que se julgou necessárias ao apuramento de todas as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que terá sido praticada a infração disciplinar, por forma a fundamentar a nota de culpa.”

Decorre do que acima se disse que o Recorrente não impugna a decisão de dar como indiciariamente provado o que consta do segundo ponto 7, embora cite excertos de depoimentos, porquanto, além de não o referir nas conclusões (como se deixou expresso supra, estas delimitam o objeto do recurso), não estão cumpridos, em relação a ele, os ónus de impugnação previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil que acima se referiram (desde logo não está dito qual a decisão que deveria ter sido tomada).
Todavia, o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se tal se impuser (art.º 662º do Código de Processo Civil), o que pode/deve suceder no caso de estarmos perante matéria conclusiva/vaga/genérica.
É que, como se escreveu no acórdão desta Secção Social do TRP de 09.03.2020[18], “as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão”.
Ora, o segundo ponto 7 dos factos indiciariamente provados assume cariz conclusivo, recordando-se agora o seu teor:
7. O sistema X... não é infalível, mas não apresenta falhas que justifiquem os factos constantes da decisão de despedimento referida em 10) [primeiro ponto 10].
Assim, impõe-se fazer uma referência a este ponto, ver se o mesmo pode permanecer entre os indiciariamente provados.
A primeira parte (não é infalível), que foi alegada pelo Requerente no requerimento inicial (cfr. artigos 111 e 125), não custa aceitar que conste como indiciariamente provada (ainda que na formulação negativa), até porque admitida na oposição da Requerida (cfr. artigo 122), pois não se pode impedir a prova de existência de falhas da aplicação informática, mesmo sem precisar quais são elas.
Já a segunda parte (falhas que justifiquem os factos constantes de…), que se suporta naquilo que foi alegado pela Requerida na oposição (cfr., por exemplo, artigos 72 e 91), levanta reservas dado que, sem estar precisado em que medida a aplicação informática é falível, foi concluído que as falhas que apresenta não são, ainda assim (sem saber de que género são), falhas que comprometam a imputação dos factos ao trabalhador (que conduziram aos seu despedimento).
De notar que entre as primeira e segunda partes não existe contradição, justapondo-se entre si; a questão está em saber, dado o carácter conclusivo, se a parte final do segundo ponto 7 dos factos indiciariamente provados deve permanecer.
Ora, se, como se disse, os factos concretos/objetivos não podem ser substituídos por conceitos de direito e/ou factos vagos/genéricos e/ou conclusivos, impõe-se, porém, alguma flexibilidade no caso de serem eles uma consequência lógica de factos objetivos, simples e apreensíveis, também constantes dos factos assentes ou estando devidamente justificado na motivação.
É que, como refere António Santos Abrantes Geraldes[19], em face da modificação do Código de Processo Civil (operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho), é de defender uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico formais em torno do que seja “matéria de direito” ou “matéria conclusiva” que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso.
Expliquemos melhor[20].
O Código de Processo Civil, antes da referida revisão operada em 2013, previa a prolação de despacho saneador com, caso não houvesse decisão de mérito, seleção da matéria de facto, consignando assentes os factos que já o estivessem e elaborando a base instrutória com aqueles que estivessem controvertidos e fossem relevantes para a decisão da causa (art.ºs 510º e 511º do Código de Processo Civil nessa versão), e, depois de realizada audiência de discussão e julgamento, era proferida decisão sobre a matéria de facto, e só depois era proferida sentença fazendo o enquadramento jurídico dos factos assentes (art.ºs 653º e 659º do Código de Processo Civil nessa versão).
Dizia, então, o nº 4 do art.º 646º do Código de Processo Civil, nessa versão, que se tinham por não escritas as respostas sobre matéria de direito bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos quer por acordo ou confissão das partes.
Com a referida revisão do Código de Processo Civil, houve uma mudança profunda, passando a estar prevista a prolação de despacho saneador com, caso não haja decisão de mérito, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova (art.º 596º do Código de Processo Civil) e, depois de realizada audiência de discussão e julgamento, é proferida sentença que integra a decisão sobre a matéria de facto e a respetiva integração jurídica (art.º 607º do Código de Processo Civil), deixando de existir norma idêntica ao referido nº 4 do art.º 646º do Código de Processo Civil na versão anterior à revisão.
Ou seja, o juiz numa única peça processual decide da matéria de facto (enunciando os factos provados e não provados e fundamenta essa decisão) e faz o seu enquadramento jurídico, pelo que, sem se prescindir da indicação dos factos objetivos, não está de todo vedada a indicação nos factos de ilações ou algum juízo valorativo (cfr. nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil). Ponto é que algum juízo conclusivo ali constante esteja suportado em factos e devidamente justificado na motivação, e que alguma valoração se justaponha a factos, não que os substitua[21].
Em suma, importa ver a sentença no seu todo.
No caso sub judice, lendo a motivação da decisão da matéria de facto, constata-se que a julgadora aí se referiu aos pontos de facto indiciariamente provados como se não tivesse repetido a numeração, ou seja, como se a seguir ao ponto 10 (primeiro) tivéssemos um ponto 11 e numeração seguinte (além de se retirar do texto, só assim se compreende a referência a pontos para lá do 28).
Sendo assim, encontramos a justificação para a prova (indiciária) deste ponto no seguinte trecho (mais em concreto, depois de ser feita uma análise dos depoimentos prestados):
Quanto aos factos dados como provados nos pontos 17), 35) e 36), considerou-se o depoimento da testemunha BB, que expressamente referiu nenhum outro motorista tinha apresentado as mesmas irregularidades e tentou saber junto da X... se era normal que houvessem falhas no sistema que pudessem justificar os factos que apurou, tendo-lhe sido dito que não, que não eram falhas. O que podia acontecer era deixar de existir a localização do veículo, mas não as situações que ela tinha apurado. Atendeu-se também ao teor dos ofícios de fls. 274 a 278 do processo disciplinar.
Quanto aos factos dados como provados nos pontos 29), 30), 31), 33), 34), 35), 36) e 37), considerou-se o depoimento da testemunha BB, que foi a pessoa que fez uma investigação exaustiva e pormenorizada sobre os factos que vieram posteriormente a ser imputados ao Requerente e depôs sem a mínima hesitação, de forma objetiva e coerente, respondendo às perguntas que lhe eram feitas sem demonstrar qualquer ansiedade, nem perturbação, o que não sucedeu relativamente à testemunha FF, que a certa altura do seu depoimento demonstrou enervamento e pouca objetividade. O depoimento da testemunha EE, quando referiu que podia ir em “Livre” e aparecer-lhe “Ocupado”, não foi capaz de abalar a credibilidade da restante prova carreada para os autos: esse tipo de situações não são falhas do sistema e relativamente à testemunha EE não foram apuradas essas irregularidades, pelo que se valorou o depoimento da testemunha BB em detrimento do depoimento a esse respeito prestado pela testemunha EE. O mesmo sucedeu relativamente ao facto de não terem sido participadas pelo Requerente à Requerida quaisquer avarias do X..., facto que foi afirmado pela testemunha BB. Os documentos juntos na sessão de julgamento do dia 14.01.2021 e com a respetiva resposta, apresentada em 21.01.2021, referem-se a uma eventual avaria do taxímetro que terá ocorrido em agosto de 2020, ou seja, meses antes da ocorrência dos factos, pelo que não é suscetível de abalar a credibilidade dos resultados extraídos do X... em que se fundou o processo disciplinar.
Não logrou assim o Requerente demonstrar que houvessem falhas no sistema X... suscetíveis de provocar comunicações de conteúdo errado, nem que transmitissem informações que não fossem verdadeiras (factos não provados alegados nos artigos 40º (2ª parte), 42º, 43º, 51º, 81º, 82º e 93 da p. i.), nem o que sucedeu nos percursos indicados na nota de culpa, em que emitiu faturas com o taxímetro em LIVRE, PAUSA ou DESLIGADO ou oscilando entre estes estados e o estado de OCUPADO, bem sabendo que, no estado de LIVRE, PAUSA e DESLIGADO, o taxímetro não estava a contabilizar o valor do percurso e, como tal, no final da semana, não estava incluído nas contas finais que fez com a Requerida.
Ou seja, o segundo ponto 7 tem que ser articulado com os pontos 25 e 26 dos factos indiciariamente provados, ao que acresce que lendo a motivação se retira que a expressão não é infalível se reporta a falhas de rede que não interferem com o que ficou consignado no ponto 10 (primeiro ponto 10).
Sendo assim, com o enquadramento supra exposto, dizemos que o ponto 7 dos factos indiciariamente provados, ainda que com cariz conclusivo, fica com a redação que tem.

Da caducidade/prescrição do procedimento disciplinar:
Alega o Recorrente que por aplicação da cláusula 50ª, nº 3 do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAL – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros e a FECTRANS – Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (cujo texto consolidado se encontra publicado no BTE, 1ª série, nº 16, de 29/04/2010[22]), o procedimento disciplinar se encontra prescrito (dizendo que tecnicamente eivado de caducidade) porque decorreram mais de 10 dias úteis (5 + 5) entre o conhecimento da infração pela empregadora e o início do procedimento disciplinar (notificação da nota de culpa).
A Recorrida pronunciou-se no sentido de ser válido o procedimento disciplinar.
O tribunal a quo considerou não se verificar a prescrição/caducidade, escrevendo o seguinte:
De acordo com o artigo 329º, nº 2 do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
Não cremos que os prazos estabelecidos na cláusula 50ª do CCTV pretendam afastar e substituir-se aos prazos legais previstos no Código do Trabalho relativamente à prescrição e/ou caducidade do direito de ação disciplinar.
A comprová-lo veja-se o que dispõe o n.º 15 do mencionado artigo:
A comunicação da nota de culpa ao trabalhador suspende o decurso do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 31.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969.
O nº 1 do artigo 31º da LCT corresponde ao atual nº 2 do artigo 329º do Código de Trabalho que regula os prazos a que está sujeito o procedimento disciplinar e a prescrição.
E se a comunicação da nota de culpa ao trabalhador suspende o decurso do prazo estabelecido no artigo 329º, nº 2 do atual Código do Trabalho, é porque não se pretendeu reduzir para 10 dias (5 + 5), o prazo de que a entidade patronal dispõe para dar início ao processo disciplinar.
Assim e ainda que se considere que o processo disciplinar se iniciou com a comunicação da nota de culpa ao Requerente, que ocorreu em 29/04/2021, não tinham decorrido mais de 60 dias a contar do conhecimento da infração pela legal representante da Requerida, conhecimento esse que ocorreu em 23/03/2021.
Pelo exposto se conclui que o direito de ação disciplinar por parte da Requerida não estava prescrito.
Vejamos.
Como é consabido, não pode ser aplicada sanção disciplinar sem ser observado determinado procedimento (o procedimento disciplinar, previsto nos art.ºs 329º e 352º ss do Código do Trabalho).
Estabelece o nº 2 do art.º 329º do Código do Trabalho que o procedimento disciplinar se deve iniciar nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
Aquilo que está claramente em causa é o conhecimento pelo órgão com competência disciplinar dos factos que imputa ao trabalhador como sendo infração disciplinar, e que levaram a aplicar a sanção disciplinar de despedimento.
Ao citado nº 2 está subjacente a ideia de inércia da entidade empregadora em instaurar procedimento perante o conhecimento dos atos ou omissões do trabalhador constitutivos da respetiva infração disciplinar, sendo por isso um prazo de caducidade [23] [24].
É pacífico que ao trabalhador cabe demonstrar que o empregador teve conhecimento dos factos integradores da infração há mais de 60 dias [como facto extintivo do direito a aplicar sanção disciplinar – art.º 342º, nº 2 do Código Civil][25], sendo certo que, tal como referido no acórdão desta Secção Social do TRP de 05/03/2012[26], a demostração de que foi excedido o prazo para iniciar-se o procedimento disciplinar, implica demonstrar a data em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar tomou conhecimento dos factos constantes da nota de culpa (termo inicial do prazo) e a data em que a nota de culpa foi recebida pelo trabalhador (termo final do mesmo prazo), o que, no caso de o empregador ser uma sociedade, passa por demonstrar quem é o órgão com competência disciplinar (por competência própria ou delegada)[27].
Em regra o procedimento disciplinar inicia-se com a comunicação da «nota de culpa» (art.º 353º do Código do Trabalho), sendo esta que interrompe o prazo de caducidade.
Todavia, o procedimento disciplinar pode também iniciar-se com «procedimento prévio de inquérito», desde que o mesmo se mostre necessário para fundamentar a «nota de culpa» (art.º 352º do Código do Trabalho), constituindo um procedimento interno do empregador, a ter lugar previamente à «nota de culpa», a que o trabalhador não tem acesso, surgindo em regra depois de o empregador ter a notícia da infração, ou seja, não é obrigatório existir esse inquérito prévio[28].
Neste caso, será o «procedimento prévio de inquérito» a suspender o prazo de caducidade do procedimento disciplinar, mesmo que o trabalhador não tenha sido informado da sua instauração.
A relevância da apreciação da verificação da caducidade está em que, a verificar-se a mesma, o despedimento é ilícito (art.º 382º, nº 1 do Código do Trabalho).
No caso sub judice é pacífico ser aplicável o CCT acima referido, pelo que vejamos o que dispõe a sua cláusula 50ª do CCT, invocada pelo Recorrente:
Cláusula 50ª
Tramitação processual disciplinar
1- Sem prejuízo da observância de disposições legais imperativas sobre o exercício do poder disciplinar que afastem a aplicação de disposições constantes de convenção coletiva, qualquer sanção disciplinar será precedida de processo disciplinar nos termos dos números seguintes.
2- Nos casos em que se verifique comportamento passível de sanção disciplinar, a empresa, nos cinco dias úteis posteriores ao conhecimento da infração pela, administração ou pelos seus representantes, comunicará por escrito ao trabalhador a intenção de proceder disciplinarmente.
3- O processo disciplinar será escrito e iniciar-se-á com a nota de culpa, da qual conste a descrição fundamentada dos factos imputados ao trabalhador, no prazo máximo de cinco dias úteis após a comunicação referida no número anterior.
Alega o Recorrente que dos nºs 2 e 3 decorre um prazo de caducidade de 10 dias (os 5 dias previstos no nº 2 seguidos dos 5 dias previstos n nº 3), resultando daí a caducidade no caso em apreço.
Importa começar, então, por ver se está aí previsto um prazo de caducidade mais curto que aquele que está previsto no nº 2 do art.º 329º do Código do Trabalho, ou melhor, se aquela cláusula reduz o prazo de caducidade aqui previsto.
O CCT invocado pelo Recorrente, cujo texto consolidado se encontra publicado no BTE, 1ª série, nº 16, de 29/04/2010, foi inicialmente publicado no BTE, 1ª série, nº 26, de 15/07/1994 (CCT celebrado entre a ANTRAL e a FESTRU[29], tendo alterações posteriores, que não da cláusula 50ª).
Na altura da celebração do CCT estava em vigor, quanto à “cessação do contrato de trabalho”, o DL nº 64-A/89, de 27 de fevereiro, que aprovou o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo (LCCT).
O nº 1 do art.º 2º da LCCT estipulava que, salvo disposição legal em contrário, não pode o presente regime ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho, acrescentando o nº 1 do art.º 59º que os valores e critérios de definição de indemnização consagrados neste regime, os prazos do processo disciplinar, do período experimental e de aviso prévio, bem como os critérios de preferência na manutenção de emprego nos casos de despedimento coletivo, podem ser regulados por instrumento de regulamentação coletiva de natureza convencional.
No art.º 31º, nº 1 da LCT[30] encontrava-se previsto que o procedimento disciplinar devia exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que a entidade empregadora, ou superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração, sendo que a comunicação da «nota de culpa» ao trabalhador suspendia o decurso desse prazo (art.º 10º, nº 11 da LCCT).
A LCT e a LCCT foram revogadas pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o Código do Trabalho (CT/2003), estabelecendo este no art.º 383º, nº 1, que o regime fixado no capítulo da cessação do contrato de trabalho (o capítulo em que se inseria a norma) não podia ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato de trabalho, e o nº 2 que os citérios de definição de indemnizações, os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados no capítulo da cessação do contrato de trabalho podem ser regulados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Por sua vez o art.º 14º da referida Lei nº 99/2003, dispunha que:
1- As disposições constantes de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que disponham de modo contrário às normas imperativas do Código do Trabalho têm de ser alteradas no prazo de 12 meses após a entrada em vigor deste diploma, sob pena de nulidade.
2- O disposto no número anterior não convalida as disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho nulas ao abrigo da legislação revogada.
Atualmente o Código do Trabalho (CT/2009[31]), prevê no art.º 339º, com a epígrafe «imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho», o seguinte:
1- O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal.
2- Os critérios de definição de indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo podem ser regulados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
3- Os valores de indemnizações podem, dentro dos limites deste Código, ser regulados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Como se vê, salvas as exceções previstas, o demais previsto no capítulo relativo à «cessação do contrato de trabalho», não poderá ser alterado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Feito este enquadramento, coloca-se a questão, à qual há que responder, de saber se a matéria regulada na parte da cláusula 50ª do CCT acima transcrita estava na disponibilidade dos contraentes do CCT.
Tal cláusula prevê e impõe um procedimento – comunicação em 05 dias úteis da intenção de proceder disciplinarmente (nº 2) – que não previam a LCT ou a LCCT, nem prevê o Código do Trabalho, e que extravasa as matérias, que nos termos das disposições legais citadas, podem ser reguladas em CCT, caindo por consequência, e pelo menos na medida em que se reportam ao despedimento[32], na alçada da imperatividade da lei, tramitação essa que vai condicionar todo o restante regime, desde logo não se compatibilizando com o «procedimento prévio de inquérito» e depois com os prazos que a partir daquele se contam.
Sendo assim, não tendo tal ato (comunicação da intenção de proceder disciplinarmente) que ser praticado, por via da imperatividade do regime da «cessação do contrato de trabalho», não se pode considerar também o prazo dele dependente, qual seja o prazo de 5 dias úteis para deduzir «nota de culpa» que se lhe seguiria[33].
Quer isto dizer que o prazo para o início do procedimento disciplinar é o previsto no art.º 329º, nº 2, do Código do Trabalho, ou seja, nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção[34], o qual apenas se interrompe com a notificação da «nota de culpa». Mas importa não confundir o haver condições para ter conhecimento (e só o não teve por falta de diligência) e o ter conhecimento, estando em causa saber se houve conhecimento efetivo.
Chegados a esta conclusão, tendo in casu os factos objeto do procedimento disciplinar sido comunicados em 23/03/2021 à gestora da Requerida que naquele momento tinha poderes de representação da mesma (pontos 13 a 15 dos factos indiciariamente provados), e tendo a «nota de culpa» sido notificada ao Requerente em 29/04/2021 (primeiro ponto 7 dos indiciariamente provados), é manifesto, independentemente de ter ou não havido «procedimento prévio de inquérito», que não se verifica a caducidade.
Deste modo, fica prejudicado saber se in casu se pode dizer ter havido «procedimento prévio de inquérito».

Da nulidade do procedimento disciplinar:
Sustenta o Recorrente ser nulo o procedimento disciplinar porque quem deu o despacho a determinar a abertura do procedimento disciplinar (em 06.04.2021) – CC –, o fez no uso de procuração desconforme com o previsto no art.º 252º, nº 6 do Código das Sociedades Comerciais (que dispõe que os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo…).
Sustenta a Recorrida que esta questão não foi suscitada no requerimento inicial deste procedimento cautelar, tendo sido alegada ex novo em sede de alegações orais da audiência final (e alegada em articulado na ação principal, de que este procedimento cautelar é dependência), pelo que nunca pôde exercer o contraditório, donde não ter sido conhecida na sentença recorrida e não poder ser agora conhecida.
Antes de mais, e depois de consultado o procedimento disciplinar, enquadremos a questão posta:
Em 06/04/2021 foi proferido despacho no procedimento disciplinar assinado por CC, dele constando que “... a gerência da T..., Lda., aqui representada por CC, com poderes para o ato concedidos por procuração outorgada pelos sócios gerentes a 04/12/2020 no Cartório Notarial da Mealhada, delibera instaurar-lhe o competente procedimento disciplinar…”.
Essa procuração (outorgada em 04/12/2020) foi junta ao processo pelo requerimento de 10/12/2021 (que levou a que na audiência final CC prestasse declarações de parte, e não depoimento como testemunha), e lendo-a verifica-se que a gerência lhe confere vários poderes, que estão especificados.
CC assinou igualmente a procuração a conferir poderes à Dr.ª DD especiais para instruir processo disciplinar contra o trabalhador AA.
Alega o Recorrente que aquela procuração (outorgada em 04/12/2020) confere um mandato geral, violando assim o princípio da pessoalidade da gerência, citando o acórdão do STJ de 24/11/2009[35].
Compulsado o processo verifica-se que na realidade tal questão não foi suscitada pelo agora Recorrente no requerimento inicial (requerimento que impulsionou o procedimento cautelar), e não está a mesma apreciada na sentença proferida, sendo certo que o próprio Recorrente refere, quando invoca esta questão (conclusão L) “nesta senda, do que alegámos em audiência final…”.
Podemos dizer que do nº 2 do art.º 36º do Código de Processo do Trabalho resulta que na «audiência final» do procedimento cautelar de suspensão do despedimento não há lugar a alegações orais (como refere a citada norma, após a produção da prova é proferida a decisão), mas, de qualquer modo, tendo as mesmas lugar, destinam-se tão-só a que os advogados exponham as conclusões, de facto e de direito, que hajam extraído da prova produzida em audiência, não a suscitar novas questões a resolver pelo julgador [cfr. art.º 604º, nº 3, al. e) do Código de Processo Civil].
Quer isto dizer que a sentença recorrida não omitiu o conhecimento de questão que lhe fora posta, donde, não sendo questão a conhecer oficiosamente[36], não se poder falar em nulidade da sentença.
E quer também dizer que não pode o tribunal de recurso apreciar a mesma.
Na terminologia de João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[37], o sistema de recursos português inclina-se para o modelo de reponderação, pelo que os recursos visam modificar decisões, e não apreciar matéria nova[38].
Como refere António Santos Abrantes Geraldes[39], a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis[40].
Ou seja, podendo a ação ter uma pluralidade de fundamentos, se a parte impulsiona a ação invocando apenas alguns, não pode, em face da improcedência em 1ª instância, vir “reforçar” a ação em recurso com outros fundamentos não submetidos à apreciação em 1ª instância.
Em face do exposto, não é questão a apreciar por este tribunal de recurso a alegada violação do princípio da pessoalidade da gerência, não se tomando conhecimento da mesma.

Da validade dos dados recolhidos no sistema X...:
Alega o Recorrente que estamos perante sistema de vigilância à distância, como tal a sua utilização está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que no caso não aconteceu, donde não poder ser atendido como meio de prova, dizendo que “nós levantámos esta questão nas alegações finais, e por entendermos que o nosso pedido no requerimento inicial é de suspensão do despedimento por ilícito, esta e as seguintes alegações devem ficar demonstradas na sentença” (conclusão XLVI).
Sustenta também a Recorrida, a propósito desta questão, que a mesma não foi suscitada no requerimento inicial deste procedimento cautelar, tendo sido alegada ex novo em sede de alegações orais da audiência final (e alegada em articulado na ação principal, de que este procedimento cautelar é dependência), pelo que nunca pôde exercer o contraditório, donde não ter sido conhecida na sentença recorrida e não poder ser agora conhecida.
Na verdade, também esta questão não foi suscitada pelo agora Recorrente no requerimento inicial, o momento oportuno para o efeito, pois só dessa forma era possível o exercício do contraditório e o encetar de eventuais diligências, na fase de instrução, fosse a pedido fosse oficiosamente, que comprovassem ou não o alegado (por exemplo junção da Autorização).
Sendo assim é natural que a questão não esteja apreciada na sentença proferida (que foi objeto de recurso).
Tendo presente o que acima se expôs (a propósito da alegada violação do princípio da pessoalidade da gerência), concluímos que também esta não é questão a apreciar por este tribunal de recurso, não se tomando por consequência conhecimento da mesma.

Ainda a propósito do sistema X..., alega o Recorrente que o mesmo apresenta falhas, pelo que, sendo falível, não pode constituir um meio de prova de factos a imputar ao trabalhador, discordando da sentença recorrida na medida em que não valorizou essas falhas.
Ora, já acima se viu que o Recorrente não observou os ónus estabelecidos pelo legislador para impugnar o decidido sobre o ponto 7 dos factos indiciariamente provados, mas também se viu que não é de alterar o seu teor, sendo de conjugar com os pontos 25 e 26 dos factos indiciariamente provados, ou seja, não é de considerar que o sistema X... apresente falhas a ponto de se afastar como meio idóneo para registo de dados.
A questão passaria por ver se estamos perante a utilização de um “meio de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho do trabalhador”, o que o nº 1 do art.º 20º do Código do Trabalho proíbe, e que é alegado em recurso, mas não o foi nos articulados iniciais.
Essa questão seria oportuna como fundamento da impugnação de decisão sobre matéria de facto, de modo a sustentar a não prova de factos que tivessem sido considerados assentes com base nesse meio de prova, mas não é esse o caso dos autos porquanto o Recorrente invoca-a como questão geral de que “não podia ser considerado provado que o sistema X... seja o ponto de sustentação do despedimento e também o ponto de sustentação da sentença”.
Ora, a questão em si (de ser meio de obtenção de prova proibido) é de conhecimento oficioso, pelo que se os factos indiciariamente provados levarem a dizer ser o sistema X... um meio de obtenção de prova proibido, pode agora ser considerado como tal, ou seja, que não pode ser admitido como meio de prova em procedimento disciplinar.
Consta do segundo ponto 2 dos factos indiciariamente provados que estamos perante um sistema de geolocalização.
Como refere Lurdes Dias Alves[41], há várias tecnologias que permitem reconhecer, cada vez com maior precisão, a localização geográfica de um objeto e/ou uma pessoa, destacando-se a tecnologia GPS (Global Positioning System), utilizada com frequência em veículos automóveis; os dados de geolocalização são dados pessoais, e no contexto laboral exige-se que a utilização dessa tecnologia ocorra com especial cautela, sendo a preocupação principal a de que a utilização descomprometida e excessiva desses dispositivos viole direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente a reserva da vida privada.
Tem sido admitida a instalação de sistemas de geolocalização em automóveis para gestão de serviços de frota em serviço externo na atividade de transporte de passageiros[43], desde que não usados para controlar o desempenho do trabalhador, e sem esquecer que a informação sobre a localização de um veículo automóvel que está a ser utilizado por trabalhador em concreto é informação relativa a uma pessoa[44].
Ora, independentemente da integração no conceito de «meio de vigilância à distância[45], temos que, como se refere no acórdão do TRG de 03/03/2016[46], para saber se é visado o controlo do desempenho profissional, há que ter presentes as concretas funções que estão acometidas ao trabalhador, tendo-se ali concluído que, no caso de “delegado de informação médica”, o uso de aparelho de aparelho de GPS para proceder à conferência da quilometragem percorrida em confronto com os dados transmitidos pelo próprio trabalhador não configura avaliação do seu desemprenho profissional.
Ora, vendo os factos indiciariamente provados não encontramos neles nada que aponte para que fosse visado o controlo do desempenho do trabalhador e que fosse posta em causa a esfera de privacidade e reserva do trabalhador.
Na verdade, aquilo que resulta é que semanalmente é feito o apuro de cada motorista de táxi (cfr. segundos pontos 8 a 10 e ponto 11 dos factos indiciariamente provados), e para conferir as contas (se os valores recebidos correspondem com os percursos percorridos, não avaliar o desempenho do motorista) são conjugados os dados recolhidos da leitura do taxímetro (valores recebidos pelo motorista), do conta-quilómetros (número de quilómetros percorridos) e da aplicação X... (percursos realizados – cfr. ponto 12 dos factos indiciariamente provados).
Assim, não se pode dizer que o sistema X... não pudesse ser admitido como meio de prova no procedimento disciplinar.

Em suma, improcede o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Quanto a custas, havendo improcedência do recurso (ainda que a impugnação da decisão sobre matéria de facto proceda em parte, não determina a alteração da decisão), as custas do mesmo ficam a cargo do Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso apenas parcialmente procedente, no que diz respeito à decisão da matéria de facto, de modo que se decide:
I) alterar a redação do ponto 17 dos factos indiciariamente provados, de modo que passa a ter a seguinte redação:
17. A instrutora do processo disciplinar realizou, então, o seguinte:
a) Fls. 9 a 13 do processo disciplinar – a 08/04/2021 – Junção de “Ficha de Inscrição de Funcionário” e de cópia do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado a 01/12/2015;
b) Fls. 14 a 17 do processo disciplinar – a 13/04/2021 – Inquirição da trabalhadora BB;
c) Fls. 18 a 21 do processo disciplinar – a 15/04/2021 – Junção de cópia do email remetido ao arguido a 01/02/2021, cópia do email remetido à X... a 26/03/2021 e email de resposta remetida por aquela empresa a 01/04/2021, todos referidos pela BB no seu depoimento de fls. 14 a 17;
d) Fls. 25 a 215 do processo disciplinar – 21/04/2021 – cópia do “Relatório de Serviços do Colaborador AA” elaborado pela trabalhadora BB com base no relatório que juntou à participação, mas, especificando (a solicitação da Instrutora) a descrição concreta do nome das posturas e/ou do início e fim dos percursos com referência aos concretos registos que visualizou na plataforma X... e impressão e junção dos mesmos, individualizados por dias, como anexo ao citado relatório.
e) Fls. 216 do processo disciplinar – 22/04/2021 – Nova inquirição de BB;
f) Fls. 217 e 218 do processo disciplinar – 22/04/2021 – Relatório preliminar elaborado pela Instrutora, no qual, se refere expressamente: “Foram encetadas averiguações preliminares que se julgou necessárias ao apuramento de todas as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que terá sido praticada a infração disciplinar, por forma a fundamentar a nota de culpa.”
II) manter no mais a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).
Valor do recurso: o do procedimento cautelar (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 08 de junho de 2022
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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[1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[2] Nota de rodapé (1) do parecer com o seguinte teor: No sentido da rejeição, cfr. Acórdão do TRG, de 15.02.2018, proferido no processo n.º 2326/16.2T8BCL.G1, relatado pelo Desembargador Eduardo Azevedo, consultado e disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/.
[3] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 6ª edição atualizada, pág. 612 (no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[4] Convém frisar que tal não se confunde com o entendimento, que vêm os tribunais superiores seguindo, de que, à luz do disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece [vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286].
[5] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 115.
[6] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[7] Para melhor compreensão da transcrição feita neste ponto 10., em especial para se perceber que o item III é da “decisão final” (que se seguiu ao “relatório final”), transcrevem-se os títulos da “peça” do procedimento disciplinar a que respeitam.
[8] Na transcrição feita na sentença recorrida estava omitida a referência às letras de cada alínea a partir da k), tendo-se agora reproduzido as mesmas.
[9] Estando omitida à referência da letra das alíneas antecedentes, havia referência errada na letra a partir desta alínea, o que se retificou.
[10] Na sentença recorrida, a partir do ponto 10. voltou a numerar-se cada ponto desde o número 1.; no entanto, mantém-se agora a numeração para não interferir com as referências feitas nas alegações, sendo doravante os pontos 1. a 10. duplicados referidos como “segundo ponto 1.”, “segundo ponto 2.”, e assim sucessivamente, indo ao encontro do seguido pelo Recorrente (cfr. nota de rodapé 1. da alegação do Recorrente).
[11] Só pode ser ao “primeiro ponto 10.” que se refere este ponto.
[12] Com especial pertinência na proteção dos direitos emergentes da relação laboral, inaptamente desequilibrada na sequência da subordinação jurídica do trabalhador relativamente ao empregador.
[13] Cfr. art.ºs 32º e 33º do Código de Processo do Trabalho, e art.º 368º, nº 1 do Código de Processo Civil.
[14] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.
[15] O nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil refere que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se), ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida.
[16] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 116.
[17] A procuração outorgada em 04/12/2020, junta ao processo, confere-lhe poderes para tratar de todos os assuntos relativos às viaturas registadas em nome da sociedade, para movimentar quaisquer contas bancárias, levantar valores e objetos nas estações postais ou outros locais destinados ao efeito, e também para tratar de todos os assuntos relacionados com contratos de trabalho, designadamente, contratação, cessação de contratos por qualquer via, incluindo despedimentos por iniciativa do empregador, representação em todos os processos judiciais em curso e a intentar, em representação da sociedade, quer do foro civil, quer criminal e laboral.
[18] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3789/15.9T8VFR.P1.
Vd. também o acórdão desta Secção Social do TRP de 19.04.2021, consultável igualmente em www.dgsi.pt, processo nº 2907/16.4T8AGD-A.P1.
[19] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 304/305 e 320/321.
[20] O que se expõe tem aplicação no processo de trabalho, dado tratar-se de regime subsidiário (cfr. art.ºs 1º, 61º, 62º e 73º do Código de Processo do Trabalho).
[21] Vd. a propósito, Cristina Martins da Cruz, in “Prontuário de Direito do Trabalho”, Centro de Estudos Judiciários, 2021 – II, pág. 89.
[22] Consultável em http://bte.gep.mtss.gov.pt.
[23] Casos em que o ato tem que ser praticado em determinado prazo, em que está em causa o prazo para o exercício de um direito (art.º 298º, nº 2 do Código Civil).
Cfr. acórdão do TRC de 28.04.2017, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 176/16.5T8LMG.C1.
[24] Sobre o tratar-se de prazo de caducidade, cfr. o acórdão desta Secção Social do TRP de 16.11.2015, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 192/14.1TTVLG.P1.
[25] Vd., por exemplo, Ac. do STJ de 29.09.1999, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 99S167.
[26] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 665/11.8TTPRT.P1.
[27] E importa não confundir o órgão com poder disciplinar e os elementos que o compõem – vd. a propósito Ac. do TRC de 10.07.2019, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3867/18.2T8CBR.C1.
[28] De resto, o Código do Trabalho não impõe que o empregador prove no procedimento disciplinar os factos que imputa ao trabalhador, os factos que tem a convicção que sucederam; o Código do Trabalho não impõe que no procedimento disciplinar tenha que haver inquirição de testemunhas, sobretudo quando não indicadas pelo trabalhador (cfr. art.º 356º do Código do Trabalho), podendo o empregador cumprir o ónus de demonstrar em juízo os factos que integram a infração disciplinar, quando impugnada a sua aplicação, com a inquirição de testemunhas nunca antes ouvidas.
[29] A FESTRU é atualmente FECTRANS, a partir da alteração publicada no BTE, 1ª série, nº 5 de 08/02/2009.
[30] Lei do Contrato Individual de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24/11/1969.
[31] Aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, com várias alterações posteriores.
[32] Ainda que situadas fora do capítulo relativo à «cessação do contrato de trabalho» reportam-se a esse regime.
[33] Neste sentido, apreciando cláusula de CCT celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros em 1980, com alguma similitude (a cláusula 60ª, com a epígrafe «tramitação processual disciplinar», que previa a comunicação por escrito ao trabalhador da intenção de proceder disciplinarmente, nos 30 dias úteis posteriores ao conhecimento da infração, iniciando-se o processo disciplinar com a dedução da nota de culpa nos 30 dias posteriores àquela comunicação) , vd. o acórdão desta Secção Social de 17/03/2014 citado no parecer do MºPº (relatado pela aqui 1ª adjunta), consultável em www.dgsi.pt, processo nº 396/11.9TTMTS.P1.
[34] Como escrevem Ana Lambelho e Luísa Andias Gonçalves [in “Poder Disciplinar – Justa Causa de Despedimento”, Quid Juris Sociedade Editora (2012), pág. 21], significa isto, que o prazo de 60 dias não começa a contar se a infração disciplinar for conhecida apenas pelo superior hierárquico a quem não foi delegado o poder disciplinar.
[35] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 16/08.9TBOAZ.S1.
[36] E tanto não é questão de conhecimento oficioso, que as situações em que o procedimento disciplinar pode ser declarado inválido (que fundamentam a ilicitude do despedimento) estão previstas no art.º 382º, nº 2 do Código do Trabalho (o procedimento é inválido se…) – não sendo, pois, qualquer irregularidade que determina a invalidade/nulidade do procedimento – e o alegado pelo Recorrente não se enquadra ali.
[37] Cfr. “Manual de Processo Civil”, volume II, AAFDL Editora, 2022, pág. 130 e 122/123.
[38] Vd. também José Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, volume 3º, 3ª edição – 2022, Almedina, pág. 15.
[39] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 6ª edição atualizada, pág. 119.
[40] Seguindo este entendimento, vd., por exemplo, o acórdão do STJ de 17/11/2016, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S2, e o acórdão desta Secção Social do TRP de 14/07/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1337/18.0T8MTS.P1.
[41] In “Proteção de Dados Pessoais no Contexto Laboral – o direito à privacidade do trabalhador”, Almedina, 2020, pág. 34.
[42] Sobre o conceito de meios de vigilância à distância, pode ver-se Pedro Ferreira de Sousa, “O Procedimento Disciplinar Laboral – uma construção jurisprudencial”, 4ª edição, 2021, Almedina, págs. 182-188.
[43] Cfr. Deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados nº 7680/2014 (aplicável aos tratamentos de dados pessoais decorrentes da utilização de tecnologias de geolocalização no contexto laboral), págs. 19 e 25, consultável em www.cnp.pt.
[44] Cfr. Deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados nº 1565/2015, págs. 2/3, consultável em www.cnp.pt.
[45] Sobre a questão podem ver-se os acórdãos do STJ de 13.11.2013, desta Secção Social do TRP de 05/12/2016 e do TRE de 26/10/2017, todos consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 73/12.3TTVNF.P1.S1, 20/14.8T8AVR.P1 e 1184/15.8BJA.E1, respetivamente.
[46] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 20/14.7T8VRL:G1.