Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2279/09.3TBSTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO
SENTENÇA
RECONHECIMENTO
FALSIDADE
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RP202104132279/09.3TBSTS-B.P1
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O recurso extraordinário de revisão não pode ter como fundamento situações pouco sólidas.
II - O fundamento da falsidade de depoimento tem de estar escorado em sentença transitada em julgado que reconheça a falsidade.
III - Não pode ser instaurado recurso de revisão com fundamento em que se instaurou acção para obter o reconhecimento da falsidade do depoimento e pedindo a suspensão do recurso de revisão até que essa sentença seja proferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2.279/09.3TBSTS-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
B… interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença proferida nos presentes autos, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 696º do CPC alegando que:
- Intentou acção (processo nº 1925/19.5T8PVZ) na qual formula os seguintes pedidos:” a) seja declarada a falsidade os depoimentos das testemunhas C… e D… prestado no processo 2279/09.3TBSTS – doc.s 12 e 13 supra;
b) Seja o D… declarado impedido para depor como testemunha naquele mesmo processo, nos termos do disposto no artigo 496º o CPC, sendo o seu depoimento (doc. n.º 12) declarado nulo;
c) declarar a falsidade da declaração atribuída ao decesso E…, junto sob doc. n.º 14 supra, por não ter sido por ele elaborada, nem subscrita e por o seu conteúdo ser falso.
Sem prescindir,
d) Caso venham a soçobrar todos os pedidos supra enunciados, devem ser condenados os Réus a cumprir o contrato promessa datado de 17 de Junho de 2005, julgado válido no processo 2279/09.3TBSTS, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso;
e) em consequência, serem os Réus condenados a pagar ao Autor a quantia de €207.954,17 (duzentos e sete mil novecentos e cinquenta e quatro euros e dezassete cêntimos), como contraprestação devida pelo cumprimento do contrato promessa de compra e venda com permuta, junto sob doc. n.º 5;
f) condenar os Réus no pagamento dos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, contados desde a notificação judicial avulsa de 17 de Abril de 2014, que se computam hoje em €83.533,19 (oitenta e três mil quinhentos e trinta e três euros e dezanove cêntimos);
g) Reconhecer que, até ao cumprimento da contraprestação enunciada em e), tem o Autor direito de retenção sobre os imóveis abrangidos pela sentença proferida no processo 2279/09.3TBSTS.”
- Depois de transitada em julgado a decisão proferida neste processo, o recorrente descobriu que no dia 16/03/2006, o falecido E… e a sua mulher, tinham realizado um contrato de permuta de diversas fracções, a favor do Sr. D…, seu cunhado e a sua esposa e irmã do Sr. E…. No depoimento que o mencionado D… prestou nestes autos respondeu aos costumes dizendo nenhum interesse ter na acção, omitindo que já era parte interessada nesta acção, por ser, com sua mulher, o proprietário de todos os bens imóveis de que o E… tinha sido dono.
Tanto esta testemunha como a testemunha C… foram peremptórios em afirmar que o E… e eles mesmos nada percebiam de imobiliário ou de negócios que envolvessem prédios, seja compra venda, permutas ou construção de edifícios. Veio o recorrente agora a descobrir que tais afirmações eram rotundamente falsas, já que E… e D… eram ambos sócios e gerentes, cada um da sua sociedade imobiliária: o E… era sócio com a sua mulher na sociedade IMOBILIÁRIA F… LDA, NIPC ………, que teve sede na Rua …, …, com actividade desde o ano de 2004. – cfr doc. n.º 5 e o D… é sócio-gerente de IMOBLIÁRIA DE D…, UNIPESSOAL, LDA, NIPC ………, com sede também na rua …, da mesma freguesia e concelho, com actividade desde 04/09/2008.– Cfr. doc. n.º 6.
- Os aqui Recorridos C… e D… prestaram na audiência de discussão e julgamento no presente processo depoimentos falsos e estes seus depoimentos foram determinantes para o sentido e conteúdo da decisão a que chegou o Tribunal.
Assim, o recorrente pede que: “seja o processo suspenso até que seja proferida decisão definitiva no processo 1925/19.5T8PVZ, a correr pelo Juiz 6 deste Tribunal ou, quando assim se não entenda, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se o regresso do processo á fase de discussão e julgamento.

Foi proferido então proferido o seguinte despacho:
“O presente recurso de revisão foi interposto pelo interveniente dos autos principais, B…, contra as partes principais da acção a que estes autos estão apensos, sendo que, em relação a G…, que teria já falecido em 05/10/2014, o recurso foi intentado contra os seus herdeiros.
Invoca o disposto no art. 696º, alínea b), do C. P. Civil.
Considerando a data em que o recorrente requereu o benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o Tribunal irá tramitar este recurso de revisão, considerando tempestiva a sua apresentação.
Dispõe a norma citada que:
A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida.
É, pois, preciso que o documento falso ou os depoimentos falsos tenham determinado a decisão a rever.
Na decisão proferida, o que determinou a ineficácia do negócio - por se considerarem existir declarações não sérias - foi a afirmação de que nem o então autor E… e a esposa H… nem o aqui requerente quiseram vender ou comprar e que não foi pago qualquer preço.
São estes os factos relevantes que determinaram a decisão a rever.
Por outro lado, o então R., aqui recorrente, foi condenado a cumprir o contrato promessa de permuta que celebrou com aqueles, julgando-se procedente o pedido de execução específica que foi formulado.
Ora, invocando a falsidade de documento que foi junto à acção e que foi nesta considerado e ainda do depoimento de duas testemunhas, nenhuma relação estabelece o recorrente entre tais meios de prova e os factos que foram dados como provados e relativos a essa declaração de ineficácia ou à procedência da acção de execução específica.
Tudo o que é alegado pelo recorrente está relacionado com a alegada incapacidade do então autor e dos conhecimentos que teria ou não para fazer o negócio, bem como o que as testemunhas revelaram (ou omitiram) sobre o imóvel em causa, o seu interesse na causa e os seus específicos conhecimentos na área imobiliária.
Estes factos não determinaram a decisão a rever.
Acresce que, em relação ao documento - e que está junto a fls. 530 da acção - a sua falsidade foi já invocada na acção (requerimento de fls. 595) e, como tal, a matéria em causa foi objeto de discussão no processo em que a decisão foi proferida, o que obsta a que possa constituir fundamento de revisão, como resulta da norma citada.
Como decorre com clareza da decisão, não foram os depoimentos das testemunhas referidas, na parte em que o recorrente invoca a sua falsidade (capacidade do A. e interesse no objecto da acção) que determinou o desfecho da acção, pois que:
- a motivação da decisão quanto aos factos relativos à ineficácia do negócio fundaram-se em documento da própria Mandatária do então réu que era incompatível com o negócio celebrado e o pagamento do preço (fls. 649);
- declarada esta ineficácia permanecia o negócio relativo ao contrato de permuta que foi celebrado pelo R. e que este nunca colocou em causa ter celebrado (alegando apenas que havia sido substituído pelo negócio declarado ineficaz).
A alegada falsidade dos depoimentos não afasta assim os factos que foram então dados como provados e que determinaram o desfecho da acção, não sendo suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Decisão:
Pelo exposto, nos termos do art. 699º do C. P. Civil, o Tribunal indefere o presente recurso de revisão.
Custas pelo requerente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido ao requerente recorrente.
Registe e notifique.
Fixo em 124.600,00 euros o valor do presente recurso de revisão.”

Deste despacho veio B… interpor recurso, concluindo:
1ª - Vem o presente recurso interposto da sentença que indeferiu o recurso de revisão interporto pelo aqui Recorrente.
2ª - Contudo, salvo o devido respeito por opinião diversa, a sentença erra na aplicação do Direito à factualidade descrita nos autos, chegando a uma conclusão injusta e ilegal, com a qual o Recorrente não se conforma.
3ª – O presente recurso de revisão veio interposto ao abrigo do disposto no artigo 697º, n.º 5 do CPC, pelo que a instância deveria ter sido suspensa até ao trânsito em julgado da decisão na qual o Recorrente pretende fundar o seu recurso, isto é, o processo n.º 1925/19.5T8PVZ, a correr pelo Juiz 6 do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, tendo a sentença violado a apontada norma ao ter proferido decisão definitiva sobre a causa da revisão, antes de prolatada sentença naquele processo que constitui o fundamento da revisão.
4ª – De todos os modos, ao nem sequer se pronunciar sobre o pedido de suspensão da instância, bem como sobre o pedido de notificação da parte contrária para produzir um documento que tem em seu poder e é determinante, sob a perspectiva do recorrente para o julgamento da revisão, padece a sentença de omissão de pronúncia, o que constitui nulidade que expressamente se argui por via do presente recurso, o que faz enfermar a sentença de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1 alínea d).
5ª – Por outro lado, não é certo que o estado psíquico do Réu E… não tenha sido determinante para o julgamento como facto provado da omissão de pagamento do preço, aparecendo o mesmo como a explicação para outorga da escritura, contendo a declaração de quitação julgada falsa pela mesma sentença.
6ª – E só depois se partindo para a valoração do documento subscrito pela mandatária do Réu, aqui recorrente, como sustentação do julgamento aludido na conclusão anterior.
7ª – Ou seja, segundo a sentença revidenda, não teria sido possível chegar à conclusão de que o preço não foi pago, não obstante a declaração de quitação vertida em documento autêntico, sem que o Tribunal se tivesse convencido da precária saúde mental do Réu E…,
8ª – conclusão a que o tribunal chegou, declaradamente, com base no depoimento do ora recorridos C… e D….
9ª – Finalmente, a ter por certo que a sentença foi fundada na declaração subscrita pela mandatária do então Réu, ora Recorrente, dirigida ao mandatário da parte contrária, sempre se teria que concluir que a mesma foi fundada em prova proibida, uma vez que a mesma integra factos de que o mandatário dos Autores teve conhecimento no âmbito de negociações malogradas, tendentes à transacção no objecto da lide, o que constitui violação do segredo profissional do advogado, como tal revisto na alínea f) do artigo 87º do EOA, na versão em vigor à data do julgamento,
10ª – sendo que os facto praticados por advogado em violação do segredo profissional não podem servir como objecto de prova, nos termos do nº 5 da apontada norma do EOA, norma essa que obriga, além do mais, os Tribunais,
11º - justificando-se, também por aqui, a revisão da sentença no processo principal e, concomitantemente, a procedência deste recurso e a revogação da decisão recorrida.
12º - Violou a sentença recorrida os artigos 615º, n.º 1 alínea d), 697º, n.º 5 do CPC e 496º do Código de Processo Civil, pelo que não pode manter-se.
Nestes termos e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser a sentença revogada e substituída por outra que ordene ao suspensão da instância até que seja proferida decisão definitiva transitada em julgado no processo n.º 1925/19.5T8PVZ, a correr pelo Juiz 6 do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, nos termos peticionado na petição de recurso de revisão, tudo a bem da JUSTIÇA!

Admitido o recurso foi lavrado o despacho que segue:
“A decisão recorrida indeferiu liminarmente o pedido de revisão da sentença.
O requerente veio apresentar recurso, arguindo a nulidade resultante de omissão de pronúncia do Tribunal recorrido por não se ter pronunciado sobre o que foi por si requerido no sentido da obtenção de um documento que estaria em poder de um dos requeridos (1) e no sentido do pedido de suspensão da instância até que fosse proferida decisão no processo 1925/19.5T8PVZ (2).
Arguida esta nulidade, cumpre ao Tribunal aprecia-la, nos termos do art. 615º, nº1, alínea d) e 617º do C. P. Civil.
A signatária concede que deveria ter efectuado uma referência aos dois pedidos formulados, ainda que não no sentido da apontada nulidade.
Com efeito, analisado o requerimento inicial, temos por certo que os fundamentos invocados não permitiriam rever a sentença proferida nos autos principais e, como tal, o pedido de suspensão formulado e, bem assim, a diligência instrutória requerida afiguravam-se então manifestamente inúteis.
Mesmo admitindo que o documento cuja junção foi requerida exista e que acção a que o requerente se reporta seja julgada procedente, ainda assim, os fundamentos alegados no recurso de revisão não seriam suficientes para a revisão da sentença.
Quer isto dizer que a apreciação liminar dos fundamentos do recurso era prévia à apreciação das duas questões que agora invoca o requerente.
Assim, sem prejuízo de se admitir que a signatária deveria ter deixado clara a inutilidade de apreciação daquelas questões em momento anterior à prolação da decisão liminar, não se verifica a arguida nulidade pois que a decisão proferida torna inútil a sua apreciação.”

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se deve ser admitido o recurso extraordinário de revisão.
II – Fundamentação de facto.
Para a decisão do recurso releva a factualidade que se extrai do relatório supra.
III – Fundamentação de direito.
O recurso de revisão visa a rescisão de uma sentença transitada em julgado e comporta duas fases: a fase rescindente, destinada a afastar ou “rescindir” a decisão transitada em julgado; e a fase rescisória, que se segue à anulação ou rescisão dessa decisão e visa retomar o processo e aí obter uma decisão que substitua a rescindida ou anulada.- (vide Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª ed., pág. 306)
Quanto à natureza jurídica deste recurso extraordinário, que uns qualificam como verdadeira acção, outros como um recurso e outros, ainda, como um misto de recurso e de acção, a doutrina acolhe maioritariamente esta última orientação, classificando-o como um misto de recurso e de acção (vide Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, pág. 376 e Castro Mendes, in “Direito Processual Civil – Recursos”, AAFDL, 1980, págs. 241 a 247).
Os fundamentos do recurso de revisão são os taxativamente previstos no artigo 696.º do CPC (artigo 771.º CPC 1961):
“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
No caso, o apelante apresenta o fundamento da citada al. b).
É incontroverso que para a procedência do recurso de revisão com fundamento em falsidade dos depoimentos de testemunhas é necessário demonstrar a falsidade dos depoimentos dessas testemunhas e a existência de nexo de causalidade entre essa falsidade e a sentença a rever, ou seja, que a falsidade dos depoimentos dessas testemunhas tenha determinado a decisão que se pretende destruir.
Amâncio Ferreira, obra cit., pág. 315, explica que é necessário que a decisão se baseie na prova viciada, ou que ela tenha determinado a decisão que se pretende rever, embora não seja indispensável que esta tenha como única base ou se funde exclusivamente no documento ou acto judicial cuja falsidade foi verificada, bastando que possam ter determinado aquela decisão, que nela tenham exercido influência relevante.
Também Alberto dos Reis, in Código do Processo Civil Anotado, Vol. VI, pág. 35, refere:
“O magistrado para julgar se o documento é decisivo, deverá pô-lo em relação com o mérito da causa, deverá proceder ao exame do mérito e indagar qual teria sido o êxito da causa se o documento houvesse sido apresentado.
Feito este exame, ou o magistrado se convence de que se o documento estivesse no processo, a sentença teria sido diversa e, neste caso, deve admitir a revogação; ou se convence de que, não obstante a produção do documento, a sentença seria a mesma, porque assenta sobre outras bases e está apoiada em razões independentes do documento – e neste caso deve repelir a revogação”.
Atentemos na invocação da falsidade dos depoimentos
Conforme se destacou no Acórdão do STJ de 14-07-2016, Proc.nº. 241/10.2TVLSB.L1-A.S1:” A falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito, Cândida da Silva Antunes Pires, ibidem, 201/203, Santos Silveira, l.c., 461/462 «(…) A decisão que apreciou o objecto da lide assenta no binómio matéria de facto – matéria de direito. É óbvio, portanto, que se a prova que conduz à fixação dos factos, que hão-de alicerçar o veredictum, é falsa, não se pode respeitar a autoridade do caso julgado, este deixa de ter prestigio, e impõe-se a sua revisão, a fim de se obter a revogação e substituição por outro que se estribe numa prova verdadeira.(…)».”
Na verdade, o recurso de revisão sendo um recurso excepcional, extraordinário tendo em conta o desiderato estruturante do direito que é a segurança jurídica de que deflui o instituto do caso julgado e da estabilidade das decisões judiciais, não pode ter como fundamento situações pouco sólidas, algo superficiais no seu apuramento.
Ademais, nunca poderia bastar aquilo que o recorrente alega que não é mais do que uma apreciação superficial sobre determinados aspectos do depoimento que nem sequer conduzem a uma conclusão lógica de falsidade de factos concretos mas apenas podem influir na maior ou menor credibilidade do testemunho.
Assim, o fundamento que o recorrente invocado tinha de estar escorado na existência sentença transitada em julgado.
Diz o recorrente que interpôs uma acção com tal finalidade e pede, nomeadamente, a suspensão do processo até que seja proferida decisão definitiva na dita acção.
Só que tal expediente é incompatível com a natureza e o processamento do recurso extraordinário de revisão.
Na verdade está estruturado de modo a que seja absolutamente inadequada essa suspensão pois, e no que ao caso interessa, o recurso pode ser interposto dentro de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, sendo o prazo de interposição de 60 dias contados desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão. – artigo 697.º, nº 2 al. c) do CPC.
Assim, e admitindo, por mera hipótese, que o recorrente obtinha procedência da acção que intentou, iniciar-se-á então o prazo para o recurso de revisão.
Claro que depois no recurso de revisão cumpriria avaliar se os depoimentos falsos tinham sido determinantes para a decisão revidenda
Deste modo, no caso em apreço, não estando a falsidade do acto instituída em sentença transitada em julgado, prejudicada está a análise de apuramento se entre os depoimentos indicados e a decisão a rever há uma relação causal.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 13 de Abril de 2021
Atesta-se que o presente acórdão tem voto de concordância do Exmº Desembargador Adjunto José Carvalho, nos termos do disposto no artigo 15º-A do DL 10-A/2020, de 13/3, na redacção introduzida pelo artigo 3º do DL 20/2020, de 1/5.
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues