Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
370/19.7YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: MANDATO DE DETENÇÃO EUROPEU
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: RP20210414370/19.7YRPRT
Data do Acordão: 04/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA (REQUERIMENTO DO MP)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A identidade fáctica e jurídica das situações, a identidade de sujeitos processuais e de autoridades de emissão e de execução do MDE, e ainda os valores da igualdade, segurança e certeza, justificam que o Tribunal extenda o MDE.
II - O requerido não podia razoavelmente confiar ou alimentar justa e fundada expectativa de que a autoridade judiciária de execução, isto é, o tribunal português competente, não iria consentir na extensão da entrega para o procedimento criminal instaurado pelos tribunais alemães, em data anteriormente aquela entrega.
III - A ampliação da entrega pedida pelo tribunal alemão, não é inesperada para a pessoa entregue, tendo em conta a investigação em curso na Alemanha e os factos que lhe são imputados e conexão existente.
IV - Trata-se de factos de natureza semelhante, supostamente praticados pelo mesmo agente, com coincidência de vítimas, sendo certo que se tais factos, ora em apreciação, tivessem sido mencionados no MDE inicial, naturalmente teriam sido considerados, não obviando à execução do mandado.
V - Por outro lado, o requerido nunca consentiu no cumprimento voluntário do MDE, pelo contrário, opondo-se até ao STJ, pelo que aqui também mostram-se muito atenuadas quaisquer expetativas que tivesse, pelo que não há violação do princípio da lealdade.
(Sumário da responsabilidade do Relator).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 370/19.7YRPRT
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO:
Nos presentes autos, o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação apresentou requerimento para extensão de autorização para execução de novo Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido em 16.09.2020 pelas Autoridades Judiciárias da Alemanha, relativo ao cidadão B…, de nacionalidade alemã, nascido em Lübeck a 05/11/1967 e residente na …, .., ….. Lübeck, titular do BI alemão ………., com vista a procedimento criminal.
Um primeiro mandado de detenção europeu foi emitido em 23.10.2019 no âmbito do Processo n º 43Gs 5392/19 que ali corre termos, pelo Magistrado Judicial do Tribunal Distrital de Kiel. E o segundo MDE no dia 19.09.2020, estando o cidadão em causa detido na Penitenciária de C….
O Sr. PGA deste Tribunal pronunciou-se no sentido da procedência do pedido, avançando que inexiste causa de recusa dos arts. 11º e 12º da Lei 65/2003, obrigatória ou facultativa.

Foi concedido o prazo para o requerido, através de defensor oficioso, apresentar oposição.
No decurso do prazo concedido para o efeito, foi apresentada a oposição, na qual o requerido alega, em síntese, que o MDE anterior visou a mesma padaria e que os factos já eram conhecidos aquando do mandado de 07.110.2019, pelo que a prorrogação constituirá violação do princípio da especialidade.
Que já foi condenado pelos factos do primeiro MDE tendo sido julgado pelos factos do atual MDE.
Mais conclui não dar o seu consentimento para novo procedimento criminal.
Requereu ainda a junção aos autos da acusação e sentença proferida pelas autoridades alemãs.
Este tribunal solicitou às autoridades alemãs as referidas peças.
As quais até ao momento não foram juntas.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
A. Factos provados com relevo para a decisão:
1. O mandado de detenção europeu que deu origem ao processo inicial foi emitido em 07/10/2019 e assinado no dia 11.11.2019, pelo Magistrado Judicial do Tribunal Distrital de Kiel, para efeitos de procedimento criminal, pela prática de factos descritos no MDE que integram 02 crimes de roubo previstos nos § 243, secção 1,S.2, n º 1; §253, §255; §250, Secção 2 do Código Penal alemão e punidos com pena de 05 a 15 anos de prisão.
2. As circunstâncias relativas ao ilícito criminal são descritas no Mandado de Detenção Europeu (traduzido para português) do seguinte modo:
3. Entre 13/07/2018 e 14/07/2018, o sujeito foi à padaria "D…" em Schwentinental. Abriu a porta à força para posteriormente procurar nas instalações objetos de valor que valessem a pena roubar. Lá dentro, tentou abrir um cofre em forma de cubo com uma afiadora angular. Quando não conseguiu, roubou uma máquina de café industrial no valor aproximado de 10.000 Euros para utilizá-Ia para seu próprio benefício. Deixou a afiadora angular e outros objetos e fugiu da cena do crime.
2. Na manhã de 25/01/2019, o sujeito e um cúmplice até agora não identificado, ambos vestindo roupa de operários, chegaram à entrada da casa em …, ….. Kiel. Tocaram à campainha da testemunha … e disseram ser os zeladores pelo que ela abriu a porta para deixá-los entrar. O sujeito e o cúmplice subiram ao .. andar, onde colocaram um pedaço de papel sobre o óculo da porta da testemunha ..., antes de tocarem à campainha. Quando S. não abriu a porta, o sujeito e o seu cúmplice aproximaram-se da porta de entrada da vítima R., do outro lado da porta da testemunha ... De início, R. não reagiu ao bater da porta, na qual sujeito e o seu cúmplice bateram com força e ruidosamente. Quando a vítima perguntou através da porta fechada quem era, o sujeito eoo seu cúmplice disseram que pretendiam reparar a lâmpada do hall de entrada. Então, a vítima R. abriu a porta. Um dos infratores empurrou-a para o interior do apartamento e tentou arrastá-la para a sala. Ao fazê-lo, o sujeito e o seu cúmplice apontaram-lhe um tubo de plástico e outro objeto do tipo vara e exigiram dinheiro. A vítima R. bloqueou a sua passagem colocando o pé entre os dois armários existentes no hall de entrada e conseguiu assim evitar que o sujeito e o seu cúmplice entrassem na sala. Um dos infratores continuou a exigir-lhe dinheiro enquanto o outro foi à cozinha. Quando a vítima R. tentou gritar por socorro, um dos infratores colocou a sua mão na boca dela, colocando os seus dedos na boca dela. Ao mesmo tempo, segurou-a com tamanha força pelos seus cabelos de tal modo que lhe arrancou algumas fiadas. A vítima lutou contra o seu aperto e conseguiu finalmente libertar-se de modo que conseguiu falar: Primeiro, ela gritou que não tinha dinheiro em casa e depois começou a gritar por Socorro e pelos seus vizinhos. Com medo de serem descobertos, o sujeito e o seu cúmplice até agora não identificado decidiram deixar o apartamento da vítima R. e fugiram da casa pela escada. 045. Grau de participação: AUTOR.
4. Os factos imputados ao requerido integram crime previsto no art. 2º, n º 2, al.s) (roubo organizado ou à mão armada) da lei n º 65/2003 de 23 de agosto na redação dada pela Lei n º 35/2015 de 04 de maio, o que dispensa a verificação da dupla incriminação.
5. Em acórdão proferido na Relação do Porto em 18.12.2019, na sequência de oportuno julgamento com oposição, foi decidido, julgar improcedente a oposição à execução do MDE, decretando-se a entrega de B… à justiça da República Federal da Alemanha para procedimento criminal com vista a apuramento e responsabilização dos factos descritos no MDE.
6. Em sede de recurso para o STJ, foi proferido acórdão datado de 15.01.2020, no qual se confirmou integralmente o acórdão da Relação do Porto.
7. As circunstâncias relativas ao ilícito criminal são descritas na extensão do Mandado de Detenção Europeu (traduzido para português) datado de 16.09.2020 e assinado em 28.10.2020 do seguinte modo:
8. No período de tempo entre 26.01.2019, 20h e 15m e 27.01.2019, 20h e 43 m, o arguido dirigiu-se à padaria “D…” em …, … … e ali o arguido arrancou o holofote externo que se encontrava acima da porta de entrada e em seguida abriu a porta do depósito.
9. Depois de entrar na padaria, ele desligou a monitorização por vídeo e desativou o detetor de incêndio com fita-cola.
10. Em seguida o arguido tentou abrir o cofre com uma afiadora angular, sem lograr êxito. A utilização da afiadora angular acabou por acionar o alarme do detetor de incêndio, fazendo com que o arguido fugisse do local sem nada levar.
11. Os factos imputados ao requerido integram crime previsto no art. §§242, alíneas 1 e 2, 243, alíneas 1, linha 2, n º 1, 22º, 23º (tentativa de roubo grave) do Código Penal alemão e ainda §78, alínea 1 e 2, n º 4, 78c, alínea q, n º 5 StGb, Código penal alemão com pena de prisão entre os 03 meses e os 10 anos.
12. Tal facto é igualmente punido na lei nacional portuguesa nos arts. 22º, 23º, 73º e 210º do Código Penal com pena de 30 dias a 05 anos e 04 meses de prisão.
13. O mandado contém menção da identidade e nacionalidade da pessoa procurada, dos elementos indicativos da entidade emissora (juiz presidente do Landgericht) do processo criminal nº 7KLs593 Js 46937/19 e do mandado de detenção.
14. O detido é cidadão alemão, nascido em 05.11.1967 na localidade de Lübeck, Filho de :E… e F…, com o documento de identidade nº ………. e nº de passaporte - ……….
15. Tem residência em Espanha e na Alemanha respetivamente …, ..., …, Málaga e … …, .., ….. Lübeck, estando atualmente recluído na Penitenciária C….
16. O requerido não renunciou ao princípio da especialidade.
*
B. Motivação da decisão sobre os factos provados:
A decisão sobre a matéria de facto assente baseou-se nos factos dados como provados no processo atinente ao mandado de detenção europeu de 07.10.2019 e na análise da prova documental carreada para os autos.
Atendeu-se ao teor do atual mandado de detenção europeu e todo o expediente junto aos autos.
*
C. Subsunção jurídica e apreciação:
Questão prévia.
Na sequência requerimento de oposição apresentada pelo arguido este tribunal aceitou solicitar às autoridades alemãs a junção aos autos da acusação e sentença proferidos no processo do primitivo. MDE.
Isto porque o requerido alegou que já havia sido condenado pelos factos constantes do primitivo MDE que terá integrado também os atos para os quais as autoridades alemãs pretendem procedimento criminal, tendo ali, inclusive, o requerido sido parcialmente absolvido em relação ao roubo.
Portanto, estaria em causa a violação do princípio “ne bis idem”.
Ora, não obstante nada ter sido junto, o que é certo é que já decorreram mais de 02 meses desde o pedido e a celeridade deste processado não se compadece com mais delongas. Delonga a que por certo, também não será alheia a situação pandémica.
Contudo, o facto de nada ter sido junto, tal não impede que se possa decidir em consciência porque o mandado em questão destina-se a procedimento criminal e não a cumprimento de pena, o que significa que pode até nem sequer vir a existir uma acusação ou condenação sobre o requerido.
Por outro lado, a Alemanha enquanto Estado de Direito, também nos seus princípios constitucionais e penais tem vigente o princípio de que ninguém pode ser julgado e condenado duas vezes pelos mesmos factos.
Na eventualidade de que tal pudesse vir a acontecer, o requerido tem na Alemanha à sua disposição mecanismos legais que lhe permitirão defender-se sem constrangimentos, tanto mais que ali se encontra a residir.
Acresce ser desprovido de sentido o por si alegado, já que nenhuma autoridade judiciária, conhecendo o teor de uma eventual acusação ou condenação já efetivada, requereria a extensão do MDE relativamente a factos já julgados.
No presente mandado está apenas em causa permitir ou não que o requerido possa ainda ser alvo de procedimento criminal quanto a outros factos que poderão ter alguma conexão com os do primeiro mandado.
De todo o modo, incumbia ao requerido, por mais fácil e rápido acesso, ter fornecido aos autos aqueles elementos, pois certamente conhecerá a decisão que o condenou e absolveu e não o fez.
Por estas razões, este tribunal prescinde dos elementos previamente solicitados às autoridades alemãs.

De fundo.

Face aos factos provados importa aferir se o mandado de detenção europeu (MDE) obedece aos requisitos legais e, bem assim, se estão reunidos alguns pressupostos que possam de servir de apoio a recusa do cumprimento ou suspensão do processo a aguardar ulteriores decisões.
O requerido opôs-se, não renunciou ao princípio da especialidade e deduziu a sua oposição por escrito, invocando duas questões:
1. Violação do princípio da especialidade. Este princípio só poderá ser derrogado em circunstâncias muito particulares.
Os factos reportam-se a 26 e 27 de janeiro de 2019 com referência à padaria “D…”. O MDE anterior reportou-se também a factos ocorridos nessa padaria ocorridos no dia 25.01.19, sendo forçoso concluir que os factos do novo MDE já eram conhecidos a quando do mandado de 07.10.19.
2. O requerido já foi julgado pelos factos do anterior MDE.

Como se sabe, o regime jurídico do MDE foi introduzido na ordem jurídica nacional, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho[1], através da Lei n.º 65/2003, de 23-08[2].
De harmonia com o que foi expressamente consignado pelo Conselho da União Europeia na citada Decisão Quadro, o objetivo fixado pela União «de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição»[3].
Neste seguimento e ainda de acordo com o declarado na mesma Decisão Quadro, o MDE «constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular» da cooperação judiciária»[4], baseia-se «num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros»[5] e incumbe-lhe «substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição»[6].
Por conseguinte, constitui princípio fundamental da cooperação judiciária na União Europeia o princípio do reconhecimento mútuo, o qual está subjacente à aprovação do regime jurídico do mandado de detenção europeu (cf. artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003).
O MDE constitui uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal, ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade (cf. artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003).
Assim, uma decisão proferida por um órgão jurisdicional de um estado-membro, que visa a captura e a entrega de uma pessoa, deve ser reconhecida e executada, de modo célere e eficaz, nos outros estados-membro, sem prejuízo das garantias estritas de respeito dos direitos fundamentais da pessoa detida.
Conforme declarou o Supremo Tribunal de Justiça, «O seu núcleo essencial reside em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União». O que significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado»[7].
Vejamos.
Ao abrigo dos artigos 1º e 2° da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, a República Federal da Alemanha solicitou ao Estado Português, por via deste Tribunal, a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido em 07/10/2019 pela autoridade judiciária da República Federal da Alemanha, juiz de direito, contra o cidadão acima identificado, para efeitos de procedimento criminal, pela prática de factos – descritos naquele MDE e que aqui se dão como inteiramente reproduzidos – que integram crimes de roubo, previsto nos § 243 secção 1, S. 2, nº 1; § 253, §255; §250, Secção 2 do Código Penal alemão e punidos com pena de 5 a 15 anos de prisão.
Conforme resulta do disposto no seu artº 40.°ao presente pedido é aplicável a Lei n° 65/2003, de 23 de Agosto, que aprovou o regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu, em cumprimento da Decisão-quadro n.° 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, com as alterações introduzidas pela Lei 35/2015, de 4 de Maio, em cumprimento da Decisão-Quadro 2009/299/JAl, do Conselho, de 26 de Fevereiro.
O Tribunal da Relação do Porto em decisão confirmada em acórdão proferido pelo STJ em 15.01.2020, determinou a entrega do cidadão alemão B… às autoridades alemãs para efeitos de procedimento criminal relativamente a crimes de roubo.
Os factos relativos a roubos datavam de 13.07.2018, 14.07.2018 relativamente à padaria D…, e os factos de 25.01.2019 relativamente a uma outra vítima por factos ocorridos na casa da mesma.
Os factos do presente mandado têm a mesma natureza dos do primeiro mandado, sendo tentativa de roubo e terão ocorrido na mesma padaria D…, mas no dia 26 e 27 de janeiro de 2019.
O primeiro mandado foi emitido em 07.10.2019 e este segundo em 16.09.2020.
Pelo que, pode, desde já, constatar-se que os factos datados de 26 e 27 de janeiro de 2019, a serem conhecidos à data do primeiro mandado, poderiam ter sido incluídos no mesmo, dizem respeito a crimes da mesma natureza e relativamente ao suposto mesmo agente.
Também este mandado emitido em 16.09.2020 pela autoridade judiciária da República Federal da Alemanha, juiz de direito, contra o cidadão acima identificado, para efeitos de procedimento criminal, pela prática de factos – descritos no MDE e que aqui se dão como inteiramente reproduzidos – que integra a prática crime de tentativa de roubo, previsto no art. §§242, alíneas 1 e 2, 243, alíneas 1, linha 2, n º 1, 22º, 23º (tentativa de roubo grave) do Código Penal alemão e ainda §78, alínea 1 e 2, n º 4, 78c, alínea q, n º 5 StGb, Código penal alemão com pena de prisão entre os 03 meses e os 10 anos.
Tal facto é igualmente punido na lei nacional portuguesa nos arts. 22º, 23º, 73º e 210º do Código Penal com pena de 30 dias a 05 anos e 04 meses de prisão pelo que, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação, se verifica a dupla incriminação dos factos [artigo 2°, n° 3 da Lei 65/2003].

O mandado de detenção europeu preenche, quanto ao seu conteúdo e forma, os requisitos previstos no artigo 3º, nº 2 da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.

Não cabe à autoridade judiciária do Estado de execução efetuar qualquer juízo de proporcionalidade sobre a decisão da autoridade judiciária do Estado de emissão de proceder criminalmente contra a pessoa procurada e de ordenar a sua detenção. Entendimento diverso colocaria em causa os princípios da confiança e do reconhecimento mútuo essenciais no direito da União, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas seguro.

Relativamente à primeira questão, importa dizer que a investigação criminal é um processo muitas vezes longo, pelo que o facto de haver indícios de que o requerido terá praticado os factos ocorridos no dia 25.01.19, não quer dizer que à data da emissão do primeiro mandado a autoridade que investigava os factos já soubesse que também tinha sido o requerido a ter voltado à padaria meses depois. Podia-se até saber, como provavelmente já se sabia, que alguém ali tinha estado no dia 26 e 27 de janeiro de 2019, mas desconhecer-se a sua autoria, o agente de tais factos, vindo a investigação a apurar mais tarde que teria sido o requerido.

Relativamente à alegação à violação do princípio ne bis idem.
Trata-se de uma suposição não comprovada nos autos pelo requerido, o primeiro interessado em fazê-lo, juntando a pertinente documentação.
Não obstante, estamos a falar da Alemanha, Estado de Direito emitente do mandado, que cumpre, tal como nós, o princípio sagrado de que ninguém pode ser julgado duas vezes pelos mesmos factos.
De todo o modo, a extensão ora requerida diz respeito ao procedimento criminal, pelo que o requerido quanto a estes novos factos, está muito em tempo de, em sede própria e com os mecanismos legais de que ali dispõe, se poder vir a defender, pelo que não nos parece que de algum modo possam ser afetados os direitos, liberdades e garantias do requerido em concreto, que possam vir a justificar uma recusa, cfr. arts. 5º e 15º, n º 2 da Decisão Quadro relativa ao MDE adotada pelo Conselho em 13 de junho de 2002.

Diz-nos o artigo 7º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto:
Artigo 7.º
Princípio da especialidade
1 - A pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu.
2 - O disposto no número anterior não se aplica quando:
a) A pessoa entregue, tendo a possibilidade de abandonar o território do Estado membro de emissão não o fizer num prazo de 45 dias a contar da extinção definitiva da sua responsabilidade penal, ou regressar a esse território após o ter abandonado;
b) A infracção não for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade;
c) O procedimento penal não der lugar à aplicação de uma medida restritiva da liberdade individual;
d) A pessoa entregue seja sujeita a pena ou medida não privativas da liberdade, nomeadamente uma sanção pecuniária ou uma medida alternativa, mesmo se esta pena ou medida forem susceptíveis de restringir a sua liberdade individual;
e) A pessoa, previamente à sua entrega, tenha nela consentido e renunciado ao benefício da regra da especialidade perante a autoridade judiciária de execução;
f) A pessoa, após ter sido entregue, tenha renunciado expressamente ao benefício da regra da especialidade no que diz respeito a determinados factos praticados em data anterior à sua entrega;
g) Exista consentimento da autoridade judiciária de execução que proferiu a decisão de entrega.
3 - Se o Estado membro de emissão for o Estado português, a renúncia prevista na alínea f) do número anterior deve:
a) Ser feita perante o tribunal da relação da área onde a pessoa residir ou se encontrar;
b) Ser exarada em auto assinado pela pessoa e redigida por forma a demonstrar que essa pessoa foi informada dos factos e das suas consequências jurídicas e expressou a sua renúncia voluntariamente e com plena consciência das consequências dessa renúncia;
c) Ser prestada com a assistência de um defensor.

4 - Se o Estado membro de execução for o Estado português, o consentimento a que se refere a alínea g) do n.º 2:

a) É prestado pelo tribunal da relação que proferiu a decisão de entrega;
b) (Revogada.)
c) Deve ser prestado sempre que esteja em causa infracção que permita a entrega, por aplicação do regime jurídico do mandado de detenção europeu;
d) Deve ser recusado pelos motivos previstos no artigo 11.º, podendo ainda ser recusado apenas com os fundamentos previstos nos artigos 12.º e 12.º-A;
e) Devem ser prestadas as garantias a que se refere o artigo 13.º, em relação às situações nele previstas;
f) Deve ser prestado ou recusado no prazo de 30 dias a contar da data da recepção do pedido.

5 - Se o Estado português for o Estado de emissão, é competente para solicitar o consentimento a que se refere a alínea g) do n.º 2 a autoridade judiciária com competência para o conhecimento da infração praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu.

6 - O pedido de consentimento a que se refere a alínea g) do n.º 2 é apresentado pelo Estado membro de emissão ao Estado membro de execução acompanhado das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º e de uma tradução, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º.
O novo MDE ora em análise equivale a um pedido de consentimento na extensão da entrega do detido AA, nos termos do art° 27°/4 da Decisão Quadro 2002/584/JAI do Conselho de 13.06.2002 relativa ao MDE e aos procedimentos de entrega entre os Estados Membros da União Europeia.
O MDE é um procedimento que pretendeu agilizar a entrega de pessoas entre as autoridades judiciárias dos Estados da União Europeia, instituído com a finalidade de substituir o regime da extradição anteriormente em vigor.
Está consagrada no direito interno (no art° 7° da Lei n° 65/2003 que transpôs para o nosso ordenamento o art° 27°/3 da Lei Quadro 2002/584/JAI do Conselho de 13.6.2002) uma clara exceção ao princípio da especialidade, no sentido de ser legalmente possível a prestação do consentimento pela autoridade judiciária de execução - isto é, pela autoridade que proferiu a decisão de entrega do detido, em execução de um anterior MDE.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 35/2015 de 4.05 que alterou, entre outros, também o art.º 7º n.º 4 da Lei n.º 63/2005, deixou de ser necessário fazer qualquer interpretação corretiva desta norma.
Assim é agora claro (com a nova redação dada à epigrafe do n° 4 do art° 7° "Se o Estado membro de execução for o Estado Português ..."), que o consentimento para a execução de um novo MDE quando solicitado por um Estado Membro a Portugal (na qualidade de Estado de Execução de um anterior MDE), deve por este último ser prestado, sempre que a infração para a qual é solicitado, desse ela própria lugar à entrega do detido, em conformidade com o disposto na Decisão Quadro, isto é, sempre que estejam reunidas as condições que permitiriam a execução da entrega do cidadão procurado, caso se tratasse da execução de um primeiro MDE emitido por um Estado membro numa situação sem que a pessoa procurada em questão não tivesse ainda sido ouvida pelo Tribunal de execução e sujeita a qualquer detenção/entrega.
Por outro lado, o sistema legal existente, com a previsão desta exceção ao princípio da especialidade, assegura todas as garantias de defesa do arguido.
A execução de um MDE e portanto também do consentimento para extensão da entrega, previsto no n° 2 alínea g) do art° 7° n° 4 a) e d) e art° 8°/4 e 5 só poderá ser recusado pelos motivos de recusa obrigatória previstos no art° 11° ("será recusada") ou de recusa facultativa previstos no art° 12° ("pode ser recusada") da Lei n° 65/2003 na redação dada pela Lei n° 35/2015 de 4.5 e nenhum destes motivos se verificam no caso sub Júdice.
O Tribunal Constitucional entendeu que o processo de extradição é “um processo de escopo inquestionavelmente penal”. Nele não “se julga nem se condena o extraditando”.
É, pois, agora claro e inequívoco, que o consentimento para a execução de um novo MDE quando solicitado por uma autoridade judiciária de um Estado Membro a uma autoridade judiciária de Portugal (na qualidade de Estado de Execução de um anterior MDE), deve por esta ser prestado, sempre que a infração para a qual é solicitado, desse ela própria lugar à entrega do detido, isto é, sempre que estejam reunidas as condições que permitiriam a execução da entrega do cidadão procurado, caso se tratasse da execução de um primeiro MDE.
É o caso dos autos.
O MDE, instituído pela Decisão-Quadro 2002/584/JAI, substitui o tradicional sistema de extradição multilateral baseado na Convenção Europeia de Extradição, [assinada em Paris, em 13 de dezembro de 1957] por um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal, facilitando e acelerando a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, da União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça.
Assente no princípio da confiança mútua entre os Estados Membros e no princípio do reconhecimento mútuo têm, no direito da União, uma importância fundamental, permitindo a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas.
Introduziu uma importante e expressiva mudança de paradigma. Do anterior relacionamento entre Estados soberanos (Estado requerente e Estado requerido) passou-se à comunicação direta entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, sem recurso e sem qualquer interferência do poder político estadual. O MDE de pessoas procuradas pelas autoridades judiciárias de emissão é transmitido, diretamente, às autoridades judiciárias de outro Estado Membro que decidem da entrega, num procedimento legal sem qualquer intervenção do poder político dos Estados-Membro.
O MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade –artº 1º n.º 1 daquela Decisão-Quadro e artº 1º da Lei n.º 65/2003.
Posto isto, nos presentes autos encontra-se requerida extensão da execução de mandado de detenção europeu (MDE), emitido pelo Magistrado Judicial Presidente do Landgericht para efeitos de procedimento criminal. Os factos que determinaram tal emissão são igualmente punidos em Portugal, sendo subsumíveis ao tipo de crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210º do Código Penal.
Assim sendo, o mandado de detenção europeu é válido e legalmente admissível, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 e 3, da Lei n.º 65/2003 de 23-08.
Ademais, cumpre os requisitos de conteúdo e forma previstos nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 3.º da citada lei, conforme se retira da análise dos factos provados.
Deste modo, não se suscitam quaisquer dúvidas sobre a sua regularidade formal e substancial.
O princípio da especialidade traduz-se em limitar os factos pelos quais a pessoa procurada poderá ser julgada no Estado-membro de emissão do MDE ou a pena que aí poderá cumprir quando a entrega seja para o cumprimento de pena de prisão ou medida de segurança privativa da liberdade. A pessoa entregue não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada da liberdade por infração praticada antes da sua entrega e diferente daquela porque foi entregue.
Assim como um Estado pode requerer a extradição dum cidadão com fundamento em vários procedimentos criminais de que este é suspeito, arguido ou condenado, assim também, se, depois de operada a entrega, se vier a verificar que existem outros processos pode ser solicitada ao Estado requerido a ampliação da extradição, a qual só é possível se esse Estado nela consentir.
Dispondo a al.. d) do n.º 4 do artigo 7.º que o consentimento da autoridade de execução (nº 2, ai. g), do mesmo artigo 7.º) - só pode ser recusado com fundamento num dos motivos de recusa obrigatória ou facultativa previstos nos artigos 11.º ("será recusada") e 12.º ("pode ser recusada") da Lei n.2 65/2003. Inexistindo qualquer destes fundamentos, o Estado português, em concretização da obrigação geral de execução do MDE ("será concedida", artigo 2.º, n.º 2,proémio), tem o dever de prestar o seu consentimento através da autoridade judiciária de execução, por força da citada al. d) do n.º 4 do artigo 7. º do diploma em referência.
Estamos assim relegados para o domínio da aferição da existência de causas de recusa do cumprimento do mandado emitido. Efetivamente, diretamente conexionada com os motivos de não execução obrigatória, a decisão quadro genética do mandado de detenção europeu prescreveu motivos de não execução facultativa.
Motivos que dotam a autoridade judiciária de execução de uma potestas decidendi livre e de refúgio, face à quase automática vinculação de execução do mandado de detenção europeu, tendo em conta ou controlo jurídico a que aquela estava, submetida.
Os motivos de tal recusa não só equilibram os princípios da liberdade e da segurança, como servem de fiel da balança na procura da segurança da União e escudo protetor de ofensa aos direitos e liberdades fundamentais”.
Salienta-se também que “a recusa facultativa não pode ser concebida como um ato gratuito ou arbitrário do tribunal. Há de assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo e suscetíveis de adequada ponderação, nomeadamente factos invocados pelos interessados, que, devidamente equacionados, levem a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente.
Não pode nem deve é tratar-se de um ato arbitrário, caprichoso ou meramente voluntarista, capaz de pôr em causa os sãos princípios de cooperação internacional a que tal Lei quis dar corpo.
E ainda:
Estando nós de acordo com a perspetiva que inscreve as causas de recusa facultativa numa equação entre uma afirmação residual de soberania nacional e as exigências conjugadas da proteção dos direitos do requerido e funcionalidade da perseguição penal não é menos exato que as mesmas têm, também, uma leitura orientada teleologicamente em dois patamares distintos:
Por um lado a construção de um direito penal europeu em que se procure obviar às fraturas resultantes das visões parcelares orientadas para uma unilateralidade redutora.
No interesse da segurança e da liberdade, o direito penal europeu exige tanto regras de competência suficientes para os direitos penais nacionais como também os respetivos meios jurídicos adequados.
O funcionamento dos mecanismos de articulação das jurisdições pleiteantes, tal como está perfilado no mandado de detenção europeu e, nomeadamente, nas causas de recusa surge, assim, também como uma antecipação e exigência da construção de um espaço judiciário único.
No caso concreto aqui em apreciação, com evidente similitude àqueles que relativamente ao mesmo recorrente foram decididos pela autoridade judiciária de execução, com confirmação no Acórdão deste STJ de 15-01-2020, não só não foram aduzidos razões nem se antolham motivos “para poder afirmar que, quer em sede de finalidade das penas; das necessidades de investigação ou da funcionalidade do próprio processo penal deveria ter sido invocada recusa de cumprimento”.
A identidade fáctica e jurídica das situações, a identidade de sujeitos processuais e de autoridades de emissão e de execução do MDE, e ainda os valores da igualdade, segurança e certeza acima convocados, justificam que o Tribunal estenda o MDE.
Assim, também no caso vertente se inscreve a questão de saber se uma vez “determinado o cumprimento do mandado de detenção original a sua ampliação para além do desejo manifestado não representará uma violação do princípio da lealdade. Na verdade, princípio envolvente, e estruturante do processo penal na sua globalidade (mandato superior do direito processual penal como refere Roxin, é o princípio do processo justo. Esta máxima, formulada em termos de cláusula geral, é uma consequência das decisões valorativas fundamentais do Estado de Direito e do Estado Social.
A ideia do procedimento justo expresso, processualmente, no princípio da lealdade, deve compreender-se como uma exigência concreta da otimização de valores constitucionais. Nesse plano assumem uma inegável relevância valores como a dignidade humana, que tem inscrita a proteção do princípio de confiança recíproca na atuação processual, que deve pautar a conduta de todos os intervenientes processuais (qualquer que seja o plano em que se movimentem), e o princípio de igualdade de armas (este em determinadas fases processuais) Ac. de fixação de jurisprudência 2/2011.
Na verdade, nenhum argumento, ou princípio, poderá ser mobilizado para provocar a erosão do pressuposto fundamental que se consubstancia na exigência de que todos os atores do processo penal tenham a sua atuação procedimental pautada pela finalidade última que é a de realização da justiça, e de procura da verdade material. Este objetivo teleológico não se compadece com a realização processual que visa a utilização estratégica do processo como instrumento acrítico e neutro, procurando outras finalidades laterais e, até, em clara oposição com aquela realização e procura.
Do juiz até ao mais anónimo interveniente todos são construtores de um processo justo, necessariamente orientado, de forma linear e objetiva, para a procura da verdade. Tal princípio, e pressuposto, não admite inscrever no seu perfil a admissibilidade de condutas processuais orientadas para a instrumentalização do processo penal, colocando-o ao serviço de finalidades que visam o seu entorpecimento, quando não a negação dos seus princípios orientadores
Refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/03/2004 que a ”lealdade não é uma noção jurídica autónoma, mas é sobretudo de natureza essencialmente moral e ética, e traduz uma forma de estar em conformidade com o respeito dos direitos do cidadão e a dignidade da Pessoa e da Justiça. A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.
A procura do processo justo e leal, e a confiança como elemento do princípio do processo equitativo, derrubam qualquer obstáculo formal e não nos permitem tomar outra decisão que não seja garantir aquela finalidade.
O princípio da lealdade, particularmente em processo penal, é revelador da forma, e condições, sobre as quais se concebem as relações do Estado e o Cidadão. A natureza democrática, ou não, de um Estado depende, também do estatuto do cidadão face ao poder público, especificamente face á instância de controle reforçado, que é característica do processo penal, e da forma leal, ou desleal, como é tratado no seu catálogo de direitos e deveres.
O princípio da lealdade no comportamento processual representa uma imposição de princípios gerais inscritos na própria dignidade humana e da ética, que deve presidir a todos os atos do cidadão. O mesmo liga-se, de forma inexorável, ao direito a um processo justo e ao princípio da igualdade de armas.
Em termos gerais e, em qualquer litígio, a existência de um princípio geral de lealdade é essencial para a afirmação da existência do Estado de Direito”.
Ver a propósito Ac. STJ de 09-01-2019, in DGSI.
Neste contexto há que equacionar no caso vertente, desde logo, se com a entrega às autoridades judiciárias alemãs ocorrida em execução do primitivo MDE, podia o requerido razoavelmente confiar ou alimentar justa e fundada expectativa de que a autoridade judiciária de execução, isto é, o tribunal português competente, não iria consentir na extensão da entrega para o procedimento criminal instaurado pelos tribunais alemães, em data anteriormente aquela entrega.
Entende-se que a ampliação da entrega pedida pelo tribunal alemão, não é inesperada para a pessoa entregue, tendo em conta a investigação em curso na Alemanha e os factos que lhe são imputados e conexão existente.
Trata-se de factos de natureza semelhante, supostamente praticados pelo mesmo agente, com coincidência de vítimas, sendo certo que se tais factos, ora em apreciação, tivessem sido mencionados no MDE inicial, naturalmente teriam sido considerados, não obviando a execução do mandado.
Por outro lado, o requerido nunca consentiu no cumprimento voluntário do MDE, pelo contrário, opondo-se até ao STJ, pelo que aqui também mostram-se muito atenuadas quaisquer expetativas que tivesse.
Acresce assinalar que, face aos elementos constantes dos autos, não se verifica qualquer uma das causas de recusa obrigatória ou facultativa de execução do mandado de detenção europeu, previstas no artigo 11.º e 12º, da Lei n.º 65/2003 de 23-08.
III – DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Porto:
Pelo exposto, e porque inexiste qualquer fundamento normativo substantivo e processual de recusa de cumprimento do presente Mandado de Detenção Europeu, nega-se provimento a qualquer das pretensões formuladas pelo requerido, julgando improcedente a oposição à execução do Mandado de Detenção Europeu, decide-se prestar consentimento para que o cidadão B… possa ser sujeito a procedimento criminal por parte da justiça da República Federal da Alemanha, enquanto Estado-membro de emissão, com vista ao apuramento e responsabilização dos factos descritos no novo MDE e que foi recebido nestes autos em data posterior àquela entrega - art° 7° n° 2, al. g) e n° 4 a) e d) e art° 8° n.º 4 e 5 da Lei n° 65/2003 na redação dada pela Lei n° 35/2015 de 4.05.

Sem custas.
*
Comunique, de imediato e via fax, a presente decisão à Entidade Emissora do MDE, art. 28º da Lei 65/2003 de 23 de agosto.
Notifique.
Determina-se a tradução da presente decisão para a língua alemã por perito idóneo.
Sumário (da responsabilidade do relator)
..............................................................
..............................................................
..............................................................
Porto, 14.04.2021
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
___________________
[1] Publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 18 de julho de 2002.
[2] Publicada no Diário da República, I Serie A, n.º 194, de 23-08.
[3] Vd. Ponto (5) da exposição inicial.
[4] Vd. Ponto (6) da exposição inicial.
[5] Vd. Ponto (10) da exposição inicial.
[6] Vd. Ponto (11) da exposição inicial.
[7] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2007, proc. 07P002, disponível em www.dgsi.pt.