Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1480/12.7TTPRT.1.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
AGRAVAMENTO DA INCAPACIDADE
CÁLCULO DA PENSÃO
ACTUALIZAÇÃO DA PENSÃO RESULTANTE DA REVISÃO
Nº do Documento: RP202104211480/12.7TTPRT.P1
Data do Acordão: 04/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos do cálculo da pensão decorrente de incidente de revisão em que se tenha demonstrado alteração da capacidade de ganho do sinistrado são ponderados, mas por referência à nova incapacidade, os mesmos critérios que o foram aquando do cálculo inicial, fixando-se a pensão revista tal-qual o fosse naquele momento;
II - Extinguindo a entrega do capital da remição o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada, estando assim extinto o direito àquela pensão em consequência da remição, mas tendo sido aumentado o valor global da pensão em virtude da revisão da incapacidade, o que será devido ao sinistrado terá de corresponder à diferença entre o valor da pensão anual inicial e o valor da pensão correspondente à incapacidade laboral que resultou da revisão.
III - Salvaguardando o legislador no artigo 77.º da Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT), a respeito da remição de pensões, que essa não prejudica a atualização resultante de revisão de pensão, tal tem como significado que, ao estar a afirmar-se a existência do direito à atualização sem que aí se faça qualquer distinção, que esse direito é atribuído independentemente do facto de estar ou não em causa, por decorrência da revisão, uma pensão que esteja incluída na previsão do artigo 75.º da LAT, e, por consequência, como neste se dispõe, obrigatoriamente remível.
IV - A leitura que se indica para o referido artigo 77.º da LAT é também aquela que melhor se adequa ao primado que resulta do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois que a justa reparação, a que nesse se alude, sob pena de deixar de o ser, não poderá deixar de ter então presente a própria desvalorização ao longo do tempo do valor da moeda, através da correção que se imponha fazer, do mesmo modo afinal, por serem as mesmas razões, como ocorre nas pensões que não são objeto de remição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1480/12.7TTPRT.1.P1
Sinistrado: B…
Entidade seguradora: C…, S.A.,
Entidade patronal: D…, Lda.,
_______
Relator: Nélson Fernandes
1ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes
_____________________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B… requereu incidente de revisão de incapacidade, referente a acidente sofrido em 13/06/2012, no âmbito do qual lhe foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 6%, alegando ter sofrido, entretanto, um agravamento do seu estado de saúde.

1.1. Determinada a realização de exame médico singular o Perito Médico considerou que o Sinistrado sofreu um agravamento de 2% da incapacidade, acrescido do fator 1,5 referente à idade.

1.2. Notificadas as partes, veio a entidade responsável, D…, Lda., requerer a realização de exame de revisão por Junta Médica, no prazo legal previsto no artigo 145.º n.º 5 do Código de Processo do Trabalho.

1.3. Realizado o exame por Junta Médica, os Peritos concluíram, por unanimidade, que o Sinistrado sofreu um agravamento de 2%, acrescido de 1,5 referente à idade, no total de 3%.

1.4. Após, proferiu o Tribunal a quo decisão, de cujo dispositivo consta:
“DECISÃO:
Termos em que julgo o presente incidente de revisão procedente, por provado e, em consequência, decido aumentar em 3%, contemplando já o fator de bonificação de 1,5, o grau de incapacidade permanente parcial fixado nestes autos ao sinistrado B…, com efeitos a partir da data da entrada do pedido de revisão, a que corresponde a pensão anual e vitalícia de €855,38 (oitocentos e cinquenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos), a pagar na proporção de 88% para a entidade seguradora e 12% para a entidade empregadora
Mais determino que se proceda ao cálculo do respetivo capital de remição, cabendo às entidades responsáveis o pagamento ao Sinistrado da diferença entre a quantia que vier a ser apurada e aquelas que este já recebeu como capital de remissão.
Custas pela Seguradora e pela Entidade Empregadora, na proporção, respetivamente, de 88% e de 12%.
Valor do incidente para efeito de custas: a diferença entre o capital de remissão que vier a ser apurado e o anteriormente apurado, nos termos do artigo 120.º nº 1 do Código de Processo do Trabalho e da Portaria nº 11/2000, de 13/01.
Registe e Notifique.”

1.4.1. Apresentou C…, S.A., requerimento no qual, referindo que o cálculo efetuado na decisão final padece de erro – “já que, e sob pena de se prejudicar o sinistrado, deverá ser ao montante da pensão anual resultante do presente incidente de revisão que se deverá deduzir a pensão já remida anteriormente” –, requer a final que, deverá ser “ao valor de 749,70€, correspondente ao valor quota-parte de responsabilidade da pensão anual resultante do presente incidente de revisão que se deverá deduzir a pensão já remida anteriormente de 499,80€, o que perfaz uma pensão “restante” de 249,90€” – “ao montante quota-parte responsabilidade 10.092,21€, por aplicação da taxa da Tabela Prática correspondente (56 anos – 12,259), corresponde um capital de remição devido ao sinistrado de 3063,52€”.

1.4.2. No seguimento, o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo exarou nos autos a sua posição, deixando consignada a sua “concordância com o entendimento perfilhado pela seguradora, na exposição de fls. 174.”

1.5. Apreciando, o Tribunal a quo proferiu nova decisão, com o teor seguinte:
“Requerimento da Companhia de Seguros, datado de 02/12/2020:
Assiste parcialmente razão à companhia de seguros.
Tem sido decidido pela nossa jurisprudência, que a «pensão revista» deve ser calculada do mesmo modo que a pensão inicial, devendo a sua atualização ser feita como se a «nova pensão» estivesse a ser fixada desde o início, não obstante a mesma só ser devida desde a data da sua alteração. Por outro lado, tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível que venha, no âmbito de incidente de revisão, a ser aumentada, a pensão devida ao sinistrado deve corresponder à diferença entre o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão e o valor da pensão inicial remível – neste sentido, entre outros, o Ac. RP de 11/10/2018, processo 596/14.0T8VFR.10.P1, in www.dgsi.pt.
Dos autos resulta que à data do acidente o sinistrado auferia a retribuição anual de €13.577,50 (€850,00 x 14 + 152,25 x 11), tendo-lhe sido atribuída a pensão anual de €570,26, correspondente a uma incapacidade de 6%.
Como resulta da factualidade provada neste incidente, o sinistrado sofreu agravamento do seu estado, estando afetada de IPP de 9%.
Procedendo à fixação da pensão, com base nesta incapacidade, desde o inicio, ao sinistrado seria devida a pensão de €855,38.
Esta pensão, atualizada anualmente de acordo com os coeficientes de atualização publicados, cifra-se em 30/11/2018 (data do pedido de revisão) em €783,01:
- em 2014 (€855,38 x 0,4 % = €858,801) cfr. Portaria n.º 378-C/2013, de 31/12;
- em 2015 não houve atualização, cfr Decreto-Lei n.º 107/2015, de 16/06;
- em 2016 (€858,801 x 0,4 % = €862,236) cfr. Portaria n.º 162/2016, de 09/06;
- em 2017 (€862,236 x 0,5 % = €866,547) cfr. Portaria n.º 97/2017, de 07/03;
- em 2018 (€866,547 x 1,8 % = €882,144) cfr. Portaria n.º 22/2018, de 18/01;
Esta pensão de €882,144 é devida desde o pedido de revisão – 30/11/2018. Considerando que o sinistrado recebeu o capital de remição a esta pensão haverá que descontar a pensão anual inicialmente fixada (€570,26).
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.01.2013, publicado em www.dgsi.pt: “A remição da pensão e entrega do correspondente capital extingue o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada. II – No caso em que, tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível e tendo sido pago o capital da remição, seja depois aumentado o valor da pensão no quadro de um incidente de revisão, a pensão devida deve corresponder à diferença entre o valor inicial da pensão remida e o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão, sem qualquer limite temporal, nomeadamente o que seria necessário para esgotar o valor entregue do capital da remição caso fosse devido o segundo valor da pensão”.
Assim, à pensão agora fixada haverá que descontar o valor de €588,103, assim calculado, até à data do pedido de revisão:
- 2014 (€570,26 x 0,4 %= €572,541) cfr. Portaria n.º 378-C/2013, de 31/12;
- 2015 não houve atualização, cfr Decreto-Lei n.º 107/2015, de 16/06;
- em 2016 (€572,541 x 0,4 % = €574,831) cfr. Portaria n.º 162/2016, de 09/06;
- em 2017 (€574,831 x 0,5 % = €577,705) cfr. Portaria n.º 97/2017, de 07/03;
- em 2018 (€€577,705 x 1,8 % = €588,103) cfr. Portaria n.º 22/2018, de 18/01;
A pensão devida após o pedido de revisão será, pois, de (€882,144 - €588,103) €294,041 (duzentos e noventa e quatro euros e quarenta e um cêntimo).
Há agora que apurar se esta pensão é obrigatoriamente remível.
Como se refere no Acórdão do TRP de 11/04/2019, processo 281/11.4TTPRT.1.P1, in www.dgsi.pt, “Em nossa opinião, o direito do autor à pensão remida deve ser aferido à data em que é requerida a revisão da incapacidade agravada. Na verdade, a revisão de incapacidade ou pensão, dependendo de pedido expresso dos interessados, devem aferir-se ao momento em que o pedido é formulado, por respeito ao princípio actualista do pedido. (…) Além disso, o legislador, ao não fixar a data a partir da qual deve ser reconhecido o direito à pensão a remir, está a indicar ao intérprete que esse momento deve respeitar o princípio actualista do pedido, por motivos lógicos e condizentes com a avaliação clínica a efectuar no decurso do incidente de revisão de incapacidade ou pensão. Tanto mais que, tratando-se, como se trata, de direitos indisponíveis, não deve o intérprete deduzir, à contrário, aquilo que o legislador não expressou na lei.”
Nos termos do art. 75º, nº 1, da LAT (Lei 98/2009 de 04/09), é obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30% e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
No caso dos autos, a pensão é obrigatoriamente remível.
Por aplicação das Tabelas Práticas de Cálculo dos Capitais de Remição constantes da Portaria nº. 11/2000 de 13.01, que deve ter em conta a idade do sinistrado à data do pedido de revisão (54 anos) a tal pensão corresponde o capital de remissão de €3.743,73 (três mil, setecentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos), correspondendo 88% (€3.294,48) à Seguradora e 12% (€449,25) à entidade empregadora.
Notifique, sendo a entidade empregadora notificada para proceder ao pagamento do remanescente (€449,25 - €341,94).”

2. Não se conformando com o decidido, a Seguradora, C…, S.A., interpôs o presente recurso, no qual formula as conclusões seguintes (transcrição):
“ÂMBITO DO RECURSO
A. No presente recurso será impugnada a solução jurídica firmada no douto despacho proferido depois da decisão final.
B. Verifica-se que o despacho recorrido enferma de erro na interpretação e aplicação do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, bem como do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro.
C. Detectou-se ainda um mero lapso de arredondamento no que diz respeito à responsabilidade de Recorrente que é de 87,645% e não 88%.
ENQUADRAMENTO
D. O Tribunal a quo decidiu condenar a aqui Recorrente a pagar ao Recorrido o capital de remição de uma pensão anual de Euro 882,14 (oitocentos e oitenta e dois euros e catorze cêntimos), desde 30/11/2018, descontando a pensão anual inicialmente fixada, dado entender que no cálculo e fixação da respectiva pensão, devida na sequência da revisão, não se podia deixar de utilizar os mesmos princípios e regras aplicáveis na fixação de uma pensão.
FUNDAMENTOS
E. Segundo decorre da decisão posta em análise, e que nesta sede nos interessa escalpelizar, o Tribunal a quo entendeu que a actualização da pensão ora revista deveria ser calculada desde o ano de 2014, uma vez que na aplicação das actualizações, segundo a sua perspectiva, pretende-se alcançar a plenitude do resultado pretendido com a actualização, isto é, “a pensão devida deve corresponder à diferença entre o valor inicial da pensão remida e o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão”.
F. Assinala-se que no acórdão utilizado pelo Tribunal a quo para apoiar esta actualização estava subjacente uma situação em que foi fixada uma pensão anual e vitalícia, calculada em função de uma IPP que não impunha a obrigatoriedade da conversão em capital de remição, a ser paga de uma só vez ao sinistrado. Ou seja, diversa do caso que nos ocupa.
G. A Jurisprudência tem-se versado sobre esta questão, entendendo que a pensão anual por incapacidade se destina “a compensar o sinistrado pela desvalorização funcional de carácter permanente que resultou do acidente”, cujo cálculo das pensões emergentes de acidente de trabalho é puramente objectivo.
H. O instituto da actualização das pensões devidas por acidente de trabalho, ou por doença profissional, foi introduzido na ordem jurídica portuguesa por via do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro.
I. O regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho constava da Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto n.° 360/71, de 21 de Agosto.
J. Analisando a mesma e por exclusão de partes, só seriam actualizáveis as pensões que não tivessem sido obrigatória ou facultativamente remidas, segundo as condições estabelecidas pela Base XXXIX da Lei 2127 e artigos 64º do Decreto-Lei n.º 360/71, e desde que respeitassem incapacidades iguais ou superiores inferiores a 30% (artigo 2º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro).
K. A Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1969, veio a ser revogada com a entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, depois regulamentada pelo Decreto-lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
L. O acórdão já citado do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2010, definiu claramente qual o quadro legal relativo à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.
M. Nesta conformidade, durante a vigência da Lei n.º 100/97, as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização apenas para os casos de incapacidade permanente (fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse absoluta para o trabalho habitual), ou por morte – artigo 39º nº2 -, mas agora nos termos em que o forem as pensões do regime geral de segurança social, em conformidade com o artigo 6º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril.
N. Com a publicação da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, foi revogada a Lei n.º 100/97 e o respectivo regulamento (Decreto-Lei n.º 143/99).
O. Contudo, o Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, não foi revogado. Expressa ou tacitamente, continuando a reger as actualizações das pensões devidas por acidentes de trabalho.
P. Salvo o devido respeito, não pode a pensão do Sinistrado ser alvo de actualizações na medida em que é inferior a 30%, nem estamos perante uma situação em que há morte do sinistrado, não cumprindo os requisitos da actualização.
Q. Nesta senda, entende a Recorrente que a pensão agora fixada não pode ser alvo de actualizações, devendo apenas ser fixada pelo montante de Euro 855,38 desde o dia 30/11/2018.
R. Importa chamar à colação o estatuído nos artigos 77º e 82º da LAT, na parte referente à actualização das pensões e evidenciar o artigo 6º e o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 142/99.
S. Nesta senda, se verificarmos estes regimes com o arresto trazido à colação pelo Tribunal a quo, verificamos que o mesmo julgou uma situação, conforme supra referido, em que foi atribuído supervenientemente ao sinistrado uma incapacidade que cai dentro do âmbito de aplicação das normas jurídicas que preveem e regulam o instituto da actualização das pensões, a saber, IPP igual ou superior a 30%, com ou sem IPATH, movendo-se nessa medida dentro das balias estabelecidas pelo legislador laboral para essa figura, o que não é claramente o litígio dos autos, em que o sinistrado inicialmente foi considerado afectado com uma IPP de 6% e depois viu-lhe ser atribuída uma IPP de 9% desde 30/11/2018, que não é manifestamente actualizável, até porque é obrigatoriamente remível.
T. Pretender generalizar tal actualização a todas as pensões, independentemente das circunstâncias em presença e dos elementos típicos definidos na lei, parece-nos não ter qualquer suporte jurídico, dado estarmos perante uma matéria cujo terreno jurídico está pacificado e consolidado, acarretando diversas dúvidas e confusões da sua aplicação concreta e prática.
U. Por fim, detectou-se um mero erro de arredamento, dado que a responsabilidade da Recorrente é de 87,645% e não 88%, bastando para o efeito verificar o anterior cálculo do capital de remição.
V. Pelo exposto, verifica-se que a aludida sentença padece do vício de errónea interpretação e aplicação de normas jurídicas, maxime do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, bem como do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, pelo que deverá a sentença sub juditio ser revogada e substituída por outra decisão judicial que reconduza o valor da pensão anual, vitalícia e obrigatoriamente remível, devido ao sinistrado desde 30/11/2018 ao montante de Euro 855,38 (oitocentos e cinquenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos) e não de Euro 882,14 (oitocentos e oitenta e dois euros e catorze cêntimos), conforme foi ali determinado.
W. Assim, uma vez que a responsabilidade da Recorrida é de 87,645%, deverá ser deduzida a pensão a cargo da Seguradora (Euro 749,70) à pensão já remida e paga (Euro 499,85). O valor da pensão a carga da Seguradora é então de Euro 249,85.
TERMOS EM QUE,
Deverão V. Exas. julgar o presente recurso de apelação procedente, revogando a sentença recorrida e proferindo acórdão nos termos supra expostos.
Fazendo assim a Sã e Costumeira JUSTIÇA.”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
*
Cumpre apreciar e decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes: (1) saber se o Tribunal recorrido aplicou adequadamente a lei e o Direito quando, na procedência do pedido de revisão em face do agravamento do estado do Sinistrado, passando a estar afetado de IPP de 9%, depois de fixar o valor da pensão com base nesta incapacidade desde o inicio, procedeu de seguida à aplicação dos coeficientes de atualização; (2) saber se ocorreu erro de cálculo quanto à proporção de responsabilidades.

III - Fundamentação
A) Os elementos para apreciação do recurso resultam da decisão recorrida e do relatório que anteriormente se elaborou.

B) Discussão
1. Da atualização da pensão
A primeira questão sujeita à apreciação deste Tribunal da Relação, em face das conclusões apresentadas pela Recorrente, prende-se com saber se na decisão recorrida se aplicou adequadamente a lei e o Direito quando, na procedência do pedido de revisão em face do agravamento do estado do Sinistrado (passando a estar afetado de IPP de 9%), depois de fazer o cálculo da pensão devida com base na nova incapacidade, procedeu, previamente à dedução a essa da pensão inicialmente fixada e que havia sido objeto de remição, à atualização de ambos os valores, por aplicação dos coeficientes de atualização publicados.
Cumprindo-nos entrar na apreciação, assim quanto à questão concreta que nos é colocada, impõe-se que façamos um esclarecimento prévio, assim no sentido de deixar claro que a Jurisprudência invocada na decisão recorrida, como ainda no recurso interposto, apesar de ter pertinência para o enquadramento da referida questão, não se debruçou, porém, exatamente sobre essa.
Feito tal esclarecimento, quid iuris?
Na procura da resposta, e em primeiro lugar, importa lembrar que, independentemente pois de invocação das partes e ainda de pronúncia pelo Tribunal a quo, existe no caso um dever de conhecimento oficioso, por estar em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis, matéria subtraída à disponibilidade das partes – artigo 12.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (LAT).
Nesse contexto, avançando-se na análise, e nesta parte aliás em conformidade em geral com a Jurisprudência indicada na decisão recorrida e nas alegações, tal como o dissemos em acórdão de 27 de abril de 2020 e que aqui reafirmamos de novo, dentro do quadro legal atualmente vigente, não afetando o pedido de revisão da pensão a circunstância de ter ocorrido remição da pensão previamente à apresentação do pedido de revisão[1], como a entrega do capital da remição extingue o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada, estando assim extinto o direito àquela pensão em consequência da remição, então, o facto de o valor global da pensão vir depois a ser aumentado em virtude da revisão da incapacidade, encurtando razões, socorrendo-nos do afirmado no acórdão desta Relação e Secção de 16 de Janeiro de 2017[2], relatado pelo também aqui relator, o que será nestas circunstâncias devido ao sinistrado “terá de corresponder à diferença entre o valor da pensão anual inicial e o valor da pensão correspondente à incapacidade laboral que resultou da revisão”.[3]
Do mesmo modo, acompanhando-se ainda o mesmo Acórdão, consideramos também, depois de se dar nota precisamente da divergência existente na Jurisprudência como já evidenciado no Acórdão desta mesma Secção de 15 de Dezembro de 2016[4] – em que se indicavam no sentido de a atualização ser feita como se a «nova pensão» estivesse a ser fixada desde o início, não obstante a mesma só ser devida desde a data da sua alteração, os Acórdãos desta Relação de 7 de Março de 2005[5] e 12 de Dezembro de 2005[6], como ainda do STJ de 3 de Março de 2010[7] –, que, tal como nesses se assinala, “uma coisa é a alteração do montante da pensão decorrente da revisão da situação de incapacidade do sinistrado e outra, diversa, a atualização da pensão, pois que esta visa colmatar o efeito decorrente da desvalorização da moeda – razão pela qual, enquanto realidades distintas, não se excluem” (efetivamente, como nesses Acórdãos se refere também, “distinta da alteração do montante da pensão por força do incidente de revisão da incapacidade do sinistrado – que tanto pode ocorrer em razão da melhoria da sua capacidade de ganho, decorrente da melhoria das sequelas causadas pelo acidente de trabalho, como em razão do agravamento de tais sequelas, com inevitável repercussão na capacidade de ganho – é a sua atualização que, como vimos, tem subjacente razão distinta e que se prende com a inflação ou com a desvalorização da moeda”). Ao que acresce, citando-se os mesmos Acórdãos, “que a lei dos acidentes de trabalho, ao não estatuir acerca do modo como há-de ser calculada a pensão decorrente de incidente de revisão, remete-nos, inelutavelmente, para os critérios – ou fórmulas – que presidiram ao respetivo cálculo inicial, com exceção, naturalmente, do que emerja desse incidente quanto à capacidade de ganho do sinistrado”, o que vale por dizer “que para efeitos do cálculo da pensão decorrente de incidente de revisão – quando do mesmo decorra, naturalmente, alteração da capacidade de ganho do sinistrado – são ponderados, exatamente, os mesmos critérios que o foram aquando do cálculo inicial, fixando-se a nova pensão (revista) tal-qual o fosse à data da alta- Cfr., Acórdãos do STJ de 25.03.1983 e de 17.06.1983, publicados, respetivamente, no BMJ n.º 325.º, pág. 499, e BMJ n.º 328.º, pág. 458.”, e, “por respeito ao princípio da unidade do sistema jurídico, constante do art. 9.º, do Código Civil, se a pensão revista deve ser calculada do mesmo modo que o foi a pensão inicial então os coeficientes de atualização devem sobre a mesma incidir como se estivesse a ser fixada desde o início, não obstante apenas ser devida desde a data da sua alteração”. Mais se acrescentando, por fim, que do entendimento diverso, “isto é, do entendimento de acordo com o qual a atualização só deveria incidir sobre a pensão revista a partir do momento em que esta fosse devida”, “resultaria a incongruência de, após vários anos desde a data da fixação inicial da pensão, vir a ser fixada uma pensão revista que, na medida em que resultante do cálculo a que obedeceu a sua fixação inicial, não refletiria a desvalorização da moeda entretanto ocorrida” – “Aliás, de tal entendimento poderia mesmo resultar que, em casos de agravamento do estado do sinistrado com consequente atribuição de um coeficiente de desvalorização superior àquele que já era portador, lhe pudesse vir a ser fixada uma pensão inferior àquela que, até então, vinha percebendo (porque, entretanto, sujeita a atualizações), justamente em razão de o cálculo da pensão revista não refletir qualquer actualização dos fatores que para o efeito relevam.”
Não vislumbramos, diga-se desde já, razão para nos afastarmos desta orientação jurisprudencial, afirmada, para além de muitos outros, nos arestos anteriormente citados.
Tendo assim por base tal pressuposto, a questão que se nos coloca neste caso – sobre a qual porém se não pronunciaram os referidos Arestos, por terem incidido sobre pensões que não eram obrigatoriamente remíveis – é a de saber se tal entendimento é também aplicável aos casos, como aquele sobre o qual agora nos pronunciamos, em que decorre da revisão uma pensão que em face do disposto na lei deve ser objeto de remição. De facto, tal como o referimos anteriormente, a questão que se coloca no presente caso passa já por saber se aqueles valores, assim da pensão inicial e da pensão que deriva do agravamento da incapacidade, estando em ambos os casos enquadradas na previsão do n.º 1 do artigo 75.º da LAT – ou seja, sendo obrigatoriamente remíveis –, devem ou não ser atualizados, sendo que, respondendo o Tribunal afirmativamente a essa questão na decisão recorrida, o que aplicou depois nos cálculos que realizou, atualizando aliás ambos os valores a considerar na dedução a fazer, no entanto, diversamente, entende a Recorrente que não pode a pensão ser alvo de atualizações, com o argumento de que, sendo inferior a 30% e não se estando perante uma situação em que há morte do sinistrado, não cumpre os requisitos da atualização – invocando o estatuído nos artigos 77.º e 82.º da LAT, na parte referente à atualização das pensões, e nos artigos 1.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 142/99.
Sobre esta específica questão – diversa, pois, daquela em que decorra da revisão uma pensão que não se enquadre na previsão do mencionado n.º 1 do artigo 75.º da LAT (e que, enquanto tal, não seja obrigatoriamente remida), sobre a qual, como se disse, incidiu a Jurisprudência que é indicada na decisão recorrida e no recurso –, constata-se, também, que a resposta que se encontra na Jurisprudência não tem sido, diga-se, uniforme.
Assim, no sentido de que deve operar a atualização, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Abril de 2019[8], apresentando a seguinte argumentação (transcrição):
“(…) Assim, em 2014 tinha-se em conta, e bem, a retribuição do momento do acidente, sendo que tal decorre da lei e, regra muito geral, está atualizada enquanto valor a considerar para a reparação.
Porém, aqui já não está, dado o lapso de tempo decorrido.
Ora, a Portaria n.º 378-C/2013, de 31 de dezembro, fixa o “regime de atualização anual do valor das pensões de acidente de trabalho, que considera como referenciais de atualização o crescimento real do produto interno bruto (PIB) e a variação média do índice de preços no consumidor (IPC), sem habitação” (cfr. o seu preambulo). Fá-lo, naturalmente, para 2014.
Sendo assim, porém, não se vislumbra razão para desconsiderar esta correção, sob pena de os valores devidos para ressarcimento do sinistrado deixarem de acompanhar nomeadamente o índice de variação de preços no consumidor. Na ausência de critério legal que imponha ponderação diversa deverão ser tidas em conta, na revisão, todas as atualizações posteriores à determinação da retribuição do sinistrado tida em consideração, que aqui é de 2013.
Verdadeiramente, a retificação correspondente ao período anterior à apresentação do requerimento de revisão é a justa retificação do valor retributivo a ter em consideração para os cálculos pertinentes, sob pena de o custo do decurso do tempo impender sempre sobre o sinistrado.
E uma vez que a lei não fornece outro critério e a Constituição pretende, art.º 59, n.º 1, al. f), a reparação justa do acidente de trabalho (“1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito (…) f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”), importa acolher o critério mais justo, que é este.”
Por sua vez, negando que nestes casos deva operar a atualização, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 27 de fevereiro de 2020[9], com a seguinte argumentação (transcrição):
“A sentença recorrida aborda a questão de que a pensão revista deve ser sujeita a actualizações a partir do momento em que o sinistrado tenha direito à pensão, ainda que apenas venha a receber esse novo montante a partir do momento em que deu entrada em juízo o incidente de revisão; porém, não aborda a questão prévia que é a de saber se, na situação em apreço, sendo a pensão revista, nos termos do 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, obrigatoriamente remível, pode, ainda assim, ser actualizável.
Na realidade, parece que não.
Conforme resulta desde 1975 do citado Decreto-Lei e que se mantém na Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT), apenas as pensões que não são remíveis, e, por isso, pagas anualmente, são actualizáveis.
Aliás, no acórdão deste Tribunal, citado na sentença recorrida[2], a pensão revista passou a ser calculada com base numa incapacidade permanente parcial de 61,5% com IPATH, devendo a mesma ser paga de forma anual e vitalícia[3].
Esse mesmo entendimento resulta do n.º 2 do art. 82.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que expressamente refere que as actualizações ocorrem em pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 %.
Atente-se ainda à circunstância de que se tivesse sido fixado, de início, ao sinistrado a incapacidade permanente parcial que resultou do incidente de revisão de incapacidade, por ser obrigatoriamente remível, não seria actualizável, pelo que, de igual modo, não será em incidente de revisão de incapacidade actualizável.”
Cumprindo-nos então tomar posição, sem prejuízo naturalmente do respeito que nos merece diversa apreciação, na ponderação do regime legal estabelecido na LAT e ainda também em nome da própria coerência do sistema, entendemos, em face aliás das razões que já avançámos anteriormente quando fizemos apelo aos Acórdãos desta Secção de 16 de janeiro de 2017 e 15 de dezembro de 2016, que não existem razões para afastar, na situação que nos ocupa, o regime da atualização, assim em conformidade com o primeiro dos entendimentos antes mencionados, pois que, assim o afirmamos, é esse o que melhor dá resposta às questões que são aqui colocadas.
De facto, e em primeiro lugar, não é propriamente o que resulta do artigo 75.º da LAT que impede a atualização, pois que esse, como facilmente se depreende, referindo-se tão só aos pressupostos da remição das pensões, definindo os casos em que essa ocorre ou possa ocorrer, apenas permite afirmar que, sendo remida a pensão, tanto mais que o seu valor e subsequente capital de remição são apurados por referência ao dia seguinte ao da alta e, assim, desde logo por isso, que não se justificará nesses casos, naturalmente, precisamente porque o respetivo pagamento ao sinistrado extingue o direito como se viu, que se proceda a qualquer atualização.
Como, do mesmo modo, mais uma vez com salvaguarda do respeito devido por diverso entendimento, não será também do regime que resulta do disposto no artigo 82.º da LAT, em particular o seu n.º 2 – “São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as actualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial” –, por ter esse a ver, mas apenas, com os casos em que deve intervir o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) – e em conformidade o que resulta depois do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abri (em particular os seus artigos 1.º e 6.º –, que permite, diversamente do que o entende a Recorrente, ter por excluídas do regime da atualização pensões que não se insiram na respetiva previsão – assim, no caso, uma pensão atribuída por decorrência de uma IPP de 9%.
Na verdade, o regime previsto no referido artigo 82.º e DL 142/99, voltamos a frisá-lo, diz respeito, como dos mesmos expressamente resulta, à intervenção do FAT e essa, em face do diploma que o regulamenta, destina-se efetivamente a assegurar a atualização das pensões que, não sendo remidas (obrigatória ou por vontade, nos casos previstos na lei), devam ser pagas para o futuro, ou seja ao longo do tempo – daí que, aliás em conformidade com o que resulta do artigo 75.º da LAT, como de resto o vimos já anteriormente, precisamente porque o valor das pensões previstas neste artigo deve ser objeto de remição, extinguindo-se assim com o pagamento do capital de remição o correspondente direito, não se coloque, neste caso, naturalmente, qualquer necessidade de fazer intervir o FAT, como ainda, no que se refere à questão que nos é colocada no presente recurso, de prever a atualização das pensões. E, sendo assim, não faria também sequer qualquer sentido que o legislador a essas se tivesse referido na previsão do referido artigo 82.º (e DL142/99).
Noutros termos, assim o consideramos, a resposta para a questão que se coloca no presente recurso terá de ser encontrada, diversamente, no disposto no artigo 77.º da LAT, no qual, estando precisamente regulados os direitos não afetados pela remição, se prevê expressamente, na sua alínea d), parte final, para o que ao caso que se decide importa, que “A remição não prejudica: (…) A actualização da pensão (…) resultante de revisão de pensão”.
Ou seja, da conjugação dos normativos citados, para os casos em que por decorrência de incidente de revisão de incapacidade a IPP e em consequência a pensão venham a ser aumentadas nos termos previstos no artigo 70.º da LAT, tendo sido a pensão fixada inicialmente objeto de remição, importará então saber se, por aplicação do regime previsto no artigo 77.º, a parte da “nova” pensão, não abrangida pois por aquela remição, que se diz expressamente na lei não estar prejudicada a sua atualização, está ou não dependente da constatação de que se esteja perante pensão que se integre na previsão do artigo 82.º.
Centrada assim a questão, na resposta que para essa se procura, não poderemos deixar de ter presente que, ao referir o legislador do referido artigo 77.º que a remição não prejudica o direito à atualização, tal não poderá deixar de significar que, ao estar a afirmar-se a existência nesses casos do direito à atualização sem que aí se faça qualquer distinção, que esse direito é atribuído independentemente do facto de se tratar de pensão que caia na previsão do artigo 82.º ou diversamente do artigo 75.º, ambos da LAT, pois que a única diferença entre ambas é a de que a última levará ao cálculo do “novo” capital de remição, diversamente da primeira[10].
Esta leitura que se indica para o referido artigo 77.º é também, assim o consideramos, aquela que melhor se adequa ao primado que resulta do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (CRP), quando se dispõe que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito (…) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”, pois que a justa reparação, sob pena de deixar de o ser, não poderá deixar de ter então presente a própria desvalorização ao longo do tempo do valor da moeda, através da correção que se imponha fazer, do mesmo modo afinal, por serem as mesmas razões, como ocorre nas pensões que não são objeto de remição[11].
De facto, se quanto a estas últimas pensões a intenção é a de salvaguardar a manutenção do valor real / efetivo das mesmas ao longo do tempo, do mesmo modo, em nome aliás também do próprio princípio da coerência do sistema legal estabelecido, se justificará idêntica solução quando, por decorrência de um incidente de revisão da pensão, efetuada em momento posterior ao da sua fixação inicial (que pode ocorrer passados vários anos), se tenha de proceder ao cálculo de uma “nova” pensão, sob pena de, assim não se operando, esta pensão não se vir a traduzir, como é imposto constitucionalmente, na justa reparação.
Nos termos expostos, porque foi este o caminho seguido na decisão recorrida, claudicando os argumentos apresentados pela Recorrente em contrário, aquela decisão não nos merece, nessa parte, censura.

2. Correção dos cálculos / proporção de responsabilidades
Como última questão, sustenta a Recorrente, assim nas conclusões U e W, que incorreu a decisão recorrida em mero erro de arredamento, dado que a sua responsabilidade é de 87,645% e não 88%, bastando para o efeito verificar o anterior cálculo do capital de remição.
Constando da decisão recorrida que, “por aplicação das Tabelas Práticas de Cálculo dos Capitais de Remição constantes da Portaria nº. 11/2000 de 13.01, que deve ter em conta a idade do sinistrado à data do pedido de revisão (54 anos) a tal pensão corresponde o capital de remissão de €3.743,73 (três mil, setecentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos), correspondendo 88% (€3.294,48) à Seguradora e 12% (€449,25) à entidade empregadora”, consta-se, porém, que não foi exatamente essa de facto a proporção afirmada aquando da decisão inicial que homologou o acordo alcançado no auto de conciliação, pois que desse resulta, para uma pensão global reclamada pelo Sinistrado de €570,26, a aceitação pela Seguradora do pagamento, referente à sua responsabilidade, de uma pensão de € 499,80, e, pela Entidade patronal, por sua vez, da sua responsabilidade, a aceitação do pagamento de uma pensão de € 70,46, o que se traduz, em termos de percentagem de responsabilidades, na que é indicada pela Recorrente.
Importa, pois, que assim seja retificado o decidido.

No que se refere a responsabilidade pelas custas no presente recurso, impende essa sobre a Recorrente.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV – DECISÃO
Nos termos expostos, decidem os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, declarando no mais improcedente o recurso, confirmando nessa parte a decisão recorrida, em alterar, porém, neste acórdão, a percentagem de responsabilidades dessa contante, passando a ser, respetivamente, de 87,645% para a Seguradora e de 12,355 para a Entidade patronal.
Custas pela Recorrente.

Porto, 19 de abril de 2021
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Muito embora no domínio da Lei n.º 1942 a jurisprudência se tenha dividido sobre esses casos (veja-se Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., Lisboa, 1983, págs. 118-119), quer na vigência da Lei n.º 2127, quer na vigência da Lei n.º 100/97, o legislador consagrou expressamente, nos respectivos diplomas regulamentares, a solução de que a remição não prejudica o direito do sinistrado às prestações em espécie, nem o direito a requerer a revisão da sua pensão (artigos 67.º, n.º 1, do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, e 58.º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril) – veja-se também o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 161/2009, in www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos.
[2] Apelação 1681/12.8TTPRT.1.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido, para além de outros, apenas desta Secção, também disponíveis in www.dgsi.pt:
- O recente Ac. RP de 9 de Janeiro de 2020, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, com intervenção dos aqui Relator e 1.ª Adjunta, em que se refere que “(...) antes de se proceder às actualizações que sejam devidas é necessário encontrar o seu valor, para tanto calculando-se a pensão correspondente à nova incapacidade agravada e depois deduzindo-se-lhe o valor da pensão primitiva que foi objecto de remição. A pensão remanescente não é mais do que a diferença entre esses valores”;
- O Ac. RP de 11 de Abril de 2019, Relator Rui Penha; com intervenção do aqui relator como adjunto.
[4] Em que, tendo sido relator Desembargador Jerónimo Freitas, intervieram como 1.º Adjunto o aqui relator e 2.ª Adjunta a neste 1.ª Adjunta.
[5] Proc.º n.º 0416936, Desembargadora Fernanda Soares, disponível em www.dgsi.pt, aqui 1.ª adjunta.
[6] Proc.º 0513681, Desembargador Domingos Morais, disponível em www.dgsi.pt, aqui 2.º Adjunto.
[7] No entanto, em sentido diverso – entendendo que “as actualizações da pensão só se registam a partir da data da fixação da nova incapacidade e consequente pensão (ou seja aquela em que foi apresentado o requerimento a solicitar a revisão) e não desde a data da fixação da pensão inicial –, os acórdãos, também aí mencionados, da Relação de Lisboa de 01/03/2016, Proc.º n.º 1737/06.6TTLSB.1.L1-4, Desembargador Leopoldo Soares, e 18-05-2016, proc.º n.º 82/10.7TTSTB.L1-4, Desembargadora Filomena Manso, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Relator Desembargador Sérgio Almeida, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Relatora Desembargadora Emília Ramos Costa, também disponível em www.dgsi.pt.
[10] Naturalmente com as necessárias reservas, utilizando-se a expressão conhecida: “o que a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir”.
[11] Aliás, referente ao Acórdão antes citado que sufraga entendimento diverso, naturalmente com salvaguarda do respeito devido, não encontramos real relevância ao argumento, nesse utilizado, de que “se tivesse sido fixado, de início, ao sinistrado a incapacidade permanente parcial que resultou do incidente de revisão de incapacidade, por ser obrigatoriamente remível, não seria actualizável, pelo que, de igual modo, não será em incidente de revisão de incapacidade actualizável”, pois que, se fosse esse o caso, caindo então na previsão do artigo 75.º da LAT e não já no seu artigo 77.º, a questão da atualização sequer se colocaria, até porque, como aliás resulta da lei, o valor seria apurado por referência ao dia seguinte ao da alta e, enquanto tal, atualizado a essa data.