Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1595/20.8T8AMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITO LITIGIOSO
FACTOS-ÍNDICES
ACTIVO MUITO SUPERIOR AO PASSIVO
Nº do Documento: RP202104271595/20.8T8AMT-B.P1
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ao abrigo do art. 20º, nº 1 do CIRE os titulares de créditos litigiosos podem requerer a declaração de insolvência do respetivo devedor, uma vez que esta norma se reporta à legitimidade processual ou ad causam, que não contende com o mérito da causa no que diz respeito à existência ou inexistência do crédito controvertido.
II - Ao requerente cabe fazer a prova de um qualquer dos factos-índices enumerados no nº 1 do art. 20º do CIRE, podendo o devedor fundar a sua oposição, alternativa ou conjugadamente, na não verificação do facto-índice em que o pedido se baseia ou na inexistência da situação de insolvência;
III - Para que se verifique o facto-índice previsto na alínea b) do nº 1 do art. 20º do CIRE [falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações] torna-se necessário que o requerente alegue e prove, para além da obrigação incumprida, as circunstâncias em que ocorreu esse incumprimento, de modo a poder-se concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada;
IV - Importam aqui factos que preencham o incumprimento de uma ou mais obrigações e o circunstancialismo que o rodeou, e que sejam tidos como idóneos e vocacionados para, razoavelmente e em consonância com os ditames próprios da experiência comum, fazer concluir pela falta de meios do devedor para solver em tempo os seus vínculos;
V - A existência de um ativo que seja superior ao passivo, enquanto elemento determinativo da exclusão da insolvência, só releva se este ilustrar um quadro de viabilidade económica, do qual flua para a requerida a capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1595/20.8 T8AMT-B.P1
Comarca do Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 1
Apelação (em separado)
Recorrente: “B…, Lda.”
Recorrido: Condomínio C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
“Condomínio D…”, sito na Rua …, n.º …, Marco de Canaveses, representado pela sua Administradora a sociedade “D…, Lda.”, com sede na Av. …, n.º .., loja .., Marco de Canaveses, por sua vez representada pelo seu gerente E…, veio requerer a declaração de insolvência da sociedade “B…, Lda.”, com sede social na Rua …, n.º …, …, concelho de Marco de Canaveses.
Para tanto alega que tem um crédito sobre a requerida, no montante global de 3.103,54€, proveniente de falta de pagamento de quotizações do condomínio requerente, que se encontra vencido e que a requerida se mostra incapaz de pagar aquele valor.
Mais alega que a requerida suspendeu de forma generalizada os seus pagamentos, nomeadamente à Autoridade Tributária e tem diversas execuções pendentes por dívidas a outros credores, com penhoras registadas sobre o seu único imóvel.
Porque há uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, concluiu o requerente peticionando que seja declarada a insolvência da requerida.
Citada a requerida veio deduzir oposição, impugnando todos os artigos da petição inicial e alegando também falta de título válido para que seja reclamado o crédito invocado pelo requerente.
Referiu ainda que não foi citada para a execução invocada na petição inicial, onde pretende deduzir embargos de executado.
Alega que os valores a que respeitam as atas juntas, anteriores a 2017, já se encontram prescritos e, por isso, o requerente não tem legitimidade para requerer a sua insolvência.
Por fim, sustenta que não se encontra em situação de insolvência já que o seu ativo é muito superior ao seu passivo.
Foi depois proferido despacho saneador, que declarou válida a instância nos seus pressupostos objetivos e subjetivos, e igualmente despacho a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Procedeu-se depois à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.
Por fim, proferiu-se sentença que declarou a insolvência da requerida “B…, Lda.”.
Inconformada com o decidido, a requerida interpôs recurso de apelação tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A - O tribunal a quo decidiu, na douta sentença recorrida declarar a insolvência de “B…, Lda.”;
B - No entanto, esta decisão revela-se manifestamente infundada, pois, existem factos dados como provados e factos dados como não provados, que não são, porém, consentâneos com a prova produzida nos autos.
C - O Tribunal fundou a sua convicção relativamente à matéria factual dada como provada com base na análise crítica e seletiva de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente, do teor dos documentos juntos aos autos, certidões de dívidas remetidos pela Autoridade Tributária e pela Segurança social, certidões de matrícula da Requerida e da sociedade consigo especialmente relacionada, Informação do Registo Predial, caderneta predial e Relatório de Avaliação referentes à fração autónoma de que a Requerida é proprietária, Atas de Assembleia de Condóminos do prédio onde se situa a fração autónoma propriedade da Requerida, Requerimento Executivo, em conjugação com as declarações prestadas pela única testemunha ouvida em julgamento, F….
D - Refere o Tribunal a quo, na douta sentença proferida que o depoimento prestado pela testemunha F…, se revelou genuíno e espontâneo, demonstrando, designadamente, ter conhecimento sobre os factos que relatou.
E - No entanto, foram dados como provados, factos, que deveriam ter sido dados como não provados, uma vez que não corresponde ao que foi referido pela testemunha, salvo melhor opinião em contrário.
F - Assim, não pode a Recorrente, aceitar, que tenham sido dados como não provados, um conjunto de factos, designadamente, as alegações vertidas nos pontos: e) “A requerida é proprietária de móveis de escritório, 2 secretárias, 3 armários, 3 computadores, 1 fotocopiadora, 5 cadeiras, com o valor global de 2 500,00 euros”, quando se entende que foi feita prova segura que impunha uma decisão em sentido contrário.
G - Ora, o Tribunal a quo, ignorou parte substancial da prova produzida, de forma totalmente injustificada e infundada, data vénia, pelo que, foram incorretamente julgados os factos submetidos à apreciação.
H - Assim, quanto aos factos dados como não provados e elencados no ponto e), o Tribunal a quo, não valorou, em nosso entendimento, erradamente parte do depoimento prestado pela testemunha apresentada pela Recorrente.
I - Analisada, porém, a convicção do julgador, explanada na sentença recorrida, não podemos deixar de repudiar a não opção, da valoração do depoimento prestado pela testemunha.
J - Aliás, da douta sentença, resulta a seguinte conclusão: “Entende o Tribunal que não foi feita qualquer prova relativamente aos factos que considerou como não provados”, no entanto, a Recorrente não concorda com tal entendimento, uma vez que a testemunha referiu os factos aí mencionados.
L - Mais se estranha, que o Tribunal a quo tenha dado como provado o facto constante no ponto 5, referindo que a testemunha F…, teve um depoimento credível, ao invés, do que aconteceu relativamente ao ponto e), dos factos dados como não provados, o mesmo já não considerou o depoimento credível.
M - Tomamos, pois, a liberdade de afirmar, que estamos perante uma testemunha, cuja valoração do depoimento ora é credível, ora não é credível, apesar da afirmação, pelo próprio Tribunal a quo, de que a testemunha tivera um depoimento credível, genuíno e espontâneo e era conhecedora dos factos.
N- Aliás, percorridas as declarações da testemunha, nada é dito que possa levar o Tribunal recorrido a formar a convicção, no sentido em que os mesmos não ocorreram, tratando-se, manifestamente, data vénia, de um erro clamoroso de apreciação da prova.
O - Assim, o ponto e), dos factos dados como não provados, deveria ter sido dado como provado, com a seguinte redação: “A requerida é proprietária de móveis de escritório.”.
P - Pelo que, andou mal o tribunal ao interpretar a prova no sentido de dar como provados os factos constantes no ponto n.º 5 dos factos provados, uma vez que, a única testemunha ouvida em sede de julgamento, não referiu o que consta, erradamente, do ponto 5, pelo que deveria o mesmo ser dado como não provado.
Q - Saliente-se que o Tribunal recorrido nenhuma crítica aponta à testemunha indicada pela Recorrente, designadamente, de incoerência, contradições ou incertezas, pelo que, impunha-se a valoração dos depoimentos prestados pela mesma.
R - Assim, atendendo à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, deve o Tribunal de recurso proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto, considerando o ponto 5 dos factos provados, como matéria de facto não provada.
S - In casu, a Recorrente foi citada e deduziu oposição ao pedido da sua insolvência, desde logo suscitando como questão prévia a ilegitimidade do requerente para vir requerer a sua Insolvência por entender que o atual Administrador do Condomínio C… não é a sociedade que outorgou a procuração ao mandatário subscritor da petição inicial.
T - Nesta parte, o Tribunal decidiu em sede de saneador, erradamente esta questão, porquanto o art.º 1431.º n.º 1.º do Código Civil, refere que: “A assembleia reúne-se na primeira quinzena de janeiro mediante convocação do administrador, para a discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento de despesas a efectuar durante o ano”.
U - Forçoso é de concluir, que desde, pelo menos o longínquo ano de 2017, não existe aprovação do orçamento de despesas.
V - Logo, não há qualquer legitimidade do condomínio para cobrar despesas que não foram, efetivamente, aprovadas pela A.G.
X - Mais, refere o mesmo conjunto de normas, que disciplina a propriedade horizontal - art.º 1435.º n.º 4 do Código Civil - o seguinte: “O cargo de administrador é …, salvo disposição em contrário, de um ano, …”.
Y - Deste modo, é inequívoco que os poderes conferidos à Administração do Condomínio, pela assembleia geral de condóminos, pela ata n.º 27, de 31/03/2017, sempre terão cessado em 31/12/2017.
Z - O que se verifica, é não só não foram conferidos poderes à sociedade D…, Lda., como nem sequer existe administração de condomínio devidamente eleita pela Assembleia Geral de condóminos.
AA - Acresce ainda que, a capacidade judiciária do condomínio, compete ao seu administrador, no exercício das funções que lhe pertencem, quando autorizado pela assembleia de condóminos, por força do n.º 1 do art. 1437.º do Código civil.
BB - Resulta do artigo 1436.º do C.C., quais os poderes que cabem à administração de condomínio, não lhe tendo sido dada autorização pela A.G. para a presente ação de insolvência.
CC - Assim, ao não ter a necessária autorização, da A. G., nem se incluindo tais poderes, no exercício das suas funções, os administradores de condomínio, não podem conferir poderes, que não têm.
DD - Pelo que, a falta de deliberação acarreta um vício de representação e consequentemente, uma ilegitimidade processual, quer da própria Administração do Condomínio, quer da empresa D…, Lda, que aparece a representar aquela.
EE - Acresce que, na Ata n.º 27, não consta qualquer deliberação em que autorize o Requerente e muito menos a sociedade D…, Lda. a propor a ação de Insolvência contra a Requerida e ora Recorrente.
FF - Por tal, e atendendo ao incumprimento da sanação do vício de representação por parte do Requerente, devia ter sido decretada a absolvição da instância, o que de todo não se verificou.
GG - Alega também a Recorrente na sua oposição, que o Requerido não tem legitimidade para requerer a sua insolvência, pois não dispõe de título válido para o crédito invocado.
HH - Fundamentando a sua pretensão no facto de não terem sido realizadas outras Assembleias depois de 31 de Março de 2017 e, por isso, não poderem ser exigidos os valores peticionados a título da sua quota parte para as despesas do ano de 2018, 2019 e 2020, uma vez que não existe qualquer título válido, ata de assembleia de condomínio, que fundamente e legitime a sua pretensão.
II - Mais a Recorrente ainda não foi citada para a execução que corre os seus termos sob o n.º 1593/20.1T8LOU, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Execução de Lousada – Juiz 1, contra si interposta pela Recorrida e quando o for pretende ali deduzir oposição mediante embargos de executado, tal como impugna o crédito invocado pela Autora a título de penalização pelo não pagamento atempado de quotas.
Acresce que,
JJ - A Recorrida peticiona ainda o pagamento das despesas/indemnização, com os custos de cobrança de dívida.
KK - Importa referir que a jurisprudência maioritária vai no sentido de que “Os honorários devidos a advogado e mais despesas decorrentes da interposição da execução não são despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio, tal como definidas no artigo 6.º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10, e não podem, por isso, mesmo que tenham sido aprovados em assembleia de condóminos e constem da respectiva acta, ser incluídos na execução movida contra o proprietário que deixar de pagar a sua quota parte no prazo fixado”.
LL - Para além disso, relativamente aos valores constantes nas atas n.º 24, 25 e 26, os mesmos já se encontram prescritos.
MM - Porquanto, é entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina, que as despesas de condomínio integram prestações periodicamente renováveis, pelo que o respetivo prazo de prescrição é de cinco anos, de acordo com o disposto no art. 310.º, alínea g) do C.C..
NN - Logo, não pode a Recorrida exigir o pagamento de nenhuma quantia anterior a 2017, porquanto as mesmas encontram-se prescritas à data de hoje, salientando-se que a Recorrente ainda não foi citada para o processo que acima se fez referência.
OO - Atente-se, que relativamente à ata n.º 27, cumpre salientar o previsto no art. 6.º, n.º 1 do D.L. n.º 268/94, de 25/10, que estatui que “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante de contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
PP - No entanto, para que a referida ata tenha força executiva, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, al. d) do C.P.C., impõe-se que a mesma fixe, especificamente, os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino, veja-se, a título, meramente, exemplificativo, a conclusão constante do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 13-09-2012, disponível in www.dgsi.pt.
QQ - Ou seja, atento o teor do citado art. 6.º, n.º 1 do D.L. n.º 268/94, de 25/10, a ata deve permitir determinar a dívida de cada condómino, isto é, quais as quotas-partes dos valores a pagar por cada condómino, em função da permilagem da sua fração, aprovadas em Assembleia Geral, onde se aprovam as contas do ano anterior e se apresentam as despesas e receitas para o novo ano.
RR - Uma vez analisada a referida ata, verificamos que as mesmas são inexequíveis, isto é, não valem como título executivo, por falta de preenchimento dos supra enunciados pressupostos legais.
SS - Por todo o supra exposto, é forçoso concluir que inexiste título de crédito válido, que legitime a pretensão da recorrida, não tendo esta, qualquer legitimidade para intentar a presente acção.
TT - Acresce ainda que, que os documentos juntos por esta não implicam qualquer reconhecimento de dívida, nem tampouco se mostram assinados pela Recorrente, nem do seu conteúdo teve conhecimento.
UU - Isto posto, deve concluir-se que o documento apresentado pela recorrida não implica qualquer reconhecimento de dívida.
VV - Salvo melhor opinião, os factos elencados pela recorrida para justificar a sua qualidade de credor e, bem assim, a alegada situação de insolvência da Recorrente, são genéricos e pouco precisos.
WW - A recorrida não demonstra a origem do seu crédito, limitando-se a remeter para uns documentos que – como supra se referiu – não implica qualquer reconhecimento de dívida por parte da Recorrente.
XX - A Recorrida também não menciona (em momento algum) qual a natureza do seu crédito, incumprindo assim as formalidades previstas no art.º 25.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Sem prescindir,
ZZ - O que está em causa no presente recurso é saber se em face da factualidade tida por assente se verificam ou não os requisitos da peticionada declaração de insolvência da Requerida.
AAA - O artº 3º nº 1 do CIRE considera em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
BBB - A declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito – artº 20º nº 1 do CIRE.
CCC - O legislador estabeleceu presunções júris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, pelo que feita a prova pelo requerente de alguma das situações ali previstas, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como se extrai do artº 30º nºs 3 e 4 do CIRE (cfr. Carvalho Fernandes e J. Labareda ob. cit., p. 169/170).
DDD - Ou seja, caberá ao devedor, se o entender, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir.
EEE - O tribunal a quo entendeu que se verificava, a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, al. a) do art.º 20.º do CIRE, referindo a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, al. b), bem como o Incumprimento generalizado nos últimos seis meses de dívidas de algum dos seguintes tipos (…), al. g).
FFF - Relativamente ao binómio ativo versus passivo, na situação em apreço, o ativo da Recorrente é substancialmente superior ao passivo. Ou seja, é manifesta a superioridade do ativo sobre o passivo.
GGG - Tal conclusão é referida pelo Tribunal a quo, que concluiu o seguinte: “Assim face ao que se apurou, ainda que se possa concluir que o ativo da requerida poderá aparentemente ser superior ao passivo conhecido, já que se provou ter uma fração autónoma avaliada em €32.805,00 (facto provado em 24 e o seu passivo é resultante dos factos provados ascenderá a cerca de 31.000,00.”, apesar de entendermos que o valor comercial das mesma é de €36.450.00.
HHH - Ora, compulsada a matéria de facto, o que dela resulta, efetivamente, é que não obstante a falta de pagamento de alguns créditos da Recorrente nos termos constantes, verifica-se que não existem dívidas quer à Segurança Social quer à Autoridade Tributária, pelo que, pelo menos em relação a estas entidades, estão a ser cumpridos os seus compromissos, não se verificando, assim, a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas.
III - Coloca-se em questão saber se os montantes em dívida tidos por provados e que traduzem o incumprimento de várias obrigações, constituem ou não um facto índice que, pelas suas circunstâncias, evidenciem a impossibilidade de pagar, ou seja, se se conclui que a Requerida se encontra em situação de penúria generalizada e se é economicamente inviável.
JJJ - Conforme resulta da factualidade provada, o facto de a devedora ter deixado de cumprir as suas obrigações de pagamento, de ter dificuldades económicas e de liquidez de tesouraria, não traduzem a verificação das referidas circunstâncias.
KKK - Também não se detecta na factualidade provada o incumprimento generalizado nos últimos seis meses de dívidas tributárias, de contribuições e quotizações para a segurança social, mostrando-se antes provada a inexistência de dívidas à Administração Fiscal e à Segurança Social.
LLL - Não se mostram, pois, preenchidos os factos-índice constantes da al. a), b) e g) do artigo 20.º do CIRE.
OOO - Importa ainda referir e como já se deixou dito, o ativo da Recorrente é manifestamente superior ao passivo.
MMM - Além de que, conjugando a al. h) do nº 1 do artº 20º com o nº 2 do artº 3º do CIRE, constata-se que a relação entre o activo e o passivo não se basta com qualquer défice do activo, exige-se uma desconformidade significativa, traduzida na superioridade manifesta, expressiva, do passivo sobre o activo.
NNN - Tratando-se de demonstrar a situação de insolvência, a respectiva prova cabe à Requerente, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, tanto mais que se trata de evidenciar a verificação do pressuposto fundamental de deferimento da pretensão, face ao disposto no artº 342 do CC.
PPP - Segundo dispõe o nº 3 do artº 3º do CIRE, as pessoas colectivas deixam de ser consideradas insolventes quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as regras nele previstas.
QQQ - De acordo com as normas contabilísticas aplicáveis, que atualmente se integram no Sistema de Normalização Contabilística, o activo é superior ao passivo quando existem elementos que identifiquem que o ativo (imóvel, veículos automóveis, etc.) é superior ao passivo.
RRR - Resulta de todo o exposto que não existe factualidade provada disponível para justificar a declaração de insolvência da Recorrente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I) Impugnação da matéria de facto;
II) Ilegitimidade do credor requerente da insolvência;
III) Verificação dos factos presuntivos de insolvência previstos no art. 20º, nº 1, als. b) e g) (i) do CIRE.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1. A requerida “B…, Lda.” foi constituída em 20.01.1998, com o objeto social de processamento de contabilidade, fiscalidade, salários, representações, gestão e consultadoria; com sede social inicialmente no …, freguesia …, concelho de Marco de Canaveses, ulteriormente alterada para a Rua …, n.º …, ….-… …, concelho de Marco de Canaveses; com o capital social inicial de 5000,00 euros, numa quota única pertencente a G…, tendo o capital social em 29.06.2007 passado a ser de 6000,00 euros e a sociedade transformou-se em sociedade por quotas, estando o capital social dividido em duas quotas, uma de valor nominal de 5400,00 euros, pertencente ao sócio G…, e outra de valor nominal de 600,00 euros, pertencente à sócia H…, tendo sido nomeado gerente o sócio G…, e obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente.
2. A sociedade “I…, Lda.” foi constituída em 21.10.1991, com o objeto social de processamento, execução dos serviços de contabilidade, fiscalidade, salários, consultoria, gestão, representações, atividade médicos de clínica geral, fisioterapia, massagem, outras atividades de saúde humana, gravações de som, composições musicais, espetáculos de música e outros relacionados com atividade; inicialmente com sede social em …, freguesia …, concelho de Marco de Canaveses e atualmente na Rua …, escritório n.º ., ….-… Marco de Canaveses; com o capital social de 5000,00 euros, dividido em duas quotas, uma de valor nominal de 2500 euros, pertencente inicialmente ao sócio G… que, em 06.12.2018, a transmitiu ao sócio J…, e outra de valor nominal de 2500 euros, pertencente inicialmente à sócia H… que, em 07.07.2011, a transmitiu à “sociedade B…, Lda.” e esta, em 06.12.2018, a transmitiu ao sócio K…; tendo sido nomeados gerentes os sócios G… e H…, tendo esta renunciado em 07.07.2011 e, em 06.12.2018, renunciou o gerente G…, tendo sido nomeado gerente, em 04.11.2019, L…, o qual foi destituído em 25.02.2020, tendo sido nomeado em 25.06.2020, K…; obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente.
3. A Requerida é devedora à Segurança Social no montante global de 4758,36 euros, o qual respeita a contribuições vencidas referentes aos meses de setembro a dezembro de 2011, janeiro a dezembro de 2012 e janeiro, fevereiro e dezembro de 2013.
4. A Requerida é devedora à Autoridade Tributária no montante global de 15587,61 euros, referente a taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-NU, vencidas em 03.01.2017 (no montante parcial de 255,40 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-NU, vencidas em 22.05.2017 (no montante parcial de 1467,39 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-EQ, vencidas em 21.02.2017 (no montante parcial de 110,87 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-EQ, vencidas em 24.08.2017 (no montante parcial de 913,70 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-EQ, vencidas em 11.09.2017 (no montante parcial de 911,03 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-NU, vencidas em 03.01.2017 (no montante parcial de 3,90 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-NU, vencidas em 22.12.2017 (no montante parcial de 101,25 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-EQ, vencidas em 16.02.2018 (no montante parcial de 10,38 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-EQ, vencidas em 13.08.2018 (no montante parcial de 174,38 euros), taxas de portagem do veículo com matrícula ..-..-NU, vencidas em 09.11.2016 (no montante parcial de 51,19 euros); a IVA vencido em 04.12.2015 (no montante parcial de 352,68 euros), IVA vencido em 08.03.2017 (no montante parcial de 360,32 euros), IVA vencido em 05.09.2017 (no montante parcial de 238,57 euros), IVA vencido em 11.12.2017 (no montante parcial de 284,92 euros, IVA vencido em 01.03.2018, (no montante parcial de 737,57 euros), IVA vencido em 08.06.2018, (no montante parcial de 395,03 euros), IVA vencido em 04.09.2018, (no montante parcial de 301,36 euros), IVA vencido em 06.12.2018, (no montante parcial de 497,68 euros), IVA vencido em 30.08.2019, (no montante parcial de 484,55 euros), IVA vencido em 02.12.2019, (no montante parcial de 638,90 euros), IVA vencido em 11.09.2020, (no montante parcial de 800,23 euros); e a IMI vencido em 30.04.2017 (no montante parcial de 71,94 euros).
5. A Requerida presta serviços e quem os fatura aos clientes é a sociedade “I…, Lda.”.
6. A sociedade “I…, Lda.” tem as suas instalações no mesmo local em que funciona a sociedade Requerida, fração autónoma designada pela letra “R”, do Edifício … sito na Rua …, n.º .., Marco de Canavezes, onde mantém uma funcionária, F….
7. Em Assembleia de Condóminos realizada em 28.02.2014, foi aprovado o orçamento de despesas para o período de um ano, cabendo à fração “R” da Requerida, com a permilagem de 1.1, uma quota mensal de 11,47 euros, a pagar até ao dia 10 de cada mês a que disserem respeito.
8. Em Assembleia de Condóminos realizada em 28.02.2014 foi deliberado por unanimidade que a falta de pagamento superior a três meses no pagamento por parte dos condóminos da sua quota parte nas despesas comuns dará lugar ao imediato recurso à via judicial para a sua cobrança e à aplicação de uma multa pecuniária no valor de 800 euros que visa fazer face a despesas judiciais, designadamente taxas de justiça e honorários de advogado.
9. Em Assembleia de Condóminos realizada em 28.02.2014 foi deliberado por unanimidade a reeleição da empresa “D…, Lda.” para administrar o condomínio do C…, sito na Rua …, n.º …, Marco de Canavezes.
10. Em Assembleia de Condóminos realizada em 09.05.2014, foi aprovada a quota parte a pagar pela Requerida nas despesas com as obras a realizar no edifício …, primeira e segunda fases, no valor global de 464,03 euros.
11. Em Assembleia de Condóminos realizada em 27.03.2015, foi aprovado o orçamento de despesas para o período de um ano, cabendo à fração “R” da Requerida, com a permilagem de 1.1, uma quota mensal de 11,47 euros, a pagar até ao dia 10 de cada mês a que disserem respeito.
12. Em Assembleia de Condóminos realizada em 27.03.2015 foi deliberado por unanimidade que a falta de pagamento superior a três meses no pagamento por parte dos condóminos da sua quota parte nas despesas comuns dará lugar ao imediato recurso à via judicial para a sua cobrança e à aplicação de uma multa pecuniária no valor de 800 euros que visa fazer face a despesas judiciais, designadamente taxas de justiça e honorários de advogado.
13. Em Assembleia de Condóminos realizada em 27.03.2015 foi deliberado por unanimidade a reeleição da empresa “D…, Lda.” para administrar o condomínio do C…, sito na Rua …, n.º …, Marco de Canavezes.
14. Da Ata da Assembleia de Condóminos realizada em 27.03.2015 consta que naquela data a requerida tem em dívida a quantia de 464,03 referente à sua quota parte nas despesas com as obras realizadas no Edifício ….
15. Da Ata da Assembleia de Condóminos realizada 31.03.2017 consta que a requerida tem em dívida a quantia de 275,28 euros referente à sua quota parte nas despesas comuns dos meses de janeiro de 2015 a dezembro de 2016.
16. Em Assembleia de Condóminos realizada em 31.03.2017, foi aprovado o orçamento de despesas para o período de um ano, cabendo à fração “R” da Requerida, com a permilagem de 1.1, uma quota mensal de 12 euros, a pagar até ao dia 10 de cada mês a que disserem respeito.
17. Em Assembleia de Condóminos realizada em 31.03.2017 foi deliberado por unanimidade que a falta de pagamento superior a três meses no pagamento por parte dos condóminos da sua quota parte nas despesas comuns dará lugar ao imediato recurso à via judicial para a sua cobrança e à aplicação de uma multa pecuniária no valor de 800 euros que visa fazer face a despesas judiciais, designadamente taxas de justiça e honorários de advogado.
18. Em Assembleia de Condóminos realizada em 31.03.2017 foi deliberado por unanimidade a reeleição da empresa “D…, Lda.” para administrar o condomínio C…, sito na Rua …, n.º …, Marco de Canavezes.
19. A Requerida é executada na execução a correr termos pelo Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo de Execução de Lousada, processo n.º 3351/17.1T8LOU, autuado em 15.07.2017, para cobrança da quantia de 8882,01 euros, sendo exequente o M….
20. O Requerente instaurou contra a Requerida execução para pagamento da quantia de 1840,42 euros, que corre termos pelo Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo de Execução de Lousada, processo n.º 1593/20.1TBLOU, autuado em 11.06.2020, referente à sua quota parte nas despesas na 2.ª fase obras edifício, no montante de 64,03 euros, a sua quota parte nas despesas comuns, de janeiro a dezembro de 2015, no montante de 137,64 euros, de janeiro a dezembro de 2016, no montante de 137,64 euros, de janeiro a março de 2017, no montante de 34,41 euros, de abril a dezembro de 2017, no montante de 108,00 euros, de janeiro a dezembro de 2018, no montante de 144,00 euros, de janeiro a dezembro de 2019, no montante de 144 euros e de janeiro a junho de 2020, no montante de 72 euros, 173,20 euros de juros de mora, 25,50 euros, de taxa de justiça, 800 euros de pena pecuniária para custear despesas judiciais e honorários advogado com o recurso à via judicial para cobrar o crédito.
21. Em nome da Requerida está averbada a propriedade dos veículos com matrículas ..-..-EQ, desde 23.06.2004, e ..-..-NU, desde 12.05-2000.
22. Encontra-se averbada a favor da Requerida “B…, Lda.”, a propriedade da fração autónoma designada pela letra “R”, composta de uma divisão no piso 2, destinada a comércio, serviços ou indústria hoteleira, com o número nove, com Wc e arrumos, com a área de 41m2, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória de Registo Predial do Marco de Canaveses, sob o n.º 807, freguesia …, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 4619, com o valor patrimonial de 22371,28 euros, determinado no ano de 2019.
23. Sobre a fração autónoma designada pela letra “R” do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória de Registo Predial do Marco de Canaveses, sob o n.º 807, freguesia …, encontram-se averbadas as seguintes penhoras: a favor da N1…, desde 05.06.2015, quantia exequenda 13591,12 euros, a que acrescem despesas prováveis de execução no valor de 10%; a favor da Fazenda Nacional, desde 16.05.2016, quantia exequenda 3191,94 euros; e a favor da Fazenda Nacional, desde 07.09.2017, quantia exequenda 6693,32 euros.
24. Com data de 11.01.2021, foi efetuada uma avaliação da fração autónoma designada pela letra “R” do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória de Registo Predial do Marco de Canaveses, sob o n.º 807, freguesia …, por perito avaliador, da qual resulta ter sido atribuído o valor de venda imediata de 32805,00 euros.
25. Desde 31.03.2017 não se realizaram outras Assembleias de Condóminos D…, sito na Rua …, n.º …, Marco de Canavezes.
26. A Requerida não apresentou junto da Autoridade Tributária as suas declarações de IES referentes aos exercícios de 2019, 2018 e 2017, nos prazos legalmente previstos para esse efeito, tendo-o feito em 22.12.2020, depois de o Tribunal a notificar para juntar tais documentos aos autos.
27. A requerida não depositou as suas contas na Conservatória de Registo Comercial referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019.
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Não se provaram os seguintes factos:
a) Que após a reeleição em 31.03.2017 da sociedade “D…, Lda.” para administrar o condomínio C…, tenha sido eleita outro empresa ou pessoa singular para administrar o referido Condomínio.
b) Que tenham sido realizadas Assembleias de Condóminos C… para aprovação de orçamento, despesas e quotas partes a pagar por cada Condómino para o período de 01.04.2018 a 31.03.2019, de 01.04.2019 a 31.03.2020 e de 01.04.2020 a 31.03.2021.
c) Que a Requerida liquidou a quantia de 1840,42 euros, em execução no processo n.º 1593/20.1TBLOU, que corre termos pelo Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo de Execução de Lousada, nomeadamente, a sua quota parte nas despesas na 2.ª fase obras edifício, no montante de 64,03 euros, a sua quota parte nas despesas comuns, de janeiro a dezembro de 2015, no montante de 137,64 euros, de janeiro a dezembro de 2016, no montante de 137,64 euros, de janeiro a março de 2017, no montante de 34,41 euros, de abril a dezembro de 2017, no montante de 108,00 euros, de janeiro a dezembro de 2018, no montante de 144,00 euros, de janeiro a dezembro de 2019, no montante de 144 euros e de janeiro a junho de 2020, no montante de 72 euros, 173,20 euros de juros de mora, 25,50 euros, de taxa de justiça e 800 euros de pena pecuniária para custear despesas judiciais e honorários advogado com o recurso à via judicial para cobrar o crédito.
d) A fração autónoma designada pela letra “R” do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória de Registo Predial do Marco de Canavezes, sob o n.º 807, freguesia …, tem um valor de 50 000,00 euros a 60 000,00 euros.
e) A requerida é proprietária de móveis de escritório, 2 secretárias, 3 armários, 3 computadores, 1 fotocopiadora, 5 cadeiras, com o valor global de 2 500,00 euros.
f) Os veículos automóveis propriedade da Requerida têm os seguintes valores: Toyota …, com a matrícula ..-..-NU, o valor de 5 000,00 euros e o Toyota …, com a matrícula ..-..-EQ, o valor de 4 000,00 euros.
g) A requerida continua a ter capacidade de crédito junto das instituições bancárias, tendo créditos, que variam ao longo do tempo entre os 2500,00 euros e os 10000,00 euros.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
IImpugnação da matéria de facto
A requerida, nas suas alegações de recurso, insurge-se contra o ponto 5 da matéria de facto provada [A requerida presta serviços e quem os fatura aos clientes é a sociedade “I…, Lda.] que entende dever ser considerado como não provado.
Tal como se insurge também contra a alínea e) dos factos não provados [A requerida é proprietária de móveis de escritório, 2 secretárias, 3 armários, 3 computadores, 1 fotocopiadora, 5 cadeiras, com o valor global de 2 500,00 euros] que pretende ver incluída no elenco dos provados com a redação “a requerida é proprietária de móveis de escritório”.
Nesse sentido indicou excertos do depoimento prestado pela testemunha F….
Procedemos à sua audição.
F… é contabilista e tem uma habitação no Edifício …, que tem o mesmo condomínio C…. Referiu também que o escritório de contabilidade onde trabalha – “I…, Lda.” - mantém relações de trabalho com a requerida. Disse que a requerida tem património, nomeadamente escritório e duas viaturas automóveis. O escritório é pequeno, mas desconhece a sua área, sendo que permite a existência de dois gabinetes. Tem mobiliário, mais concretamente secretária, cadeiras, móveis de arquivo, computadores. Estava equipado. Não tem ideia dos valores respetivos. Mais referiu que quem tem clientes não é a requerida, é a “I…”, esta é que fatura aos clientes do escritório. A faturação anda pelos 3.500€ a 4.000€ mensais. A fonte de rendimentos da “B…” está relacionada com o que esta fatura à “I…” e, por seu turno, é esta última que fatura aos clientes finais do escritório.
Da apreciação deste depoimento, no qual, conforme escreveu a Mmª Juíza “a quo”, se fundaram os factos provados sob os nºs 5 e 6, decorre que o primeiro destes factos – o nº 5 – deverá permanecer na factualidade assente sem qualquer alteração de redação.
Com efeito, do depoimento prestado por F… resulta que a requerida “B…, SA” presta serviços que fatura à “I…” e depois é esta que fatura aos clientes finais do escritório.
Já quanto à alínea e) dos factos não provados, face a este mesmo depoimento, terá que se concluir que a requerida é proprietária de móveis de escritório, devendo tal facto ser aditado ao elenco dos provados sob o nº 28.
Simultaneamente, porque não confirmado pela testemunha F…, permanecerá como não provado que o valor global desses móveis de escritório ascende a 2.500,00€.
Assim, a impugnação factual efetuada pela recorrente obterá parcial sucesso e como consequência:
- adita-se à factualidade assente o nº 28 com a seguinte redação: “A requerida é proprietária de móveis de escritório.”
- a alínea e) dos factos não provados passa a ter a seguinte redação: “Os móveis de escritório referidos no nº 28 têm o valor global de 2.500,00 euros”.
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II - Ilegitimidade do credor requerente da insolvência
1. A requerida sustenta nas alegações de recurso que o requerente não tem legitimidade para requerer a sua declaração de insolvência, uma vez que o atual administrador do Condomínio C… não é a sociedade que outorgou a procuração ao mandatário subscritor da petição inicial.
O art. 1431º, nº 1 do Cód. Civil estatui que a assembleia de condóminos se reúne na primeira quinzena de janeiro, mediante convocação do administrador, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano.
Sucede que a última assembleia de condóminos C… se realizou no dia 31.3.2017 e que, nesta, a empresa “D…, Lda.” foi reeleita por unanimidade dos presentes para administrar o respetivo condomínio – cfr. nº 25 e ata da assembleia de 31.3.2017.
Essa reeleição seria pelo prazo de um ano, que terminaria em 31.3.2018.
Se fosse vontade dos condóminos que esta administração não continuasse no exercício de funções, teriam de ter convocado uma outra assembleia na qual procederiam à eleição de uma nova administração.
Como não o fizeram a administradora manter-se-á em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor, conforme flui do art. 1435º, nº 5 do Cód. Civil, a que acresce não haver notícia nos autos de que esta tenha renunciado ao cargo.
Assim sendo, a procuração outorgada a favor do mandatário que subscreveu a petição inicial mostra-se corretamente emitida pela administradora “D…, Lda.”.
2. Alega também a requerida que a administradora do condomínio não estava autorizada pela Assembleia Geral para propor a presente ação de insolvência, conforme lhe era imposto pelo art. 1437º do Cód. Civil.
Ora, na Assembleia de Condóminos realizada em 31.3.2017 foi deliberado que a falta de pagamento superior a três meses por parte dos condóminos da sua quota-parte nas despesas comuns dará lugar ao imediato recurso à via judicial para a sua cobrança – cfr. nº 17.
Não foram nesta deliberação definidos quais os concretos meios processuais que a assembleia autorizava a administradora a lançar mão para obter da requerida o pagamento das quotizações em dívida, que ficavam assim em aberto à escolha do própria administradora.
Acontece que entre os meios processuais que se têm de considerar como aptos à cobrança das quotizações em dívida pela requerida se inclui não só a execução, mas também a propositura de ação visando a declaração de insolvência desta.[1]
Deste modo, há que concluir no sentido de que a administradora do condomínio estava autorizada a intentar a presente ação.
3. Prosseguindo, a requerida, ora recorrente, sustenta a ilegitimidade do requerente da insolvência também porque esta não dispõe de título válido para o crédito que invoca, o que fundamenta na circunstância de não se terem realizado outras assembleias depois de 31.3.2017, de tal forma que esta não pode exigir os valores peticionados a título de quotizações para condomínio referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020 e quanto às anteriores a 2017 as mesmas encontram-se prescritas. Afirma ainda que não foi citada para a execução que contra si foi proposta pela requerente e quando o for pretende deduzir embargos. Impugna igualmente o crédito invocado pela requerente a título de penalização pelo pagamento não atempado de quotizações.
Dispõe o art. 20º, nº 1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) que «a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados...»
Conforme escreve Catarina Serra (in “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, 2019, reimpressão, págs. 115/118) “qualquer credor, comercial ou civil, comum ou preferente, pode exercer o poder de propor a abertura do processo de insolvência/requerer a declaração de insolvência do devedor e, embora a norma não o refira expressamente, são irrelevantes o objecto (prestação de coisa ou prestação de facto) e o montante do crédito.”
“…nem os chamados “créditos desprezíveis” ou de montante insignificante constituem uma ressalva geral à legitimidade dos credores. Não fixando limites mínimos para o montante do credor requerente a lei portuguesa está simplesmente em coerência absoluta com a ideia de que no processo de insolvência o requerente não convoca um meio processual destinado (destinado apenas) ao pagamento do seu crédito mas sim um meio processual destinado à tutela de todos aqueles que sejam susceptíveis de ser afectados pela insolvência do devedor. Daí que não seja relevante (ou tão relevante) o montante do crédito desse credor.”
“Em face disto, parece razoável entender que só a título verdadeiramente excepcional é admissível que um credor não tenha legitimidade para o efeito.”
“(…) os titulares de créditos litigiosos não fazem parte dos casos excepcionais, não devendo considerar-se que a litigiosidade contende com a sua legitimidade processual.”
“(…) o que está em causa no art. 20º, nº 1, é a legitimidade processual e não a legitimidade substantiva. Sempre que se trate de um credor, por exemplo, a lei não exige que ele produza prova da qualidade que alega (por exemplo, através da apresentação de um título executivo), mas tão-só que ele proceda à justificação do seu crédito, através da menção da origem, da natureza e do montante do seu crédito (cfr. art. 25º, nº 1).”
“Não há, assim, nenhum impedimento a que o titular de um crédito litigioso ou, para usar a definição do art. 579º, nº 3 do CC, de um crédito que é “contestado em juízo contencioso” possa requerer a declaração de insolvência.”[2]
Em idêntico sentido – de que o credor titular de crédito litigioso tem legitimidade para requerer a insolvência – se pronuncia Menezes Leitão (in “Direito da Insolvência”, Almedina, 8ª ed., pág. 140) ao escrever o seguinte:
“A lei atribui legitimidade para requerer a declaração de insolvência a qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do crédito. É, assim, necessário para se poder requerer a declaração de insolvência apenas a existência do crédito, não se exigindo que o mesmo esteja vencido, e muito menos que o credor possua título executivo, devendo o credor justificar na petição inicial, a natureza, origem e montante do crédito (art. 25º, nº 1), tendo que fazer a prova do mesmo (art. 25º, nº 2). A prova do crédito pode ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas (…), apresentação do contrato que o gerou, ou documentação da conta-corrente.”
Por seu turno, Carvalho Fernandes e João Labareda (in “CIRE Anotado”, Quid Juris, 2ª ed., págs. 202/203), após referirem que, na falta de concreta previsão no texto da lei, se tem discutido sobre a legitimidade de titulares de créditos litigiosos para instaurarem ação de insolvência contra o discutido devedor, escrevem o seguinte:
“Depois de uma fase inicial em que a jurisprudência se inclinou no sentido de uma resposta negativa, parece agora consolidada uma orientação diversa, sustentando essa legitimidade. Assim, decidiu, nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 29/MAR/2012, proferido no processo 1024/10.5 TYVNG.P1.S1.[3]
Tendo em conta os objetivos visados com o processo de insolvência, o regime que o corporiza e os interesses que satisfaz, a que acrescem aspetos complementares não despiciendos, há, realmente, boas razões para o apoio, em geral, desta posição.
Desde logo, mal se compreenderia que um crédito sob condição – sobretudo tratando-se de condição suspensiva – possa legitimar o titular a agir sem que igual faculdade proceda estando em causa um crédito litigioso. (…)”
O Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 17.11.2015 (proc. 910/13.5 TBVVD-G.G1.S1, relator Fonseca Ramos, disponível in www.dgsi.pt) seguiu idêntica orientação expressa no seu sumário:
“I. O art. 20º, nº 1, do CIRE legitima a requerer a insolvência “qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito”, o que bem se coaduna com a natureza do processo de insolvência, e a sua matriz de processo especial de execução universal e concursal do património do devedor insolvente – art. 1º, nº 1.
II. Mais incerto que o crédito litigioso é o crédito “condicional”, sobretudo, se a condição for suspensiva – art. 270º do Código Civil – mas, tendo o credor cujo crédito está sujeito a tal condição, legitimidade para requerer a insolvência, por maioria de razão o credor do crédito litigioso dispõe de igual legitimidade ad causam.”
Há assim a concluir que o requerente/credor, titular de créditos litigiosos porque contestados pela requerida/devedora, dispõe de legitimidade para requerer a insolvência desta. [em idêntico sentido, cfr. também Ac. Rel. Évora de 25.3.2021, proc. 198/20.1 T8OLH-D.E1, relator Mário Silva; Ac. Rel. Coimbra de 3.3.2020, proc. 3422/19.0 T8VIS.C1, relatora Maria João Areias; Ac. Rel. Lisboa de 20.12.2017, proc. 31015/16.6 T8LSB.L1-2, relatora Maria Teresa Albuquerque; Ac. Rel. Porto de 10.2.2015, proc. 864/14.0 TBPVZ.P1, relator Rui Moreira; Ac. Rel. Porto de 13.3.2014, proc. 219/13.4 TBMGD.P1, relator Amaral Ferreira, todos disponíveis in www.dgsi.pt].[4]
4. De regresso à situação dos autos verifica-se, em consonância com o que se deixou expendido, não existir óbice à legitimidade do requerente para vir requerer a insolvência da devedora “B…, Lda.”.
De qualquer modo, relativamente aos argumentos expostos pela requerida, haverá a referir que mesmo que se possa considerar que as despesas comuns dos anos de 2018, 2019 e 2020 não estão aprovadas em Assembleia Geral nem sequer foram objeto de orçamento que tenha sido aprovado nessa Assembleia, tal como não estava previamente aprovada a quota-parte a pagar por cada condómino quanto a essas despesas, isso não significa que elas não tenham existido ou que não possa vir a ser exigido o seu pagamento a cada condómino, na medida da respetiva permilagem.
Tal como argumenta a Mmª Juíza “a quo”, a circunstância de não se realizarem assembleias gerais desde 31.3.2017 não faz com que o prédio não tenha despesas relativas a luz, água, seguro de partes comuns por cujo pagamento são responsáveis os próprios condóminos.
Já no que toca às quotas do ano de 2018 sempre seriam exigíveis as que respeitam aos meses de janeiro, fevereiro e março, atendendo a que se realizou Assembleia Geral em 31.3.2017 e nela foram aprovadas as despesas orçamentadas para o ano seguinte, com início em Abril de 2017 e termo em 31.3.2018, bem como a quota-parte a pagar por cada condómino.
E quanto ao prazo de prescrição quinquenal invocado pela requerida ao abrigo do art. 310º, al. g) do Cód. Civil[5], não se poderá ignorar que este apenas abrangerá prestações com mais de cinco anos.
Como tal, tendo em atenção a factualidade que foi dada como provada nos nºs 7 a 18 e 20, que não foi objeto de impugnação, não cabem dúvidas de que o requerente tem um crédito sobre a requerida, proveniente da falta de pagamento de quotizações referentes às despesas comuns do Edifício …, sendo que da eventual dedução de embargos de executado no âmbito do processo nº 1593/20.1 TBLOU nunca deixaria de resultar a existência desse crédito.
O que naturalmente se questionará é o montante concreto do crédito, o que será apreciado, tal como em relação aos demais créditos sobre a insolvência, em momento ulterior do processo.
Em suma, reafirma-se que o credor/requerente tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência da requerida, tanto mais que, pese embora a litigiosidade do seu crédito, logrou fazer prova da sua existência.
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III - Verificação dos factos presuntivos de insolvência previstos no art. 20º, nº 1, als. b) e g) (i) do CIRE
1. Na sentença recorrida a insolvência da requerida foi declarada com fundamento nas alíneas b) e g) (i) do art. 20º, nº 1 do CIRE, entendimento que, em sede recursiva, mereceu a discordância da requerida.[6]
Vejamos então.
O art. 1º do CIRE diz-nos que «o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.»
Depois, no art. 3º, nº 1 do mesmo diploma estabelece-se que «é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.»
Deverá entender-se que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva é a insuscetibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Poderá assim suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, da mesma forma que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante - Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 85.
O estado de insolvência não é assim imediatamente apreensível, de tal modo que para o tornar manifesto o legislador lança mão de factos que revelam esse estado e que estão descritos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 20º do CIRE, sendo designados usualmente por factos-índices ou presuntivos da insolvência.
São os seguintes:
a) a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) a fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou o abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) a dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e a constituição fictícia de créditos;
e) a insuficiência dos bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) o incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do art. 218º do CIRE;
g) o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de alguns seguintes tipos; i) tributárias; ii) de contribuições e quotizações para a segurança social; iii) emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação desse contrato; iv) rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) sendo o devedor uma das entidades referidas no nº 2 do art. 3º, a manifesta superioridade do passivo sobre o ativo segundo o último balanço efetuado, ou o atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objetivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir daí, fazer a demonstração efetiva da situação de penúria traduzida na insuscetibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida, no art. 3º, nº 1 do CIRE, como característica nuclear da situação de insolvência.
Caberá então ao devedor, se nisso estiver interessado e o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Isto é, caber-lhe-á elidir a presunção emergente do facto-índice, solução que, de resto, resulta do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 30º do CIRE.[7]
O incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto-índice, quando pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar, devendo o requerente, então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias, das quais seja razoável, uma vez demonstradas, deduzir a penúria generalizada.
Só não será assim quando o incumprimento diga respeito a um dos tipos de obrigações enumeradas na alínea g), porquanto, tal ocorrência, verificada pelo período de seis meses aí referido, fundamenta, só por si, sem necessidade de outros complementos, a instauração de ação pelo legitimado, deixando para o devedor o ónus de demonstrar a inexistência da impossibilidade generalizada de cumprir e, logo, da insolvência - Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 205/6.
Neste contexto, poder-se-á afirmar que ao requerente cabe-lhe demonstrar um qualquer dos factos-índices enumerados no nº 1 do art. 20º do CIRE e o requerido poderá fundar a sua oposição, alternativa ou conjugadamente, na não verificação do facto-índice em que o pedido se baseia ou na inexistência da situação de insolvência - Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 243/4. [8]
2. Principiando pela alínea b) – [falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações] –, que a Mmª Juíza “a quo” considerou verificada, há desde logo a sublinhar, na linha do que já atrás se escreveu, que este facto indiciador da insolvência não se basta com o mero incumprimento de uma ou de algumas das obrigações vencidas. É igualmente imprescindível que o incumprimento, pelo seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, o que impõe que o requerente alegue e prove, para além da obrigação incumprida, as circunstâncias em que ocorre esse incumprimento, de modo a poder-se concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada.[9]
Importam aqui factos que preencham a insatisfação de uma ou mais obrigações e o circunstancialismo que a rodeou, e que sejam tidos como idóneos e vocacionados para, razoavelmente e em consonância com os ditames próprios da experiência comum, fazer concluir pela falta de meios do devedor para solver em tempo os seus vínculos.[10]
Ou seja, do incumprimento terá que se inferir a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos.[11]
E será que tal é possível no presente caso?
A nossa resposta será afirmativa.
Com efeito, da factualidade dada como assente emerge, de forma clara, a precariedade da situação económico-financeira da requerida, atendendo a que esta não gera receitas que lhe permitam ter liquidez suficiente para pagar uma larga panóplia de créditos vencidos.
Senão vejamos:
- a requerida deve à Segurança Social um montante global de 4.758,36€, que respeita a contribuições vencidas referentes aos meses de setembro a dezembro de 2011, janeiro a dezembro de 2012 e janeiro, fevereiro e dezembro de 2013 – cfr. nº 3;
- a requerida é devedora à Autoridade Tributária do montante global de 15.587,61€, que se reporta a taxas de portagem, vencidas em 3.1.2017, no montante parcial de 255,40€, vencidas em 21.2.2017, no montante parcial de 110,87€, vencidas em 22.5.2017, no montante parcial de 1.467,39€, vencidas em 24.8.2017, no montante parcial de 913,70€, vencidas em 11.9.2017, no montante parcial de 911,03€, vencidas em 3.1.2017, no montante parcial de 3,90€, vencidas em 22.12.2017, no montante parcial de 101,25€, vencidas em 16.2.2018, no montante parcial de 10,38€, vencidas em 13.8.2018, no montante parcial de 174,38€ e vencidas em 9.11.2016, no montante parcial de 51,19€ - cfr. nº 4;
- esse montante global de 15.587,61€ reporta-se também a IVA vencido em 4.12.2015, no montante parcial de 352,68€, vencido em 8.3.2017, no montante parcial de 360,32€, vencido em 5.9.2017, no montante parcial de 238,57€, vencido em 11.12.2017, no montante parcial de 284,92€, vencido em 1.3.2018, no montante parcial de 737,57€, vencido em 8.6.2018, no montante parcial de 395,03€, vencido em 4.9.2018, no montante parcial de 301,36€, vencido em 6.12.2018, no montante parcial de 497,68€, vencido em 30.8.2019, no montante parcial de 484,55€, vencido em 2.12.2019, no montante parcial de 638,90€, vencido em 11.9.2020, no montante parcial de 800,23€ e ainda a IMI vencido em 30.4.2017, no montante parcial de 71,94€ - cfr. nº 4;
- a requerida também não procedeu ao pagamento das quotizações devidas ao condomínio nos anos de 2015 e 2016 e ainda no período compreendido entre 31.3.2017 e 31.3.2018 nos valores mensais de 11,47€ e 12,00€, tal como não pagou a sua quota-parte nas despesas realizadas com as obras no edifício … no valor de 464,03€ - cfr. nºs 7, 10, 11, 14, 15 e 16.
Constata-se assim que a requerida tem contribuições em dívida à Segurança Social há quase dez anos por remontarem ao período compreendido entre setembro de 2011 e dezembro de 2013.
Tem igualmente dívidas à Autoridade Tributaria que se vêm acumulando ao longo dos anos de 2015 a 2020, sendo que parte delas se referem ao não pagamento de taxas de portagem relativas à circulação por vias concessionadas, situando-se em valores pouco significativos.
Como pouco significativos são os valores em dívida correspondentes a IVA e a IMI e ainda as quotizações mensais a pagar ao Condomínio C… em montantes de 11,47€ e 12,00€.
Tal como se entendeu na sentença recorrida, a dificuldade que a requerida vem evidenciando ao longo dos anos - e estamos a referir um espaço temporal que se aproxima da década – no pagamento de quantias de tão pouca expressão, como são as respeitantes às taxas de portagem e às quotizações do condomínio, não deixa dúvidas quanto à sua falta de liquidez e à incapacidade em gerar receitas.
Aliás, é importante sublinhar que a requerida nem sequer fez prova de que desde 2015 até ao presente tenha pago qualquer quantia a título de quotizações mensais devidas ao condomínio, apesar do seu baixo montante.
Por outro lado, se existe todo um largo conjunto de dívidas, algumas delas já bastante antigas, à Autoridade Tributária e à Segurança Social, também se terá de atentar em que a requerida não apresentou junto da Autoridade Tributária as suas declarações de IES[12] referentes aos exercícios de 2019, 2018 e 2017, nos prazos legalmente previstos para esse efeito, tendo-o feito apenas em 22.12.2020, depois de o Tribunal a notificar para juntar tais documentos aos autos, tal como não depositou as suas contas na Conservatória de Registo Comercial referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019 (cfr. nºs 26 e 27).
Assim, neste contexto factual, o valor e a antiguidade da generalidade das dívidas que a requerida contraiu perante a Segurança Social, a Autoridade Tributária e o condomínio C… levam-nos a extrair a conclusão de que estas situações de falta de cumprimento de obrigações, pelas circunstâncias em que este ocorre, onde não é despiciendo salientar a dificuldade que é evidenciada no pagamento de quantias de valor pouco significativo, revelam a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Por conseguinte, tem-se por verificado o facto presuntivo a que alude a alínea b) do nº 1 do art. 120º do CIRE, o que imporá a declaração de insolvência da requerida.
3. Já no que toca à alínea g) (i) [incumprimento generalizado nos últimos seis meses de dívidas tributárias], também referenciada pela Mmª Juíza “a quo”, entendemos que a mesma não poderá ser considerada, porque apesar das dívidas tributárias se virem acumulando já há diversos anos, no marco temporal referido por esta alínea – seis meses – apenas há notícia de um incumprimento relativo ao IVA vencido em 11.9.2020.
4. Por último, a requerida procura obstar à sua declaração de insolvência com o argumento de que valor da fração autónoma que se encontra registada em seu nome ascende a 32.805,00€ [nº 24], ao passo que o seu passivo conhecido, resultante dos factos provados, se circunscreverá a cerca de 31.000,00€.
A requerida tem ainda em seu nome dois veículos automóveis, com matrículas de 2000 e de 2004, respetivamente, tal como é proprietária dos móveis que compõem o seu escritório [nºs 21 e 28].
É, pois, certo que o ativo da requerida, que se consubstancia praticamente na sua totalidade num imóvel, supera o passivo que lhe é conhecido.
Porém, a existência de um ativo que seja superior ao passivo, enquanto elemento determinativo da exclusão da insolvência, só releva se este ilustrar um quadro de viabilidade económica, do qual flua para a requerida a capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.[13]
Sucede que este quadro não se revela no caso “sub judice”, como o atesta a permanência ao longo dos anos, sem serem solvidas, de dívidas de reduzido valor que evidenciam a debilidade económico-financeira da requerida e a sua falta de solvência.
Na verdade, nenhum sentido faz que uma empresa solvente, com capacidade de gerar receitas e cumprir pontualmente as suas obrigações, não proceda ao pagamento de taxas de portagem de valor reduzido ou de quotizações mensais para o condomínio que se circunscrevem a montantes tão insignificantes como 11,47€ ou 12,00€.
Mas mais argumentos ainda se deverão ter em conta no tocante à impossibilidade de, apesar do valor do seu ativo, se fazer qualquer previsão favorável relativamente à solvência da requerida.
É que, conforme se refere na sentença recorrida, a requerida presta serviços, mas quem os fatura aos clientes é a sociedade “I…, Lda.” [nº 5]. Mais: a requerida permite que esta sociedade tenha as suas instalações no mesmo local onde exerce a sua atividade – fração autónoma “R” do Edifício …, sito na Rua …, nº …, Marco de Canavezes – e onde mantém uma funcionária, F… [nº 6]; as sociedades estão especialmente relacionadas, já que têm ou tiveram nos últimos três anos um sócio e gerente comum, tal como têm objectos sociais idênticos.
E deste contexto factual conclui, a nosso ver, acertadamente a Mmª Juíza “a quo”: “…afigura-se ao tribunal que a requerida tem plena consciência do seu estado de insolvência, porém, vai protelando a sua apresentação à insolvência para evitar a liquidação dos escassos bens que possui, designadamente a fração autónoma designada pela letra “R”, do Edifício … sito na Rua …, nº …, Marco de Canavezes, onde permite que labore uma sociedade consigo especialmente relacionada, sem qualquer contrapartida visível, com o mesmo objeto social e cujo nome facilmente se confunde com o seu, induzindo em erro clientes e credores.”
Assim, no tocante à declaração de insolvência da requerida que se impõe por força da verificação do facto presuntivo da alínea b) do art. 120º, nº 1 do CIRE, há a referir que em nada justifica a exclusão da insolvência a circunstância daquela ser proprietária de um imóvel cujo valor supera o seu passivo conhecido.
É que da propriedade deste imóvel não decorre que a requerida tenha capacidade de gerar receitas que permitam assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.
Consequentemente, impõe-se julgar improcedente o recurso interposto pela requerida, confirmando-se a decisão que declarou a sua insolvência.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela requerida “B…, Lda.” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 27.4.2021
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Querido
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[1] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 19.10.2017, proc. 1365/17.0 T8VCT-C.G1, relator José Alberto Moreira Dias, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Esta ilustre Professora e Juíza Conselheira escreveu também um estudo intitulado ““O Fundamento Público do Processo de Insolvência e a Legitimidade do Titular de Crédito Litigioso para Requerer a Insolvência do Devedor”, publicado na Revista do Ministério Público, Ano 34, nº 133, Janeiro-Março/2013, págs. 97 a 133, onde apresentou as seguintes conclusões: 1ª) Os titulares de créditos litigiosos não estão inibidos de requerer a declaração de insolvência do devedor, ao abrigo da norma do art. 20.°, n° 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; 2.ª) O hipotético “excesso de litigiosidade” do crédito não tolhe a legitimidade do credor para pedir a declaração de insolvência do devedor”.
[3] Relator Fernandes do Vale e em cujo sumário se escreveu o seguinte: “I – O titular de crédito litigioso encontra-se legitimado, ao abrigo do preceituado no art. 20º, nº1, do CIRE, para requerer a declaração de insolvência do respectivo devedor; II – Trata-se, “in casu”, de legitimidade processual ou “ad causam”, não contendente com o mérito da causa a que diz respeito a existência ou inexistência do controvertido crédito.” (disponível in www.dgsi.pt).
[4] Em sentido divergente, de que carece de legitimidade para requerer a declaração de insolvência o requerente cujo crédito que serve de fundamento ao pedido de declaração de insolvência se mostra litigioso, cfr., por ex., Ac. Rel. Coimbra de 3.12.2009, proc. 3601/08.5 TJCBR.C1, relator Emídio Costa e Ac. Rel. Porto de 5.3.2009, proc. 565/08.9 TYVNG, relator Cruz Pereira, disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Preceitua-se aqui que prescrevem no prazo de cinco anos “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.”
[6] Nas suas alegações de recurso a requerida discorre também sobre a não verificação “in casu” do facto-índice previsto na alínea a) do nº 1 do art. 20º do CIRE, o qual, porém, não merecerá a nossa atenção por não ter sido considerado na sentença recorrida.
[7] É a seguinte a redacção destes preceitos: «Nº 3 – A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência. Nº 4: Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no nº 3 do art. 3.»
[8] Sobre a questão que se vem apreciando cfr. também os Acórdãos da Relação do Porto de 26.10.2006, p. 0634582, relator Amaral Ferreira, de 4.10.2007, p. 0733360, relator Ataíde das Neves e de 14.9.2010, p. 6401/09.1 TBVFR.P1, relator Rodrigues Pires, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Acs. Rel. Porto de 14.9.2010, p. 2793/08.8 TBVNG.P1, relator Guerra Banha, de 18.6.2013, p. 3698/11.0 TBGDM-A.P1, relator Fernando Samões e de 22.9.2014, p. 258/14.8 TJPRT-B.P1, relatora Ana Paula Amorim, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 24.5.2011, p. 221/10.8TBCDV-A.L1-7, relator Luís Lameiras, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. também Menezes Leitão, ob. cit., 8ª ed., pág. 143.
[12] Informação Empresarial Simplificada (IES) é a declaração anual que todas as empresas e empresários com contabilidade organizada estão obrigados a entregar para cumprimento das suas obrigações fiscais, contabilísticas e estatísticas.
[13] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 20.11.2007, proc. 1124/07.9 TJCBR-B.C1, relator Teles Pereira, disponível in www.dgsi.pt.