Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2887/20.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: RETRIBUIÇÃO
ATRIBUIÇÃO DA VIATURA
IRREDUTABILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP202206082887/20.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSOS PRINCIPAL E SUBORDINADO IMPROCEDENTES; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A noção de retribuição, abrange quer a retribuição base, isto é, “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido”, quer todas as demais prestações que tenham caráter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho.
II - Provado que a atribuição da viatura para utilização diária para uso profissional e pessoal, fazia parte das condições remuneratórias que vigoravam na empresa S... para a contratação dos técnicos comerciais/analista de crédito, sendo nesse contexto que foi atribuída viatura ao autor, gerando neste a convicção de que tal era um complemento atribuído pelo seu trabalho e como tal constituía parte do seu salário, factor essencial para que aceitasse celebrar o contrato de trabalho, bem assim que desde o início da relação laboral até 30 de Novembro de 2017, foram-lhe sucessivamente atribuídas viaturas, que sempre utilizou exclusivamente, quer a nível profissional quer a nível pessoal, neste último caso inclusivamente nos períodos em que não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer, sempre assumindo as entidades empregadoras que se sucederam e a quem foi sendo transmitido o seu contrato de trabalho todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura, conclui-se que tal atribuição consubstancia uma prestação em espécie, regular e periódica que se traduz numa substancial vantagem económica, logo, com natureza retributiva, consequentemente integrando a sua retribuição e estando a entidade empregadora vinculada, com carácter de obrigatoriedade a assegurar-lhe essa prestação em contrapartida da prestação de trabalho.
III - Beneficiando, por isso, da garantia da irredutibilidade da retribuição, não podia a Ré ter determinado a entrega do veículo, como o fez, assim violando o disposto no art.º 129.º/1 al. d), do CT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2887/20.1T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto -, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra Y..., S.A. do Banco 1...,., a qual foi distribuída ao Juiz 2, formulando os pedidos de condenação da Ré seguintes:
a)ser declarado que o direito à atribuição de uma viatura automóvel ao Autor para uso exclusivo quer pessoal quer profissional, sem qualquer limite, suportando o empregador todas os encargos para o efeito se encontra entre as condições remuneratórias acordadas entre o Autor com a sociedade S..., para a sua admissão e como tal integra a sua retribuição e como tal tem natureza retributiva.
b) ser declarado que o direito à atribuição de uma viatura automóvel ao Autor para uso exclusivo pessoal, representava uma vantagem patrimonial no valor mensal de 800,00 € para o Autor.
c) ser declarado que a decisão unilateral da Ré de retirar ao Autor a viatura automóvel que este utilizava, em exclusivo, e para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a S... e depois a Ré, todas as despesas, sem qualquer limite, constitui uma violação do disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho.
d) ser a Ré, condenada a atribuir uma viatura automóvel ao Autor, dentro da gama que lhe estava atribuída – de marca Seat, modelo ..., para este utilizar, em exclusivo, e para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a Ré, todas as despesas.
e) ser a Ré, condenada a disponibilizar um lugar de aparcamento para a viatura automóvel utilizada pelo Autor e para este utilizar em exclusivo, para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a Ré, todas as despesas.
f) ser a Ré condenada a pagar a quantia mensal de € 800,00, desde o dia 30 de novembro de 2017 e assim sucessivamente, até à data de atribuição efectiva da viatura a que o Autor tem direito. No entanto, caso se entenda que os autos não contêm todos os elementos que permitam a fixação de um valor relativo ao benefício pessoal usufruído pelo Autor com a disponibilização da viatura, haverá que se proferida uma condenação ilíquida, remetendo o apuramento do quantum devido a esse título para liquidação de sentença, o que desde igualmente já se requer.
g) quantias essas acrescidas dos juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos desde as respectivas datas de vencimento (30 de cada mês) e até integral pagamento;
h) ser a Ré condenada a pagar ao Autor o montante de 4.000,00 €, a título de danos não patrimoniais.
Alega o Autor, no essencial, que como complemento remuneratório, ao longo do contrato de trabalho que mantém com a Ré foram-lhe atribuídos veículos automóveis para uso no trabalho e na sua vida particular. Porém, de forma unilateral e violando o disposto no art.º 129.º n.º 1, alínea d), do CT, aquela veio a retirar-lhe o veículo, reduzindo a sua remuneração e provocando-lhe despesas e danos de natureza não patrimonial.
Realizada a audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, foi a Ré notificada para apresentar contestação, o que fez, em tempo.
Na sua contestação veio a Ré alegar que o uso do veículo pelo Autor na sua vida pessoal não resultou de qualquer obrigação contratual assumida por si, mas antes de uma tolerância; a atribuição do veículo foi para o desempenho das funções, enquanto se justificasse, ou seja, de forma precária, o que era do conhecimento daquele.
Findos os articulados, o tribunal a quo procedeu ao saneamento dos autos fixou o objeto do litígio, os factos assentes por acordo e os temas de prova.
Foi proferido despacho fixando o calor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do legal formalismo, como resulta da respetiva ata.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, encerrada com o dispositivo seguinte:
Nestes termos, julgo parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente:
a) declaro que o direito à atribuição de uma viatura automóvel ao Autor para uso exclusivo quer pessoal quer profissional, sem qualquer limite, suportando o empregador todas os encargos para o efeito se encontra entre as condições remuneratórias acordadas entre o Autor com a sociedade S..., para a sua admissão e como tal integra a sua retribuição e como tal tem natureza retributiva.
b) declaro que a decisão unilateral da Ré de retirar ao Autor a viatura automóvel que este utilizava, em exclusivo, e para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a S... e depois a Ré, todas as despesas, sem qualquer limite, constitui uma violação do disposto na al. d), do nº 1 do artº 129º, do Código do Trabalho.
c) condeno a Ré a atribuir uma viatura automóvel ao Autor, dentro da Gama que lhe estava atribuída – de marca Seat, modelo ..., para este utilizar, em exclusivo, e para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a Ré, todas as despesas.
d) condeno a Ré a disponibilizar um lugar de aparcamento para a viatura automóvel utilizada pelo Autor e para este utilizar em exclusivo, para seu uso profissional e pessoal, sem qualquer limite, suportando a Ré, todas as despesas.
e) condeno a Ré a pagar ao Autor o montante de € 1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais.
f) condeno a Ré a pagar ao Autor as quantias correspondentes à retribuição em espécie constituída pela utilização pessoal do veículo automóvel que lhe estava atribuído e de que esteve privado desde 30 de novembro de 2017, cujo apuramento se relega para incidente de liquidação de sentença, acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da data do trânsito da decisão da respetiva liquidação.
No demais, vai a Ré absolvida do pedido.
Custas a cargo da Ré, sendo que em relação à parte do pedido para cuja execução se remete, provisoriamente se condena a Ré, devendo a responsabilidade das partes, nesta parte ser fixada após decisão a proferir no incidente de liquidação.
Quanto ao pedido de compensação pelos danos de natureza não patrimonial, são as custas a cargo de Autor e Ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique».
I.3 Inconformada com a sentença a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. As alegações de recurso foram finalizadas com as conclusões seguintes:
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I.4 O recorrido autor apresentou contra-alegações e interpôs recurso subordinado, tendo formulado as conclusões seguintes:
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I.4.1 Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso subordinado do autor.
I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência dos recursos, na consideração, no essencial, que “a sentença em recurso não merece censura, atentos os fundamentos de facto e de direito que determinaram” a procedência da acção.
I.6 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Questão prévia
O Autor veio pugnar pela inadmissibilidade do articulado de recurso apresentado pela Recorrente, defendendo que sendo “uma grande litigante - deveria ter liquidado uma taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), no montante de € 918,00”.
Conclui que não tendo a recorrente “cumprido o estabelecido no RCP, devem as alegações de recurso serem rejeitadas, o que desde já se requer”.
No despacho sobre a admissibilidade do recurso, o tribunal a quo pronunciou-se com segue: «Uma vez que a “Banco 1...” assume a posição passiva de Ré, não há lugar à aplicação do disposto no art.º 13.º do RCP”.
Apreciando, cabe atentar no n.º 3, do art.º 13.º do RCP, onde se estabelece o seguinte:
3 - Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela i-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela ii-B.
Se bem atentarmos na norma, a taxa de justiça agravada aí prevista, quando verificadas as condições enunciadas, “é fixada, para qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução intentado pela sociedade” [sublinhado nosso], significando isso, quando a sociedade “tem de proceder ao pagamento da taxa de justiça na posição de exequente, de autor nas acções, e de requerente nos procedimentos cautelares e nos procedimentos de injunção” [Cfr., Salvador da Costa Regulamento das Custas Processuais, 3ªedição, 2011, página 265].
Ou seja, a sociedade comercial será “responsável passivo” quanto assuma a posição processual activa de autora, requerente ou exequente. Nesse sentido, elucida o Ac. TC n.º 238/214, de 6 de Março de 2014, o seguinte:
-«[..] a fixação de taxa de justiça em cada processo passou a ter relação não apenas com parâmetros objetivos, como a natureza e o valor da causa, mas também com fatores subjetivos, em função da condição e escopo do sujeito jurídico que assume a posição de autor ou demandante – sociedade comercial - temperado por critério objetivo delimitador do nível de litigiosidade global que tenha induzido no sistema administrativo de justiça no ano anterior – instauração de mais de 200 ações, procedimentos ou execuções”.
Por conseguinte, não tem o autor e recorrido razão ao vir defender que a Ré deveria ter liquidado a taxa de justiça agravada, nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais, para pugnar pela rejeição das alegações de recurso.
Por último, tendo o autor dado causa a incidente anómalo, no qual decai, deverá ser condenado nas respectivas custas [art.º 7.º n.º 8, do RCP].
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos quanto ao seguinte:
i) Recurso da Ré:
1. Ao ter concluído que a utilização da viatura de serviço pelo autor integra a sua retribuição;
2. Ainda que assim se entenda, ao concluir da sua cessação decorreu uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição;
3. Ao condenar a Recorrente no pagamento ao Recorrido de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de 1.000,00 €.
ii) Recurso subordinado: Ao fixar valor da indemnização em € 1.000,00, ao invés dos € 4 000,00 pedidos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que segue:
1.O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da sociedade S..., S.A.
2.Desde essa data, a viatura foi sempre utilizada exclusivamente pelo Autor quer a nível profissional, quer a nível pessoal tendo a S... suportado todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura.
3.Inclusivamente nos períodos em que o Autor, não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de- semana, férias, feriados e demais momentos de lazer.
4.Em 30 de dezembro de 2004 verificou-se a fusão com incorporação global do património das sociedades I..., S.A., L..., S.A. e X..., S.A., sendo todas integradas na Y..., S.A. do Banco 1... (Y...), ora Ré.
5.Como tal, a transmissão da posição de empregadora para a ora Ré, por efeito da referida fusão, operou-se assumindo esta os direitos e deveres inerentes à relação contratual com o Autor.
6.Pelo que, o Autor não celebrou qualquer contrato de trabalho novo ou renunciou a quaisquer direitos laborais, como tal o respectivo vínculo não sofreu qualquer alteração ou interrupção.
7.Tendo a Ré assumido a categoria, o horário, a retribuição e demais complementos auferidos pelo Autor, nomeadamente, remuneração complementar, isenção de horário de trabalho, subsídio infantil, diuturnidades.
8.Actualmente o Autor detém a categoria de Técnico de grau III.
9.Assim, entre dezembro de 2004 e até 30 de novembro de 2017, ao Autor foram disponibilizadas as seguintes viaturas:
a)Toyota ..., cor preta, com a matrícula ..-DH-.. (2007);
b)Renault ..., cor branca, com a matrícula ..-JB-.. (2013);
c)..., cor preta, com a matrícula ..-OP-.. (2014);
d)Seat ..., cor cinza, com a matrícula ..-QO-.. (2016).
10.A W..., S.A do Banco 1...., por via do contrato de cedência celebrado em 13 de Junho de 2015 e, ainda que temporariamente, a Banco 1..., S.A., por via do contrato de cedência celebrado em 15 de Setembro de 2017.
11.A No dia 27 de outubro de 2017, pelas 11.50 horas, o Director de Recursos Humanos da Ré enviou um e-mail ao Autor com o seguinte teor:
«Bom dia,
Como é do seu conhecimento, no âmbito da atual “Politica Corporativa de Viaturas de Serviço”, vigente no Grupo Banco 1... e vertida na Ordem de Serviço nº ... da Banco 1... e na ordem de serviço nº ... da Y..., foram definidas as regras no que respeita à aquisição, composição e gestão do parque de viaturas de serviço da Banco 1... e das ..., bem como à atribuição e cessação do respetivo uso, não estando previsto no ponto 4.3. dos normativos a disponibilização de viaturas de serviço a colaboradores com as categorias/funções não indicadas nos quatro escalões.
Assim, deverá proceder ao cumprimento dos termos fixados nos normativos em vigor.
Para o efeito, informamos que a viatura poderá ser entregue a partir do próximo dia 31, após contacto prévio do Z..., para assegurar os procedimentos logísticos necessários à recolha da viatura”.
12.No mesmo dia (27 de outubro de 2017), pelas 17.01 horas, o Director de Recursos Humanos da Ré enviou um novo e-mail ao Autor com o seguinte teor:
«No seguimento da comunicação hoje efectuada, quanto à devolução da viatura, informamos que a Via Verde e o Cartão de Combustível ... deverão ser entregues ao DGF – Departamento de Gestão de Fornecedores, até ao próximo dia 31 de Outubro.».
13.O Autor adquiriu a viatura que lhe estava atribuída, Seat ..., cor cinza, com a matrícula ..-QO-...
14.No final de novembro de 2017, o Autor, de acordo com as instruções recebidas, procedeu à entrega do cartão ..., cartão de acesso ao Parque de estacionamento, tendo apenas solicitado a manutenção do identificador da via verde.
15.No entanto, após a aquisição do veículo pelo Autor e no decurso do contrato de cedência com a Banco 1... apenas lhe foram liquidadas às despesas referentes aos quilómetros e portagens, entre novembro 2017 a janeiro de 2019.
16.A Ré atribuiu ao Autor a quantia mensal de € 173,55, para as suas deslocações.
Do julgamento:
17.O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da sociedade S..., S.A, em 22 de junho de 1992, para a delegação do Porto, por tempo indeterminado e para desempenhar as funções inerentes à categoria de técnico comercial/analista de crédito.
18.No âmbito das condições remuneratórias inerentes ao contrato celebrado e no próprio dia 22 de junho de 1992 foi-lhe atribuída uma viatura para uso profissional e pessoal, de marca ..., modelo ....
19.Desde essa data, a viatura foi sempre utilizada exclusivamente pelo Autor quer a nível profissional, quer a nível pessoal tendo a S... suportado todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura,
20.Inclusivamente nos períodos em que o Autor, não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer, a viatura era exclusivamente utilizada por este.
21.A atribuição da viatura para utilização diária para uso profissional e pessoal, fazia parte das condições remuneratórias que vigoravam na empresa S... para a contratação dos técnicos comerciais/analista de crédito.
22.Atribuição que foi efetuada ao Autor, nesse contexto, e sem qualquer enquadramento normativo, nomeadamente regulamentos internos, gerando no Autor a convicção de que a disponibilização da viatura de afetação profissional e pessoal era um complemento atribuído pelo seu trabalho e como tal constituía parte do seu salário.
23.Entre junho de 1992 e setembro 1995, ao Autor foram atribuídas pelo menos 3 viaturas, sendo uma um Opel ... preto e posteriormente em sua substituição um Ford Escort cabriolet de cor branca e em substituição deste último um wolkswagen ... de cor preta, que o Autor as utilizou exclusivamente e ininterruptamente, quer na vida profissional, quer na vida pessoal.
24.Incluindo no gozo das licenças quer do seu primeiro casamento ocorrido em 16 de abril de 1994, quer do segundo casamento ocorrido em 18 agosto de 2006 e no gozo das licenças de parentalidade das suas duas filhas, BB (1998) e CC (2013)
25.A partir de meados de outubro de 1995, a S... cedeu os seus funcionários à L..., S.A.
26.O Autor transitou então para a referida sociedade, sem prejuízo da antiguidade reportada a 22 de junho de 1992 e demais retribuições pecuniárias, nomeadamente a mesma viatura que lhe havia sido atribuída e que continuou a utilizar como sempre o fizera na S....
27.No âmbito da L... foram-lhe atribuídos, pelo menos, dois veículos novos, sendo um de marca Mitsubishi, modelo ... de cor verde, para substituição de outro anterior (Wolkswagen ... de cor preta) e posteriormente, em sua substituição um de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-XA.
28.Na sequência da fusão a ora Ré continuou a assegurar ao Autor a sua retribuição e demais complementos remuneratórios, entre eles, uma viatura para uso profissional e pessoal, no caso de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-XA.
29.Entre dezembro de 2004 e até 30 de novembro de 2017, ao Autor foram disponibilizadas, para além das referidas em 9) as seguintes viaturas:
a)Toyota ... SW, cor preta, com a matrícula ..-..-XA (2004);
b)Renault ..., cor branca, com a matrícula ..-JC-.. (2010);
c)..., cor mel, com a matrícula ..-IX-.. (2012);
30. As quais, continuaram a ser sempre utilizadas exclusivamente pelo Autor quer a nível profissional, quer a nível pessoal tendo a Y... ou as empresas a quem esta cedeu o Autor, na qualidade de seu trabalhador, continuado a respeitar as condições remuneratórias atribuídas ao Autor pela S....
31.Nomeadamente, a W..., S.A do Banco 1...., por via do contrato de cedência celebrado em 13 de junho de 2015.
32.E, ainda que temporariamente, a Banco 1..., S.A., por via do contrato de cedência celebrado em 15 de setembro de 2017. 33.Disponibilizando-lhe sempre uma viatura de afetação para uso profissional e pessoal, suportando todas as despesas inerentes à utilização da mesma, nomeadamente, impostos, seguros, revisões e manutenções, pneus, lavagens, gasolina através de um cartão ..., portagens através da atribuição de um identificador da via verde, inclusive lugar de estacionamento pago a 150 metros seu local de trabalho, sem qualquer limite.
34.Quer nos períodos em que o Autor se encontrava de serviço, quer nos períodos em que o Autor não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer.
35.Continuando a gerar no Autor, à semelhança dos seus colegas, a convicção d que a disponibilização da viatura de afetação profissional e pessoal era um complemento atribuído pelo seu trabalho e como tal constituía parte do seu salário.
36.Este complemento salarial, foi sempre disponibilizado ao Autor inicialmente pela S..., posteriormente pela L... e após pela Ré bem como pelas sociedades a quem o Autor, na qualidade de trabalhador da Ré foi cedido, desde o ano da contratação, ou seja, há mais de 27 anos.
37.Em resultado da proposta de contrato de trabalho efetuada pela Ré (à data S...) ao Autor há mais de 27 anos e por este aceite.
38.O referido complemento salarial foi e é um elemento essencial para que o Autor aceitasse celebrar o contrato de trabalho com a S....
39.Este complemento foi sempre integralmente cumprido quer pela S..., quer pela L..., quer pela ora Ré (Y...), quer pelas sociedades a quem o Autor foi cedido enquanto trabalhador da Y..., até 30 de novembro de 2017, de forma mensal e ininterrupta, reiterada e sem reservas, mesmo nos períodos de licença de casamento e parental do Autor e independentemente da categoria e das funções atribuída ao Autor.
40.Gerando na Autor a convicção de que o referido complemento salarial constituí parte do seu salário.
41.Com o qual o Autor conta mensalmente e há mais de 25 anos para fazer face aos seus compromissos mensais, familiares e demais atividades de lazer.
42.De tal forma que o Autor durante este período (junho de 1992 a 30 de novembro de 2017) nunca necessitou de um veículo automóvel a título particular.
43.Quando o Autor se encontrava privado da utilização das referidas viaturas por questões inerentes à manutenção das mesmas ou por qualquer outro motivo, era-lhe prontamente disponibilizada uma viatura de substituição para seu uso exclusivo quer a nível profissional, quer a nível pessoal, sem qualquer custo.
44.Desde o ano de 2000, o domicílio pessoal do Autor é na cidade de Viana do Castelo.
45.Correndo os encargos de manutenção ou reparação da viatura substituída por conta dos empregadores, inicialmente S... e posteriormente a L... e após a Ré ou das sociedades a quem prestava serviço no âmbito dos contratos de cedências.
46.Nos contratos de cedência celebrados com o Autor, a viatura que lhe estava atribuída acompanhava o Autor nas suas novas funções e para seu uso profissional e pessoal.
47.Sempre que o Autor tivesse que incorrer em alguma despesa quer no uso da viatura de substituição, quer no uso da viatura substituída, nomeadamente, gasolina, parques, inspeção periódica ou lavagens, a mesma era reembolsada quer pela Ré, quer pelas sociedades a quem o Autor foi cedido enquanto trabalhador da Y..., não suportando o Autor qualquer custo efetivo pela utilização das mesmas.
48.Sendo esta a realidade do Autor há mais de 25 anos.
49.Em consequência do referido em 11) e 12), o Autor viu-se “forçado” a adquirir uma viatura para efetuar as suas deslocações quer pessoais, quer profissionais, nomeadamente para efetuar a sua deslocação diária de Viana do Castelo, onde reside, para o Porto onde tinha e tem o seu domicílio profissional.
50.A atribuição de viatura para utilização quer profissional quer pessoal pela Ré no âmbito do contrato de trabalho existente com o Autor manteve-se inalterada até final de novembro de 2017.
51.Data a partir da qual a Ré, não mais disponibilizou ao Autor, viatura para a sua utilização exclusiva, quer para uso profissional, quer para uso pessoal, não mais disponibilizou o lugar de estacionamento para uso do Autor, sito no ..., no Porto.
52.Retirando unilateralmente o valor do complemento mensal variável, de valor não apurado e com o qual se locupletou.
53.O Autor vendeu o seu veículo referido em 13) em 2019.
54. Após julho de 2019 o Autor regressou à Y..., mantendo o seu domicílio profissional no Porto.
55.O passe para que o Autor se desloque de Viana ao Porto para trabalhar tem um custo de € 179,30.
56.A situação referida em 51) provocou e continua a provocar desgaste no Autor, pois desde novembro de 2017 ficou preocupado com as consequências que poderiam advir do aumento de despesas por via da aquisição do veículo que lhe estava atribuído e consequente diminuição de rendimentos.
57.Com a agravante da distância existente entre o domicílio do Autor, em Viana do Castelo, o seu domicílio profissional sito no Porto.
58.Percurso que o Autor faz nos dias úteis utilizando como meio de transporte o comboio e despendendo no passe, inerente às suas deslocações, a quantia de € 179,30.
59.O Autor, para efetuar a sua prestação de trabalho à Ré, sai de Viana no comboio das 08:15m, o qual chega ao Porto às 10h e regressa no comboio que sai do Porto às 18h e que chega a Viana às 19:45m.
60.Acrescendo a deslocação da estação de comboios de e para o domicílio pessoal e profissional.
61.Quando tinha a viatura atribuída, quer na viagem de ida ou de regresso, despendia cerca de 45m a 1h, dependendo do tráfego, entre o seu domicílio e o local de trabalho e vice-versa.
62.O referido em 59), 60) e 61) provoca um afastamento do seu agregado familiar, no sentido de que dispõe de menos horas para desfrutar da companhia do mesmo.
63.Do agregado familiar do Autor e deste dependente fazem parte as suas duas filhas menores, CC nascida a .../.../2013 e DD, nascida a .../.../2018.
64.O Autor encontra-se limitado na sua mobilidade e interacção com as suas filhas, nomeadamente de as levar ao parque, à praia e outras atividades lúdicas e de lazer fora de casa.
65.O Autor, sempre devotou à sua entidade patronal, aqui Ré, enorme dedicação e apreço.
66.A partir de 30 de novembro de 2017 o Autor continuou a laborar apresentando-se no seu local de trabalho, desenvolvendo as suas funções, suportando as despesas de deslocação para o efeito.
67.O que lhe provocou grande mágoa e frustração.
68.No dia 11 de junho de 2003, as Comissões Executivas da I... e L... e o Conselho de Administração da X... deliberaram aprovar o Regulamento de Viaturas de Afetação Pessoal, junto aos autos a fls. 83 a 84 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entrado em vigor a 18 de junho de 2003.
69.A 9 de dezembro de 2009 foi aprovada a revisão do Regulamento de Viaturas de Serviço, de fls. 85 a 87, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entrada em vigor a 11 de dezembro de 2009.
70.A 24 de novembro de 2010 foi aprovada a revisão do Regulamento de Viaturas de Serviço, de fls. 88 a 90, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entrada em vigor a 30 de novembro de 2010.
71.A 17 de fevereiro de 2011 foi aprovada a revisão do Regulamento de Viaturas de Serviço, de fls. 91 a 93, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entrada em vigor a 21 de fevereiro de 2011.
72.A 11 de julho de 2017, a Administração da Banco 1... emitiu uma Ordem de Serviço Coorporativa nº ..., referente à Política de Viaturas de Serviço junta aos autos a fls. 95 a 99, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
73.A 21 de setembro de 2017 e na sequência do Regulamento referido em 72), a ... e Factoring emitiu a ordem de serviço nº ..., junta aos autos a fls. 100 a 103, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Factos não provados:
a)que a Ré retirou ao Autor um valor mensal não inferior a € 800,00, sendo:
1. €350,00, mensais correspondentes à utilização nas horas em que a Autor. Não está ao serviço da Ré, englobando dias úteis, fins de semana, feriados, férias e demais momentos de lazer;
2. € 250,00, de custo mensais de combustível inerente à utilização;
3. €125,00, de custo mensal de portagens inerente à utilização;
4. €50,00, de custo mensal de seguro inerente à utilização;
5. €25,00, de custo mensal de parque de estacionamento inerente à utilização;
b)que o Autor vendeu o veículo referido em 13) em janeiro de 2019;
c)que a situação referida em 59), 60) e 61), leva a que o Autor disponha de menos tempo para providenciar por tudo que o agregado necessita;
d)o que levou a uma alteração na rotina e vida familiar do Autor e do seu agregado familiar;
e)que por estes factos o Autor viu degradar-se a sua qualidade de vida, bem como a da sua família;
f)pois, esta situação desestabilizou por completo o Autor provocando-lhe uma insatisfação, stress e intranquilidade permanentes;
g)que a ausência de rendimentos habituais em espécie teve repercussões ao nível da vida pessoal e familiar do Autor, estendendo-se à própria saúde da Autor, pelo que são graves os danos causados;
h)que face ao comportamento da Ré, deixou de poder contribuir para a vida familiar como o fazia anteriormente a 30 de novembro de 2017;
i)que o Autor se encontra limitado na sua mobilidade e interacção com a filha do primeiro casamento que não reside com o Autor e que habitualmente transportava aos fins de semana;
j)que o Autor sempre teve grande orgulho no trabalho que para esta desempenha e que exerce continuamente desde junho de 1992;
l)que aquando da admissão do Autor à L..., em 1 de abril de 1996, a atribuição da viatura ficou a constar da carta de admissão de fls. 81 e 82, dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
m)que as ordens de serviço nº ../2003, ../2009, ../2010 e ../2011 correspondiam à prática seguida até então no que respeita à natureza da atribuição das viaturas que eram, viaturas de serviço;
n)o que era conhecido por todos os trabalhadores da Ré e das anteriores sociedades e resultava também do que foi expressamente comunicado ao Autor nas condições contratuais aquando da sua admissão na L... em 1 de abril de 1996;
o)que a viaturas de serviço que o Autor utilizou sempre lhe foram atribuídas de forma precária e o uso que o Autor possa ter feito na sua vida privada constituiu uma tolerância da Ré, uma mera liberalidade;
p)que nunca a Ré ou as outras entidades assumiu com o Autor qualquer obrigação de lhe disponibilizar uma qualquer viatura para uso privado/pessoal;
q)que o Autor bem sabia que a viatura em causa podia deixar de lhe ser atribuída a qualquer momento e, consequentemente, sabia que qualquer utilização que o Autor fizesse da mesma na sua vida pessoal sempre teria um caracter meramente precário;
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A Recorrente Ré insurge-se contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos, em razão do Tribunal a quo concluído que a utilização da viatura de serviço pelo autor integra a sua retribuição. Para o caso de se manter esse entendimento, defende que contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, era-lhe lícito pôr termo a essa prestação, não havendo violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Em qualquer caso, discorda, ainda, da sua condenação no pagamento ao recorrido de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de 1.000,00 €.
II.3.1 Para sustentar a primeira linha de argumentação, a recorrente defende, no essencial, que aquando da admissão do Recorrido na Recorrente, foi-lhe disponibilizada a utilização de uma viatura de serviço, mas atendendo às funções que o mesmo iria desempenhar (técnico comercial) e sempre com a ressalva de que tal atribuição prevaleceria enquanto tal se justificasse, não fazendo parte da remuneração acordada. A utilização que o Recorrido fez na sua vida pessoal das viaturas de serviço que lhe foram disponibilizadas não resultou de qualquer obrigação contratual assumida pela então S..., ou por quaisquer das outras entidades em que o Recorrido laborou, mas antes de mera tolerância e, portanto, uma mera liberalidade.
Mais refere que a atribuição da viatura naquelas condições, embora tenha valor patrimonial, não constituiu contrapartida do trabalho, mas antes facilitação da prestação, pelo que podia ser retirada a todo o tempo.
Já na segunda linha de argumentação, sustenta que nem todas as prestações de natureza retributiva se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, devendo ser considerado o circunstancialismo que lhes serve de fundamento. A cessação de disponibilização de viatura ao Recorrido deveu-se à aplicação de novos métodos de organização e alteração das condições de trabalho na empresa, não se enquadrando aquele em qualquer dos escalões de utilizadores previstos na mencionada política. Deixando de se verificar os respetivos pressupostos de atribuição da viatura de serviço, não pode a Recorrente ficar vinculada a uma atribuição patrimonial que não mais se justifica.
O recorrido, por seu turno, acompanha a fundamentação da sentença, mas contrapõe ainda que a recorrente tenta introduzir neste recurso uma nova questão referente à disponibilização da viatura automóvel, alegando que sucedeu atendendo às funções que o autor ia desempenhar.
Na fundamentação da sentença, após proceder ao enquadramento jurídico da questão, passando a aplicar o direito aos factos, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
-«[..] Reportemo-nos agora ao caso em apreço.
Conforme ficou apurado, o Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da sociedade S..., S.A, em 22 de junho de 1992, para a delegação do Porto, por tempo indeterminado e para desempenhar as funções inerentes à categoria de técnico comercial/analista de crédito, sendo que, no âmbito das condições remuneratórias inerentes ao contrato celebrado e no próprio dia 22 de junho de 1992 foi-lhe atribuída uma viatura para uso profissional e pessoal, de marca ..., modelo ....
Desde essa data, a viatura foi sempre utilizada exclusivamente pelo Autor quer a nível profissional, quer a nível pessoal tendo a S... suportado todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura, inclusivamente nos períodos em que o Autor, não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer, a viatura era exclusivamente utilizada por este.
Apurado ficou que a atribuição da viatura para utilização diária para uso profissional e pessoal, fazia parte das condições remuneratórias que vigoravam na empresa S... para a contratação dos técnicos comerciais/analista de crédito, atribuição que foi efetuada ao Autor, nesse contexto, e sem qualquer enquadramento normativo, nomeadamente regulamentos internos, gerando no Autor a convicção de que a disponibilização da viatura de afetação profissional e pessoal era um complemento atribuído pelo seu trabalho e como tal constituía parte do seu salário.
Mais resultou provado que este complemento salarial foi e é um elemento essencial para que o Autor aceitasse celebrar o contrato de trabalho com a S... e que desde a data da celebração do contrato e até 30 de novembro de 2017, lhe foram disponibilizadas, pela S..., pela L..., pela Ré e pelas entidades a quem foi cedido, sucessivas viaturas, quer no âmbito profissional, quer pessoal, suportando aquelas entidades todas as despesas inerentes à circulação da viatura, incluindo impostos, seguros, revisões e manutenções, pneus, gasolina, portagens e parqueamento.
Por último, resultou provado que a viatura de serviço foi retirada ao Autor na sequência da Ordem de Serviço Corporativa nº ..., de 11 de julho de 2017 emanada do Conselho de Administração da Banco 1..., referente à Política Corporativa de Viaturas de Serviço, a vigorar relativamente àquela empresa e a todas as empresas do grupo Banco 1... e da Ordem de Serviço nº ..., de 21 de setembro de 2017, da ... e Factoring.
Em face do pedido e da causa de pedir deduzidos nestes autos, a questão que se coloca, como atrás referimos, é se a atribuição ao Autor de viatura para fins pessoais e profissionais, no âmbito do contrato de trabalho, deve ser considerada uma componente da retribuição e se, consequentemente, a retirada do veículo para fins pessoais e profissionais viola o princípio da irredutibilidade da retribuição.
À data em que o contrato de trabalho foi celebrado entre o Autor e a S..., S.A, a 22 de junho de 1992 – encontrava-se em vigor o artº 82º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (Lei do Contrato de Trabalho) que qualificava como retribuição “(…)aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (nº 1), nela se compreendendo “a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie” (nº 2), presumindo a lei, “até prova em contrário (…) constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” (nº 3).
Também o nº 1 do artº 249º do Código do Trabalho de 2003 considerava retribuição “aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito, como contrapartida, do seu trabalho”,
Por seu lado decorria do seu nº 2 que a retribuição incluía “a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”.
Do nº 3 de tal preceito presumia-se, até prova do contrário, “constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador” mais se estipulando que “a qualificação de certa prestação como retribuição nos termos dos nºs 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código”.
Ora, o atual Código do Trabalho estabelece, no nº 1 do artº 258º, como retribuição “a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”, compreendendo, nos termos do nº 2 de tal preceito, “a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”. No nº 3 do mesmo preceito estipula-se ainda que se presume “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” e que “à prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código” (nº 4).
No que se refere à qualificação do direito ao uso de veículo automóvel no âmbito do contrato de trabalho, tem a jurisprudência entendido que “o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva (…) conforme se prove que o empregador ficou vinculado a efectuar essa prestação ou a referida atribuição configura um acto de mera tolerância” (conforme o Acórdão, de 5 de março de 1997, em Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, tomo I, pág. 290, e, ainda, os Acórdãos de 20 de fevereiro de 2002, Processo nº 1963/2001, de 15 de outubro de 2003, Processo nº 281/2003, de 19 de outubro de 2004, Processo nº 2601/2004, de 21 de abril de 2010, Processo nº 2951/04.4TTLSB.S1, e de 27 de Maio de 2010, Processo n.º 684/07.9TTSTB.S1, todos da 4.ª Secção) – tudo conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2014, in www.dgsi.pt.
Também o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 17 de setembro de 2012, in www.dgsi.pt, decidiu que “sendo a retribuição a contrapartida da atividade prestada pelo trabalhador em sede de contrato individual de trabalho, ela é paga normalmente em numerário. Tal não impede que uma parte da retribuição, pelo menos, não possa ser paga em espécie, como sucede com a atribuição de alimentos, refeições, ou o uso de viaturas. Porém, a utilização de um veículo automóvel da empresa, com todos os custos a cargo desta, tanto pode configurar um mero instrumento de trabalho, porque é usada durante e por causa da prestação laboral, como pode configurar uma parcela de retribuição do trabalhador, quando o empregador autoriza o trabalhador a usar o veículo irrestritamente para além do horário normal de trabalho, máxime, em fins de semana, feriados e férias.
Nesta situação, evitando o trabalhador de adquirir viatura própria para se deslocar de e para o trabalho e em toda a sua vida pessoal e familiar, o empregador confere-lhe uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação em numerário, que integra a designada retribuição em espécie.
Por seu lado o Acórdão desta mesma Relação do Porto, de 24 de janeiro de 2018, in www.dgsi.pt, decidiu que “Tem natureza de retribuição em espécie a atribuição ao trabalhador de um ligeiro de passageiros para o seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da entidade patronal, suportando esta todos os encargos de manutenção, combustível, seguros e impostos”.
No que a esta questão diz respeito importa aferir do carácter vinculativo ou não da atribuição de viatura para uso profissional e pessoal.
Ora, atento o caracter essencial no contrato de trabalho, da retribuição e assentando a decisão de contratar, frequentemente, em critérios de natureza exclusivamente económica, tendo sido acordada entre as partes a utilização da viatura para fins pessoais e profissionais (abarcando as despesas de circulação inerentes), e representando tal utilização um benefício económico, o acordo está sujeito ao principio “pacta sunt servanda” e ao princípio da “irredutabilidade da retribuição”, não podendo ser afastado por vontade unilateral de uma das partes.
No caso sub judice, apurou-se que, desde 1992, S..., pela L..., pela Ré e pelas entidades a quem foi cedido, foram sempre disponibilizadas ao Autor, diversas viaturas, para uso profissional e pessoal, sendo que a ora Ré continuou a respeitar as condições remuneratórias atribuídas ao Autor, pelas anteriores entidades, a saber, suportando todas as despesas inerentes à sua utilização, os impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina através do cartão ..., portagens, através da atribuição de um identificador da via verde, lugar de estacionamento pago, sem qualquer limite e abrangendo quer os períodos em que o Autor se encontrava de serviço, quer os períodos em que o mesmo não se encontrava de serviço, nomeadamente no após horário de trabalho, fins de semana, férias, feriados, entre outros.
Apurado ficou ainda que este complemento salarial, foi sempre disponibilizado ao Autor inicialmente pela S..., depois pela L..., e ainda pela Ré e pelas entidades a quem foi cedido, desde o ano da sua contratação em resultado da proposta de contrato de trabalho efetuada pela S... ao Autor há mais de 25 anos e por este aceite, tendo sido um elemento essencial para que aquele aceitasse celebrar o contrato de trabalho com a S....
Finalmente, provou-se este complemento foi sempre integralmente cumprido quer pela S..., L..., quer pela ora Ré e entidades a quem foi cedido, até 30 de novembro de 2017, de forma mensal e ininterrupta, mesmo nos períodos de licença de casamento e de paternidade do Autor, gerando neste a convicção de que o referido complemento salarial constituía parte do seu salário e com o qual conta mensalmente e há mais de 25 anos para fazer face aos seus compromissos mensais, familiares e demais atividades de lazer.
Face a tais factos conclui-se pelo carácter vinculativo da atribuição do uso de veículo para fins pessoais e profissionais, e a natureza de retribuição desta.
A disponibilização de viatura para uso profissional e pessoal, com assunção dos inerentes encargos pela Ré (que sucedeu na posição contratual inicialmente S..., e pela L...) foi contratualizada pelas partes, tendo sido apresentada na proposta remuneratória apresentada ao Autor e por este aceite, pelo que tem caracter de obrigação e não de mera liberalidade.
Ora, presumindo a lei constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador e não tendo a Ré ilidido tal presunção, impõe-se concluir pela qualificação como retribuição do uso do veículo, nos termos peticionados.
Acresce que no que às Ordens de Serviço emanadas dos Conselhos de Administração da I..., X... e L... desde 2003 diz respeito, as mesmas mostram-se posteriores ao acordo celebrado com o Autor, razão porque que não podem afastar a estipulação individual que foi acertada aquando da proposta e correspondente aceitação de celebração do contrato de trabalho.
Por outro lado, só em 2017, com a Ordem de Serviço ... é que foram definidas regras sobre a disponibilização de viaturas por parte das empresas do grupo que restringiram aquela disponibilização a colaboradores com categorias distintas da do Autor.
Nestes termos, necessariamente procedem os pedidos formulados sob as alíneas a), c) e d), no sentido da declaração do direito à atribuição de uma viatura automóvel ao Autor para seu uso exclusivo, quer pessoal quer profissional, sem qualquer limite, suportando o empregador todos os encargos inerentes a seguro, impostos, revisões e manutenções, combustível, portagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura.
Procede ainda o pedido formulado em e), no sentido de a Ré disponibilizar um lugar de aparcamento para a veículo automóvel utilizado pelo Autor, para seu uso exclusivo, profissional e pessoal, sem limite de horas, suportando a Ré todas as despesas.
[..]»
II.3.1.1 O fulcro da questão prende-se com a noção de retribuição e o princípio da irredutibilidade da retribuição, mostrando-se útil começar por deixar as notas essenciais a esse propósito, ainda que procurando não repetir a fundamentação do Tribunal a quo, para tanto devendo ter-se presente que a relação laboral do autor iniciou-se a 22 de junho de 1992, ou seja, ainda na vigência do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de novembro, usualmente designado por LCT.
A LCT, nos artigos 82.º e seguintes, dispunha:
- Artigo 82.º (Retribuição)
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
- Artigo 84.º (Retribuição certa e retribuição variável)
1. É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho.
2. Para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
3. Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável far-se-á segundo o disposto nas convenções colectivas ou nas portarias de regulamentação de trabalho e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.
A partir de 1 de Dezembro de 2003, entrou em vigor o Código do Trabalho de 2003, que quanto a esta matéria determinava o seguinte:
Artigo 249º Princípios gerais
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4. (..)».
- Artigo 251º Modalidades de retribuição
A retribuição pode ser certa, variável ou mista, isto é, constituída por uma parte certa e outra variável.
- Artigo 252º Retribuição certa e retribuição variável
1. É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho.
2. Para determinar o valor da retribuição variável toma-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
3 (..)
4 (..)».
Importa começar por deixar uma primeira nota. O confronto entre as disposições da LCT e do CT/03, evidencia a correspondência das normas em termos substantivos, isto é, este último diploma não introduziu alterações de natureza substantiva quanto à noção de retribuição e suas modalidades.
O mesmo pode dizer-se relativamente às correspondentes normas do actual CT/09, nomeadamente, os artigos 258.º e 261.º, dispondo:
Artigo 258º Princípios gerais sobre a retribuição
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 – (..).
Artigo 261º Modalidades de retribuição
1 - A retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável.
2 - É certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho.
3 - Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respectivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo.
4 - Caso o processo estabelecido no número anterior não seja praticável, o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.
Vale isto por dizer que sendo as questões suscitadas por esta problemática, quanto ao essencial idênticas, quer se tenham colocado à luz da LCT quer posteriormente face ao CT/03 ou ao actual CT/09, igualmente têm inteira aplicação ao caso as posições da doutrina e da jurisprudência que adiante se citarão, independentemente de terem sido produzidas na vigência de um ou outro daqueles regimes.
Da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador (art.º 82.º LCT/art.º 249.º CT/03/art.º 258.º).
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se ao actual art.º 258.º do CT/09 - correspondente ao art.º 249.º do CT/03 e 82.º da LCT -, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479].
Assim, esta noção mais ampla de retribuição, abrange quer a retribuição base, isto é, “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido”, quer todas as demais prestações que tenham caráter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho.
A Lei não diz quando deve considerar-se que uma prestação é regular e periódica nem estabelece um critério para calcular um valor médio. Mas não se vê sequer que o pudesse fazer, pois a regularidade e a periodicidade dependerá sempre da prestação em concreto, que não se limita à retribuição base.
Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes [Cfr. Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, Tomo 1º, pág. 226; e, Acórdão da Relação de Lisboa, de 08-11-2006, proc.º n.º 7257/2006-4 FERREIRA MARQUES, disponível em www.dgsi.].
À luz desse entendimento, admitia-se, p. ex. que uma prestação paga, pelo menos, 6 vezes ao ano fosse susceptível de ser considerada regular e periódica, integrando o conceito de retribuição. Mas como é sabido, acontece que o entendimento da jurisprudência divergiu quanto a saber quando deve considerar-se, atentos os pagamentos efectuados ao longo de um ano, que determinada prestação é regular e periódica.
O Acórdão de 1 de Outubro de 2015, do STJ, com o valor do proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, que fixou a interpretação da cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE entre a TAP — Air Portugal, S. A. e o SNPVA, para chegar a essa interpretação acabou por “estabelecer um critério orientador que permita aferir o que é e o que não é regular e periódico”, em concreto: “considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorre todos os meses de atividade do ano”.
Dito por outras palavras, há luz deste critério, que vem sendo seguido pela jurisprudência, segundo cremos quase unanimemente, considera-se regular e periódica uma prestação pecuniária que seja paga ao trabalhador pelo menos 11 meses no período de um ano de trabalho.
Dando de novo a palavra a Monteiro Fernandes, assinala este autor que “O problema da qualificação jurídica de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daqueles atribuições, na contratação colectiva e na prática das empresas. (.. ). Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de vencimento base). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia a dia – do trabalhador e da sua família” [Op. cit. pp. 476/477].
Na verdade, é sabido existir um vasto leque de outras prestações complementares que tanto poderão ser regulares e periódicas – p. ex. acompanhando o pagamento da retribuição base ou, trimestral, semestral ou anual – como nem sequer terem periocidade – p. ex. por estar dependente de serem atingidos determinados resultados pela empresa. Por um lado, por efeito da lei ou de instrumento de regulação colectiva, a par da retribuição base são devidas outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade. Por outro, como também assinala Monteiro Fernandes, “(..) por razões diversas – desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da carga fiscal e para-fiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de políticas de rendimentos – se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores. Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valores de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade, transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho» [Op. cit, p. 476].
Essas prestações complementares, embora não se possa dizer que essa seja a regra, em muitos casos estão ligadas a particularidades da prestação do trabalho. Assim acontece, com mais evidência, entre outros, nos casos da prestação de trabalho suplementar, da prestação de trabalho nocturno, da deslocação em trabalho, do trabalho com penosidade ou com perigo ou, ainda, com determinados níveis de produtividade.
Nesses casos, em que são pagas como contrapartida da prestação de trabalho em determinadas condições, por regra, essas prestações complementares apenas são devidas quando se verifique uma efectiva prestação de trabalho no condicionalismo que justificou o seu estabelecimento e apenas integrarão o conceito de retribuição se forem percebidas com uma regularidade e periodicidade tal que criem no trabalhador uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento.
Nesse pressuposto, de acordo com o entendimento pacífico dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça - assinalado no acórdão de 22-09-2011 - consistem em “(..) prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) [que] apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição“ [proc.º 913/08.1TTPNF.P1.S1, SAMPAIO GOMES, disponível em www.dgsi.pt].
Recorrendo mais uma vez ao ensinamento de Monteiro Fernandes, pronunciando-se sobre a especifica função desempenhada pelo critério legal de retribuição, conclui que o mesmo “(..) constitui, assim, o instrumento de despiste dos valores que, no seu conjunto, têm um nexo de correspectividade com a posição obrigacional do trabalhador, encarada também na sua globalidade. Ele serve, então, para definir a posteriori uma base de cálculo para certos valores derivados.”, mas assinalando “que isso não legitima que o mesmo critério seja linearmente utilizado como chave-mestra de todo o regime jurídico da retribuição. Uma prestação abarcável no amplo padrão retributivo definido pelo art.º 258.º pode ter que ser afastada do campo de aplicação deste ou daquele preceito referente a retribuição. Pode ser, por exemplo, que um certo subsídio, embora pertencente à estrutura da retributiva de harmonia com o art.º 258.º, não tenha que ser incluído no cálculo do subsídio de férias ou de Natal (..)». Conclui mais adiante, nestes termos:
- “Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento padrão retributivo definido pelo art.º 258.º CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado da «retribuição».
O «ciclo vital» de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-se pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho” [Op. cit., pp. 487/488].
Estes ensinamentos permitem retirar uma ideia fulcral para a apreciação das questões propostas no recurso, em suma, não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilidível) estabelecida na lei (n.º3, do art.º 82.º da LCT; n.º 3 do artigo 249.º do CT/03; e, n.º3, do art.º 258.º CT/09), impondo-se, concomitantemente, num trabalho de interpretação sobre a sua fonte legal ou convencional, indagar sobre a razão de ser da sua atribuição.
O princípio da irredutibilidade da retribuição consta actualmente consagrado no art.º 129.º/1 al. d), do CT, ao estabelecer: (1) É proibido ao empregador: [d)] Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Porém, como flui do que já ficou exposto, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso, a título de mero exemplo, da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar), ou quando se tratam dos referidos prémios ou incentivos abrangidos pela previsão do art.º 260.º/1/al. c).
Como observado no aresto do STJ acima citado, essas prestações remuneratórias não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, por essa razão apenas sendo devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Os tribunais superiores já se pronunciaram múltiplas vezes quanto à questão de saber se a atribuição de veículo automóvel, atendendo às circunstâncias concretas de cada caso, integra a retribuição do trabalhador ou é um mero instrumento de trabalho e a sua utilização pessoal apenas decorre de tolerância, um acto de liberalidade, da entidade empregadora, sendo patente que a distinção entre uma situação e outra assenta num entendimento convergente. Ilustra-o, em termos elucidativos, o acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2012 [Proc.º n.º 749/10.0TTPRT.P1, Desembargador Ferreira da Costa, disponível em www.dgsi.pt], - citado pelo tribunal a quo – em cuja fundamentação observa-se que “sendo a retribuição a contrapartida da atividade prestada pelo trabalhador em sede de contrato individual de trabalho, ela é paga normalmente em numerário. Tal não impede que uma parte da retribuição, pelo menos, não possa ser paga em espécie, como sucede com a atribuição de alimentos, refeições, ou o uso de viaturas. Porém, a utilização de um veículo automóvel da empresa, com todos os custos a cargo desta, tanto pode configurar um mero instrumento de trabalho, porque é usada durante e por causa da prestação laboral, como pode configurar uma parcela da retribuição do trabalhador, quando o empregador autoriza o trabalhador a usar o veículo irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, maxime, em fins de semana, feriados e férias. Nesta situação, evitando o trabalhador de adquirir viatura própria para se deslocar de e para o trabalho e em toda a sua vida pessoal e familiar, o empregador confere-lhe uma vantagem patrimonial, suscetível de avaliação em numerário, que integra a designada retribuição em espécie, como se tem entendido [9]”, depois constando na correspondente nota de rodapé: “(Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, págs. 775 a 777, Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 550 e Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, págs. 551 e 552, nota 657. Na jurisprudência, cfr. in www.dgsi.pt os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de: 2006-02-09, Processo 05B4187; 2006-03-22, Processo 05S3729; 2008-06-18, Processo 07S4480; 2009-11-04, Processo 4/08.5TTAVR.C1.S1 e 2011-01-12, Processo 1104/08.7TTSTB.E1.S1).
Ainda desta Relação e secção, de entre a jurisprudência publicada [em www.dgsi.pt], no mesmo sentido encontram-se os acórdãos [também citados pelo Tribunal a quo] seguintes:
i) De 14-05-2012 [Procº 243/10.9TTPRT.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
-“I - A atribuição de viatura também para uso pessoal do trabalhador, utilização essa que podia ter lugar em fins de semana, férias, feriados, baixas médicas, tem natureza retributiva (retribuição em espécie), cujo valor pecuniário corresponde ao beneficio económico obtido pelo trabalhador por via do uso pessoal da mesma”.
ii) De 24-01-2018 [Proc.º 736/11.0TTPRT-A.P1, Desembargador Rui Penha]
“I - Tem natureza de retribuição em espécie a atribuição ao trabalhador de um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da entidade patronal, suportando esta todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e impostos”.
Por último, para situação similar à presente no que a esta questão concerne – e igualmente citado pelo Tribunal a quo - veja-se ainda o acórdão do STJ de 30 de Abril de 2014 [Proc.º n.º 714/11.00TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário
1. Tendo-se provado que o empregador distribuiu ao trabalhador um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, ficando todos os encargos, manutenção, seguros, portagens e combustível a cargo daquela e que o trabalhador utilizava a viatura para uso exclusivo, nas deslocações da residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, para efeitos pessoais, a mencionada atribuição de veículo automóvel assume natureza retributiva, estando o empregador vinculado a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.
2. Tratando-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, beneficia, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003 e 129.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2009.
3. Presumindo-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, competia ao empregador provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância, ónus que não se mostra cumprido.
II.3.2.2 Revertendo ao caso, importa atentar nos factos provados relevantes para dirimir estas questões, nomeadamente, os seguintes:
2.Desde essa data, a viatura foi sempre utilizada exclusivamente pelo Autor quer a nível profissional, quer a nível pessoal tendo a S... suportado todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura.
3.Inclusivamente nos períodos em que o Autor, não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de- semana, férias, feriados e demais momentos de lazer.
9.Assim, entre dezembro de 2004 e até 30 de novembro de 2017, ao Autor foram disponibilizadas as seguintes viaturas:
a)Toyota ..., cor preta, com a matrícula ..-DH-.. (2007);
b)Renault Megane, cor branca, com a matrícula ..-JB-.. (2013);
c)..., cor preta, com a matrícula ..-OP-.. (2014);
d)Seat ..., cor cinza, com a matrícula ..-QO-.. (2016).
18.No âmbito das condições remuneratórias inerentes ao contrato celebrado e no próprio dia 22 de junho de 1992 foi-lhe atribuída uma viatura para uso profissional e pessoal, de marca ..., modelo ....
19.Desde essa data, a viatura foi sempre utilizada exclusivamente pelo Autor quer a nível profissional, quer a nível pessoal tendo a S... suportado todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura,
20.Inclusivamente nos períodos em que o Autor, não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer, a viatura era exclusivamente utilizada por este.
21.A atribuição da viatura para utilização diária para uso profissional e pessoal, fazia parte das condições remuneratórias que vigoravam na empresa S... para a contratação dos técnicos comerciais/analista de crédito.
22.Atribuição que foi efetuada ao Autor, nesse contexto, e sem qualquer enquadramento normativo, nomeadamente regulamentos internos, gerando no Autor a convicção de que a disponibilização da viatura de afetação profissional e pessoal era um complemento atribuído pelo seu trabalho e como tal constituía parte do seu salário.
23.Entre junho de 1992 e setembro 1995, ao Autor foram atribuídas pelo menos 3 viaturas, sendo uma um Opel ... preto e posteriormente em sua substituição um Ford Escort cabriolet de cor branca e em substituição deste último um wolkswagen ... de cor preta, que o Autor as utilizou exclusivamente e ininterruptamente, quer na vida profissional, quer na vida pessoal.
24.Incluindo no gozo das licenças quer do seu primeiro casamento ocorrido em 16 de abril de 1994, quer do segundo casamento ocorrido em 18 agosto de 2006 e no gozo das licenças de parentalidade das suas duas filhas, BB (1998) e CC (2013)
27.No âmbito da L... foram-lhe atribuídos, pelo menos, dois veículos novos, sendo um de marca Mitsubishi, modelo ... de cor verde, para substituição de outro anterior (Wolkswagen ... de cor preta) e posteriormente, em sua substituição um de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-XA.
28.Na sequência da fusão a ora Ré continuou a assegurar ao Autor a sua retribuição e demais complementos remuneratórios, entre eles, uma viatura para uso profissional e pessoal, no caso de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-XA.
29.Entre dezembro de 2004 e até 30 de novembro de 2017, ao Autor foram disponibilizadas, para além das referidas em 9) as seguintes viaturas:
a)Toyota ... SW, cor preta, com a matrícula ..-..-XA (2004);
b)Renault ..., cor branca, com a matrícula ..-JC-.. (2010);
c)..., cor mel, com a matrícula ..-IX-.. (2012);
30. As quais, continuaram a ser sempre utilizadas exclusivamente pelo Autor quer a nível profissional, quer a nível pessoal tendo a Y... ou as empresas a quem esta cedeu o Autor, na qualidade de seu trabalhador, continuado a respeitar as condições remuneratórias atribuídas ao Autor pela S....
32.E, ainda que temporariamente, a Banco 1..., S.A., por via do contrato de cedência celebrado em 15 de setembro de 2017. 33.Disponibilizando-lhe sempre uma viatura de afetação para uso profissional e pessoal, suportando todas as despesas inerentes à utilização da mesma, nomeadamente, impostos, seguros, revisões e manutenções, pneus, lavagens, gasolina através de um cartão ..., portagens através da atribuição de um identificador da via verde, inclusive lugar de estacionamento pago a 150 metros seu local de trabalho, sem qualquer limite.
34.Quer nos períodos em que o Autor se encontrava de serviço, quer nos períodos em que o Autor não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer.
35.Continuando a gerar no Autor, à semelhança dos seus colegas, a convicção de que a disponibilização da viatura de afetação profissional e pessoal era um complemento atribuído pelo seu trabalho e como tal constituía parte do seu salário.
36.Este complemento salarial, foi sempre disponibilizado ao Autor inicialmente pela S..., posteriormente pela L... e após pela Ré bem como pelas sociedades a quem o Autor, na qualidade de trabalhador da Ré foi cedido, desde o ano da contratação, ou seja, há mais de 27 anos.
37.Em resultado da proposta de contrato de trabalho efetuada pela Ré (à data S...) ao Autor há mais de 27 anos e por este aceite.
38.O referido complemento salarial foi e é um elemento essencial para que o Autor aceitasse celebrar o contrato de trabalho com a S....
39.Este complemento foi sempre integralmente cumprido quer pela S..., quer pela L..., quer pela ora Ré (Y...), quer pelas sociedades a quem o Autor foi cedido enquanto trabalhador da Y..., até 30 de novembro de 2017, de forma mensal e ininterrupta, reiterada e sem reservas, mesmo nos períodos de licença de casamento e parental do Autor e independentemente da categoria e das funções atribuída ao Autor.
40.Gerando na Autor a convicção de que o referido complemento salarial constituí parte do seu salário.
41.Com o qual o Autor conta mensalmente e há mais de 25 anos para fazer face aos seus compromissos mensais, familiares e demais atividades de lazer.
42.De tal forma que o Autor durante este período (junho de 1992 a 30 de novembro de 2017) nunca necessitou de um veículo automóvel a título particular.
43.Quando o Autor se encontrava privado da utilização das referidas viaturas por questões inerentes à manutenção das mesmas ou por qualquer outro motivo, era-lhe prontamente disponibilizada uma viatura de substituição para seu uso exclusivo quer a nível profissional, quer a nível pessoal, sem qualquer custo.
47.Sempre que o Autor tivesse que incorrer em alguma despesa quer no uso da viatura de substituição, quer no uso da viatura substituída, nomeadamente, gasolina, parques, inspeção periódica ou lavagens, a mesma era reembolsada quer pela Ré, quer pelas sociedades a quem o Autor foi cedido enquanto trabalhador da Y..., não suportando o Autor qualquer custo efetivo pela utilização das mesmas.
48.Sendo esta a realidade do Autor há mais de 25 anos.
Retira-se destes factos, no essencial, que a atribuição da viatura para utilização diária para uso profissional e pessoal, fazia parte das condições remuneratórias que vigoravam na empresa S... para a contratação dos técnicos comerciais/analista de crédito, sendo nesse contexto que foi atribuída viatura ao autor, gerando neste a convicção de que tal era um complemento atribuído pelo seu trabalho e como tal constituía parte do seu salário, tendo esse factor sido essencial para que aceitasse celebrar o contrato de trabalho com a S.... Por via dessa atribuição, desde o início da relação laboral até 30 de Novembro de 2017, ou seja, ao longo de mais de 25 anos, foram-lhe sucessivamente atribuídas viaturas, que sempre utilizou exclusivamente, quer a nível profissional quer a nível pessoal, neste último caso inclusivamente nos períodos em que não se encontrava ao serviço, nomeadamente, nos dias normais de trabalho após o horário de trabalho, fins-de-semana, férias, feriados e demais momentos de lazer, sempre assumindo as entidades empregadoras que se sucederam e a quem foi sendo transmitido o contrato de trabalho do autor, todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização da referida viatura. Mercê dessa atribuição, ao longo desses anos nunca necessitou de um veículo automóvel a título particular.
Aplicando a este vasto conjunto de factos os princípios que se deixaram enunciados no ponto antecedente, imediata e forçosamente conclui-se que a atribuição da viatura ao autor consubstancia uma prestação em espécie, regular e periódica que se traduz numa substancial vantagem económica, logo, com natureza retributiva, consequentemente integrando a sua retribuição e estando a entidade empregadora vinculada, com carácter de obrigatoriedade a assegurar-lhe essa prestação em contrapartida da prestação de trabalho.
Beneficiando, por isso, da garantia da irredutibilidade da retribuição, não podia a Ré ter determinado a entrega do veículo, como o fez, assim violando o disposto no no art.º 129.º/1 al. d), do CT.
A recorrente faz uma laboriosa construção para procurar defender o contrário, mas salvo o devido respeito, sem o mínimo fundamento, dado que parece esquecer todo este conjunto de factos e estrutura a argumentação com base em factos que não integram aquele elenco. Com efeito, não resulta minimamente dos factos que a atribuição da viatura tenha sido feita apenas “ atendendo às funções que o mesmo iria desempenhar (técnico comercial) e sempre com a ressalva de que tal atribuição prevaleceria enquanto tal se justificasse”, visando apenas a “facilitação da prestação” laboral. Esquece, também, pese embora o Tribunal a quo tenha dado resposta a essa questão, que a atribuição da viatura imediatamente com a celebração do contrato de trabalho e no contexto que se referiu, foi feita sem qualquer enquadramento normativo, nomeadamente regulamentos internos [facto 22], não tendo lógica vir agora procurar arrimo nos “novos métodos de organização e alteração das condições de trabalho na empresa, não se enquadrando [o Autor]em qualquer dos escalões de utilizadores previstos na mencionada política”, para procurar defender que a atribuição do veículo, ainda que traduzindo uma prestação retributiva, não estava sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição e, desse modo, justificar a sua decisão.
Em pouca palavras, a Recorrente alheou-se da realidade decorrente dos factos provados e passou a elaborar uma construção sem base factual, para defender que “a utilização que o Recorrido fez na sua vida pessoal das viaturas de serviço que lhe foram disponibilizadas não resultou de qualquer obrigação contratual assumida pela então S..., ou por quaisquer das outras entidades em que o Recorrido laborou, mas antes de mera tolerância e, portanto, uma mera liberalidade”, como se tivesse feito prova dos factos necessários para ilidir a presunção legal que leva a considerar aquela prestação como integrante da retribuição do trabalhador.
Concluindo, no que a estas questões respeita, concorda-se com a fundamentação e consequente decisão do Tribunal a quo, não existindo razões de facto ou de direito para acolher a preensão recursiva da recorrente.
II.3.3 A segunda questão colocada pela recorrente respeita à sua discordância com a condenação no pagamento ao recorrido de uma indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de 1.000,00 €.
Por seu turno, o recorrido contra-alegou e veio interpor recurso subordinado quanto a esta parte do decidido na sentença, discordando do valor da indemnização por danos não patrimoniais fixado, defendendo que deveria ter sido acolhida a sua pretensão e a R. condenada no pagamento dos € 4 000,00 pedidos.
Na fundamentação da sentença, a este propósito lê-se o seguinte:
-«Vem ainda o Autor peticionar a condenação da Ré a pagar uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, no montante de € 4.000,00.
Conforme refere o Dr Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol I, 3ª edição, pág. 496, sobre o que se deve entender por danos não patrimoniais, ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis “há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.
Ora, estabelece o nº 1 do artº 496º do Código Civil que na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, em anotação a este preceito, os Drs Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol I, 4ª edição, pág. 499, referem que “[A] gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”, e mais à frente referem que “[O]s simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos morais”.
Conforme refere o D. Acórdão da Relação do Porto, de 24 de janeiro de 2018, in www.dgsi.pt “atendendo a este quadro legal, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, “em direito laboral para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador que provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável” [Ac. STJ de 15-12-2011, Recurso n.º 588/08.87TTVNG.P1.S1 - 4.ª Secção, Conselheiro Pereira Rodrigues, disponível em sumários de acórdãos de 2011, www.stj.pt.; e, Ac. STJ de 19 de Abril de 2012, proc.º 1210/06.2TTLSB.L1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt]”, sendo certo que, atendendo ao disposto no nº 1 do artº342º do Código Civil, incumbe ao trabalhador o ónus de alegar provar a existência dos danos não patrimoniais, bem como a sua gravidade e o nexo de causalidade com o facto ilícito.
E continua este Acórdão da Relação do Porto, “pode afirmar-se com segurança que na generalidade dos casos, o despedimento ilícito é sempre gerador de incómodo, insegurança profissional e desconforto psicológico, designadamente, suscitando um sentimento de injustiça. É a reacção normal de qualquer trabalhador que vê ocorrer a ruptura da relação laboral e que, por múltiplos factores que variam de caso para caso, considera não haver razões que justifiquem esse desfecho e a conduta da entidade empregadora.
Contudo, como é também entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, isso só por si não basta para dar direito a reparação de danos não patrimoniais, sendo sempre necessário que esses danos assumam alguma gravidade, reflectindo-se de modo relevante na estabilidade psicológica do trabalhador, de modo a consubstanciarem um dano com gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito”.
No caso concreto demonstrado ficou que a conduta da Ré ao retirar ao Autor o veículo que lhe havia atribuído para a vida profissional e pessoal provocou e continua a provocar desgaste neste, pois desde novembro de 2017 ficou preocupado com as consequências que poderiam advir do aumento de despesas por via da aquisição do veículo que lhe estava atribuído e consequente diminuição de rendimentos.
Apurou-se ainda que, para fazer a distância existente entre o seu domicílio, sito em Viana do Castelo e o seu domicílio profissional sito no Porto, nos dias úteis o Autor utiliza como meio de transporte o comboio.
Para efetuar a sua prestação de trabalho à Ré, sai de Viana no comboio das 08:15m, o qual chega ao Porto às 10h e regressa no comboio que sai do Porto às 18h e que chega a Viana às 19:45m, acrescendo a deslocação da estação de comboios de e para o domicílio pessoal e profissional, sendo que, quando tinha a viatura atribuída, quer na viagem de ida ou de regresso, despendia cerca de 45m a 1h, dependendo do tráfego, entre o seu domicílio e o local de trabalho e vice-versa.
Com o aumento do tempo gasto nas deslocações de e para o trabalho, tal provoca um afastamento do seu agregado familiar, no sentido de que dispõe de menos horas para desfrutar da companhia do mesmo.
Do agregado familiar do Autor e deste dependente fazem parte as suas duas filhas menores, encontrando-se este limitado na sua mobilidade e interacção com aquelas, nomeadamente de as levar ao parque, à praia e outras atividades lúdicas e de lazer fora de casa, sendo que o Autor, sempre devotou à sua entidade patronal, aqui Ré, enorme dedicação e apreço.
Apurou-se ainda que a partir de 30 de novembro de 2017 o Autor continuou a laborar apresentando-se no seu local de trabalho, desenvolvendo as suas funções, suportando as despesas de deslocação para o efeito, o que lhe provocou grande mágoa e frustração.
Ora, entendemos que os danos não patrimoniais invocados e atrás referidos – o desgaste, a preocupação, o tempo despendido em deslocações e consequente perda de tempo para desfrutas com a família, bem como a mágoa dali resultante, assumem gravidade e merecem a tutela do direito.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º do Código Civil, como sejam o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem, conforme resulta do nº 3 do artº 496º daquele diploma.
Considerando, no caso em apreço, a natureza do dano, entendemos adequado fixar a indemnização em € 1.000,00 (mil euros), valor que reputamos equitativo para o ressarcimento dos danos».
Começaremos por dizer que concordamos, em geral, com o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo, sendo de assinalar que o Acórdão desta Relação e Secção, de 24 de Janeiro de 2028, citado na fundamentação, foi proferido no processo n.º 233/13.0TTSTS.P1 [disponível em www.dgsi.pt], relatado pelo aqui relator e com intervenção deste mesmo colectivo, em cujo sumário consignámos o seguinte: “Em direito laboral para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador que provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável”.
A recorrente fundamenta esta parte do recurso em dois argumentos, em concreto, os seguintes:
i) A cessação da atribuição de veículo foi lícita, não existindo fundamentos para atribuição ao Recorrido de uma indemnização por alegados danos não patrimoniais;
ii) Ainda que assim não se entenda, atento o caráter genérico da matéria de facto sob os n.ºs 56, 62, 64 e 67, tais factos não são suficientemente graves, não tendo especial gravidade que mereçam a tutela do direito.
Por sua banda, o recorrido contrapõe nas contra-alegações que os danos referidos na sentença danos foram causa directa e imediata da actuação ilícita da Ré e possuem gravidade suficiente para serem merecedores da tutela do direito, devendo ser mantida a indemnização a título de danos não patrimoniais.
E, em sede de recurso subordinado, defende que ao invés do valor fixado, afigura-se-lhe equilibrada e ajustada uma indemnização no montante de € 4.000,00, referindo que a atitude da Ré ao retirar unilateralmente a viatura que lhe estava atribuída, não só alterou o tempo de que dispunha para efectuar a conciliação da actividade profissional com a vida familiar, como impediu a conciliação da vida familiar, em mais duas horas diárias, por via deslocações que teve de realizar do seu domicílio para o trabalho e vice-versa, bem assim que sempre cumpriu com as obrigações que lhe foram exigidas, o que aumentou o sentimento de revolta e injustiça com aquela conduta da Ré.
Passando à apreciação, atento o decidido no ponto anterior necessariamente sucumbe o primeiro argumento da recorrente. Contrariamente ao defendido por esta, a cessação da atribuição de veículo foi ilícita, violando o princípio da irredutibilidade da retribuição.
No que respeita ao segundo argumentos, relevam para a sua apreciação um leque de factos mais vasto do que os referidos pela recorrente, aliás, como logo decorre da fundamentação da decisão recorrida, nomeadamente, os seguintes:
44.Desde o ano de 2000, o domicílio pessoal do Autor é na cidade de Viana do Castelo.
50.A atribuição de viatura para utilização quer profissional quer pessoal pela Ré no âmbito do contrato de trabalho existente com o Autor manteve-se inalterada até final de novembro de 2017.
40.Gerando na Autor a convicção de que o referido complemento salarial constituí parte do seu salário.
41.Com o qual o Autor conta mensalmente e há mais de 25 anos para fazer face aos seus compromissos mensais, familiares e demais atividades de lazer.
42.De tal forma que o Autor durante este período (junho de 1992 a 30 de novembro de 2017) nunca necessitou de um veículo automóvel a título particular.
49.Em consequência do referido em 11) e 12), o Autor viu-se “forçado” a adquirir uma viatura para efetuar as suas deslocações quer pessoais, quer profissionais, nomeadamente para efetuar a sua deslocação diária de Viana do Castelo, onde reside, para o Porto onde tinha e tem o seu domicílio profissional.
13.O Autor adquiriu a viatura que lhe estava atribuída, Seat ..., cor cinza, com a matrícula ..-QO-...
53.O Autor vendeu o seu veículo referido em 13) em 2019.
56.A situação referida em 51) provocou e continua a provocar desgaste no Autor, pois desde novembro de 2017 ficou preocupado com as consequências que poderiam advir do aumento de despesas por via da aquisição do veículo que lhe estava atribuído e consequente diminuição de rendimentos.
57.Com a agravante da distância existente entre o domicílio do Autor, em Viana do Castelo, o seu domicílio profissional sito no Porto.
58.Percurso que o Autor faz nos dias úteis utilizando como meio de transporte o comboio e despendendo no passe, inerente às suas deslocações, a quantia de € 179,30.
59.O Autor, para efetuar a sua prestação de trabalho à Ré, sai de Viana no comboio das 08:15m, o qual chega ao Porto às 10h e regressa no comboio que sai do Porto às 18h e que chega a Viana às 19:45m.
60.Acrescendo a deslocação da estação de comboios de e para o domicílio pessoal e profissional.
61.Quando tinha a viatura atribuída, quer na viagem de ida ou de regresso, despendia cerca de 45m a 1h, dependendo do tráfego, entre o seu domicílio e o local de trabalho e vice-versa.
62.O referido em 59), 60) e 61) provoca um afastamento do seu agregado familiar, no sentido de que dispõe de menos horas para desfrutar da companhia do mesmo.
63.Do agregado familiar do Autor e deste dependente fazem parte as suas duas filhas menores, CC nascida a .../.../2013 e DD, nascida a .../.../2018.
64.O Autor encontra-se limitado na sua mobilidade e interacção com as suas filhas, nomeadamente de as levar ao parque, à praia e outras atividades lúdicas e de lazer fora de casa.
65.O Autor, sempre devotou à sua entidade patronal, aqui Ré, enorme dedicação e apreço.
66.A partir de 30 de novembro de 2017 o Autor continuou a laborar apresentando-se no seu local de trabalho, desenvolvendo as suas funções, suportando as despesas de deslocação para o efeito.
67.O que lhe provocou grande mágoa e frustração.
Como decorre do mencionado no ponto anterior, dos factos assentes ali referidos, retira-se que o autor, como contrapartida da prestação da sua actividade laboral, ao longo de 25 anos, sempre utilizou a nível pessoal, sem limitações e, inclusive, sem suportar quaisquer despesas com combustível, manutenção, revisões, portagens, lavagens, parqueamentos e impostos, viatura atribuída pela entidade empregadora, mercê dessa atribuição nunca tendo necessitado de um veículo automóvel a título particular.
Ainda que não se encontre quantificado, de acordo com as regras da experiência comum, pode asseverar-se que a atribuição do veículo nessas condições traduz-se numa vantagem económica com significativo peso na capacidade económica do agregado familiar do autor e, também, com a possibilidade de desfrutar das utilidades e comodidades proporcionadas por aquele bem em termos de mobilidade, como se fosse proprietário, a nível da família. De outro passo, embora residisse em Viana do Castelo e o local de trabalho seja no Porto, a atribuição de veículo automóvel com aquelas condições não só permitia que o autor se deslocasse diariamente para o local de trabalho sem custos, como também facilitava esta deslocação, dado que diariamente “quer na viagem de ida ou de regresso, despendia cerca de 45m a 1h, dependendo do tráfego, entre o seu domicílio e o local de trabalho e vice-versa”.
Ora, em consequência da decisão ilícita e culposa da Ré, após 25 anos em que sempre contou com o veículo automóvel e obteve as vantagens da utilização naqueles termos, o autor viu substancialmente alterada a organização da vida pessoal e familiar, por um lado, passando a ter custos, vendo-se Autor «(..) “forçado” a adquirir uma viatura para efetuar as suas deslocações quer pessoais, quer profissionais, nomeadamente para efetuar a sua deslocação diária de Viana do Castelo, onde reside, para o Porto onde tinha e tem o seu domicílio profissional», por outro passando a ter que recorrer aos transportes públicos, para efetuar a sua prestação de trabalho, saindo de Viana no comboio das 08:15m, o qual chega ao Porto às 10h e regressando no comboio que sai do Porto às 18h e que chega a Viana às 19:45m, acresce a deslocação da estação de comboios de e para o domicílio pessoal e profissional. Ou seja, em média, passando a despender mais duas horas diárias nesses percursos, tempo em que não está, como antes podia estar, disponível para a família.
Acresce, que estando o autor convicto, e com razão, que a atribuição de veículo era uma prestação integrante da sua retribuição e, como tal, protegida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, compreende-se, como provado, que a decisão da Ré lhe tenha provocado grande mágoa e frustração.
Neste quadro, contrariamente ao defendido pela recorrente, os factos que sustentam a decisão de condenação em indemnização por danos não patrimoniais, não são genéricos, antes traduzido efeitos bem concretos, que vistos na sua globalidade consubstanciam danos obectiva e suficientemente graves para merecer a tutela do direito.
Assim, também quanto a esta questão não assiste razão à recorrente.
Coloca-se agora a derradeira questão, agora a suscitada pelo recorrido no recurso subordinado, ou seja, a de saber se o Tribunal a quo errou ao fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 1.000,00, devendo ao invés ter acolhido o pedido por aquele formulado e condenado a Ré no pagamento àquele título da quantia de € 4.000,00.
Como decorre do acima acabado de expor, os argumentos utilizados pelo recorrido no recurso subordinado, que inicialmente sintetizámos, merecem a nossa concordância. Contudo, salvo o devido respeito, ponderadas as circunstâncias do caso, não se nos afigura que justifiquem a atribuição de indemnização em montante mais elevado, muito menos nos pretendidos € 4.000,00, antes se entendendo que a fixada pelo Tribunal a quo é consentânea com os factos apurados, não merecendo censura.
Assim, improcede o recuso subordinado.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso principal e o recurso subordinado improcedentes, confirmando a sentença recorrida.

Custas (art.º 527.º 2, CPC):
- Do recurso principal, a cargo da Recorrente Ré, atento o decaimento.
- Do recurso subordinado, a cargo do recorrido autor, atento o decaimento.
- Do incidente anómalo, a cargo do autor, fixando-se a TJ em 1 UC [art.º 7.º n.º 8, do RCP].
Notifique.

Porto, 8 de Junho de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira