Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5747/20.2T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
DIREITOS DE ACESSO AOS TRIBUNAIS E À PROVA
INVALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
MATÉRIA DE EXCEPÇÃO
DESPACHO SANEADOR
Nº do Documento: RP202206085747/20.2T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: LEVANTAMENTO/QUEBRA DE SIGILO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A tutela do sigilo bancário, não sendo absoluta, apenas poderá, todavia, ser restringida em situações de natureza excepcional, assim devendo ser compatibilizada com outros direitos ou interesses de igual ou superior dignidade, havendo que apelar à prevalência do interesse preponderante e ponderar, perante as circunstâncias de cada caso, se a informação é adequada e necessária ou imprescindível ao fim visado.
II - No concreto circunstancialismo do caso, devem prevalecer os direitos de acesso aos tribunais e à prova, com vista à prossecução do interesse à boa administração da justiça, aliado aos direitos de defesa da dignidade da pessoa humana, integridade moral e de defesa e protecção dos direitos e interesses de pessoas vulneráveis e idosas e deveres de protecção, por parte da instituição a quem aquelas, por nelas se encontrarem a residir, estão confiadas.
III - Invocando a A., nos termos da al. a) do art. 382º e 353º, nº 1, do CT/2009, a invalidade do procedimento disciplinar por falta de indicação circunstanciada dos factos imputados na nota de culpa e no aditamento à mesma, consubstanciando tal questão matéria de excepção, que deve ser apreciada em sede de despacho saneador e de cuja procedência poderia decorrer a desnecessidade do levantamento do sigilo bancário e tendo a 1ª suscitado tal incidente (de levantamento do sigilo bancário) antes do conhecimento da referida excepção, a autorização do levantamento do sigilo ficará sem efeito no caso da eventual procedência da referida excepção, que deve ser conhecida pela 1ª instância antes da solicitação às entidades bancárias das informações sujeitas ao sigilo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 5747/20.2T8MTS-A.P1 – Levantamento de Sigilo


Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1277)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório:

AA (A.) intentou acção declarativa de condenação, com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra H..., S.A.. (Ré).

A Ré apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar, tendo alegado, em síntese, que:
- No âmbito da sua actividade comercial, a Ré explora, entre outros, um Lar de Idosos designado “C ..., no qual a A. prestava a sua actividade para a Ré, desempenhando as suas funções, com a categoria profissional de Técnica de Restauração II, a qual, na sequência de procedimento disciplinar, veio a ser despedida com invocação de justa causa;
- Na nota de culpa foi à A. imputada a seguinte factualidade: [os arts. reportam-se ao articulado motivador do despedimento]:
- Levantamento, no multibanco e quase diariamente, de verbas em valores de €200,00 e de €150,00, de conta pertencente a BB, de 90 anos de idade, que reside no C ..., conforme informação prestada à Ré por CC, afilhado da referida BB e seu legal representante , assim como levantamento de um cheque no valor de €17.000,00, havendo ainda sido emitidos cheques à ordem da A. e de seu marido, no valor aproximado de €63.000,00, totalizando os levantamentos e cheques, no período de julho de 2018 a 25.05.2020, a quantia global de cerca de €160.000,00 (arts. 50 a 55); a A. não desconhecia a instrução que proíbe os funcionários, adstritos ao C ... de receberem qualquer dádiva dos seus residentes e, bem assim, não desconhecia que os próprios residentes sabem que não podem oferecer nada aos funcionários (arts. 45 e 46); apesar da referida D. BB se encontrar numa cadeira de rodas, a A. deveria tê-la acompanhado à caixa de multibanco e nunca deveria ter ido, sozinha, efectuar tais levantamentos (art. 61º).
- Foi efectuado um aditamento à nota de culpa, da qual consta, em síntese: no despacho do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 2, datado de 01.07.2020, procedeu-se à nomeação provisória do Senhor CC como acompanhante da Sra. D. BB, despacho esse no qual foi indiciada a seguinte factualidade: a. Em 25.09.2013, no Cartório Notarial ..., Dr.ª DD, a Sra. D. BB outorgou procuração a favor do Senhor CC, nos termos da qual lhe conferiu poderes para, entre outros, a representar junto da X ... – HOSPITAL ..., podendo celebrar quaisquer acordos quanto ao seu internamento e quanto à saúde da Sra. D. BB e para junto da Banco 1..., S.A., movimentar as suas contas bancárias com os n.º ... e ...; para renovar as contas que a Sra. D. BB possui ou venha a possuir na Banco 2... e para representar a Sra. D. BB perante Tribunais de qualquer espécie ou categoria (...) a fim de a representar em quaisquer processos; b. Desde Julho de 2018, a Sra. D. BB emitiu diversos cheques a favor da Autora; c. Também emitiu, em 03.03.2019, um cheque no montante de €5.000,00 (cinco mil euros) a favor de EE, marido da Autora e, em 11.05.2019, um cheque no montante de €5.000,00 (cinco mil euros) a favor de FF, filha da Autora; d. Desde Junho de 2018, foram efetuados inúmeros movimentos a débito na conta titulada pela Sra. D. BB; e. Assim, desde meados de 2018, a Sra. D. BB passou cheques a terceiros determinados no valor de €68.000,00 (sessenta e oito mil euros); cheques a favor de terceiros indeterminados no valor de €18.700,00 (dezoito mil e setecentos euros) e foram efectuados levantamentos da sua conta no valor de €63.200,00 (sessenta e três mil e duzentos euros), tudo no montante de €149.900,00 (cento e quarenta e nove mil e novecentos euros); f. A Sra. D. BB tem mobilidade reduzida, desloca-se em cadeira de rodas e encontrasse totalmente dependente de terceiros para todos os actos da vida diária, excepto comer; g. Encontra-se a residir numa instituição que providencia por todas as suas necessidades. Pelo mesmo Despacho, ficaram inibidas quaisquer pessoas, mormente a Autora, a sua filha, FF, e o seu marido, EE, de movimentar qualquer conta bancária titulada pela Sra. D. BB, em qualquer instituição financeira e nomeadamente na Banco 1..., S.A., e na Banco 2... (arts. 87 a 89); a conduta da Autora assume especial e particular gravidade, quer pelo número de vezes em que efectuou levantamentos no multibanco sem a presença da residente do C ..., quer, acima de tudo, por se ter apropriado desse dinheiro e cheques, obtendo para si um benefício ilegítimo, sendo que não lhe foi dada qualquer instrução nesse sentido, quer pela Responsável do C ..., quer pelo Gestor do C .... (art. 100) e configura, simultaneamente, um ilícito penal pela prática de crime de abuso de confiança (art. 101), punível com uma pena de prisão que pode ir até aos 8 anos.
- Tal factualidade, pela qual a A. veio a ser despedida, consubstancia justa causa do despedimento, pedindo que seja “considerado válido e lícito o despedimento da Autora promovido pela Ré, devendo, em consequência, a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada e a Ré integralmente absolvida do pedido.
Como meios de prova requereu, para além do mais, o seguinte:
“Ao abrigo do disposto no artigo 436.º do C.P.C., aplicável ex vi art.º 1º, n.º 2, al. a), do C.P.T., requer-se ao Tribunal que se digne:
a) Oficiar ao Banco de Portugal para vir aos autos informar quais as contas bancárias da titularidade da Autora e, nessa sequência, oficiar às entidades bancárias junto de quem a Autora tem conta aberta para virem juntar aos autos os extractos das contas bancárias da titularidade da Autora no período compreendido entre Junho de 2018 e Maio de 2020, para prova do alegado nos artigos 53.º a 55.º e 84.º do presente articulado;
(…)”.

A A. respondeu alegando, para além do mais, o seguinte:
5. O procedimento disciplinar assenta em factos distorcidos e que não podem ter o enquadramento que consta da decisão de despedimento, por um lado, e em factos e pressupostos falsos, por outro lado, que a empregadora ficciona para tentar justificar a decisão de despedimento com justa causa.
6. Impugna-se expressamente, os documentos constituídos pela nota de culpa e documentos anexos (fls. 20 a 51 do PD), aditamento à nota de culpa (fls. 59 a 64 do PD), relatório e decisão final juntos pela empregadora (fls. 142 e seguintes do PD), em particular tudo quanto aí se disse por tal não corresponder à verdade ou ser distorção da mesma, insusceptível de ter o enquadramento dado pela empregadora e portanto constituir apenas e tão só a manifestação da adulteração dos factos efectivamente ocorridos e o uso ilegítimo e abusivo de um poder disciplinar sobre a trabalhadora, como de resto se demonstrará.
7. Concretamente e em relação aos documentos juntos com a nota de culpa, impugna-se ainda expressamente a autenticidade e genuidade dos documentos juntos como Docs. 6 a 10 com a nota de culpa, porquanto se trata de um conjunto de documentos manipulados, truncados e adulterados, tendo sido deliberadamente omitido e alterado elementos como a identificação do titular da conta, elementos da identificação da conta à ordem, IBAN, NIB, saldos contabilísticos, pelo são evidentes os sinais exteriores da sua falta de autenticidade, termos em que desde já se argui a sua falsidade e vão os mesmos impugnados, para os devidos e legais efeitos.
8. Acresce que, vão igualmente impugnados os documentos juntos como Docs. 11 a 19 em anexo à nota de culpa, porque os indicados no número anterior (além de adulterados) e estes foram obtidos em violação do segredo e sigilo bancário e sem autorização da titular da conta bancária, do dinheiro e dos cheques, a D. BB, que jamais deu autorização ou consentimento para que tais documentos fossem solicitados e obtidos.
9. Nos termos do disposto nos arts 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Financeiras (R.G.I.C.S.F.), os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços, a título permanente ou ocasional, não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente e do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
10. As informações e documentos sujeitos ao dever de segredo bancário só podem ser relevados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição, ou nos termos do artº79º do Regime Geral das Instituições de Crédito.
11. Segundo preconizado pelo Tribunal Constitucional, no Ac. n° 278/95, de 31-05-1995, publicado no Diário da República, II Série, de 28-07-1995, entendeu-se que: «...a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26° n° 1 da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito». (…)
13. Daqui resulta que os factos relativos às relações do cliente com a instituição recorrida, por dizerem respeito à reserva da vida privada, constitucionalmente garantida no art. 26 º da C.R.P., só podiam ser revelados por consentimento prévio da cliente ou por determinação judicial.
14. In casu, sabe a trabalhadora, pela própria D. BB, que jamais deu consentimento a quem quer que fosse para que fossem obtidos elementos da sua conta bancária, sem o seu consentimento e não foi obtida qualquer determinação judicial nesse sentido.
15. Tal como não autorizou o dito CC, que não é seu afilhado, nem familiar, a aceder a quaisquer dados pessoais, nomeadamente os confidenciais das suas contas bancárias já que a procuração que possui não contém esses poderes.
16. Ademais, o dito CC sabe que há muito é intenção da D. BB revogar a procuração.
17. Sendo que pelo que resulta do documento junto como Doc. 2 com o requerimento da empregadora, apenas em 01/07/2020, no processo especial de acompanhamento de maior, foi nomeado provisoriamente CC para administração da pensão de reforma da D. BB, incluindo a conta bancária para a qual é transferida.
18. O que demonstra que tal decisão judicial provisória nunca poderá ser invocada como legitimadora de obtenção de elementos bancários da D. BB, nomeadamente os que foram juntos, ainda por cima totalmente adulterados, com a nota de culpa notificada à trabalhadora em Junho de 2020.
19. Assim, tais documentos, porque obtidos em violação à intimidade e ao sigilo de dados, direitos constitucionalmente tutelados e com desrespeito do devido processo legal, em tribunal competente, constituem prova ilícita, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
- Sem prescindir, quanto à nota de culpa: impugna a existência da alegada instrução (referida designadamente nos arts. 45 e 46 do articulado motivador); invoca, nos termos da al. a) do art. 382º e do art. 353º, nº 1, do CT/2009, a invalidade do procedimento disciplinar por falta de discriminação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram dadas as alegadas instruções à trabalhadora e, assim e só por si, a ilicitude do despedimento (arts. 29 a 31); invoca, pelas razões que alega, a existência de uma relação de grande amizade e confiança entre a A. e a referida BB e marido desta, entretanto falecido, dizendo esta que a única família que tem é a da A., sendo esta procurada para “Nomeadamente a gestão e zelo do seu património, entregando-lhe as chaves para tratar de tudo, além de solicitar da trabalhadora os cuidados pessoais do dia-a-dia, cuidar das roupas, alimentação não incluída nos serviços contratados no C ..., aquisição de bens de primeira necessidade, como produtos de higiene , jornais, revistas, fraldas, comunicações, despesas médicas e medicamentosas e outras” (art. 41); daí que a D. BB pessoa dona de um vasto património e bens, tenha decidido, quando assim entendeu e na posse de todas as suas faculdades, gratificar e premiar a trabalhadora por toda a dedicação, amizade e apoio na velhice, pessoa que está e sempre esteve perfeitamente capaz; o que a trabalhadora recebeu da D. BB não tem nada a ver com a execução do trabalho no C ... e não se tratou de qualquer apropriação ilegítima; os levantamentos, quando os fez, foram-no fora do período normal de trabalho a pedido e por indicação da Sra. D. BB; “53. Como até a própria referiu, era a mesma que solicitava à trabalhadora para fazer tais levantamentos e lhe entregar o dinheiro, o que aquela fazia, mas fora do período normal de trabalho e conforme indicações da D. BB. 54. Além de que serviu para pagamento de despesas com cabeleireiro, esteticista, jornais, revistas, produtos higiene, fraldas, pensos, frutas e outros bens alimentares, comunicações, despesas médicas e medicamentosas e a própria D. BB sempre gostou de ter bastante dinheiro e tem o hábito de gratificar toda a gente, nos termos em que entende”, levantamentos esses feitos fora do horário de trabalho e sendo aquela que pedia à A. para esta levar o cartão e trazer o dinheiro; “56. Assim, os factos que constam da nota de culpa, além de distorcidos e falsos nos termos em que se expôs, não consubstanciam infracções disciplinares e por isso vai expressamente impugnado o sentido, enquadramento e contextualização dos factos que a empregadora faz na nota de culpa e reproduz nos arts. 42º a 83º do requerimento motivador do despedimento.”
Quanto ao aditamento da nota de culpa, refere que: se trata de um “despacho que nomeia, provisoriamente, CC como acompanhante da D. BB a quem se comete a medida, provisória, de administração da pensão de reforma da beneficiária, incluindo a conta bancária para a qual é transferida e que estabelece inibições para outras pessoas, nomeadamente a trabalhadora, de movimentar qualquer conta bancária da D. BB, mas é totalmente falso que o Tribunal tenha dado como provado qualquer apropriação ou recebimento indevido pela trabalhadora de dinheiro da Senhora D. BB.” (art. 62); não se refere, no aditamento à nota de culpa, a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos, o que, nos termos já anteriormente referidos, determina a invalidade do procedimento disciplinar e ilicitude do despedimento (arts. 68 a 72); “73. In casu, não se verificam as violações dos preceitos legais por banda da trabalhadora a que a empregadora alude na nota de culpa, aditamento e nos artigos 90º, 91º e 92º do requerimento motivador da decisão de despedimento. 74. Termos em que se reitera a impugnação de todos os factos que lhe são imputados como motivadores da decisão de despedimento e que a empregadora repete nos artigos 93º e seguintes do requerimento a que se responde.”; “78. A trabalhadora nunca se aproveitou de vulnerabilidade de ninguém, nem obteve qualquer benefício ilegítimo, e como se demonstrará, os actos apontados relativos à emissão de valores, de livre vontade, a favor da trabalhadora por uma pessoa terceira à relação labora é um facto externo à relação laboral que não tem repercussão nesta e que não releva para efeitos disciplinares. 79. As doações e encargos da D. BB são da exclusiva vontade da Sra. D. BB, estão contextualizados e circunstaliazados nos termos que consta da presente peça processual e são legais e válidos, porque a D. BB não sofria de qualquer incapacidade cognitiva. 80. Os factos apontados à trabalhadora relativos à aceitação de doações e encargos da vontade da D. BB não integram qualquer violação dos deveres laborais a que a trabalhadora está adstrita e não pode a empregadora socorrer-se dos mesmos para efeitos disciplinares”, concluindo no sentido da ilicitude do despedimento e tendo formulado pedido reconvencional.
Termina pedindo que:
Termos em que deve o articulado motivador do despedimento apresentado pela empregadora ser julgado improcedente, por não provado, e a reconvenção deve ser julgada procedente por provada, e em consequência deve ser declarada a ilicitude do despedimento da trabalhadora, com as legais consequências, designadamente:
i) A empregadora condenada a pagar à trabalhadora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que vier a declarar a ilicitude do despedimento;
ii) A empregadora condenada a pagar à trabalhadora, caso esta não opte pela reintegração, uma indemnização no máximo legalmente admissível, nos termos do artigo 391º do CT;
iii) A empregadora condenada a pagar juros de mora vencidos e vincendos que se venham a verificar até efectivo e integral pagamento sobre todas as quantias peticionais.”

A Ré respondeu, referindo, para além do mais, no art. 55 que “Mais se requer que, pelos mesmos motivos, seja oficiada a Banco 1..., S.A. para vir aos autos juntar os extractos da conta bancária com n.º ... relativos aos meses de Junho de 2018 a Maio de 2020 para prova do alegado nos artigos 53.º a 55.º e 84.º a 88.º, todos do Articulado Motivador”, concluindo nos seguintes termos:
“Nestes termos, (…), deve a excepção de invalidade do processo disciplinar ser julgada improcedente por não provada.
Deve, ainda, ser indeferida e julgada improcedente a alegada impossibilidade de utilização dos documentos juntos com a nota de culpa (e por inerência juntos aos autos), por não se verificar qualquer violação do sigilo bancário.
Deve ainda o despedimento promovido pela Ré ser julgado lícito e, em consequência, deve a presente acção ser julgada improcedente por não provada”.

Sucederam-se requerimentos e, aos 06.07.2021, foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique a autora para, no prazo de 5 (cinco) dias, esclarecer se dá o seu consentimento a que seja solicitado ao Banco de Portugal a informação sobre as contas bancárias de que a mesma era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, bem como para que, seja solicitada às entidades bancárias que vierem a ser identificadas extractos referentes ao mesmo período” e, bem assim, despacho a determinar a notificação de GG para esclarecer se dá o seu consentimento a que seja solicitada à Banco 1... informação sobre se o mesmo era titular da conta nº ..., com vista à obtenção de extractos da dita conta referentes ao período de Junho de 2018 a Maio de 2020.

Em resposta o referido GG veio conceder a referida autorização e, quanto à A., respondeu esta referindo não dar o seu consentimento, alegando que:
“1º As informações em causa encontram-se abrangidas pelo dever de guarda de sigilo bancário, previsto nos artigos 78.° e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
2º Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias. – nº 2 do artigo 78º Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
3º Os valores protegidos pelo sigilo bancário são, por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes e o direito à reserva da vida privada desses clientes.
4º A Autora lida com as instituições bancárias neste pressuposto, de modo que seria ver a sua privada completamente devassada ver aqui reproduzidos extractos bancários de todas as suas contas bancárias.”.

Aos 17.08.2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Apesar da oposição da autora ao acesso à informação sobre as contas bancárias de que era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, considerando, por um lado que o direito ao sigilo bancário não é um direito absoluto, ao contrário da garantia de acesso aos tribunais que é plena e, por outro que a informação em causa é absolutamente indispensável ao exercício pela ré do direito à prova dos fundamentos do despedimento da autora, entre os quais o recebimento indevido por esta de avultadas quantias de uma utente da ré, com 91 anos de idade, residente no lar de idosos C ..., no qual a autora trabalhava;
Nos termos do disposto pelos arts. 417º, nº 1, 418º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, dispensando a confidencialidade, determina-se que seja solicitada ao Banco de Portugal informação sobre as contas bancárias de que a autora era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, de modo a que, nos termos do disposto pelo art. 79º, nº 2, al. h) do DL nº 298/92 de 31 de Dezembro possam ser juntos aos autos os extractos das ditas contas.
Junte cópia do presente despacho e todos os elementos de identificação da autora disponíveis nos autos.”,

Na sequência do que o Banco de Portugal respondeu invocando o sigilo profissional, referindo o seguinte:

A Banco 1... informou que “CC, BI ..., NIF ..., é co titular da conta nº ... e anexando extracto bancário da mesma referente no período de 01-06-2018 a 31-05-2020.

Aos 28.09.2021, a Ré, notificada da resposta do Banco de Portugal invocando o sigilo bancário, veio requerer, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 135.º do C.P.C. (aplicável por remissão do n.º 4 do artigo 417.º do C.P.C.), que seja proferida decisão “sobre a legitimidade da escusa e, para a eventualidade de se concluir que a escusa é legitíma, vem, desde já, e ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 417.º do C.P.C. e do n.º 3 artigo 135.º do C.P.P, deduzir Incidente de Levantamento de Sigilo Bancário, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. No Articulado do Empregador, a Ré requereu que fosse notificado o Banco de Portugal para vir aos autos informar quais as contas bancárias da titularidade da Autora para que, posteriormente, fosse possível notificar as entidades bancárias junto de quem tais contas foram abertas para virem aos autos juntar os extractos das contas bancárias da Autora no período compreendido entre Junho de 2018 e Maio de 2020.
2. Este requerimento visava permitir à Ré demonstrar o que alegou nos artigos 53.º a 55.º e 84.º do Articulado do Empregador, ou seja, que:
a. A Autora levantou um cheque no valor de €17.000,00 (dezassete mil euros), que lhe havia sido entregue pela Sra. D. BB;
b. Foram emitidos cheques à ordem da Autora e seu marido, o Sr. EE, no valor aproximado de €63.000,00 (sessenta e três mil euros);
c. No total, desde Julho de 2018 até àquela data (25.05.2020), os levantamentos e cheques [feitos em benefício da Autora] totalizariam um valor global de cerca de €160.000,00 (cento e sessenta mil euros);
d. A Autora recebeu, indevidamente, quantias avultadas de dinheiro da D. BB.
3. A demonstração da veracidade destes factos reveste-se de extrema importância para os autos, já que os mesmos constituem o cerne da factualidade que justificou o despedimento com justa causa da Autora.
4. Na verdade, como resulta de tudo quanto se alegou no Articulado Motivador, a Autora foi despedida por se ter chegado à conclusão que, aproveitando-se do estado de debilidade de uma utente da Ré (Sra. D. BB) e das funções que exercia, conseguiu obter, para si e para terceiros, seus familiares, benefícios financeiros ilegítimos e indevidos.
5. A prova dos factos alegados nos já mencionados artigos 53.º a 55.º e 84.º do Articulado do Empregador é, pois, essencial para aferir se, como alegado e sustentado pela Ré, a Autora, de facto, adoptou o comportamento a que acabou de se aludir e, por conseguinte, para determinar se esse comportamento configura uma situação subsumível à noção de despedimento com justa causa.
6. Sucede que, tendo em consideração a posição que a Autora adoptou nos presentes autos, a única forma de a Ré conseguir demonstrar a factualidade que alegou (e que suportou o despedimento com justa causa daquela, no legítimo exercício de um direito que lhe assiste) é se tiver acesso aos extractos das contas bancárias da Autora no período temporal a que se reporta o processo disciplinar e os presentes autos.
7. Na verdade, a Autora defendeu-se dizendo, entre outros, que os valores em numerário que levantava (alíneas c. e d. do n.º 2 do presente requerimento) eram utilizados para prover a necessidades da Sra. D. BB (titular das contas bancárias de onde o dinheiro era levantado), tais como despesas com cabeleireiros, esteticistas, revistas, entre outros de idêntica natureza (vide, por exemplo, artigos 41.º e 54.º da Contestação).
8. O que equivale a dizer que negou ter recebido da Sra. D. BB e para seu proveito próprio qualquer quantia e, em particular, as quantias que foi acusada de ter recebido (indevidamente, na perspectiva da Ré).
9. Face a esta posição, e considerando que não se apurou que alguém tivesse presenciado, directamente, os factos em questão (o que, de todo o modo, seria quase impossível de acontecer, atendendo à sua natureza), a única forma de a Ré conseguir demonstrar a veracidade dos factos que alegou é tendo acesso aos extractos das contas bancárias da Autora, os quais permitirão demonstrar que a Autora depositou, fazendo suas, as quantias que levantou das contas bancárias da Sra. D. BB.
10. E o que acabou de se dizer é aplicável, mutatis mutandis, aos cheques a que se reportam os factos transcritos nas alíneas a. e b. do n.º 2 do presente requerimento.
11. Com efeito, a Autora impugnou toda a factualidade relacionada com os cheques que foram emitidos em seu nome e por si depositados (vide artigo 56.º da Contestação), pelo que a Ré não tem forma de demonstrar que, de facto, a Autora recebeu e depositou cheques emitidos pela Sra. D. BB, excepto se tiver acesso aos extractos das contas bancárias da Autora no período temporal a que se reportam os factos constantes do processo disciplinar e que se discutem nos presentes autos.
12. Sendo que, para tanto, precisa, antes de mais, de saber a que entidades bancárias devem ser solicitados tais extractos e, por conseguinte, precisa que o Banco de Portugal informe quais as entidades bancárias junto de quem a Autora tem contas bancárias.
13. É certo que esta informação está, como referido pelo Banco de Portugal no Ofício que juntou aos autos, abrangida pelo sigilo bancário.
14. Mas, é igualmente certo que o sigilo bancário não é absoluto, como tem vindo a ser sustentado e defendido pela nossa jurisprudência, citando-se, a título meramente exemplificativo, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 10 de Fevereiro de 2020 e disponível in www.dgsi.pt, e onde se afirma que: Isto mesmo tem sido salientado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (v.g. Acórdão n.º 278/95, publicado in II série do Diário da República, de 28.07.1995), vincando-se que “ o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às relações com os clientes.
15. Ora, os direitos que a Ré pretende ver tutelados e acautelados por via do acesso a informação abrangida pelo sigilo bancário de que beneficia a Autora são, eles próprios, direitos fundamentais, de entre os quais se salienta o próprio direito à justiça e ao acesso a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
16. De facto, como resulta do que se deixou dito, tendo presente a posição assumida nos autos pela Autora, a única forma que a Ré tem de provar os factos que alegou é acedendo a informações abrangidas pelo sigilo bancário.
17. O que significa que, caso tal acesso lhe seja negado, a Ré ver-lhe-á ser negado o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, por via de uma impossibilidade de prova dos factos que sustentam o direito que pretende ver reconhecido judicialmente: o direito de despedir a Autora com justa causa, que encontra o seu alicerce constitucional no direito à livre iniciativa económica.
18. Trata-se, aqui, pois, de um conflito de direitos, o qual, tendo presente as regras da proporcionalidade e adequabilidade dos meios que sempre têm de ser seguidas na resolução destes conflitos, deve ser resolvido a favor da Ré, precisamente porque esta não tem outra forma de provar os factos que sustentam e fundamentam o exercício do direito que pretende ver reconhecido.
19. Isso mesmo tem vindo, aliás, a ser aceite pela nossa jurisprudência, como o atesta o sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 10 de Fevereiro de 2020, disponível in www.dgsi.pt e no qual se decidiu que: V - O segredo bancário é estabelecido em função de vários interesses, nomeadamente, o das próprias instituições bancárias, em cuja actividade releva de forma especial o princípio da confiança, o das pessoas, clientes directos do banco, estando em causa a salvaguarda da vida privada.
VI - É ponderando todos estes interesses, mas, ainda, o interesse de acesso ao direito, na vertente do direito à prova e da descoberta da verdade material que está subjacente à prestação das informações bancárias em causa, e o consequente interesse na boa administração da justiça, que se há-de aferir, de forma prudente e proporcional, qual o interesse preponderante, dando-lhe prevalência (artigo 135º, n.º 3, do CPP). VII - Quando se está perante um elemento de prova indispensável ou fundamental para a descoberta da verdade (v.g. para apurar de alegada simulação de um negócio jurídico), deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da boa administração da justiça.
20. Ademais, cumpre salientar que, o levantamento do sigilo bancário ora requerido apenas afectará a Autora, não tendo qualquer influência ou impacto no direito de terceiros, o que, de igual modo, contribui para que, como referido, o conflito de direitos em presença seja resolvido a favor da Ré.
21. Devendo, em consequência, ser ordenado o levantamento do sigilo bancário e notificado o Banco de Portugal para, na posse dessa decisão, vir aos autos prestar as informações que lhe foram solicitadas.”

Aos 01.10.2021 a A. veio pronunciar-se sobre, para além do mais, a informação prestada pela Banco 1..., alegando que a titular da conta e proprietária do dinheiro é a BB, a qual jamais deu consentimento a quem quer que fosse para que fossem obtidos elementos da sua conta bancária, pelo que tais documentos foram obtidos e juntos aos autos em violação da intimidade e sigilo de dados da Sra. D. BB e constituem prova ilícita, o que invoca para os devidos e legais efeitos.
Mais referiu, quanto ao sigilo invocado pelo BdP, o seguinte:
“21º Quanto ao ofício do Banco de Portugal é correcto o enquadramento de Direito que consta do mesmo e a escusa na apresentação dos elementos solicitados é legítima, pelo que deve o Tribunal reconhecer a incidência de tais garantias, com as legais consequências
22º Com o devido respeito, cremos que não deverá, neste caso concreto, ser decreto o levantamento do sigilo bancário.
23º Para que haja necessidade de recorrer ao incidente de quebra de sigilo profissional necessário é que haja uma conflitualidade entre o dever de guardar segredo e o dever de informar.
24º E o critério adoptado pelo nosso legislador é o de que o tribunal só pode impor a quebra do segredo profissional quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante
25º Face ao que está em causa nos autos, é firme convicção da Autora que não assume relevo para os mesmos indagar pela indicação de todas as contas bancárias que a mesma era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, de onde resultaria apenas uma exposição da sua vida privada, sem efeitos práticos para a decisão do processo.
26º Note-se que nos termos do nº 3 do artigo 387º do CT “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador. “
27º E o objeto do processo disciplinar que foi instaurado à Autora e que culminou com a decisão impugnada de despedimento com justa causa, tem a ver com a circunstância de a Ré imputar à Autora os seguintes factos:
- receber dávidas da residente do C ...;
- ter feito levantamentos com cartão multibanco de uma residente C ... sem a mesma estar presente.
28º No processo disciplinar que moveu à Autora, são estes os factos que a Ré reputa como violações graves dos deveres laborais que no seu entender inviabilizam a manutenção da relação laboral (porém sem concretizar quanto a circunstâncias de tempo, modo e lugar, daí a suscitada invalidade do processo disciplinar), pois não pode considerar-se como fatos sustentadores do despedimento as asserções ou alusões que a Ré refere como meras hipóteses….
29º O que a Ré referiu foi que moveu um processo disciplinar à Autora por receber dávidas de residente do C ... e a alegação de recebimento indevido de quantias de dinheiro da residente do hotel aparece apenas, como uma mera alegação vaga e mais uma vez não contextualizada no aditamento à nota de culpa. Sem quaisquer contextualização com factos ou imputações à Autora.
30º O que releva são factos e quanto a factos e imputações subjacentes à decisão de despedimento e o que existe no processo disciplinar são aqueles referidos nos item 27º que antecede.
31º E perante estes é manifestamente desproporcionado ordenar o levantamento do sigilo bancário de todas as contas bancárias da Autora.
Finalmente,
32º Não tem portanto cabimento o incidente suscitado pela Ré através do requerimento de 39971534 de 28-9-2021.”

A Ré respondeu pugnando pelo indeferimento do acima requerido pela A.

Aos 23.11.2021, foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
*
Quanto à informação prestada pela Banco 1... em cumprimento do despacho do tribunal de 17/08/2021, a autora tomou igualmente a opção de não recorrer do mesmo, pelo que, irreleva a posição assumida sobre o meio de prova junto aos autos a requerimento da ré.
Acresce que, sem prejuízo da valoração probatória dos documentos juntos em sede própria, sempre se dirá que, os mesmos foram solicitados e juntos aos autos, mediante prévia autorização expressa do co-titular da conta, no uso de uma prerrogativa que tal qualidade lhe confere.
*
(…)
*
No que respeita ao ofício do Banco de Portugal, considerando o disposto pelos arts. 81º e 81º-A do DL 298/92 de 31/12, considera-se legitima a escusa na prestação de informação.
Notifique.
*
Com vista a evitar a demora que o eventual incidente de levantamento do sigilo bancário poderá gerar para os presentes autos, e considerando o alegado pela autora no seu requerimento de 01/10/2021, nomeadamente no seu art. 25º, do qual parece resultar que aquilo que tem a obstar à prestação da informação pretendida é que indagar sobre todas as contas bancárias de que a mesma é titular resultaria numa exposição da sua vida privada, determina-se a notificação da autora para, informar, querendo, em 5 (cinco) dias, qual a conta na qual depositou quer os cheques que tenham sido emitidos a seu favor ou do seu marido pela dita BB, quer as quantias que tenha levantado da conta da mesma e que lhe tenham sido entregues e ainda para autorizar querendo, o acesso do tribunal ao extracto de tal conta ou contas no período em causa nos autos.
Notifique.”, despacho este ao qual a A. não respondeu.

Aos 05.01.2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Na sequência da posição assumida pelo Banco de Portugal, e atento o silêncio da autora na sequência do despacho de 23/11/2021, mostram-se verificados os pressupostos de que depende a possibilidade de suscitar e/ou deduzir o incidente de levantamento do sigilo bancário, dada a imprescindibilidade das informações em causa para a decisão a proferir nos autos.
A ré suscitou o incidente apenas com vista à obtenção da informação a prestar pelo Banco de Portugal. Contudo, do ponto de vista do Tribunal tal informação, sendo imprescindível para identificar as contas da autora, necessitará de ser complementada com a informação a prestar pelas instituições bancárias em que a autora tiver as contas bancárias, sobre os movimentos que tenham sido efectuados nas mesmas no período supra referido, informações que se encontram igualmente protegidas pelo dever de sigilo bancário e às quais, atenta a posição que tem vindo a ser reiteradamente assumida pela autora nos autos, só poderemos aceder mediante quebra do dever de sigilo.
Por isso, considerando os interesses em confronto e que as ditas informações são absolutamente indispensáveis ao exercício pela ré do direito à prova dos fundamentos do despedimento, entre os quais o recebimento indevido pela autora de avultadas quantias de uma utente da ré, com 91 anos de idade, residente no lar em que a autora trabalhava, e consequentemente à garantia de acesso aos tribunais, que se sobrepõe ao direito ao sigilo bancário que não é um direito absoluto, afigura-se-nos que o âmbito do incidente não se deve restringir à quebra do sigilo pelo banco de Portugal, devendo, desde já, com vista a evitar mais demoras indesejadas num processo que tem natureza urgente, ser alargado ao levantamento do sigilo bancário por qualquer das instituições bancárias em que a autora tivesse conta bancária no período supra referido.
Assim, com vista à instrução do incidente de levantamento do sigilo bancário suscitado pela ré com o objectivo de que o Banco de Portugal preste informação sobre as contas de que a autora era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, bem como com o objectivo de que qualquer instituição de crédito na qual a autora tivesse conta naquele período preste informação sobre os movimentos naquelas registados no mesmo período, nos termos das disposições conjugadas do art. 417º, nº 3 do Código de Processo Civil e do art. 135º, nº 3 do Código de Processo Penal, organize apenso de levantamento de sigilo bancário, juntando certidão:
(…)”

E, por despacho de 08.02.2022 proferido pela 1ª instância ficaram os autos a aguardar a decisão a proferir no incidente de levantamento do sigilo bancário.

Subidos os autos a esta Relação, foi por despacho da ora relatora, nos termos dos arts. 135º, nº 4 do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi dos arts. 434º e 417º, nºs 3, al. c) e 4, do CPC/2013 [de harmonia com o qual deve ser previamente “ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa””], solicitado parecer sobre o levantamento do sigilo bancário no sentido da prestação, por si, de “informação sobre as contas de que a autora era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, bem como com o objectivo de que qualquer instituição de crédito na qual a autora tivesse conta naquele período preste informação sobre os movimentos naquelas registados no mesmo período”, na sequência do que o Banco de Portugal emitiu o seguinte parecer:
“O Banco de Portugal, notificado para o envio de parecer sobre o levantamento do sigilo bancário, nos termos do ofício acima melhor identificado, vem dizer o seguinte.
Relativamente à informação sobre as contas tituladas pela Sra. D. AA no período de junho de 2018 a maio de 2020, constante da base de dados de contas prevista e regulada no artigo 81º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o Banco de Portugal não identifica, no caso concreto, nenhum interesse por cuja tutela lhe caiba zelar que obste à disponibilização nesta sede daquela informação e, desse modo, assuma preponderância na ponderação de interesses a que alude o artigo 135º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Quanto à informação sobre os movimentos registados nas contas tituladas pela Sra. D. AA no período de junho de 2018 a maio de 2020, a prestar, já não pelo Banco de Portugal, mas pelas instituições de crédito nas quais as mesmas contas se encontravam sediadas, o Banco de Portugal esclarece que não possui a qualidade de organismo representativo da profissão relacionada com o segredo bancário, pelo que, em seu entender, do artigo 135º, n.º 4 do mesmo Código não decorre que a decisão quanto à quebra do sigilo bancário dessas instituições deva ser precedida da audição deste Banco: como tal, considera que não deve pronunciar-se quanto a este ponto da solicitação de V. Exa.”.

Notificadas as partes, apenas a A. veio pronunciar-se referindo que: “1º. Conforme já consta dos requerimentos apresentados junto da 1ª instância pela Requerida, nomeadamente os requerimentos de 19/07/2021e 01/10/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a Requerida já expôs os argumentos pelos quais entende que não deve ser determinado o levantamento do sigilo bancário. 2º Sem prejuízo, e quanto ao ofício do BdP sempre se dirá que nos termos do artigo 78º nº 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras está sujeito a segredo “os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias” (…) 5. Pelo que, e de acordo com o exposto e informação do BdP, caso o Tribunal julgue ser de proferir decisão no sentido do BdP prestar aquelas informações sobre as contas tituladas pela Requerida no período de Julho de 2018 a Maio de 2020 de acordo com o princípio da prevalência do interesse preponderante, o que só a título de mera cautela de patrocínio se consente, a decisão em relação às informações sobre os movimentos de quaisquer contas sempre deverá ser precedida da audição da(s) instituições de crédito em que as mesmas se encontrassem sediadas.”.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Fundamentação de Facto
Tem-se como assente o que consta do precedente relatório.
***
III. Questão prévia – Da (des)necessidade de parecer prévio das instituições bancárias

Conforme referido no relatório, foi pela ora relatora, nos termos do art. 135º, nº 4 do Cód. Proc. Penal, foi pela ora relatora solicitado ao Banco de Portugal parecer sobre o levantamento do sigilo bancário no sentido da prestação, por si, de “informação sobre as contas de que a autora era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, bem como com o objectivo de que qualquer instituição de crédito na qual a autora tivesse conta naquele período preste informação sobre os movimentos naquelas registados no mesmo período”, na sequência do que o Banco de Portugal, no que toca às demais instituições de crédito, nas quais as contas da A. estejam domiciliadas as mesmas, veio referir “que não possui a qualidade de organismo representativo da profissão relacionada com o segredo bancário, pelo que, em seu entender, do artigo 135º, n.º 4 do mesmo Código não decorre que a decisão quanto à quebra do sigilo bancário dessas instituições deva ser precedida da audição deste Banco: como tal, considera que não deve pronunciar-se quanto a este ponto da solicitação de V. Exa.”.
Notificada, apenas a A. veio pronunciar-se, referindo, para além do mais, que “caso o Tribunal julgue ser de proferir decisão no sentido do BdP prestar aquelas informações sobre as contas tituladas pela Requerida no período de Julho de 2018 a Maio de 2020 de acordo com o princípio da prevalência do interesse preponderante, o que só a título de mera cautela de patrocínio se consente, a decisão em relação às informações sobre os movimentos de quaisquer contas sempre deverá ser precedida da audição da(s) instituições de crédito em que as mesmas se encontrassem sediadas.”.
No citado art. 135º, nº 4, do CPP determina-se que deve ser ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa”, pelo que, o que está em causa na audição a que se reporta tal parecer, não é a audição da entidade a quem se requer que seja dispensado o segredo profissional, mas sim a audição do organismo representativo respectivo.
Ora, assim sendo e entendendo o Banco de Portugal, pelas razões que invoca, não ser de emitir tal parecer no que toca às instituições bancárias em que a A. possa ter conta, não cabe, nos termos e para os efeitos do citado art. 135º, nº 4, proceder à audição de cada uma das instituições bancárias que, aliás, nem são ainda conhecidas no processo.
***
IV. Fundamentação de Direito

1. A questão em apreço consiste em saber se deverá, ou não, ser levantado o sigilo bancário por forma a que o Banco de Portugal informe “sobre as contas de que a autora era titular no período de Junho de 2018 a Maio de 2020, bem como com o objectivo de que qualquer instituição de crédito na qual a autora tivesse conta naquele período preste informação sobre os movimentos naquelas registados no mesmo período”, pretensão requerida pela Ré no âmbito dos presentes autos de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com invocação de justa causa, da A. com fundamento, em síntese, no recebimento indevido de quantias avultadas provenientes de uma utente do lar de idosos explorado pela Ré e no qual a A. prestava a sua actividade, recebimento esse quer por via do levantamento, pela A., em multibanco e com o cartão da referida utente, quer por via do desconto de cheques emitidos por esta à ordem da A. ou de familiares seus, recebimento esse que contrariaria as ordens vigentes na Ré e de que a A. teria conhecimento.

2. Dispõem os arts. 78º e 79º do DL 298/92, de 31.12 [objecto de diversas alterações, reportando-se a redacção vigente, no que toca ao art. 78º, à alteração introduzida pelo DL 157/2014, de 24.10 e, ao art. 79º, à redacção introduzida pela Lei 15/2019, de 12.02] que:
Artigo 78º
Dever de segredo
1 - Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias. 3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
Artigo 79º
Exceções ao dever de segredo
1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser relevados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) À Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, no âmbito das suas atribuições;
d) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições;
e) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
f) Às comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto, o qual inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão;
g) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
h) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.

As informações a que se reporta a 1ª instância no seu despacho de 05.01.2022 enquadram-se no nº 2 do art. 78º, pelo que estão cobertas pelo segredo profissional/sugilo bancário, assim se mostrando, nos termos do art. 417º, nº 3, al. c), do CPC/2013, legítima a recusa do Banco de Portugal em fornecer tais informações. Daí que, ex vi do nº 4 desse preceito, seja aplicável o art. 135º do CPP, mormente o seu nº 3, nos termos do qual cabe ao tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, no caso a esta Relação (cfr. Acórdão do STJ, de fixação de jurisprudência, nº 2/2008, de 13.02.2008, DR de 31.03.2008), decidir da dispensa do dever de sigilo.

3. Nos termos do art. 135º, nº 3, do CPP, o segredo profissional poderá ser dispensado se esta, dispensa, se mostrar justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade da informação e a necessidade de protecção de bens jurídicos.
O segredo profissional consiste na proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional[1], definindo-o Fernando Elói como a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão [2].
O segredo bancário visa proteger a actividade bancária, preservando o interesse público num sistema bancário “robusto, idóneo e confiável” e salvaguardar a integridade dos dados pessoais de quem se relaciona com o sistema bancário (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 13.03.2014, Proc. 02274/08, in www.dgsi.pt), protegendo o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes, e o direito à reserva da vida privada desses clientes (cfr., designadamente, acórdão da RL de 09.02.2017, Proc. 19498/16.9T8LSB-A.L1.2, in www.dgsi.pt).
O sigilo bancário, não sendo absoluto, apenas poderá, todavia, ser restringido em situações de natureza excepcional. E, assim, podendo e devendo ser compatibilizado com outros direitos ou interesses de igual ou superior dignidade, haverá que apelar à prevalência do interesse preponderante e ponderar, perante as circunstâncias de cada caso, se a informação é adequada e necessária ao fim visado, no sentido de não poder este ser alcançado ou o interesse ser acautelado por outro meio que não implique a quebra do sigilo - cfr., designadamente, Acórdãos da RC 28.04.2015, Proc. 46/14.1TBMR-A.C1 e de 28.04.2004, Proc 1345/04, bem como da RG de 19.12.2008, Proc. 2730/08-2, em cujo sumário se refere que:
“1. As instituições de crédito devem opor o sigilo bancário a quem não seja titular da conta ou seu sucessor, salvo se aquele o autorizar, ou nas restantes situações de excepção a que se reporta o art. 79º. do DL 298/92, de 31 de Dezembro.
2- No âmbito civil a quebra do sigilo bancário aparece-nos com características de excepcionalidade, devendo ser aferida com base na estricta necessidade, numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar.
3- Na implementação do incidente de quebra de segredo bancário hão-de ser invocados os factos tendentes a justificar devidamente a reclamada quebra (ou dispensa) do mesmo, juntando-se, naturalmente, os competentes meios probatórios tendentes a comprovar o invocado, por forma a possibilitar ao Tribunal superior o exercício de ponderação sobre a adequação da proporcionalidade da dispensa.”
Assim também no Acórdão da Relação do Porto de 10.02.2020, Proc. 3714/15.7T8MTS-A. P1, in www.dgsi.pt de cujo sumário consta que:
“V - O segredo bancário é estabelecido em função de vários interesses, nomeadamente, o das próprias instituições bancárias, em cuja actividade releva de forma especial o princípio da confiança, o das pessoas, clientes directos do banco, estando em causa a salvaguarda da vida privada.
VI - É ponderando todos estes interesses, mas, ainda, o interesse de acesso ao direito, na vertente do direito à prova e da descoberta da verdade material que está subjacente à prestação das informações bancárias em causa, e o consequente interesse na boa administração da justiça, que se há-de aferir, de forma prudente e proporcional, qual o interesse preponderante, dando-lhe prevalência (artigo 135º, n.º 3, do CPP).
VII - Quando se está perante um elemento de prova indispensável ou fundamental para a descoberta da verdade (v.g. para apurar de alegada simulação de um negócio jurídico), deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da boa administração da justiça.
E no Acórdão da Relação de Lisboa de 27.04.2022, Proc. 3246/17.9T8BRR-B-4, in www.dgsi.pt, diz-se o seguinte [omitem-se as notas de rodapé]:
««Em recente aresto da Relação de Lisboa, de 27-01-2022, proferido no âmbito do processo nº 12417-21-2T8SNT-A.L1-2, Relatora Maria José Mouro, acessível em www.dgsi.pt, afirma-se:
«IV–2-Lopes do Rego ([2[6]]) refere que o tribunal superior ao realizar o juízo que ditará qual o interesse que, em concreto, irá prevalecer, «carece de actuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo…». Acrescentando que a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa e que nem todos os deveres de sigilo poderão ter a mesma relevância e intensidade, uma vez que enquanto nuns casos o dever de sigilo está associado à reserva da esfera pessoal íntima do visado, noutros tutela, apenas a esfera privada simples – o que sucederá, por exemplo, na hipótese do segredo bancário.
Menezes Cordeiro ([3[7]]) distingue, no que respeita à quebra do segredo, a par de situações públicas, situações privadas, salientando que nas relações privadas o levantamento do sigilo só poderá ocorrer em conjunturas muito particulares, verificando-se, no fundo, uma situação global que faz perder ao sigilo o seu alcance. Refere que a jurisprudência actual deixa sempre pairar a exigência de uma concreta ponderação de interesses, nunca devendo a quebra do sigilo ir além do necessário.
Com marcado interesse mostra-se a posição assumida pelo STJ no acórdão de fixação de jurisprudência proferido em 13 de Fevereiro de 2008 ([4[8]]) no qual é afirmado:
«O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses.
Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos.

Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Porém, esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Pode, pois, ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário».
Já no acórdão do STJ de 14-1-1997 ([5[9]]) se escrevera que «o direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra «o civilizado» artigo 1º do Código de Processo Civil, se privilegiasse a «justiça» privada!) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se, designadamente, o artigo 519º do Código de Processo Civil, quer antes, quer depois da recente reforma)» e que «o pensamento legislativo seria no sentido de paralisar a acção dos tribunais na realização de direitos subjectivos, quando é certo que, ao invés, a ordem jurídica existe, justamente, como um conjunto de meios que deve conduzir à efectiva realização dos fins da actividade judicial previstos basicamente pelo art. 205º da Constituição».»» [fim de transcrição]

3.1. Em contraponto à protecção da actividade bancária e ao direito à reserva da vida privada dos clientes, no caso releva o direito, a todos constitucionalmente consagrado, de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo (art. 20º da CRP), na vertente do direito à prova, consubstanciando também interesse constitucionalmente protegido a boa administração da justiça (art. 202º da CRP), sendo que, no caso e na perspectiva da tutela dos interesses da Ré, está concretamente em causa o exercício do poder disciplinar, que lhe advém do contrato de trabalho celebrado com a A., poder esse que, em última análise, radica no direito constitucional à iniciativa privada (arts. 61º, 62º, 80º c) e 86º da CRP). Acresce que, atentas as particulares circunstâncias do caso em apreço, em que estão em causa actos susceptíveis de afectar o património de pessoa idosa residente e confiada a instituição de lar de terceira idade, deverão também serem equacionados os direitos, com consagração constitucional, à dignidade da pessoa humana (art. 1º), à integridade moral (art. 25º, nº 1) e à protecção dos interesses de pessoas vulneráveis e da terceira idade (arts. 72º e 73º), no que se inclui o direito de protecção dos interesses das pessoas que, por essa vulnerabilidade e/ou idade, estão confiadas a este tipo de instituições, de acolhimento/residência das mesmas, a quem cabe também velar pela sua segurança, e que, por virtude disso, estão ou poderão estar na esfera de “influência” de quem, por trabalhar na instituição, tenha ou possa ter a acesso à pessoa residente e confiada à protecção da instituição, no caso concreto, o lar de idosos da Ré.
Estamos, pois, perante situação de direitos legítimos da Ré e da A. e até de terceiro- a mencionada utente do lar -, sendo certo, o que importa salientar, que não cabe no âmbito do presente incidente a apreciação e decisão das circunstâncias e enquadramento fáctico invocado pela A. em que os levantamentos por multibanco e emissão de cheques em seu favor possam ter ocorrido.
Ainda que a propósito dos direitos fundamentais dos trabalhadores, mas com relevância, diz Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, págs. 266/267, “(…) já não se discute tanto hoje se e como é que os poderes patronais são limitados pelos direitos fundamentais dos trabalhadores, mas, antes, se em que medida é que se justifica a compressão de direitos fundamentais dos trabalhadores”, havendo que se assentar numa “presunção de liberdade” e na premissa, apresentadas por José João Abrantes[3], de que “qualquer restrição aos direitos fundamentais tem que ser justificada, adequada e proporcional”, sendo que “qualquer limitação imposta à liberdade civil do trabalhador tem uma natureza marcadamente excepcional, não podendo justificar-se a não ser pela necessidade de salvaguardar um outro valor que no caso concreto deva ser considerado mais importante: (…)” e, a pág. 321 que “Qualquer restrição aos direitos fundamentais deste [reporta-se ao trabalhador] terá que ser necessária, mas também justificada, proporcional e adequada. É, desde logo à luz destes princípios, que julgamos poderem resolver-se algumas questões não expressamente tratadas na nossa lei.”

Estamos, assim, perante situação de colisão de direitos, dispondo o art. 335º do Cód. Civil que: “1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.”
Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª Edição, Almedina, pág.390, refere o seguinte: “VI. Os limites extrínsecos aos direitos fundamentais e de personalidade dos trabalhadores decorrem do relevo de outros interesses ou direitos que entrem em colisão com aqueles. Esta situação de colisão de direitos deve ser tratada nos termos gerais, ou seja, com a cedência recíproca e equilibrada dos direitos em confronto, ou através da prevalência do direito que, no caso concreto, se considere superior (art. 335º CC). Assim, os direitos dos trabalhadores podem ter de ceder a interesses do empregador, que podem, inclusivamente, concretizar direitos fundamentais desde (o direito de propriedade sobre a empresa, ou o direito de livre iniciativa económica – arts. 62º, 80º c) e 86º da CRP), (…)”.
Ora, tendo em conta os direitos em colisão, afigura-se-nos, no caso concreto e atento seu concreto circunstancialismo dado o acima referido, deverem prevalecer os direitos de acesso aos tribunais e à prova, com vista à prossecução do interesse à boa administração da justiça e do consequente direito a um processo equitativo, na vertente do direito à prova, aliado aos direitos de defesa da dignidade da pessoa humana, integridade moral e de defesa e protecção dos direitos e interesses de pessoas vulneráveis e idosas e deveres de protecção, por parte da instituição a quem aquelas, por nelas se encontrarem a residir, estão confiadas, sendo certo que, no caso, se trata de pessoa idosa, com 90 anos de idade, residente em lar da terceira idade da Ré.
E, por outro lado, o levantamento do sigilo afigura-se-nos, no caso, necessário e proporcional ao cabal apuramento dos factos.
Com efeito, conquanto a A. não negue quer o levantamento de quantias no multibanco com o cartão da utente em causa quer a aceitação de cheques (atribuindo embora, quanto a uns e outros, um enquadramento e justificação fácticas diferentes, alegando tratarem-se de satisfação de necessidades da utente e gratificações e dádivas desta), a verdade é que da sua posição não decorre que aceite os mencionados factos, pelo menos com a extensão (montantes e fim dos mesmos) que lhe foram imputados, sendo que, relativamente aos levantamentos refere nos arts. 41 e 54 da contestação que se destinavam a “cuidados pessoais do dia-a-dia, cuidar das roupas, alimentação não incluída nos serviços contratados no C ..., aquisição de bens de primeira necessidade, como produtos de higiene , jornais, revistas, fraldas, comunicações, despesas médicas e medicamentosas e outras” (art. 41 da contestação) e “Além de que serviu para pagamento de despesas com cabeleireiro, estiticista, jornais, revistas, produtos higiene, fraldas, pensos, frutas e outros bens alimentares, comunicações, despesas médicas e medicamentosas e a própria D. BB sempre gostou de ter bastante dinheiro (…)”(art. 57), para além de que no art. 56 refere que os factos que constam da nota de culpa são “distorcidos” e “falsos”.
Acresce que, com vista pelo menos à prova cabal e segura da factualidade imputada, o levantamento do sigilo afigura-se-nos justificado e necessário, sendo que não decorre dos autos a existência de outra prova directa/presencial dos factos, sendo certo que a utente do lar é pessoa de avançada idade (então com 90 anos e, certamente, com mais idade à data da audiência de julgamento), havendo-lhe sido, ainda que provisoriamente, nomeado acompanhante (CC) conforme despacho do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 2, datado de 01.07.2020, para além de que a A. impugnou os documentos bancários juntos pela Ré e sendo que as informações a prestar pela(s) instituição(ões) bancária(s) permitirão o confronto e cruzamento com o extracto bancário, que foi junto pela Banco 1..., da conta bancária (conta nº ...) da utente em causa e de que CC é também titular referente no período de 01-06-2018 a 31-05-2020.
Ou seja, e em conclusão, afigura-se-nos ser de autorizar o levantamento do sigilo bancário, nos termos referidos pela 1ª instância, a que estão adstritos quer o Banco de Portugal, quer, na sequência das informações que por este venham a ser prestadas, as instituições bancárias onde a A. tenha conta(s) bancária(s), sem prejuízo porém do que se dirá a seguir.

4. Com efeito, no caso, a A. invocou, na contestação ao articulado motivador, a ilicitude do despedimento, com fundamento não apenas na inexistência de justa causa de despedimento, mas também, nos termos da al. a) do art. 382º e 353º, nº 1, do CT/2009, na invalidade do procedimento disciplinar por falta de indicação circunstanciada dos factos imputados na nota de culpa e no aditamento à mesma (cfr. arts.29 a 31 e 68 a 72), constatando-se que, não obstante, o presente incidente de levantamento de sigilo foi suscitado nesta Relação antes da prolação de despacho saneador e do conhecimento e decisão, pela Mmª Juiz, de tal eventual causa de ilicitude do despedimento, questão esta cujo conhecimento pela 1ª instância se nos afigura consubstanciar questão prejudicial ou prévia e indispensável à formulação do efectivo pedido, ao Banco de Portugal e às instituições bancárias que venham a ser por aquele indicadas, das informações necessárias abrangidas pelo levantamento do sigilo bancário.
Diga-se que, após os articulados, deverá ser proferido despacho saneador destinado, designadamente e caso não exista matéria de facto controvertida relevante, ao conhecimento do mérito total ou parcial da acção ou alguma excepção – art. 595º, nº 1, al. b), do CPC/2013, ex vi dos arts. 98º-M, nº 1, e 1º, nº 2, al. a), do CPT.
Com efeito, a eventual procedência da mencionada questão – invalidade do procedimento disciplinar com o referido fundamento – e que consubstancia defesa por excepção (peremptória – art. 576º, nº 3, do CPC/2013), acarretando a ilicitude do despedimento, determinaria o não conhecimento da invocada justa causa de despedimento e, consequentemente, a desnecessidade de levantamento do sigilo bancário. Ora, como se disse, este tem natureza excepcional, devendo mostrar-se necessário à resolução do litígio, o que não ocorreria ou ocorrerá caso, porventura, tal excepção – invocada invalidade do procedimento disciplinar por alegada falta de indicação circunstanciada dos factos imputados na nota de culpa (e seu aditamento) e ilicitude do despedimento com esse fundamento- viesse ou venha a ser julgada procedente.
Ora, assim sendo, é necessário que a 1ª instância, previamente à solicitação ao Banco de Portugal e, de acordo com informação deste, às instituições bancárias onde a A. tenha contas bancárias, conheça e decida da invocada invalidade do procedimento disciplinar e consequente ilicitude, com esse fundamento, do despedimento. Ou seja, o levantamento do sigilo bancário é autorizado, porém sem prejuízo de ficar a sua autorização sem efeito caso o despedimento venha a ser, com o referido fundamento, julgado ilícito ou alterados os pressupostos de facto subjacentes à presente decisão de dispensa do sigilo bancário e sob condição dessa questão/excepção ser, previamente à solicitação das informações abrangidas pelo sigilo bancário, apreciada pela 1ª instância. Ou, se se preferir, dito de outro modo, é o levantamento do sigilo bancário autorizado, mas apenas sob condição de o despedimento não vir a ser julgado ilícito em consequência da invocada invalidade do procedimento disciplinar ou alterados os pressupostos de facto subjacentes à presente decisão do levantamento do sigilo, questão/excepção essa que deverá ser apreciada e decidida pela 1ª instância, previamente à solicitação das informações abrangidas pelo sigilo bancário.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em autorizar, nos termos referidos pela 1ª instância, o levantamento do sigilo bancário a que estava obrigado o Banco de Portugal e demais instituições de crédito em que, na sequência da informação que por este venha a ser prestada, a A. seja titular de conta(s) bancária(s) com referência ao período de Junho de 2018 a Maio de 2020, sem prejuízo, porém, de a presente autorização de levantamento do sigilo bancário ficar sem efeito caso o despedimento seja, com fundamento na invalidade do procedimento disciplinar invocada pela Autora, julgado ilícito ou sejam alterados os pressupostos de facto subjacentes à presente decisão e sob condição dessa questão/excepção ser, previamente à solicitação das informações abrangidas pelo sigilo bancário, apreciada pela 1ª instância.

Custas do incidente pela parte vencida a final.

Porto, 08.06.2022
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] Cfr. Acórdão do STJ de 15.02.2000, in CJ, 2000, t 1, pág. 85 a 91.
[2] Cfr. «Da Inviolabilidade das correspondências e do sigilo profissional dos funcionários telégrafo-postais», in O Direito, Ano LXXXVI, 1954, pág. 81, e também citado no Acórdão do STJ referido na nota anterior.
[3] In Contrato de Trabalho e Meios de Vigilância da Actividade do Trabalhador (Breves Considerações), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raul Ventura, Coimbra Editora, 2003, Vol II, pág. 817.