Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4458/17.0T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÕES ABSOLUTAS
SEQUÊNCIA DE EMPRESAS
DEVER DE COLABORAÇÃO
Nº do Documento: RP202104274458/17.0T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Caracteriza-se como culposa a insolvência, nos termos do artigo 186º, nº2, al.f) do CIRE, quando os gerentes da empresa insolvente criam de imediato uma empresa para prosseguir a atividade daquela que encerrou, celebrando um novo contrato de arrendamento, com o mesmo senhorio, utilizando as máquinas da insolvente, os mesmos trabalhadores e instalações favorecendo objetivamente esta nova empresa.
II - O carácter culposo da insolvência também resulta do comportamento reiterado dos mesmos gerentes ao não colaborarem com o administrador da insolvência, não o contactando mesmo após este os procurar e nunca lhe entregando os elementos contabilísticos.
III – A circunstância de, previamente à insolvência, a empresa ter sido alvo de um processo especial de revitalização aprovado pelos credores, mais denota a censurabilidade da conduta daqueles gerentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4458/17.0T8VNG-A.P1

Sumário
(artigo 663º, nº7 do CPC):
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Acórdão

I – Relatório
Nos presentes autos de insolvência, por sentença de 03.07.2017, devidamente transitada em julgado, foi declarada a insolvência de B…, Lda., com sede na na Rua …, …, armazém .., Porto.
Por despacho proferido em setembro de 2017, foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, tendo o administrador de insolvência (A.I.) emitido o parecer a que alude o artigo 188.º, nº 3, do CIRE propondo a qualificação da insolvência como culposa.
Também o Ministério Público se pronunciou no sentido de que existem factos concretos dos quais resulta a qualificação da insolvência como culposa, integrando as condutas dos sócios-gerentes C… e D…, o disposto no artº 186º, n.º 1, 2, alíneas a), d), h) e i) e 3 al. a) do CIRE.
Veio a requerida/afectada C… deduzir oposição em 24.10.2018. Alega, em síntese que nunca foi negada a contabilidade da empresa ao A.I. e sempre foi prestada toda a colaboração; a constituição da E… foi uma imposição da senhoria sendo que os bens foram todos vendidos no tempo, segundo as regras e de acordo com a modalidade de venda escolhida pelo A.I.. O requerido/afectado D…z foi citado editalmente e não deduziu oposição.
Tramitada a causa, foi designada data para a realização da audiência final tendo sido proferida a sentença, ora sob recurso, a qual se transcreve na respetiva parte dispositiva:
Face ao exposto, decide-se:
A) Qualificar como culposa a insolvência da sociedade devedora “B….”.
B) Declarar afectados por tal qualificação os requeridos C… e D….
C) Decretar a inibição de C… e D…, para administrar patrimónios de terceiros por dois anos.
D) Decretar a inibição de C… e D…, para o exercício do comércio, bem como para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa por dois anos.
E) Condenar os afectados a indemnizar os credores da devedora/insolvente no montante dos créditos reconhecidos e não satisfeitos na liquidação, até à força do seu património, pelo valor dos créditos que fique por liquidar.
Custas do incidente pelos afectados pela qualificação – artº 304º do CIRE.
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A requerida C… não se conformou com o decidido e deduziu o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objecto a impugnação da matéria de facto e a reapreciação da prova gravada, versando ainda sobre a matéria de Direito.
B. Pretende-se com o mesmo impugnar a sentença de qualificação da Insolvência proferida (...).
C. Consideramos que não existiam, no caso concreto, fundamentos de facto e de direito para a qualificação da insolvência como culposa e afectação da recorrente nos termos consignados na sentença.
D. O tribunal a quo entendeu que, face à prova produzida, resultou demonstrado o preenchimento dos pressupostos previstos nas alíneas f) e i) do n.º 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante designado por CIRE), ou seja, que os gerentes da Sociedade, mormente a recorrente, fez dos bens da devedora uso contrário ao interesse desta, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual teria interesse directo ou indirecto - alínea f) do preceito legal citado – tendo igualmente considerado provado ter ocorrido o incumprimento, de forma reiterada, dos seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188º - alínea i) do preceito legal referido.
E. Mais entendeu o tribunal a quo, igualmente face á factualidade que entendeu provada, que igualmente se verificou no caso o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 186º do CIRE, porquanto se verificou concomitantemente a violação do dever de apresentação à insolvência a que se refere o artigo 18º do CIRE, argumento este que igualmente pretendemos impugnar.
F. Para a decisão que proferiu sobre a matéria de facto provada o Tribunal recorrido refere ter tido em conta os documentos referidos nos factos provados e constantes nos autos e o depoimento do sr. Administrador de insolvência conciliado com toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
G. Para a conclusão atinente à factualidade não provada o tribunal refere não ter sido produzida qualquer prova cabal dos mesmos.
H. Expõe o tribunal recorrido na sentença que proferiu ter tido em ponderação o depoimento do sr. administrador da insolvência que, conforme é referido na sentença, confirmou ter-se deslocado às instalações da insolvente pela primeira vez em 10.07.2017 juntamente Com F…, tendo sido recebidos pelo dra. G…, responsável pela contabilidade da insolvente e depois da “E…” mas que não entraram, sendo que a referida dra. G… terá referido que não havia nenhuma B… e que não tinha lá quaisquer elementos da contabilidade desta, acrescentando que da última vez que foi às instalações da insolvente (que situou entre Outubro/novembro de 2017) a dra. G… os terá recebido no seu gabinete e facultou o acesso às instalações, sendo que todos os equipamentos foram fotografados pelo sr. F…, não mais tendo voltado às instalações da insolvente.
I. Ainda do depoimento do sr. Administrador de insolvência apreendeu o Tribunal recorrido que este enviou uma carta à recorrente no sentido de obter elementos contabilísticos mas que não recebeu qualquer resposta.
J. No que tange ao depoimento da testemunha G…, que o Tribunal igualmente validou, a convicção do tribunal recorrido baseou-se no facto da mesma ter dito ser TOC da insolvente, confirmando que a devedora foi alvo de um PER aprovado e homologado em junho de 2016 que acabou por não ser cumprido derivado ao facto da devedora ter sido despejada pelo senhorio do Armazém; mais colheu o tribunal recorrido do depoimento desta testemunha que a mesma confirmou que a primeira visita do sr. AI (administrador da insolvência) e que não os deixou entrar porque não tinha ordens para tal, embora tivesse tentado contactar a d. C…, aqui recorrente mas não conseguiu pelo que os mandou lá ir em outro dia e que, quanto à contabilidade, não negou a entrega do que quer que seja.
K. No que concerne ao depoimento da dra. H…, igualmente valorizado pelo tribunal “a quo”, o mesmo foi tido como bom na parte em que a mesma referiu, enquanto representante da senhoria do armazém das instalações da devedora, que havia rendas da B… em atraso, que a d. C… pediu um novo contrato de arrendamento em nome de uma nova empresa.
L. Quanto ao depoimento de F…, pessoa que acompanhou o Sr. Administrador da insolvência nas duas únicas visitas que fez às Instalações da insolvente, teve em consideração o tribunal “a quo” o seu depoimento na parte em que o mesmo diz que da primeira visita foram recebidos pelo dra. G… que referiu não ter autorização para os deixar entrar e que na segunda visita, no final do ano, voltaram lá, entraram nas instalações e só aí apreenderam os bens; voltou ainda às instalações na fase de venda para visitas com interessados, sem qualquer problema; acrescentou ainda a testemunha, o que o tribunal recorrido fez constar na sentença, que o A.I. pediu os elementos da contabilidade da insolvente e que os mesmos na altura não foram entregues por não os terem, segundo a informação da dra. G….
M. Analisada a prova testemunhal gravada por contraposição dos factos provados e não provados, afigura-se-nos que tribunal recorrido fez uma errada interpretação da prova testemunhal produzida no seu conjunto para a decisão que proferiu sobre a matéria de facto.
N. Os concretos pontos que a recorrente entende terem sido incorretamente julgados na sentença sob recurso (artigo 640º, n.º 1, al.a) do CPC são, por referência aos factos provados constantes na douta sentença, os seguintes: factos 10, 13, 15, 16, 18, 19, 24, 25 e 27 dos Factos provados;
O. Por menção à factualidade não provada referida na sentença e na mesma descrita por alíneas, consideramos incorretamente julgados os pontos ínsitos nas seguintes alíneas: facto inserido na al. B) e c) dos Factos não provados.
P. Em cumprimento do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil se dirá que os concretos meios probatórios que impunham decisão de facto diversa da recorrida quanto aos mencionados pontos são os depoimentos conjugados da testemunha G…, o depoimento da testemunha F…, o depoimento da testemunha dra. H… e as declarações de parte produzidas pela recorrente C…, prova essa que, conciliada e compatibilizada entre si, impunha decisão diversa.
Q. Quanto ao facto 10 dos factos provados da sentença ora em crise, o Tribunal recorrido dá como provado a G… seria uma “ex-funcionária da insolvente”, actualmente “funcionária da E…”, quando resulta do próprio depoimento do sr. administrador da insolvência relatado, aliás, no texto da decisão recorrida que o mesmo terá dito que aquela era a técnica oficial de contas de insolvente e não funcionária da insolvente.
R. O que igualmente resulta dos depoimentos da própria testemunha G… e F… porquanto ambos afirmaram no seu depoimento que a dra. G… seria a responsável pela contabilidade e não funcionária da mesma.
S. Também a prova do facto consignado na ultima parte do facto provado em 10, ou seja, quando se julga provado que a testemunha G… informou, na visita de 10.07.2017 que naquelas instalações “ estaria a funcionar como arrendatária aquela empresa (E…), com os ex-funcionários e equipamentos da Insolvente”, merece impugnação, porquanto, a testemunha G… nunca referiu isso ao longo de todo o seu depoimento, nem isso é atestado por nenhuma testemunha, não tendo sido feita qualquer prova documental ou testemunhal que permitisse ao tribunal recorrido concluir nesse sentido.
T. Relativamente ao facto 13 dos factos provados (que a requerida C… nunca contactou o AI) entendemos foi produzida prova bastante em contrário, tendo em consideração o depoimento da testemunha G… que atestou ter a certeza absoluta que a ora recorrente chegou a falar com o sr. Administrador da insolvência, tendo inclusivamente os contactos um do outro.
U. No que concerne ao facto 15 dos factos provados que entendemos encontrar-se directamente relacionado com o facto 27 dos factos provados (que os gerentes da insolvente não estavam nas instalações nem foi possível ao AI ter acesso à contabilidade ou à sua localização aquando a primeira visita às instalações da insolvente, nem posteriormente (15) e que os gerentes da insolvente, designadamente a recorrente, não colaborou com o A.I. nem lhe forneceu os elementos da contabilidade, não tendo sequer tentado contactá-lo por qualquer forma (27), a prova produzida pelas testemunhas G… e F… demonstram claramente que os factos não sucederam dessa forma.
V. De acordo com o depoimento das indicadas testemunhas e também em conformidade com depoimento de parte da recorrente, a gerente da insolvente, de facto não estava presente na empresa na primeira visita, mas a dra. G…, TOC da empresa, não só recebeu o sr. A.I. nos escritórios juntamente com o sr. F…, como tentou contactar a gerente recorrente, mostrando-se colaborante nomeadamente quanto à questão da entrega da contabilidade, que só não entregou por manifesta impossibilidade, ou seja, pela circunstância da mesma se encontrar na posse do ex-TOC da empresa.
W. Da mesma prova testemunhal se pode concluir que a gerente recorrente se encontrava nas instalações da empresa aquando da segunda visita do sr. A.I., praticamente seis meses após a primeira visita, sendo certo que o sr. A.I. não entrou nas instalações (tendo ficado no seu exterior) de onde facilmente se poderá concluir que, dessa vez, não houve qualquer solicitação à gerente ou a quem quer que seja relativamente à contabilidade da empresa.
X. Em momento algum foi vedado o acesso à entrada nas instalações da insolvente nem à contabilidade da insolvente, nem nessa primeira visita nem em momento ulterior.
Y. Acresce ainda que, conforme resulta dos dois depoimentos referidos, o sr. A.I. terá ficado nesse dia com os contactos da TOC G…, que de resto, em representação da insolvente, mostrou toda a colaboração para com o sr. A.I., sendo que o mesmo nunca solicitou o que quer que seja à dra. G… ou sequer à recorrente (pelo menos de que a mesma fosse conhecedora).
Z. Decorrendo da mesma argumentação aqui expendida igualmente a impugnação do facto 18 dos factos provados.
AA. Os depoimentos/passagens em que se funda a impugnação dos enunciados pontos da matéria de facto (10, 13, 15, 18 e 27) são o depoimento das testemunhas G…, F… e o depoimento de parte de C… nas partes que se transcreveram nas alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
BB. No que concerne ao facto 16 dos factos provados, é certo e resulta de prova documental que o sr. A.I. efectivamente enviou duas cartas para a aqui recorrente C…, mas para moradas onde a mesma não residia na altura, não existindo qualquer elemento de prova do seu recebimento.
CC. De facto, foi produzida prova documental bastante de que a mesma, em 2017, ou seja, aquando o envio das cartas pelo sr. A.I. se encontrava a residir na Rua …, …, tal como de resto, resulta de parte do facto provado em 22 dos factos provados, por referência à sentença ora em crise.
DD. Assim, contradiz o facto provado em 22 o referido no facto 16, uma vez que, se a requerida não se encontrava já a residir em tal morada, não poderia ter recebido a carta que lhe havia sido enviada para aquela morada, tudo o, de resto, é conforme com a versão da recorrente desde logo em sede de oposição à qualificação da insolvência, de que nunca recebeu qualquer solicitação do sr. administrador de insolvência com vista à entrega da contabilidade.
EE. Por esse motivo, afigura-se-nos que o tribunal a quo não poderia ter considerado provado que a recorrente efectivamente recebeu uma das cartas conforme refere no facto 16.
FF. O facto provado ínsito em 19 não poderia ter sido dado como provado na medida em que não foi produzida qualquer prova documental ou testemunhal no sentido de poder afirmar que o sr. A.I. tenha constatado na sua visita às instalações que ali exerciam actividade cerca de 5 a 6 ex-trabalhadores da insolvente, ao serviço da E…, tanto que o sr. Administrador da insolvência, não chegou a aceder às instalações propriamente ditas da empresa mas apenas ao escritório, não se antevendo em que elemento de prova se baseou o Tribunal para a formação da prova deste facto.
GG. Acresce que, a prova positiva dessa factualidade (19) consignada pelo Tribunal recorrido na sua decisão afigura-se-nos claramente contraditória com a prova do facto vertido em 20, de onde se alcança que apenas a partir de junho/julho de 2017 os trabalhadores aí identificados (e que pertenciam anteriormente à insolvente) deixaram de estar ao serviço da insolvente e passaram a prestar serviço à “E…”.
HH. Decorre ainda do exposto, agora no que tange a parte do facto 24 dos Factos provados, ou seja, que foi considerado provado que os bens foram aprendidos em 05.12.2017 e que os mesmos “se encontravam a ser usados pela “E…”, igualmente não foi produzida qualquer prova bastante para se considerar que os bens existentes nas instalações da insolvente estariam efectivamente já a ser usados pela “E…”, motivo pela qual essa parte do facto provado em 24, transcrita entre aspas, deverá ser abolida do facto provado 24, mantendo-se o seu restante teor.
II. Por conseguinte, também não se poderá afirmar com a certeza que no caso se impõe que, conforme se refere no facto 25 dos factos Provados “ a E… exercia a sua actividade usando a licença de controlo veterinário concedida à insolvente” por igualmente não ter sido realizada prova suficiente desse facto.
JJ. Não se logrou apurar se efectivamente a “E…” chegou a trabalhar usando a licença que era da B… ou não porquanto, mais uma vez, nenhuma prova cabal foi feita que permitisse ao Tribunal “a quo” concluir como conclui quanto a esta factualidade.
KK. Nenhuma referência na prova foi feita relativamente ao uso dos bens da insolvente pela ex-gerente, nomeadamente quando e em que medida esse uso foi feito.
LL. Tudo motivos pelos quais deverá ser reapreciada a prova referida e alterada no sentido dos factos a que se aludiu serem considerados não provados.
MM. Já os factos que não foram provados e que se encontram descritos nas alíneas b) e c) dos factos não provados da sentença ora em crise mereciam uma decisão diversa da recorrida no sentido de, na nossa sempre modesta opinião, os mesmos terem resultado provados.
NN. Na verdade, a recorrente, apenas criou uma outra sociedade, que teria necessariamente de funcionar nas mesmas instalações, para evitar a entrega do locado (instalações da devedora) à senhoria I… e porque esta foi uma sua exigência para se evitar o cumprimento da decisão de despejo da B… sendo facto sintomático disso mesmo que a “E…” foi constituída mas não iniciou, na pratica, qualquer laboração.
OO. Não obstante a testemunha H… ter negado ter sido a mesma a fazer essa imposição à aqui recorrente em representação da proprietária do armazém onde estavam as instalações da insolvente, a verdade é que admitiu ser possível que tivesse existido essa exigência por parte da I…, por pessoa diversa da sua pessoa.
PP. A prova que impunha decisão diversa da recorrida quanto aos factos não provados é o depoimento, quanto a esta matéria, da testemunha G… e das declarações de parte da recorrente, conciliados com o depoimento da dra. I….
QQ. A testemunha G… de facto referiu ter conhecimento que a constituição da “E…” tinha sido uma vontade da senhoria, sendo que o objectivo da criação da mesma se prendia apenas com essa necessidade por forma a evitar-se o efectivo despejo da B….
RR. Acresce que, de encontro ao referido foram produzidas declarações de parte da recorrida, a qual esclareceu ao tribunal, de forma isenta, sincera e que se nos afigura credível, as circunstâncias em que criou a “E…” evidenciando que a senhoria I…, na pessoa do dr. J…, terá feito essa imposição à recorrente, sendo esse o motivo da criação da “E…”.
SS. Além dos concretos meios de prova que impunham resposta positiva a estes factos, também entendemos que a prova dos mesmos é a que melhor se adequa com as regras da experiência comum porquanto, efectivamente, a senhoria I… apenas desistiu de prosseguir com o despejo da B… outorgando um contrato de arrendamento com uma nova sociedade, da qual sabia que seria gerente a mesma pessoa, ou seja, a recorrente, porque essa era a vontade e a exigência da I….
TT. No que refere à impugnação da matéria de direito /aplicação do Direito aos factos, entendemos que, para além de ter feito uma errada interpretação da prova produzida, o tribunal “a quo”, com todo o respeito que nos merece e é muito, fez uma errada aplicação do direito aos factos que resultaram provados nos autos.
UU. O tribunal a quo entendeu que os factos provados se subsumiram na verificação das alíneas f) e i) do n.º 2 e ainda da al. A) do n.º 3 do artigo 186º do CIRE.
VV. Consideramos pois que, ainda que a matéria de facto que se impugnou de mantivesse incólume – o que não se concede –ainda assim não resulta dos autos matéria de facto bastante para se concluir pela insolvência culposa.
WW. No que se refere à verificação no caso sub judice do disposto na al. I) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE, francamente não antevemos, Senhores desembargadores, que prova se tenha feito de que o uso dos bens existentes nas instalações da insolvente fossem contrários aos interesses da insolvente e muito menos, que prova se fez nos autos – prova esse que não incumbia à aqui recorrente – de que desse uso tenha ocorrido qualquer proveito para o próprio ou para terceiros ou a existência de qualquer favorecimento para terceiros.
XX. Dos autos não resultou qualquer prova cabal dos factos que conformam esse normativo legal, designadamente por não ter sido possível precisar em que altura, em concreto, iniciou a laboração da “E…” e em que moldes a mesma fez ou não uso de bens da B… em seu benefício.
YY. Muito menos se tendo apurado, em consequência, se esse uso foi ou não contrário aos interesses da insolvente e se o mesmo foi em proveito do próprio ou de terceiros.
ZZ. Ademais, essa matéria – note-se – não foi tão pouco alegada no parecer de qualificação de insolvência ou na promoção do Ministério Público.
AAA. Aliás, como se referiu, a “E…” não iniciou a sua laboração quando foi constituída mas apenas muitos meses depois, tendo estado parada longos meses, sendo a própria que veio a adquirir para si, de forma legal e legítima, os equipamentos da insolvente, no próprio processo de insolvência, aquisição essa que acabou por beneficiar os credores da insolvente B…, porquanto a sua venda permitiu realizar dinheiro para a massa insolvente e consequentemente a sua distribuição pelos credores da devedora.
BBB. Tudo motivos pelos quais enquadramento fáctico do caso em concreto não poderá enquadrar-se na alínea f) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE.
CCC. No que se refere à invocada al. I) do referido n.º 2 do artigo 186º do CIRE (incumprimento, reiterado, dos deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do Artigo 188º do CIRE), entendemos que não foi também produzida prova bastante que permitisse concluir neste sentido.
DDD. No caso em apreço, pese embora toda a argumentação expendida pelo tribunal a quo quanto às considerações que faz na sentença relativamente ao dever de colaboração, entendemos que não decorre da situação concreto a violação com culpa e muito menos de forma reiterada, por parte da recorrente, do dever de colaboração do sr. administrador da insolvência.
EEE. O sr. administrador da insolvência esteve nas instalações da insolvente apenas duas vezes, tendo estado nos escritórios da insolvente e fez a apreensão dos bens sem que tal lhe fosse vedado. FFF. A contabilidade não lhe foi entregue aquando a sua primeira visita porquanto a mesma não se encontrava na posse da TOC mas sim co ex-TOC que não a entregou à devedora, motivo pela qual se a mesma não foi entregue foi derivado desse facto.
GGG. De resto, a recorrente nunca recebeu qualquer carta a solicitar a contabilidade ou o que quer que fosse.
HHH. O sr. A. I. nunca enviou qualquer comunicação para a sede da empresa, para o co-gerente da mesma ou sequer contactou a TOC posteriormente à sua primeira visita, não obstante ter ficado com os contactos da mesma, donde não se poderá concluir, pelo menos no nosso modesto de entendimento, pela violação, ainda mais reiterada, do dever de colaboração.
III. De resto, essa reiteração não é factualmente alegada ou demonstrada.
JJJ. Na presunção legal estabelecida no n.º 2 do artigo 186º do CIRE, tal como em qualquer outra presunção legal da mesma natureza, o legislador, a partir de um facto conhecido, afirma a verificação de um outro facto desconhecido, não estabelecido previamente – artigo 349º do Código Civil – sendo que quem tem a seu favor a presunção legal está, à partida dispensado de provar o facto que a ela conduz – artigo 350º, n.º 1 do código civil - pese embora não esteja dispensado de o alegar e sendo certo que terá de fazer prova do facto que é a base da presunção, o que não sucedeu no caso concreto.
KKK. Motivo pelo qual, não se extraindo da prova produzida no caso em análise, a existência de factos bastantes que se reconduzam às situações previstas no n.º 2 do artigo 186º do CIRE, não se poderá extrair a conclusão de que a insolvência é culposa.
LLL. O tribunal “a quo” entendeu também ter-se verificado no caso concreto, a situação vertida na al. a) do n.º 3 do artigo 186º do CIRE, presumindo a existência de culpa grave da recorrente pelo facto da mesma não ter apresentado a insolvente à insolvência, nos termos do artigo 18º do CIRE.
MMM. Haverá ainda que referir que, para alem da verificação desta presunção (mesmo que a mesma não seja ilidida) é necessário a alegação e a prova de que essa omissão do devedor tenha estado na origem da insolvência ou do seu agravamento, já que só assim se poderá concluir pela insolvência culposa (nexo de causalidade previsto no n.º 1 do artigo 186º do CIRE).
NNN. No caso sub judice, o tribunal a quo entendeu que ocorreu o referido nexo causal, porquanto a falta de apresentação à insolvência no prazo legal teve como natural consequência o agravamento da insolvência, fazendo referência, nomeadamente ao montante do passivo da insolvente.
OOO. Relativamente a esta questão, o que resultou dos autos foi apenas que a B…/insolvente, instaurou um processo especial de revitalização em 2015, o qual veio efetivamente a merecer homologação em 7 de julho de 2016, per acabou por não ser cumprido sendo que, em maio de 2017 acabou por ser requerida a insolvência da B….
PPP. Da prova carreada para os autos não foi possível apurar com exactidão o momento a partir do qual se verificou o incumprimento das obrigações vencidas ou de qualquer outro dos factos que indiciam a situação de insolvência, para se apurar o momento em que se deveria a devedora ter apresentado à insolvência.
QQQ. A existência de passivo da devedora B… não permite, de per si, concluir da situação de insolvência da devedora porquanto, não é a existência de passivo que evidencia a existência da situação da insolvência, mas sim a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas e por isso não foi possível situar o momento em que ocorreu a situação de insolvência ou o momento em que dela o devedor deveria ter tido conhecimento, para se poder afirmar incumprido o dever de apresentação à insolvência.
RRR. Sem prescindir, ainda que se provasse que esse dever foi violado, não se demonstraram quaisquer factos concretos de onde se pudesse concluir pelo agravamento da situação de insolvência (artigo 186º, n.º 1 do CIRE), não podendo o tribunal simplesmente formular um juízo conclusivo e desprovido de qualquer base factual acerca desse agravamento.
SSS. No caso concreto não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre as hipotéticas condutas da recorrente e o agravamento da situação de insolvência e/ou consequente prejuízo dos credores, muito pelo contrário.
TTT. Tendo os bens que constituam a massa insolvente sido adquiridos pela “E…” pelo valor constante nos autos, talvez resultou em benefício da massa insolvente e dos seus credores, diminuindo assim o passivo da devedora.
UUU. Por todos os motivos invocados, entendemos que a sentença de qualificação da insolvência como culposa e a afectação da recorrente decorrente dessa qualificação, não têm fundamentação de facto e de direito, devendo assim a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que entenda declarar a insolvência como fortuita.
VVV. Ao ter decidido como decidiu, violou o tribunal recorrido o disposto no artigo 186º, n.º 1, 186º, n.º 2, al. f) e i) e n.º 3, al. a), todos do CIRE.
WWW. Violou ainda o tribunal recorrido o disposto no artigo 18º e 87º do CIRE.
Termina a apelante requerendo que o presente recurso seja julgado totalmente procedente, sendo a sentença que qualificou a insolvência como culposa substituída por outra que a qualifique como fortuita.
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela integral confirmação da sentença recorrida.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, no essencial, pelas conclusões das alegações dos recorrentes. Assim, temos em causa nos autos, apenas a questão de discernir sobre a verificação dos pressupostos que determinem o carácter doloso da insolvência decretada. Para aferir desses requisitos terão que ponderar-se os factos impugnados com a decorrente reapreciação da matéria de facto e, em qualquer caso, decidir sobre a qualificação jurídica, neste âmbito, daqueles que resultarem provados.

III -Fundamentação de facto
Pela primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1- A sociedade B…, Lda. tinha como objeto a industria de preparação, congelação, transformação de produtos de pesca, aquacultura, moluscos e crustáceos (cfr. certidão permanente constante do presente apenso);
2 - Tinha um capital social de €325.000,00, repartido da seguinte forma:
- C…, contribuinte fiscal nº ………, casada com K…, titular de três quotas sociais, uma no valor nominal de 31.685€, outra no valor de 750€ e uma terceira no valor de 7.220€, totalizando o valor de capital social de 39.655€;
- L…, contribuinte fiscal nº ………, casado com M…, titular de uma quota social no valor nominal de 57.691€;
- D…, contribuinte fiscal nº ………, casado com N…, titular de cinco quotas sociais, uma no valor nominal de 750€, outra no valor nominal de 104.943,00€, uma outra no valor de 21.000€, uma quarta no valor nominal de 30.240€ e uma quinta no valor nominal de 42.611€, perfazendo o valor total de capital social de 199.544€;
- O…, contribuinte fiscal nº ………, casado com P…, titular de uma quota social no valor nominal de 57.691€;
- Q…, contribuinte fiscal nº ………, casado com S…, titular de uma quota social no valor nominal de 18.280€; obrigando-se com a assinatura dos seus dois gerentes: C… e D… (cfr. CRC).
3 - A sociedade foi objecto do PER n.º 9394/15.2T8VNG, no qual foi aprovado um plano de recuperação, que não foi cumprido, cfr. doc. junto à oposição da requerida.
4 - No decurso do PER, a proprietária das instalações da insolvente I…, S.A., propôs uma acção de despejo à insolvente, não contestada, pelo que, em 10.02.2016 foi proferida sentença a decretar o despejo imediato da insolvente das instalações que ocupava, cfr. doc junto ao parecer do A.I.
5 - No dia 24 de Maio de 2017, veio o Credor T… requerer a declaração de insolvência da sociedade B…, Lda., com sede na Rua …, .., armazém .., Porto, invocando um crédito sobre a empresa no montante de €3.736,58 e que a empresa se encontrava insolvente (cfr. requerimento inicial dos autos principais).
6 - A sociedade foi citada no dia 12 de Junho de 2017 e não apresentou contestação ao pedido de insolvencia (cfr. autos principais).
7 - Os requeridos/afectados C… e D… tiveram conhecimento do processo de insolvência através da U…, que lhes comunicou que um trabalhador tinha instaurado um processo de insolvência.
8 - Por sentença proferida no dia 3 de Julho de 2017, foi declarada a insolvência da sociedade B…, Lda. (cfr. autos principais).
9 – Em 8 de Março de 2016 foi constituída a empresa “E…, Unipessoal Ldª”, com sede na R. …, n.º …, Armazém .., Porto, ou seja, com a mesma sede da insolvente, e com a mesma sócia gerente, C…, com o objecto social de “comércio por grosso de peixe, crustáceo e moluscos”, a qual renunciou à gerência em 17.06.2016, passando a exercer funções como tal, o seu filho, V…, que passou a deter a totalidade do capital social da empresa, cfr. certidão permanente junta a este apenso.
10 - No dia 10.07.2017, o A.I. nomeado nos autos principais, numa primeira visita, deslocou-se às instalações da insolvente juntamente com o Sr. F…, onde foi informado pela Sra. Dra. G…, ex-funcionária da insolvente, actualmente funcionária da “E…”, que a insolvente já ali não laborava desde Abril ou Maio de 2016, altura em que foi despejada, estando agora ali a funcionar como arrendatária aquela empresa, com os ex-funcionários e equipamentos da insolvente, que nunca foram retirados do local.
11 - Finda esta visita, o A.I. elaborou um relatório da mesma, assinada por aquele, o Sr. F… e Dra. G…, cfr. doc. junto ao parecer do A.I.
12 - Numa segunda visita às instalações da insolvente em 05.12.2017, o A.I. novamente acompanhado do Sr. F… teve acesso às instalações, tendo este, acompanhado por um funcionário tirado fotos dos bens/máquinas ali existentes.
13 - A requerida/afectada C… nunca contactou o A.I., nem o requerido E….
14 - O contrato de arrendamento da E… foi celebrado em 06.04.2016, entre a senhoria da insolvente, I… e a E…, Unipessoal, Lda., representada pela sua sócia-gerente C…, como arrendatária e C… e D…, como fiadores, cfr. doc. junto ao requerimento de 25.11.2020.
15 - Os gerentes da insolvente não se encontravam nas instalações nem foi possível ao A.I. ter acesso à contabilidade ou à sua localização na primeira vista do A.I., nem posteriormente.
16 – O A.I. procedeu à notificação da gerente da insolvente C… a fim de obter informações e os elementos da contabilidade da empresa, enviada para as duas moradas constantes dos autos em 23.08.2017, tendo a primeira sido enviada para a Rua …, .., …, Trofa e recebida e a segunda para Rua …, …, 2º dto., …, sido devolvida, cfr. docs. juntos ao parecer do A.I..
17 - O A.I. não enviou qualquer carta ao requerido/afectado D….
18 - Os requeridos/afectados não forneceram quaisquer informações ao A.I.
19 - Na sua visita às instalações, constatou o A.I. que, ali exerciam actividade cerca de 5 a 6 ex-trabalhadores da insolvente, agora ao serviço da “E…”.
20 - A partir de Junho e Julho de 2017, pelo menos, os trabalhadores W…, T…, X… e C…, deixaram de estar ao serviço da insolvente e passaram a prestar serviço à “E…”, cfr. email de 17.05.2018.
21 - A partir de Novembro de 2016 a B… não teve mais actividade, ficando sem trabalhadores, sem máquinas e sem licença de controlo veterinário.
22 – Da certidão da CRC resulta que a requerida/afectada C… residia na Rua …, .., …, Trofa e em 2017 encontrava-se a residir na Rua …, …, não tendo comunicado, por qualquer forma, tal informação aos autos.
23 - Em 25.11.2020, notificada para o efeito no decurso do julgamento, veio informar que a sua actual morada era na Rua …, .., …, Trofa.
24 - No âmbito do processo de insolvência foram apreendidos em 05.12.2017, os bens constantes do apenso B, aos quais o A.I. atribuiu o valor de €24.600,00, que se encontravam a ser usados pela “E…”, prosseguindo os autos para liquidação do activo existente (cfr. nos autos principais, respetivamente, ata da assembleia de credores de 07.09.2017e relatório do Sr. Administrador de 25.08.2017 e apenso B).
25 - A “E…” exercia a sua actividade usando a licença de controlo veterinário concedida à insolvente, tendo sido solicitada a sua alteração para o nome daquela em 11.11.2016, alterada em 06.01.2017, cfr. doc junto ao requerimento junto pela requerida em 25.11.2020.
26 - Os bens apreendidos foram adquiridos pela “E…”.
27 - Os gerentes da insolvente não colaboraram com o A.I. nem lhe forneceram os elementos da contabilidade, nem tentaram contactá-lo por qualquer forma.
28 - Foram reclamados créditos no montante global de €446.499,07, cfr. apenso de reclamação de creditos.
*
O mesmo tribunal entendeu igualmente dar como não provado que:
a) A requerida/afectada não desse instruções aos funcionários da empresa ou que esta fosse administrada unicamente pelo requerido/afectado.
b) Que a forma da senhoria I… aceitar outro arrendamento foi unicamente a da constituição de outra sociedade na qual a socia gerente teria de ser obrigatoriamente a requerida/afectada.
c) Que a sociedade E… tenha sido constituída para assegurar o não despejo da B….
d) Que os bens da propriedade da insolvente tivessem sido dissipados ou retirados das instalações.
e) Que não tivesse contabilidade organizada.

IV – Fundamentação de Direito
A apelante cumpriu o ónus imposto pelo artigo 640º do CPC impondo-se, como tal, proceder à reapreciação da matéria de facto relativamente aos segmentos impugnados.
Cumpre, portanto, analisar os factos em litígio, ou seja, os factos provados nºs. 10, 13, 15, 16, 18, 19, 24, 25 e 27 e as alíneas b) e c) dos factos não provados.
Em ordem a dirimir o conflito descrito, procedemos à análise de toda a prova documental e testemunhal junta aos autos de modo a poder alcançar uma conclusão que sistematize, pondere e valore os diferentes elementos probatórios, numa estrutura harmónica e coerente.
E - aventemos desde já - uma vez reapreciado todo o acervo probatório, concluímos não existirem motivos para alterar o essencial da decisão recorrida em termos de enquadramento fáctico a qual assenta, como facilmente se compreende, nos documentos que foram sendo exarados ao longo do processo e nas declarações do próprio administrador da insolvência que testemunhou diretamente vários dos factos apurados.
Mas, relativamente aos depoimentos prestados, procuremos sintetiza-los. Deste modo, a recorrente C… disse ter sido “obrigada” a constituir a “E…, Lda.” por força do despejo de que a insolvente foi vítima e porque a I… só confiava na depoente; assumiu ter pedido ao filho para “emprestar o “nome” para dar credibilidade à nova empresa; a própria aceita que tudo continuou a funcionar como anteriormente com esta nova empresa; disse ter dito à Dra. G… estar disponível para o A.I. mas aceita não ter estado com ele e decorre do seu depoimento que nunca procurou ativamente o A.I. para falar com ele mesmo sabendo que não estava presente nessa visita do A.I. (Dr. Y…); aquando da insolvência, a B… já não existia e foi a própria a abrir uma outra empresa (“E…”) no mesmo local com a mesma atividade e objeto, conforme admitiu, nunca mais se ocupando da insolvente B…. Insistiu que não sabia como proceder e que não agiu dolosamente; aceitou nunca ter entregue, até à data, a contabilidade da empresa. Quanto à morada da Trofa disse nela residirem o marido e os filhos (não a própria), incluindo o V… que foi gerente da “E…, Lda.”, e acabou por admitir poder ter-lhe sido entregue a carta remetida a esta morada (“eram muitas as cartas que recebia, de todos os lados”). Y…, administrador de insolvência, confirmou o teor do parecer por si emitido e que corresponde ao ocorrido e por si presenciado. Explicou que foi ao local duas vezes (na primeira não chegou a entrar) e logo detetou a inconsistência relativa à licença do estabelecimento para exercer a atividade. No local laborava outra empresa com equipamentos da insolvente e, ainda assim, nunca foi contactado por nenhum dos gerentes. Mais explicou que a recorrente nunca esteve presente em nenhuma ocasião mas sempre apenas a testemunha Dra. G… nem nunca foi entregue, ou prometida entregar, a contabilidade, apesar dos pedidos nesse sentido; mesmo o contrato de arrendamento nunca foi voluntariamente facultado. A entrada não lhe foi barrada mas não teve a colaboração necessária da Dra. G… e não lhe foi dado qualquer acesso ao que pretendia e lhe devia ser mostrado ou entregue, tal como consta do documento comprovativo junto aos autos. A testemunha G… disse ser ela a tratar da contabilidade da insolvente bem como da “E…, Lda.”. Mais afirmou ter sido contabilista certificada da empresa insolvente em 2015/2016, num máximo de dois anos, visitando ocasionalmente a empresa. Explicou como a B… foi alvo de um processo especial de revitalização (PER) e após a ação de despejo, não contestada, teve mesmo que sair do local tendo o negócio continuado mas com uma outra empresa como arrendatária; assim terminou uma empresa e “a outra estava a nascer”, com os mesmos equipamentos e com o que pensa terem sido os mesmos funcionários. Relativamente à visita à empresa pelo A.I. confirmou não ter facultado a visita às instalações pois “não era eu a gerente” sendo que confirmou que as instalações eram da “E…, Lda.” e que os trabalhadores nada receberam da B…. V… é filho da requerente, foi gerente da “E… ...” por pouco tempo e nada fez na mesma empresa, foi só gerente “de nome”. H… explicou que a insolvente foi inquilina da empresa onde trabalha (I…) e que foi a recorrente a contactar a empresa I… para fazer um novo arrendamento com outra empresa, nada tendo sido exigido ou imposto pela I… quanto à constituição de uma nova sociedade. A testemunha T… referiu o “debacle” da insolvente com o não pagamento de salários a si. F… explicou como o documento elaborado aquando da segunda visita para a apreensão de bens da insolvente (10/07/2017) correspondia ao que ocorreu no local; houve uma insistência em ver o local mas tal foi obstado pela Dra. G… que não o permitiu embora esta se mostrasse colaborante.
Como se alcança do exposto, agora descrito e devidamente escrutinado, não se afigura passível de ser contrariada, no essencial, a factologia apurada pelo tribunal “a quo” em muito assente nos documentos presentes ao processo. Bem pelo contrário; a prova confirma os atos e condutas da recorrente nos diferentes aspetos vertidos na decisão.
Mas, procuremos particularizar cada um dos diferentes segmentos fácticos.
Facto n.º 10: “ No dia 10.07.2017, o A.I. nomeado nos autos principais, numa primeira visita, deslocou-se às instalações da insolvente juntamente com o Sr. F…, onde foi informado pela Sra. Dra. G…, ex-funcionária da insolvente, actualmente funcionária da “E…”, que a insolvente já ali não laborava desde Abril ou Maio de 2016, altura em que foi despejada, estando agora ali a funcionar como arrendatária aquela empresa, com os ex-funcionários e equipamentos da insolvente, que nunca foram retirados do local.”
Aventa a recorrente que a G… era a contabilista (TOC) da insolvente e não sua funcionária. E entendemos que tem razão efetivamente neste concreto ponto. A testemunha em causa, G…, referiu ter sido técnica oficial de contas da insolvente e não sua funcionária, não tendo, portanto, qualquer vínculo laboral com a insolvente.
Todavia, tudo o demais vertido neste facto 10º foi comprovado nos autos. Neste sentido, haverá que referir todos os documentos a que aludem os factos provados n.ºs 4, 9, 11 e 14 cuja veracidade não merecerá reparo. Donde, sabe-se que, no decurso do PER, a proprietária das instalações da insolvente I…, S.A., propôs uma acção de despejo à insolvente a qual não foi sequer contestada com a decorrente sentença, de Fevereiro de 2016, decretando o despejo imediato da insolvente; logo em 8 de Março de 2016 foi constituída a empresa “E…, Unipessoal Ldª”, sediada no mesmo exato local, e com a mesma sócia gerente, C… (a renúncia surgiu apenas em Junho e a favor do seu filho, V…). Depois temos o facto 11, não impugnado, resultante de prova documental lavrada na sequência da diligência de 10 de Julho de 2017. Nesse documento, assinado também pela testemunha G…, referiu-se, “não existir nas instalações a empresa insolvente. A actual empresa, “E…, Ldª”, está a laborar nestas instalações desde que a anterior empresa foi despejada, com aproximadamente 5 a 6 trabalhadores”. Por seu turno, o contrato de arrendamento com a “E…, Ldª “ data logo de 1 de Abril de 2016 (documento relativo ao facto n.º 14). Ou seja, tudo continuou como dantes apenas mudou, formalmente, o nome da empresa, inclusivamente quanto aos equipamentos que eram da insolvente e que logo passaram a ser utilizados pela nova sociedade ( vide facto n.º 26).
E, dos depoimentos prestados, como explicitamos acima, nada permite alterar o apurado; nomeadamente a testemunha G… referiu no seu depoimento que a nova empresa continuou, nos mesmos moldes, o que a outra fazia.
Assim, o facto 10º passará a ter a seguinte redação:
No dia 10.07.2017, o A.I. nomeado nos autos principais, numa primeira visita, deslocou-se às instalações da insolvente juntamente com o Sr. F…, onde foi informado pela Sra. Dra. G…, contabilista certificada da insolvente e depois também da “E…”, que a insolvente já ali não laborava desde Abril ou Maio de 2016, altura em que foi despejada, estando agora ali a funcionar como arrendatária aquela empresa, com os ex-funcionários e equipamentos da insolvente, que nunca foram retirados do local.
O facto provado 13 é do seguinte teor: A requerida/afectada C… nunca contactou o A. I.
A recorrente aponta, sobretudo, o depoimento de G… que disse ter existido contactos entre ambos; porém, neste conspecto, não se nos afigura como desatender à versão apresentada pelo próprio administrador de insolvência que logo aquando da emissão do parecer emitido e junto aos autos, referiu: “o signatário não logrou qualquer contacto com D…, de nacionalidade espanhola, nem com a D. C…, que nunca foi possível localizar, apesar as várias interpelações para o efeito, tendo a mesma sido recebedora da carta registada da Trofa”.
Sublinhe-se que, perante um despejo já decretado, estando em causa um PER que desembocou numa insolvência, surge como claramente inusitada, penalizando a apelante, esta situação de dificuldade de contactos. Seria a própria recorrente a primeira interessada em procurar o A.I. e a disponibilizar a informação necessária conforme, naturalmente, deve acontecer neste tipo de processos. Não se demonstrou que o fizesse ou sequer que o tentasse.
Manter-se-á o facto em apreço.
O facto provado n.º 15: Os gerentes da insolvente não se encontravam nas instalações nem foi possível ao A.I. ter acesso à contabilidade ou à sua localização na primeira vista do A.I., nem posteriormente.
O depoimento do administrador da insolvência, bem como de F…, foi devidamente confirmado pelos documentos juntos e ficou claro que a Dra. G…, embora colaborante, não permitiu sequer o acesso às instalações da insolvente. Resulta, portanto, apurada esta circunstância bem como que os elementos de contabilidade nunca foram entregues ao administrador de Insolvência.
Facto provado n.º 16: O A.I. procedeu à notificação da gerente da insolvente C… a fim de obter informações e os elementos da contabilidade da empresa, enviada para as duas moradas constantes dos autos em 23.08.2017, tendo a primeira sido enviada para a Rua …, .., …, Trofa e recebida e a segunda para Rua …, …, 2º dto., …, sido devolvida.
O facto em análise assenta nos documentos juntos pelo A.I. reiterado nas declarações por ele prestadas. A carta remetida para a morada da R. …, .., …, Trofa, não foi devolvida e a própria insolvente admitiu que a mesma pode ter-lhe chegado às mãos. Nessa carta, a mesma era notificada para, conforme estabelecido no art.º 24.º do CIRE, entregar a documentação contabilística aí descrita, entre a qual: Mod. 22 de IRC e IES dos anos de 2016, 2015 e 2014; Balancetes Analitícos ao Fecho de cada um dos anos 2013, 2014, 2015 e 2016; Mapa de Amortizações dos últimos 3 anos; Relação de Créditos vencidos e pendentes de cobrança por parte da insolvente; Mapa de Pessoal da insolvente à data de declaração da insolvente; Senha da insolvente para acesso ao Portal das Finanças fornecida pela AT; Contactos de endereço e email do TOC.
Naturalmente, deve ser igualmente mantido o facto em causa tal como o n.º 16 (“Os requeridos/afectados não forneceram quaisquer informações ao A.I.”)
Facto n.º 18: “Na sua visita às instalações, constatou o A.I. que, ali exerciam actividade cerca de 5 a 6 ex-trabalhadores da insolvente, agora ao serviço da “E….”
Também aqui releva o documento mencionado no facto n.º 11 sendo que esta continuação de atividades pela nova empresa foi confirmada, genericamente, por todos os depoimentos.
Facto provado n.º 24: “No âmbito do processo de insolvência foram apreendidos em 05.12.2017, os bens constantes do apenso B, aos quais o A.I. atribuiu o valor de €24.600,00, que se encontravam a ser usados pela “E…”, prosseguindo os autos para liquidação do activo existente.”
Estes bens estavam a ser usados pela “E…” conforme referiu a própria gerente/recorrente que afirmou ter iniciado a actividade da “E…, Ldª” e laborado com estes equipamentos após uma redução inicial de atividade com alguma quebra de clientela. O mesmo aconteceu com a factologia relativa ao facto n.º 25 (“A “E…” exercia a sua actividade usando a licença de controlo veterinário concedida à insolvente, tendo sido solicitada a sua alteração para o nome daquela em 11.11.2016, alterada em 06.01.2017.”) comprovada documentalmente e aceite pela própria recorrente que referiu ter usado a mesma licença.
A manutenção dos factos provados implica a continuação da não prova dos elencados nesse segmento. A testemunha H… (I…) referiu que nunca forçou ninguém a aceitar um novo arrendamento, sendo esta uma opção da locatária; além do mais, de todo modo, não se vislumbra a relevância desta circunstância no contexto desta ação.
Concluímos, portanto, por manter, no essencial, a factologia apurada, e não apurada, apenas alterando nos moldes acima explicitados, que configuram um detalhe menor, o facto 10º.
*
Fixados os factos, haverá que aplicar o direito.
Para tanto, vejamos, antes do mais, o enquadramento legal.
Dispõe o artigo 185.º, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas que “A insolvência é qualificada como culposa ou fortuita”. Concretizando, o artigo 186.º, n.º 1, do mesmo diploma legal estatui que “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”
Assume especial enfâse, no presente caso, o disposto no n.º 2 da mesma norma:
“Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham (no que ao caso interessa na medida em que o tribunal “a quo” entendeu estarem preenchidas as alíneas f) e i), a saber:
f) quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto.
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188º.;
Justamente por força da expressão legal “sempre” (reproduzida por nós a negrito), vem sendo defendido de modo praticamente unânime por doutrina e jurisprudência que a lei estabelece, com este nº2, uma vez verificados os factos integrantes das circunstâncias previstas em cada uma das suas alíneas, uma presunção “iuris et de jure”, ou seja, inilidível, de insolvência culposa, fazendo ainda presumir a existência de nexo de causalidade entre a atuação dos administradores do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência (neste sentido, vide, por todos, Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, volume II, pág. 14 e Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado”, pág. 175 para além de inúmeros acórdãos dos tribunais superiores, vários deles recenseados neste da Relação do Porto de 24.09.2019, processo nº7639/18.6T8VNG-D.P1, disponível em www.dgsi.pt).
O legislador, nestas hipóteses do nº2 do artigo 186º, “prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adopção das medidas restritivas previstas no artigo 189.º do CIRE contra os administradores julgados responsáveis pela insolvência”. Dito de outro modo, verificado o facto típico previsto na lei (nas várias alíneas deste nº 2), “fica, desde logo, estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento” (reproduzimos o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 570/2008, Processo n.º 217/08, de 26/11/2008, consultável em www.tribunalconstitucional.pt. “ex vi” do Acórdão desta Relação e Secção de 8.03.2019, processo nº 2538/15.6T8AVR-D.P1, disponível em dgsi.pt).
Na doutrina, Maria do Rosário Epifânio, em Manual de Direito da Insolvência, 7.ª Edição, Almedina, 2019, págs. 154 a 157, igualmente sublinha estarmos perante “presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no n.º 2 do art. 186.º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o ato”. Saliente-se que a presunção inilidível abrange o próprio nexo causal relativamente à eclosão da insolvência.
Ora, os factos apurados que, no essencial, correspondem aos já selecionados pelo tribunal recorrido preenchem as condutas descritas em ambas as descritas alíneas – f) e i).
Destarte, apurou-se que a B… (empresa insolvente) deixou de ter qualquer atividade na sequência de uma ação de despejo por falta de pagamento de rendas tendo a requerida C… criado de imediato uma nova empresa para prosseguir a atividade da insolvente, a E…, da qual era inicialmente gerente e fiadora tal como D… igualmente fiador, celebrando um novo contrato de arrendamento em 06.04.2016, com o mesmo senhorio, I…, utilizando as máquinas da insolvente, os mesmos trabalhadores e instalações. Tal situação configura o preenchimento da alínea f) atento o manifesto favorecimento àquela nova empresa.
Além disso, sabe-se que devido à não entrega, até hoje, dos elementos de contabilidade por parte da recorrente e do outro gerente, foi obstaculizada a apresentação do relatório previsto no artigo 155.° do C.I.R.E. reforçada pelo facto de, em 10 de Julho de 2017, o A.I não ter podido aceder às instalações da insolvente nas quais, diga-se, funcionava já outra empresa. Adende-se que uma carta enviada à apelante solicitando o envio dos elementos da contabilidade foi devidamente recebida mas sempre ignorada, não respondida.
A recorrente C… e o D… tiveram conhecimento da instauração do processo de insolvência através da U… (cfr. facto provado n.º 7) e da declaração de insolvência mas não colaboraram como deviam no processo de insolvência o que bem se explica por, entretanto, já existir uma outra empresa no mesmo local a exercer a mesma atividade, com os mesmos equipamentos. Esta violação dos deveres de colaboração e informação é ainda concretamente discernível quer pelo seu prolongamento temporal confirmando o elemento reiterativo, quer pela ativa indagação do administrador de insolvência por essa colaboração seja através de contactos com a contabilista seja por cartas enviadas ao domicílio existente e ainda se torna mais evidente face à existência de um PER anterior que mais reforça esta necessidade de acompanhamento atento pelos gerentes face ao interesse dos credores.
Igualmente julgamos verificada, em linha com o decidido em primeira instância, a situação prevista no art. 186º, nº. 3, al. a) do CIRE, o qual estabelece “presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, de devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido: a) o dever de requerer a declaração de insolvência”.
Contextualizando, o artigo 18.º, nº1, do CIRE esclarece que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”; por sua vez, o artigo 3.º, nº1, do CIRE estatui dever ser considerado em situação d insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Acontece que desde Abril de 2016 a empresa deixou de laborar, tanto mais que foi alvo de despejo das respetivas instalações, o que, objetivamente, impedia qualquer possibilidade de continuar solvente. Porém, nunca os sócios gerentes requereram a declaração de insolvência, deixando prolongar um PER inexistente na prática; apenas por ação de terceiro, o trabalhador T… foi requerida a insolvência em 24.05.2017, cerca de um ano depois da empresa ter deixado de existir de facto; a previsão legal em causa parece-nos, pois, incontornavelmente verificada. A invocação de desconhecimento ou de ignorância por parte da recorrente ou de ausência de dolo não releva no quadro legal descrito e esse desconhecimento resulta discutível até pela aprovação prévia de um PER para esta mesma empresa com o formalismo envolvido.
Concluindo: perante a imposição legislativa, a sentença em apreço deve ser confirmada, com fundamentos que em nada dela dissentem, daí decorrendo a improcedência do recurso deduzido.

V – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso deduzido confirmando-se a sentença apelada.
Custas pela recorrente.

Porto, 27 de Abril de 2021
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues