Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
383/16.0GBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
ALTERAÇÃO DE MORADA
NULIDADE
Nº do Documento: RP20220608383/16.0GBOAZ.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA (RECURSO DO ARGUIDO)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 1, c), 196.º, n.º 2 e nº 3, b), c) e d), e 313.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, considera-se válida a notificação do arguido da data designada para julgamento efetuada por via postal simples para a morada por ele indicada no termo de identidade e residência quando ele não comunicou posteriormente qualquer alteração dessa morada. Sendo nesses termos válida tal notificação, pode realizar-se o julgamento na ausência do arguido, sendo este aí representado por defensor. De tudo isso é o arguido advertido quando presta termo de identidade e residência (e assim sucedeu no caso em apreço)
II - Foi opção do legislador fazer recair sobre o arguido o ónus de comunicar ao tribunal qualquer alteração da sua residência, sobre ele recaindo também as consequências da omissão dessa comunicação (omissão que representa também a violação de uma obrigação decorrente da prestação de termo de identidade e residência), não cabendo ao tribunal indagar a respeito dessa eventual alteração. Não se trata apenas, pois, de presumir que a morada indicada pelo arguido no termo de identidade é a correta, podendo tal presunção ser de algum modo ilidida. Não foi essa a opção do legislador. A opção do legislador foi a de fazer recair sobre o arguido tal ónus de comunicação e essa opção explica-se como modo de evitar a situação que se verificava anteriormente de sucessivos adiamentos de julgamentos por dificuldades de notificação do arguido (ver, neste sentido, a exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro).
III - Não nos cabe, nesta sede, obviamente, questionar tal opção legislativa enquanto tal.
Poderá, porém, questionar-se se tal opção afeta as garantias de defesa do arguido genericamente consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Afigura-se-nos que não são afetadas essas garantias, desde logo porque o arguido é advertido a respeito do referido ónus de comunicação que sobre ele recai.
Sobre esta questão também já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no sentido da constitucionalidade desta opção do legislador, nos acórdãos nº 17/2010, relatado por João Cura Mariano, e 109/2012, relatado por Vítor Gomes (acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt). No primeiro desses acórdãos, afirma-se que esse ónus que recai sobre o arguido não é uma exigência excessiva ou desproporcional, correspondendo a um adequado equilíbrio entre as suas garantias de defesa e a necessidade de evitar a morosidade processual (valor que também assume relevo constitucional). No segundo desses acórdãos, não se afasta a possibilidade de o arguido provar que o seu desconhecimento da comunicação em causa se ficou a dever a circunstâncias alheias à sua vontade (caso em que a notificação por via postal simples não será válida), mas tal não ocorre quando ele deixa de cumprir o referido ónus de comunicação, que é também uma obrigação decorrente da prestação de termo de identidade e residência (e foi isso que se verificou no caso em apreço).
Não se verifica, assim, a invocada nulidade prevista no artigo 119.º, c), do Código de Processo Penal, nem outra nulidade que possa, de algum modo, repercutir-se no acórdão que condenou a arguida e recorrente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 383/16.0GBOAZ.P1


Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I - AA veio interpor recurso do douto acórdão do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca ... (Juiz ...) que a condenou, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, b). do Código Penal, em concurso efetivo com um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, do mesmo Código, na pena única de duzentos e oitenta dias de multa, à taxa diária de oito euros; e do douto despacho desse Juiz que indeferiu a arguição de nulidade insanável por não residir na morada que indicou no termo de identidade e residência que prestou e para onde foram enviadas as cartas para sua notificação do despacho que recebeu a acusação e designou dia para julgamento, sendo que a sua morada atual era do conhecimento do Tribunal.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«I - Como se vê de fls. 271 dos autos, a notificação da arguida do Despacho de recebimento da Acusação e que designou a data para a Audiência de Discussão e Julgamento dirigida à arguida veio devolvida e, tentada a sua notificação por contacto pessoal por Órgão de Polícia Criminal, por este foi dada informação aos autos da morada onde reside a arguida no estrangeiro e que consta de fls. 290;
II - Sucede que, estando os autos já na posse de tal informação, ou seja, da morada atual da arguida, foi proferido o despacho de fls. 292 (que a considerou validamente notificada), o qual, tão pouco lhe foi notificado para uma ou para outra morada;
III - A fls. 312, insistiu-se com a morada do TIR, quando já os autos sabiam que a arguida aí não residia, tendo, uma vez mais, tal notificação sido devolvida a fls. 319 com a informação “não mora aqui”;
IV - A fls. 321 a Segurança Social informou os autos da morada da arguida no estrangeiro coincidente com a já indicada pelo OPC a fls. 290. Com efeito, se é bem certo que a arguida violou a obrigação decorrente do TIR, segundo a qual estava obrigada a informar o processo da nova morada para a qual se ausentou por mais de 5 dias, o certo é que, desde momento anterior à Audiência de Discussão e Julgamento, que o Tribunal tinha conhecimento que a mesma não residia na morada do TIR, mas em morada diversa e concretamente apurada pelo OPC e confirmada por um Organismo Oficial do Estado;
V - O Tribunal não poderia, como o fez, dar por boa a morada constante do TIR e ficcionar uma residência da arguida que, como os autos o demonstravam, a mesma não tinha.
VI - O TIR faz presumir um domicílio para efeitos de notificação que, não alterado pelo arguido, tem como cumprida qualquer notificação dirigida para esse local. Contudo, como é sabido, as normas jurídicas, além de não serem absolutas, muitas vezes têm de ceder em face dos reais acontecimentos do quotidiano, como, cremos, será o caso dos autos;
VII - Desde momento anterior à designação da nova data para a Audiência de Discussão e Julgamento que o Tribunal tinha conhecimento que a arguida não residia na morada do TIR, como, igualmente, tinha conhecimento da sua morada atual a essa data, que foi indicada nos autos pelo OPC e pela SS e, mesmo assim, deu a recorrente como notificada, o que, com o devido respeito, se não compreende nem pode aceitar. Como, igualmente, se não pode aceitar que tal despacho não tenha sido notificado à arguida, no caso, nem para uma morada nem para outra;
VIII - Aceita-se que estando o arguido notificado para a morada do TIR se considere notificado, como o determina a lei. Mas, já o não podemos aceitar, nas situações em que os autos tomam conhecimento que o arguido não reside na morada e tomam conhecimento da morada onde o mesmo possa residir à data da notificação do ato;
IX - Nada justifica, pelo menos, a tentativa de notificação para a nova morada conhecida, o que, nos autos, foi, completamente, omitido. Aceitar interpretação diversa, a nosso ver, fere de inconstitucionalidade as normas dos Artº.s 196º. Nº. 2; 113º. Nº. 1 al c) e nº. 3 e 313º nº. 2 do CPP;
X - Assim, foi cometida a nulidade insanável prevista na al. c) do Artº. 119º do Código do Processo Penal, pelo que, em conformidade com o que dispõe o Artº. 122º do mesmo Livro de Normas, tal vício determina a anulação de todo o processado subsequente que, como se sabe, dele depende, mostrando-se inválido todo o processado subsequente ao despacho que designou nova data para a Audiência de Discussão e Julgamento, por completa e, injustificável, omissão da notificação da arguida para a morada conhecida nos autos.»

O Ministério Público junto do Tribunal da primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.

A arguida e recorrente apresentou resposta a este parecer, reiterando a posição assumida na motivação do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se se verifica nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, c), do Código de Processo Penal, por terem sido enviadas as cartas para notificação da arguida do despacho que recebeu a acusação e designou dia para julgamento para a morada que ela indicou no termo de identidade e residência que prestou, mas onde ele não reside, sendo que a sua morada atual era do conhecimento do Tribunal.

III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido (é neste despacho que se analisa a questão objeto do recurso, sendo o recurso do acórdão condenatório mera consequência da eventual nulidade suscitada):

«A arguida AA veio arguir a nulidade de todo o processado subsequente à frustração da sua notificação do despacho de recebimento da acusação mencionando, em suma, que não foi notificada do referido despacho, em virtude de não residir na morada indicada no TIR. Considera, assim, que ocorreu a nulidade insanável nos termos do art.º 119º al.c) do CPP, em virtude de ter decorrido a audiência de discussão e julgamento na sua ausência.
O Ministério Público pugna pelo seu indeferimento referindo que por as notificações terem sido remetidas para a morada constante do TIR, a devolução das mesmas não obsta a que se considerem efectuadas.
Cumpre decidir.
Da análise dos autos verificamos que a notificação à arguida do despacho de recebimento da acusação e que designou a data para a audiência de discussão e julgamento foi remetida para a morada constante do TIR (ou seja, na morada indicada pela própria arguida) – cf. fls. 53 e 271.
A referida carta veio devolvida, tendo sido oportunamente depositada (cf. fls. 271). Foi exarada a seguinte referência “depois de devidamente entregue voltou ao circuito dos correios com a notação nela constante e sem nova franquia.”
É certo que a fls. 290, tentada a notificação por intermédio do OPC, veio a comunicação de que a arguida lá não reside e que se encontra no estrangeiro.
Foi remetida nova notificação para a morada constante do TR, tendo sido devolvida com a informação “não mora aqui”.
Contudo, a notificação foi devidamente efectuada porquanto foi remetida por via postal simples para a morada indicada pela própria arguida no TIR, de acordo com os artºs 196.º n.º2, 113.º n.º1 al.c) e n.º3 e 313.º n.º2, todos do CPP.
Considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, indicando a data e o local exacto do depósito, cominação esta que deverá constar do ato de notificação – cf. art.º 113.º n.º3 do CPP.
Sendo que de acordo como art.º 196.º n.º3 als. c) e d) do CPP, à arguida foi-lhe dado conhecimento (conforme se verifica do TIR de fls. 53) de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada, excepto se a arguida comunicar uma outra morada, e de que o incumprimento destas obrigações legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais que tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º-
Comunicação, essa, que não foi efectuada.
Pelo que a notificação encontra-se de acordo com os trâmites legais, não obstante constar nos autos a informação de que a arguida não reside na morada por si indicada.
Não ocorrendo, pois, qualquer nulidade.
Parafraseando o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 422/2005, in Diário da República n.º 183/2005, Série II de 2005-09-22: “a introdução da via postal simples como modalidade de notificação ao arguido foi considerada como justificada pelo legislador, atento o dever de o arguido prestar termo de identidade e residência e de desta prestação decorrer a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.”
A notificação do acórdão proferido, atento o disposto nos artºs 334.º n.º6 do CPP, teria de ser efectuada pessoalmente, o que sucedeu – cf. efª 120838297 - 16/3/2022 –
Nestes termos, por inexistir qualquer nulidade, indefere-se o requerido.
Notifique.»

IV – Cumpre decidir.
Vem a arguida e recorrente alegar que se verifica nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, c), do Código de Processo Penal, por terem sido enviadas as cartas para sua notificação do despacho que recebeu a acusação e designou dia para julgamento para a morada que indicou no termo de identidade e residência que prestou, mas onde ela não reside, sendo que a sua morada atual era do conhecimento do Tribunal (por informação prestada por órgão de polícia criminal e pelos serviços da segurança social). Alega que dessa forma se ilidiu a presunção decorrente do termo de identidade e residência a respeito da sua morada. Alega que a interpretação contrária levará a inconstitucionalidade, por violação das garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, dos artigos 196.º, n.º 2, 113.º, n.º 1, c) e n.º 3, e 313.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Vejamos.
Estatui o artigo 119.º, c), do Código de Processo Penal que constitui nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.
Poderá verificar-se esta nulidade no caso em apreço se se considerar que a arguida e recorrente não foi devidamente notificada para o julgamento que decorreu na sua ausência.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 1, c), 196.º, n.º 2 e nº 3, b), c) e d), e 313.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, considera-se válida a notificação do arguido da data designada para julgamento efetuada por via postal simples para a morada por ele indicada no termo de identidade e residência quando ele não comunicou posteriormente qualquer alteração dessa morada. Sendo nesses termos válida tal notificação, pode realizar-se o julgamento na ausência do arguido, sendo este aí representado por defensor. De tudo isso é o arguido advertido quando presta termo de identidade e residência (e assim sucedeu no caso em apreço)
Foi opção do legislador fazer recair sobre o arguido o ónus de comunicar ao tribunal qualquer alteração da sua residência, sobre ele recaindo também as consequências da omissão dessa comunicação (omissão que representa também a violação de uma obrigação decorrente da prestação de termo de identidade e residência), não cabendo ao tribunal indagar a respeito dessa eventual alteração. Não se trata apenas, pois, de presumir que a morada indicada pelo arguido no termo de identidade é a correta, podendo tal presunção ser de algum modo ilidida. Não foi essa a opção do legislador. A opção do legislador foi a de fazer recair sobre o arguido tal ónus de comunicação e essa opção explica-se como modo de evitar a situação que se verificava anteriormente de sucessivos adiamentos de julgamentos por dificuldades de notificação do arguido (ver, neste sentido, a exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de dezembro).
Não nos cabe, nesta sede, obviamente, questionar tal opção legislativa enquanto tal.
Poderá, porém, questionar-se se tal opção afeta aa garantias de defesa do arguido genericamente consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Afigura-se-nos que não são afetadas essas garantias, desde logo porque o arguido é advertido a respeito do referido ónus de comunicação que sobre ele recai.
Sobre esta questão também já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no sentido da constitucionalidade desta opção do legislador, nos acórdãos nº 17/2010, relatado por João Cura Mariano, e 109/2012, relatado por Vítor Gomes (acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt). No primeiro desses acórdãos, afirma-se que esse ónus que recai sobre o arguido não é uma exigência excessiva ou desproporcional, correspondendo a um adequado equilíbrio entre as suas garantias de defesa e a necessidade de evitar a morosidade processual (valor que também assume relevo constitucional). No segundo desses acórdãos, não se afasta a possibilidade de o arguido provar que o seu desconhecimento da comunicação em causa se ficou a dever a circunstâncias alheias à sua vontade (caso em que a notificação por via postal simples não será válida), mas tal não ocorre quando ele deixa de cumprir o referido ónus de comunicação, que é também uma obrigação decorrente da prestação de termo de identidade e residência (e foi isso que se verificou no caso em apreço).
Não se verifica, assim, a invocada nulidade prevista no artigo 119.º, c), do Código de Processo Penal, nem outra nulidade que possa, de algum modo, repercutir-se no acórdão que condenou a arguida e recorrente.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso.

A arguida e recorrente deverá ser condenada em taxa de justiça (artigo 513,º, n.º 1, do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais)

V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso, mantendo-se os doutos despacho e acórdão recorrido.

Condenam a arguida e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça

Notifique.

Porto, 8.06.2022
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo
Francisco Marcolino