Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
67/23.3GAPFR.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I – Sendo os recursos limitados a matéria de direito, mantendo-se a conexão e a unidade dos processos (artigos 27.º e 29.º do CPP), devendo o recurso do acórdão que aplicou a pena de 7 anos e 3 meses de prisão ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e não sendo admissível recurso prévio para a relação, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, do CPP, é este tribunal competente para julgamento do recurso da decisão que aplicou penas inferiores a 5 anos de prisão.

II - Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do CP) – dois crimes de furto qualificado, um crime de condução perigosa e um crime de condução sem habilitação legal – pode o STJ conhecer, em recurso, de todas as questões de direito relativas à pena única e, porque impugnadas, às penas aplicadas a cada um deles inferiores àquela medida (AFJ n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017).

III – Não se mostra que a ponderação das circunstâncias relevantes para a determinação da medida concreta das penas aplicadas aos crimes em concurso tenha ocorrido em violação do artigo 71.º do CP e, em consequência, do critério de proporcionalidade constitucionalmente imposto, em respeito pelos limites da culpa (artigo 40.º do CP).

IV – São graves as circunstâncias da ilicitude e elevado o grau de intensidade criminosa, projetando-se no conjunto dos factos praticados caraterísticas de personalidade consideravelmente desvaliosas, associadas às condições pessoais dos arguidos, reveladores de falta de preparação para manterem condutas lícitas e de elevadas necessidades de socialização.

V – Tendo em consideração os fatores de determinação da medida da pena contidos no artigo 71.º do CP, referidos à globalidade dos factos, e o critério especial do artigo 77.º, n.º 1, do CP, bem como as molduras penais do concurso, não se identifica fundamento que permita concluir que ocorreu violação de tais critérios.

VI – A decisão de não suspensão da execução da pena, pela não verificação do respetivo pressuposto material (artigo 50.º do CP), que se lhe impõe, fundamenta-se, adequadamente, em razões que têm em conta as exigências de prevenção gera e de prevenção especial, reveladas, designadamente, pelas condições de vida dos arguidos, pelas circunstâncias dos crimes e pelo comportamento posterior a estes, evidenciando desvaliosas caraterísticas de personalidade.


VII – Pelo que são os recursos julgados improcedentes, mantendo-se a decisão recorrida.

Decisão Texto Integral: Proc. n.º 67/23.3GAPFR.S1

3.ª Secção

ACÓRDÃO

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Por acórdão de ... de ... de 2023 do Juízo Central Criminal de Penafiel (...), do Tribunal Judicial da Comarca do ... Este, foram os arguidos AA, BB, CC e DD, com identificação nos autos, condenados nos seguintes termos:

1.1. O arguido AA:

«c) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

d) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

e) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. b) do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses.

f) pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03.01, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

g) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em c), d), e) e f), na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses

1.2. O arguido BB:

«i) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

j) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

l) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. b) do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 7 (sete) meses.

m) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em i), j) e l), na pena única de 6 (seis) anos de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 7 (sete) meses

1.3. O arguido CC

«n) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 3 (três) anos de prisão.

o) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 3 (três) anos de prisão.

p) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. b) do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 7 (sete) meses.

q) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em n), o) e p), na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 7 (sete) meses

1.4. O arguido DD

«r) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e e) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 3 (três) anos de prisão.

s) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.ºs 1, als. a) e 2, al. e) do C. Penal (loja ...), na pena de 3 (três) anos de prisão.

t) pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. b) do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 7 (sete) meses.

u) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em r), s) e t), na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal, pelo período de 7 (sete) meses

2. Discordando do decidido, recorrem os arguidos AA, CC e DD, apresentando motivações de que extraem as seguintes conclusões:

2.1. O arguido AA, discordando da medida das penas:

«A) Não se conforma o aqui recorrente com as penas que lhe foram aplicadas, (…).

B) Entende o arguido, ora recorrente que, quer as penas individuais, quer a pena única, são excessivas e desproporcionadas.

C) Ora, o arguido foi condenado por dois crimes de furto qualificado, na pena de 4 anos de prisão por cada crime, cuja moldura penal se situa entre os 2 a 8 anos de prisão.

D) O Tribunal a quo entendeu fixar por cada um dos furtos a pena de 4 anos de prisão, justificando que o dolo é intenso e o modo de atuação que permite classificar o grau de ilicitude como muito elevado.

E) Considerou ainda elevadas necessidades de prevenção geral ínsitas aos crimes de furto qualificado, face aos crescentes índices de crimes dessa natureza e ainda as condições pessoais dos arguidos, sendo muito elevadas as exigências de prevenção especial relativamente ao arguido AA, ora recorrente, que possui antecedentes criminais.

F) Apesar de, os arguidos terem confessado os factos, o tribunal entendeu que tal confissão não é muito relevante, face à prova constante dos autos, mas que ainda assim iria ser considerada.

G) Contudo, atendendo a que todos os factos ocorreram numa só noite e sem grande organização ou premeditação, que grande parte dos objetos foram recuperados e ainda à confissão, ao percurso de vida do arguido marcado por uma infância instável e sem grande apoio familiar, e ainda à sua idade jovem), entendemos que a pena de 3 anos por cada um dos crimes de furto qualificado seria mais ajustada.

H) Quanto ao crime de condução perigosa foi o arguido condenado numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão e pelo crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano e 4 meses.

I) Ora, justo e equitativo, pelos motivos já referidos para a globalidade da execução dos crimes seria uma pena de 1 ano pelo crime de condução perigosa e de 9 meses pelo crime de condução sem habilitação legal.

J) Perante as penas individuais que seriam justas e que o recorrente reclama que sejam reduzidas, a moldura abstrata do concurso de penas teria limite máximo correspondente à soma das penas individuais ou seja, 7 anos e 9 meses de prisão e o limite mínimo de 3 anos de prisão.

K) Assim, para a formação da pena única deve atender-se aos respetivos factos no conjunto (conexão entre os dois crimes cometidos e gravidade do ilícito global) e à a personalidade do arguido.

L) Nesta perspetiva, deve atender-se, sobretudo, a que os crimes que os arguidos cometeram tiveram lugar no espaço de algumas horas, sem grande organização e foram essencialmente idênticos entre si.

M) Este circunstancialismo permite pensar que o segundo crime foi praticado, sem grande reflexão, por parte dos arguidos, sobre o significado e as consequências da sua reiteração, o que atenua, de alguma forma, a culpa de todos eles.

N) Também os outros dois crimes rodoviários, de condução perigosa e de condução sem habilitação legal foram praticados na sequência dos crimes de furto. Como se disse, os factos passaram-se no espaço de algumas horas e todos relacionados entre si e sem grande reflexão por partes dos arguidos.

O) Entendemos que se afigura mais adequado e proporcional ao comportamento global e personalidade do arguido, atendendo ao tipo de atuação, a recuperação de grande parte dos objetos e concentração temporal dos factos, uma pena única de 5 anos de prisão (que será reduzida a 4 anos atenta a lei da amnistia que foi aplicada) a qual contribuirá para a sua futura reintegração social e satisfaz as finalidades das penas.

P) Reduzir as penas individuais e a pena única, como pretende o recorrente, mostra-se ajustado e não compromete a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.

Q) Com o devido respeito, o acórdão recorrido violou a correta aplicação das normas do Código Penal aquando da determinação da medida concreta da pena (cfr. art. 40.º, 70.º e 71.º, todos do C.P.)

Termos em que (…) deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, decidindo-se com supra alegado.»

2.2. O arguido CC, discordando da medida e natureza das penas aplicadas:

«1. O arguido EE vem recorrer para V. Exas. por entender que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente injusta e ilegal.

2. O douto Tribunal a quo condenou o arguido em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

3. Sem atender à personalidade, às condições pessoais e sociais do arguido que sustentem tal decisão tão gravosa, de privação da liberdade, nem ao relatório social, nem ao registo criminal do mesmo.

4. Proferindo a sentença com fundamento exclusivo nos fatos ilícitos cometidos pelo arguido e as consequências ocorridas.

5. Afastando a aplicação da suspensão da pena em virtude das finalidades da punição, violando, assim, o disposto no art.º 71.º e 50.º do C. Penal.

6. O arguido revela vontade de alterar alguns comportamentos menos positivos que teve em tempos.

7. Na audiência de discussão e julgamento, mostrou-se arrependido e colaborativo.

8. O tribunal não valorou corretamente todas as circunstâncias, para efeitos do disposto no art.º 40.º, 50.º e 71.º do Código Penal, podendo e devendo suspender o cumprimento da pena que se revela demasiado excessiva para os fatos em causa.

9. Só essa decisão trará a certeza de ser justa e imparcial, facultando ao próprio arguido a sua possibilidade de reabilitação.

10. Tal decisão será, sim, a única que acautelará, as necessidades de prevenção.

11.Houve, assim, erro na aplicação do direito, na parte que diz respeito á determinação da concreta medida da pena e à decisão de não suspensão da execução da mesma.

12.É entendimento do recorrente que o tribunal deverá suspender a sua pena de prisão.

13.Todavia, caso considere este Tribunal pela manutenção da pena, condenar o arguido nas penas parcelares nos limites mínimos, a pena única resultante do cúmulo jurídico reformada e substancialmente reduzida, mais proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no art.º 71.º do C. Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis (…) deve o presente recurso obter provimento, e em consequência deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que aplique ao arguido uma pena menos severa, reduzida e suspendendo-se a sua execução (…)».

2.3. O arguido DD, discordando também da medida e da natureza das penas:

«1 - O arguido devidamente identificado vem recorrer (…) por entender que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente injusta e ilegal.

2 - Os factos que sobre si recaem relativamente aos dois crimes de furto qualificado foram confessados.

3 - Daí que, ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo, poderia e deveria ter levado em conta as declarações prestadas por todos os intervenientes processuais.

4 - Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal.

5 - Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados; as condições pessoais e económicas do agente;

6 -. A data da prática dos factos, o Recorrente tinha toda a sua vida social, pessoal e laboral em crescente preparação e organização.

7 - Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de colaboração.

8 - O Recorrente demonstra sensibilidade à pena aplicada.

9 - Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 50.º, n.º 1, art.º 71.º, e art.º 291.º, n.º 1, b) todos do CP

10 - É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá suspender sua pena de prisão, a que foi condenado.

11 - Contudo, caso considere este tribunal pela manutenção da pena, condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.º do Código Penal, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade, nomeadamente pela suspensão.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, (…) deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência deve ser revogada a decisão recorrida que condenou o ora recorrente na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva, por esta ser desproporcionada às finalidades da punição, ser reduzida e convertida numa pena de prisão suspensa pelo mesmo período (…).»

3. O Ministério Público apresentou respostas, dizendo, em conclusões:

«1.ª Resulta claro do douto acórdão agora em recurso que o coletivo de juízes cumpriu escrupulosamente todos os critérios previstos na lei que devem nortear a aplicação de uma pena, razão pela qual as penas parcelares em que os recorrentes foram condenados deverão ser mantidas nos seus precisos termos, dado que, perante a gravidade da factualidade dada como provada e a moldura penal abstrata dos ilícitos criminais praticados pelos recorrentes, mal se compreende que estes três arguidos sustentem que houve violação dos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade, que devem estar sempre presentes na aplicação de uma pena, com guarida constitucional.

2.ª Basta ler o douto acórdão agora em recurso para facilmente se constatar que no presente caso a determinação do quantum das penas parcelares aplicadas aos recorrentes não violou quaisquer regras da experiência, nem a quantificação se revela desproporcionada, injusta e inadequada e muito menos foi violado o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.

3.ª Considerando, assim, a moldura penal abstrata dos crimes em apreço nestes autos e que foram praticados pelos recorrentes, ou seja, crime de furto qualificado punível com pena de 2 a 8 anos de prisão, crime de condução perigosa punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e crime de condução sem habilitação legal punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, e ponderando todos os factos que foram dados como provados, entendemos, com o merecido respeito, que não se pode questionar a adequação e proporcionalidade das penas parcelares fixadas no douto acórdão recorrido, afigurando-se-nos ser ajustadas à culpa dos recorrentes e satisfazer plenamente as exigências reclamadas pela prevenção especial, que se prende com a capacidade dos recorrentes se deixar influenciar pelas penas que lhes foram impostas, e pela prevenção geral positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face às normas violadas.

4.ª Não se compreende, assim, muito bem como podem os recorrentes vir agora dizer no seu recurso que o Tribunal devia tê-los condenado em penas parcelares inferiores às que lhes foram aplicadas, quando é por demais evidente e ostensivo que, pelo menos assim resulta expressamente do acórdão recorrido, o coletivo de juízes indagou e apurou com precisão e rigor tudo o que se afigurou relevante sobre a personalidade e as condições pessoais dos recorrentes e fundamentou devidamente as penas parcelares em que os condenou, tanto mais que as razões invocadas no recurso dos arguidos EE, AA e DD para serem punidos em penas parcelares inferiores já foram tidas em conta pelo Tribunal a quo na determinação das penas parcelares que lhes foram aplicadas.

5.ª Por outro lado, resulta claro do douto acórdão agora em recurso que o coletivo de juízes cumpriu escrupulosamente todos os critérios previstos na lei e que devem nortear a aplicação de uma pena resultante de cúmulo jurídico de penas segundo o disposto no art. 77.º do Código Penal.

6.ª Lendo o douto acórdão proferido nestes autos e agora em recurso facilmente se chega à conclusão de que o coletivo de juízes procedeu a esta especial fundamentação imposta pelo art. 77.º, n.º 1, conjugado com o art. 71.º, n.º 3, ambos do Código Penal, podendo assim dizer-se que a avaliação feita pelo tribunal a quo é correta do ponto de vista dos princípios acabados de mencionar e, assim, se justificando a pena unitária fixada aos três recorrentes.

7.ª Efetivamente, depois de enumerar todos os factos dados como provados, o coletivo de juízes fez uma extensa e exaustiva avaliação quanto às condições pessoais e personalidade dos recorrentes, descrevendo em pormenor todos os factos relevantes que caracterizam a personalidade dos recorrentes, socorrendo-se, para o efeito, dos relatórios sociais juntos aos autos e que foram elaborados pela DGRSP, incluindo todos os factos da vida pessoal, familiar e social que beneficiam os arguidos EE, AA e DD.

8.ª Não se entende muito bem como podem estes três recorrentes vir agora dizer nos seus recursos que o Tribunal devia tê-los condenado em penas únicas inferiores às que lhe foram aplicadas, quando é por demais evidente e ostensivo que, pelo menos assim resulta expressamente do douto acórdão recorrido, o coletivo de juízes indagou e apurou com precisão e rigor tudo o que se afigurou relevante sobre a personalidade e as condições pessoais dos recorrentes e fundamentou devidamente as penas únicas em que condenou os recorrentes, tanto mais que a razão invocada no recurso dos arguidos EE, AA e DD para serem punidos em penas únicas inferiores às que lhes foram aplicadas, nomeadamente que todos os crimes em apreço nestes autos foram praticados numa única noite, já foi tida em consideração pelo coletivo de juízes, como expressamente resulta do douto acórdão recorrido.

9.ª É por demais evidente que os recorrentes EE e DD não poderão ver suspensa a execução da pena única de 4 anos e 6 meses de prisão em que cada um foi condenado, dado que, não tendo estes arguidos assumido na íntegra em audiência de julgamento a prática dos factos ilícitos típicos que lhes são imputados nestes autos, nomeadamente no que concerne ao crime de condução perigosa, mesmo perante a evidência da prova produzida na audiência de julgamento e da abundante prova carreada para os autos ainda na fase de inquérito, assim denotando que não tem consciência crítica da sua conduta, não viabiliza a formulação de um juízo de prognose favorável destes dois arguidos, por forma a que se possa concluir que a ameaça da aplicação de pena privativa da liberdade será suficiente para afastá-los da prática de novos ilícitos criminais.

10.ª Quer isto dizer, pois, que, não se verificando um arrependimento sincero e relevante por parte dos arguidos EE e DD, não é possível formular um juízo de prognose favorável destes dois recorrentes e, como tal, beneficiarem ambos da suspensão da execução da pena única de prisão em que foram condenados.

11.ª É forçoso concluir, pois, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que, como se disse já, estes dois recorrentes, ao negarem na audiência de julgamento a prática do crime de condução perigosa que lhes é imputado nestes autos, ainda não interiorizaram a gravidade deste crime que praticaram e pelo qual foram condenados nestes autos.

12.ª Assim sendo, nada aconselha que se suspenda a execução da pena única de prisão em que os recorrentes EE e DD foram condenados, pois, caso contrário, a satisfação das necessidades de reprovação não ficariam convenientemente salvaguardadas.

13.ª O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura ou reparo, pois não violou qualquer disposição ou preceito legal e muito menos algum princípio penal, processual penal ou constitucional, nomeadamente os referidos pelos recorrentes. (…)»

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer nos seguintes termos:

«A. Questões prévias:

A dado passo da sua motivação de recurso, o arguido EE refere o seguinte:

«Relativamente ao crime de condução perigosa, o arguido EE, seguia dentro do veículo no banco traseiro, pelo que não era este arguido que conduzia a viatura, não tinha a direção efetiva do veículo, não deu qualquer instrução sobre a condução, não detinha qualquer domínio sobre o mesmo nem sobre o condutor.»

E, mais à frente:

«No que respeita ao crime de condução perigosa a que foi condenado, viola o art.º 291.º n.º 1 b) do C. Penal, pois o arguido não conduziu o veículo, não violou as regras estradais e não criou perigo para a vida ou integridade física de outrem.»

Tal contraria diretamente matéria de facto dada como provada, pelo que afastada estaria, necessariamente, a competência deste STJ para apreciar o recurso (pois que os recursos para este STJ apenas podem versar acerca de matéria de direito, como dispõe o art.º 434º do CPP).

Sucede que, para além daquela alusão, o recorrente nada mais refere no seu recurso quanto a tal aspeto. Não dá o mínimo cumprimento ao exigido pelo art.º 412.º, nºs. 3 e 4 do CPP quanto aos recursos acerca da matéria de facto e – principalmente – acaba por nada referir quanto àquela discordância em sede de conclusões da motivação. Ora, assim sendo, terá a nosso ver de se concluir estar-se apenas perante recurso acerca da matéria de direito (quantum das penas e sua suspensão – e, mesmo assim, quanto às penas parcelares entendemos igualmente não estar o recurso motivado, por nada se referir de concreto quanto a tais penas).

Na verdade, sendo o recurso delimitado pelas conclusões, como é unanimemente entendido pela jurisprudência, não constando destas conclusões a matéria a que, a dado passo, o recorrente alude na motivação, não há que a apreciar.

E daqui que se limite o recurso deste arguido a matéria de direito, como se referiu.

II. Estando-se perante recursos acerca da matéria de direito interpostos pelos três arguidos, apenas num dos casos se verificando a aplicação de pena de prisão, em cúmulo, superior a 5 anos de prisão, cumpre verificar se deverá este Tribunal apreciar estes três recursos ou se, quanto aos arguidos condenados em penas de menor extensão, deverá entender-se pela competência do Tribunal da Relação para tal efeito.

Sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos este STJ como competente para apreciar todos os recursos interpostos.

Na verdade, se dúvidas não existem – por aplicação direta do disposto no artº 432º, nº 1, al. c) do CPP – ser este STJ o competente no caso do recurso do arguido AA, essa competência ‘estende-se’ para os restantes recursos: tal como foi entendido por este Tribunal em 27.05.2020 no âmbito do processo 55/19.4PDCSC.L1.S1 (Relator – Nuno Gonçalves) «Havendo 1 único processo instaurado aos coautores dos mesmos factos ilícitos típicos criminalmente puníveis, e circunscrevendo-se o recurso de um ou alguns punido com pena superior a 5 anos prisão, ao reexame da matéria de direito, a competência para julgar conjuntamente esses e os recursos interpostos no mesmo processo pelos demais comparticipantes, contanto que não versam a decisão em matéria de facto, pertence ao tribunal de hierarquia mais elevada.».

Assim, entende-se deverem ser aqui apreciados os recursos interpostos pelos três arguidos.

B. Conforme resulta da leitura das respetivas motivações/conclusões de recurso, os recorrentes limitam os seus pedidos à redução e/ou suspensão de execução das penas de prisão que lhes foram aplicadas pela decisão do coletivo do Juízo Central Criminal de Penafiel (...) em ........2023. (…)

No que se refere às penas concretas aplicadas a cada um dos arguidos pela prática de cada um dos crimes, há a lembrar, antes de mais, que conforme entendido uniformemente pela jurisprudência, nomeadamente pela deste STJ com base na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255) quando este autor, depois de referir que existe uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Donde que se entenda que o controle da fixação concreta da pena a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.

Ora, perante o acabado de referir (que, conforme nota de rodapé, se retirou do acórdão deste STJ ali mencionado - Acórdão deste STJ de 14.07.2010, no processo 364/09.0GESLV.E1.S1, Relator – Fernando Fróis) lido o acórdão recorrido, não se verifica nenhuma situação que leve a concluir no sentido de ter existido erro na escolha das penas concretas, no sentido de se justificar a alteração das mesmas. De notar, aliás, que os próprios recorrentes (à exceção do recorrente AA) apontam para penas concretas que entendem dever terem sido aplicadas, limitando-se a pedir a sua redução.

Daqui que neste parecer se acompanhe tudo o que acerca desta matéria foi referido pelo Ministério Público em sede de resposta aos recursos, quando ali referiu que considerando a moldura penal abstrata dos crimes em apreço nestes autos e que foram praticados pelos recorrentes, ou seja, crime de furto qualificado punível com pena de 2 a 8 anos de prisão, crime de condução perigosa punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa e crime de condução sem habilitação legal punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, e ponderando todos os factos que foram dados como provados, se tem de entender que não se pode questionar a adequação e proporcionalidade das penas parcelares fixadas no douto acórdão recorrido, afigurando-se serem as mesmas ajustadas à culpa dos recorrentes e satisfazendo plenamente as exigências reclamadas pela prevenção especial, que se prende com a capacidade dos recorrentes se deixar influenciar pelas penas que lhes foram impostas, e pela prevenção geral positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face às normas violadas.

Nenhuma das penas se mostra excessiva, atentos os demais elementos relevantes para a sua fixação, não se podendo ‘esquecer’ os aspetos negativos referidos no acórdão e sobrevalorizando, como pretendido, o que os recorrentes ora referem (por exemplo, há a notar que, por exemplo, ao contrário do que alega, o recorrente DD não confessou a factualidade de modo total, que mesmo as confissões verificadas não assumiram relevância de maior perante a prova existentes e que sempre levaria à condenação, que os crimes de furto se mostram duplamente qualificados e que os arguidos nada fizeram para ressarcir as vítimas.

O mesmo se tem a dizer quanto às penas únicas achadas em concurso. Na verdade, muito embora o acórdão tenha sido muito parco em termos de fundamentação das penas únicas, [parecendo-nos que apenas não se está perante omissão de fundamentação por via de terem referido os aspetos relevantes para aquela escolha na parte em que as quantificaram, um pouco «misturando» a fundamentação destas penas únicas com a fundamentação das penas parcelares (mas não deixando de referir os elementos que permitem concluir, relativamente a cada arguido, que no caso daquele que tem antecedentes se está perante uma personalidade com tendência à delinquência, o mesmo não se passando relativamente aos demais recorrentes, por serem primário, estando-se assim perante um comportamento desviante único no percurso das suas vidas)], entende-se que as penas únicas encontradas respeitaram os critérios legais do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, na escolha da pena não tendo incorrido o tribunal recorrido na indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, ou na falta de indicação de fatores relevantes, nada apontando para o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, único caso em que se justificaria a correção em sede de recurso, como referido no Acórdão deste STJ de 18.04.2002 (02P1082 – Relator – Cons. Simas Santos), nem se verifica que o tribunal recorrido haja, na escolha da pena (em cúmulo, mas também quanto às parcelares, como já atrás se referiu) violado regras da experiência ou quantificado aquela de forma desproporcionada (veja-se o Ac. deste STJ de 27.09.2006 – 06P3128 – Rel. Santos Cabral, com referências a FF e GG, Derecho Penal, § 63n.º m. 200, Figueiredo Dias, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197 e Simas Santos e Correia Ribeiro, Medida Concreta da Pena, Disparidades, pág.9).

Subsiste a questão da suspensão de execução das penas, no que tange aos recorrentes EE e DD (note-se que o arguido AA, embora peça a redução da pena para 5 anos de prisão e subsequente redução de 1 ano à mesma por via do perdão, nunca pede a suspensão da execução, tendo consciência de que os seus antecedentes criminais nunca justificariam a suspensão, mesmo que fosse a mesma legalmente admissível).

No que a este aspeto importa, tendo em conta que se está perante a primeira vez que os arguidos são condenados pela prática de crimes, a sua confissão (embora parcial, mas que não pode deixar de ser tida em conta), e os demais elementos que resultaram provados:

- No que se refere ao arguido EE, as circunstâncias de (como provado ficou):

. Possuir suporte familiar coeso e alargado, tendo a mãe a residir em ... e habitação condigna;

. Ter possibilidade de arranjar ocupação laboral através da ajuda de familiar;

. Manter em contexto prisional uma conduta de adequação, uma atitude disciplinada e uma convivência cordata; e

- Reconhecer a ilicitude criminal, a existência de vítimas e a gravidade da conduta empreendida, demonstrando vontade de reverter o percurso desviante.

- E no que se reporta ao arguido DD (também como provado ficou):

. Ter uma dinâmica familiar funcional e equilibrada;

. Ter mantido ao longo dos anos ocupação profissional, tendo vindo para ... em busca de melhores condições de trabalho; e

. Ter mantido bom comportamento prisional conducente com o normativo vigente, estando a frequentar aulas de português e já tendo solicitado ocupação laboral.

Estes elementos, conjugados com a circunstância de todos os crimes praticados por estes arguidos o terem sido apenas num dia, um dia infeliz nas suas vidas, numa atividade criminosa a que certamente não terá sido alheio algum ascendente dos co-arguidos já com antecedentes criminais (quer o co arguido HH, quer ainda outro co arguido – II), levam-nos a ter a esperança de que tais arguidos sentirão as condenações (e o tempo em que estiveram a cumprir prisão preventiva) como uma advertência e não cometerão no futuro outros delitos, existindo uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização dos arguidos em liberdade.

Pelo que, nesta parte, é nosso parecer que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, justificando, nos termos do disposto no art.º 50.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a suspensão de execução das penas por período idêntico ao das penas aplicadas (4 anos e 6 meses) e parecendo-nos igualmente que tal suspensão, a fim de melhor realizar as finalidades de punição, deverá ficar subordinada ao cumprimento da obrigação de entregarem ao Estado o montante, cada um, de € 3.435,70, em 3 anos contados da data da colocação em liberdade (reduzindo-se para € 6.871,40 o montante a pagar solidariamente pelos restantes dois arguidos condenados, alterando-se decisão quanto a esse aspeto).

- Termos em que é nosso parecer que o recurso do arguido AA deverá ser julgado totalmente improcedente, já sendo julgados parcialmente procedentes os recursos dos arguidos CC e DD nos moldes atrás referidos, sendo consequentemente estes arguidos colocados em liberdade por via da suspensão de execução das penas em que se mostram condenados.»

5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

6. Realizou-se a conferência – artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.

II. Fundamentação

Dos factos

7. Estão provados os seguintes factos:

«1. No dia ........2023, cerca das 03:30h, os arguidos em comum acordo, na prossecução do plano entre todos traçado e aceite, dirigiram-se à ... Comercial ... em ..., no Renault modelo Clio com a matrícula ..-MB-..;

2. Aí chegados, partiram o vidro da porta de entrada do referido edifício e, posteriormente, dirigiram-se à loja “...”, onde, de forma não concretamente apurada, arrombaram a porta de entrada e entraram no seu interior;

3. No interior da loja, na prossecução do plano entre todos gizado e aceite e em comunhão de esforços, os arguidos lançaram mão de:

a. Uma gaveta com € 900,00 no seu interior;

b. Um envelope com € 1.500,00;

c. Um terminal de multibanco e respetivo cartão;

d. Um cofre pequeno de cor cinza;

e. Um computador portátil Apple Macbook air, no valor de € 1.400,00;

f. Uma bolsa de portátil e rato de portátil no valor de € 40,00;

g. Um computador portátil Gaming seminovo Ideapad 700, com mala de transporte e carregador no valor de € 1.300,00;

h. Um telemóvel usado Huawei no valor de € 190,00;

i. Um Tablet Joseya J6 no valor de € 200,00;

j. Um Chromecast da Google no valor de € 39,99;

k. Um Iphone 6s no valor de € 20,00;

l. Pelo menos duas caixas de Iphone no valor de € 20,00;

m. Uma câmara Reaolink 4k no valor de € 233,79;

n. Um Google net hub carbon no valor de € 82,74;

o. Três smartphones para reparação cujo valor se desconhece;

p. Um smartphone Samsung S8 no valor de €350;

q. Quatro caixa de acessórios indeterminados;

r. Um adaptador hub no valor de €18,03;

s. Um suporte carga indução ers halolock no valor de €35,57;

t. Uma coluna LG no valor de € 229,99;

4. A seguir, os arguidos ausentaram-se do local, fazendo seus os referidos objetos;

5. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de fazerem seus os referidos objetos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que ao atuarem da forma descrita, o faziam contra a vontade do seu legítimo dono;

6. Nessa mesma noite (........2023), os arguidos combinaram entre si e dirigiram-se à loja “...”, sita na rua D. ..., ..., com o propósito de fazerem seus bens que ali encontrassem;

7. Aí chegados, cerca das 05:30h, os arguidos dirigiram-se para junto da montra da dita loja e, com o auxílio de um objeto contundente, não concretamente apurado, forçaram o gradeamento e partiram o vidro da mesma, abrindo-a e entrando no seu interior, causando um prejuízo de € 3.200,00 para reposição de vidros e € 1.345,00 para reposição do gradeamento;

8. Os arguidos lançaram mão dos seguintes objetos que se encontravam no interior da referida loja:

a. Dois telemóveis Samsung Galaxy fold 3 5G D7S 12/256Gb, no valor de € 1.011,00 cada;

b. Dois telemóveis Iphone 12 pro max 512gb, no valor de € 816,49 cada;

c. um telemóvel Iphone 12 pro max 256gb, no valor de € 786,43;

d. dois telemóveis Iphone 12 pro max 128gb, no valor de € 750,00 cada;

e. um telemóvel Iphone 12 pro max 128gb, no valor de € 775,00;

f. dois telemóveis Iphone 11 pro max 256gb, no valor de € 580,00 cada;

g. um telemóvel Samsung Galaxy Z Flip DS 8/256gb, no valor de € 309,25;

h. um telemóvel Samsung Galaxy Fol 3 5G D7S 12/256Gb, no valor de € 1.011,48;

i. um telemóvel Iphone 12 pro max, no valor de € 611,09;

j. um telemóvel Samsung Galaxy S21 Plus 5G Dual Sim 8/256gb, no valor de € 430,99;

k. um telemóvel Iphone 11 pro max 256gb, no valor de € 386,90;

l. um telemóvel Iphone 12 pro max 128gb, no valor de € 437,22;

m. um telemóvel Iphone 13 pro max 128gb, no valor de € 897,52;

n. um telemóvel Iphone 11 pro 256gb, no valor de € 356,08;

o. um telemóvel Iphone 13 pro max 256gb, no valor de € 786,67;

p. um telemóvel Iphone 12 pro 128gb, no valor de € 430,00;

q. um telemóvel Iphone 13 pro max 128gb, no valor de € 750,00;

9. De seguida, os arguidos abandonaram a loja, levando consigo os referidos objetos, que fizeram seus, colocando-os no interior do identificado veículo automóvel;

10. Nesse momento, os arguidos foram surpreendidos pela patrulha da GNR;

11. Perante esta situação, o arguido JJ que conduzia o referido veículo, apesar de não ser titular de carta de condução válida, nem qualquer outro tipo de documento que permitisse conduzir, imprimiu velocidade não concretamente apurada, mas superior a 80 km/hora em direção à rua ..., enquanto que o arguido II seguia no lugar do passageiro da frente e os arguidos DD e EE seguiam como passageiros no banco traseiro;

12. O arguido JJ conduziu o veículo a motor na via pública (automóvel), bem sabendo que não possuía o título de condução necessário e legalmente exigido para o efeito e, que por tal motivo, não podia conduzir veículo na via pública como efetivamente fazia;

13. O arguido JJ agiu, em tudo, de forma livre, deliberada e consciente, estando ciente de que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, não se coibindo, no entanto, de as praticar;

14. Cientes de que tinham sido os arguidos a praticar os factos descritos em 6 a 9, os militares da GNR KK e LL, que se encontravam em viatura policial devidamente caracterizada, deram ordem de paragem aos arguidos;

15. Ordem que os arguidos não acataram;

16. Pelo que os referidos militares ligaram os sinais luminosos e sonoros da viatura policial e moveram perseguição ao veículo onde os arguidos se faziam transportar;

17. Durante essa perseguição, os arguidos circularam entre os 80 e os 100 km/h;

18. Os arguidos entraram na rua ... e, em frente do restaurante ..., na rotunda em sentido inverso ao da sua marcha (contramão) e na rotunda do “Mercadona” quase embateram num veículo que por ali seguia;

19. Entretanto, seguiram para a ... e depois para a ..., sendo que no fim desta rua não respeitaram o sinal STOP;

20. Depois entraram na Av. ..., seguiram para a ... Alexandre Aranha e ao efetuarem uma curva à direita, colheram com o veículo o corpo de MM, que se encontrava no meio faixa de rodagem, para onde se dirigiu repentinamente quando avistou o veículo, tendo este sido projetado no ar, vindo a sofrer dores nos braços e pernas;

21. Os arguidos continuaram a circular entre os 80 e os 100 km/h, tendo na rotunda da ... seguido em sentido contrário ao da marcha (contramão) até à rotunda da ..., para igualmente em sentido contrário ao da marcha (contramão) seguirem até à ... e, depois, para a rua ..., também em ...;

22. Ainda em sentido contrário ao da marcha em que circularam (contramão), dirigiram-se para a ... e depois para a ..., onde viraram à esquerda para a ... e quase embateram no veículo conduzido pela GNR que, entretanto, se havia deslocado para dar apoio aos militares perseguidores, vindo a embater num muro de uma residência;

23. Os arguidos continuaram a sua fuga a cerca de 30 km/h, na Av. ..., posteriormente na Av. ..., onde viraram à esquerda para a ..., em ..., onde começaram a arremessar diversos equipamentos eletrónicos e a ... da mala traseira do veículo que conduziam, contra o veículo da GNR;

24. Após, seguiram para a ..., depois para a ... e entraram numa rua sem saída, ruas que se encontram dentro da povoação de ..., tendo o arguido condutor tentado a fuga de marcha atrás e foi embater na parte frontal do veículo da GNR, causando danos no valor de € 1.252,18;

25. Então o arguido AA parou a viatura;

26. Nessa altura foi imediatamente detido o arguido CC e os restantes colocaram-se em fuga apeados;

27. A GNR então moveu buscas com vista à localização dos demais arguidos;

28. Quando encontrado e enquanto o militar da GNR KK se preparava para efetuar a detenção do arguido AA, este empurrou o referido militar, colocando-se de novo em fuga apeado, acabando por ser encontrado cerca de 4 horas depois;

34. Agiram os arguidos com a intenção de se apoderarem dos objetos referidos em 8, como efetivamente se apoderaram, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono;

35. Sabiam ainda os arguidos que os militares que lhe deram ordem de paragem se encontravam devidamente uniformizados e em veículo devidamente identificado como sendo uma viatura policial e que por via disso se encontram no exercício das suas funções;

36. E não obstante esse conhecimento não se coibiram os arguidos de não acatarem essa ordem, fugindo e assim se opondo que os referidos militares cumprissem o seu dever policial;

37. Fazendo-o em veículo ao qual imprimiam velocidade não permitida e violando grosseiramente regras de circulação rodoviária, nomeadamente no que concerne à obrigatoriedade de paragem, colocando em perigo outros utentes da via;

38. Em todas as condutas que perpetraram, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o conhecimento que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, sempre em comunhão de intentos e esforços, com exceção da conduta descrita em 20;

39. Como consequência direta e necessária do embate do veículo em que seguiam os arguidos na viatura da GNR a mesma sofreu danos na parte frontal e lateral, designadamente pára-choques, ótica e chapa;

40. Para reparar os danos sofridos no veículo da GNR, o órgão de policia criminal despendeu a quantia de € 1.252,18;

41. Foram recuperados (apreendidos) e entregues aos respetivos proprietários:

(ao proprietário da loja “...)

- um telemóvel Iphone 12 pro max 128gb, no valor de € 775,00;

- um telemóvel Samsung Galaxy Z Flip DS 8/256gb, no valor de € 309,25;

- um telemóvel Samsung Galaxy Fold 3 5G D7S 12/256Gb, no valor de € 1.011,48;

- um telemóvel Samsung Galaxy S21 Plus 5G Dual Sim 8/256gb, no valor de € 430,99;

- um telemóvel Iphone 13 pro max 128gb, no valor de € 897,52;

- um telemóvel Iphone 13 pro max 256gb, no valor de € 786,67;

(ao proprietário da loja “...):

- € 2.400,00;

- um Tablet Joseya J6, no valor de € 200,00;

- um Chromecast da Google, no valor de € 39,99;

- um Iphone 6s, no valor de € 20,00;

- três smartphones para reparação, cujo valor se desconhece;

- uma coluna LG no valor de € 229,99;

42. Os arguidos, através do comportamento que adotaram, causaram nos proprietários das lojas “...” e “...” um prejuízo de, pelo menos, € 13.742,80, correspondente ao valor dos bens subtraídos e não recuperados, a que acresce o valor dos danos causados;

43. O arguido AA:

- É natural de ... França;

- O seu processo de socialização primária decorreu junto do seu agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e três irmãos, sendo o mais velho uterino;

- Tinha 11 anos quando ocorreu a separação entre os progenitores, tendo ficado a cargo da mãe;

- Frequentou a escolarização durante 13 anos, incluindo 3 de pré-escola, tendo-se habilitado com nível equivalente ao 3.º ciclo do ensino básico com 16 anos;

- Foi encaminhado pelos serviços sociais locais para curso de formação profissional na área da construção civil, mas que abandonou precocemente por não se sentir motivado;

- Tinha 14 anos quando a mãe se juntou a um novo companheiro, situação que não foi pelo arguido bem aceite, levando a que se ausentasse de casa e pernoitasse em casa de amigos;

- Aos 18 anos de idade abandonou definitivamente o agregado materno, embora mantivesse contactos com a mãe;

- Foi neste contexto que passou a protagonizar um quotidiano sem estruturação, frequentando com regularidade espaços de diversão noturna e iniciando o consumo abusivo de bebidas alcoólicas;

- Teve contactos com o sistema de justiça francês desde os 17 anos de idade, tendo já cumprido 4 penas de prisão, entre os 19 e os 25 anos de idade, por crimes de condução sem habilitação legal, furto, roubo e violência doméstica sobre uma ex-companheira;

- Em meio livre, desvinculado da família e sem experiência profissional, foi apoiado pelos serviços sociais franceses;

- Em ... optou por sair do seu país e viajar por ... e ..., tendo chegado a ... em ..., sozinho e em busca de melhores condições de vida;

- Em ..., esteve inicialmente nas cidades de ... e ..., até que se fixou na cidade do ..., pernoitando sempre em unidades hoteleiras;

- No período a que reportam os factos, estava a pernoitar num hostel localizado em zona central da cidade do ..., denominado “...”;

- Sem uma ocupação estruturada, ocupava o seu quotidiano na procura de emprego e produzia vídeos para a rede social “...”;

- Passava grande parte do seu tempo em estabelecimentos de diversão noturna, locais onde consumia elevadas quantidades de álcool e mantinha relação de proximidade com os coarguidos, elementos que apenas conheceu em ... e que apresentavam idêntico estilo de vida;

- O arguido deu entrada no E.P.P. em ........2023, à ordem dos presentes autos;

- Em meio prisional, o arguido tem mantido um comportamento ajustado ao normativo disciplinar vigente e não desenvolve nenhuma ocupação, embora tenha já solicitado;

- No que se refere à problemática do alcoolismo, está em condição abstémica e beneficia de consultas de psicologia;

- Não recebe visitas, mantendo apenas contactos telefónicos com a mãe;

(…)

45. O arguido EE:

- É cidadão brasileiro, o primogénito da fratria de dois e beneficiou de existência de laços afetivos, de suporte familiar coeso e de oportunidades de realização independente em agregado monoparental;

- As dificuldades de concentração e de realização académica, dificultaram a progressão académica além de seis anos de escolaridade;

- Manteve residência no ... integrado no agregado familiar da sua prima NN após a deslocação da sua mãe para a ..., ocorrida em ..., a qual fixou residência em ...;

- Exerceu atividade laboral diversificada como operário de construção civil, de empregado de mesa e de vendedor de alguns géneros em banca junto à praia;

- A mãe está em Portugal desde ...;

- Juntou-se ao agregado de mãe cerca de dois meses antes da presente reclusão, procurando melhores condições de vida e proximidade familiar, pois os seus familiares encetaram igual processo migratório para o território nacional, deixando de ter qualquer familiar residente no Brasil;

- Tem suporte alargado dos seus familiares: acolhimento habitacional e familiar por parte do agregado da sua prima, NN, conjugada e com dois filhos, residente em ..., correspondendo a uma habitação de tipologia 3, térrea, dotada de condições de conforto e acomodação de todos os elementos;

- A organização financeira deste agregado é garantida pelos rendimentos auferidos pelo casal, num valor global de € 2.000,00 mensais pelo desempenho das atividades de ... e de ... de automóveis, em que o principal encargo fixo é o do arrendamento, de € 600,00;

- O meio social de residência do agregado da prima proporciona condições de anonimato, essencial a uma integração social pacata;

- Conjuntamente com o marido, a mãe recentemente fixou residência em habitação da sua sogra e cunhada, situada em ..., a fim de lhes prestar assistência e apoio quotidiano, mantendo assim proximidade familiar à sua prima NN e núcleo familiar desta;

- Em meio livre e enquanto não puder auferir de rendimento próprio decorrente de ocupação laboral que poderá ser concretizável na área da construção civil com o apoio do padrasto. Beneficiará também dos apoios prestados pelo agregado materno, cuja subsistência é suportada pelos rendimentos obtidos pelo padrasto, em valor mensal de € 900,00, bem como pelo pecúlio acumulado de anos de trabalho da progenitora e padrasto do tempo em que laboraram em ...;

- Cumpre no Estabelecimento ..., desde o dia ........2023, a medida de coação de prisão preventiva à ordem deste Processo;

- Mantém em contexto prisional uma conduta de adequação, uma atitude disciplinada e uma convivência cordata;

- Padece de problemas tiroidianos e, presentemente, sob acompanhamento médico e fármaco instituído pelos Serviços Clínicos do E.P.P., a qual carece de continuidade, devendo, quando em liberdade, efetuar a sua inscrição e agendar a devida marcação de consulta na Unidade de Saúde Familiar da correspondente área de residência;

- Reconhece a ilicitude criminal, a existência de vítimas e a gravidade desta tipologia criminal;

- A manutenção dos laços afetivos e familiares tem sido organizada pela proximidade relacional através de um regime regular de visitas e de contactos telefónicos;

- Demonstra vontade de reverter o percurso desviante em que se deixou resvalar, entendendo concretizável o seu projeto de permanecer em Portugal, uma vez que não possui qualquer familiar no seu país de origem e estabelecer a uma vivência independente com o apoio dos seus familiares, estruturados em agregados próprios residentes em ...;

46. O arguido DD:

- É cidadão de origem argelina, cujo processo de socialização decorreu no agregado familiar de origem, de modesta condição socioeconómica, constituído pelos pais, quatro descendentes;

- A dinâmica familiar foi funcional e equilibrada. A mãe era doméstica e a responsável pela educação dos filhos e o pai ...;

- Possui o equivalente ao 6.º ano de escolaridade, que concluiu cerca dos 18 anos;

- Logo após sair da escola iniciou atividade laboral como ..., juntamente com o seu progenitor;

- Saiu da ... em ... com destino a ... e depois desse país foi para ..., onde trabalhou 3 anos como ...;

- Mais tarde começou com as vindas a ... na busca de melhores oportunidades de trabalho;

- Deu entrada no Estabelecimento ... em ........2023, à ordem dos presentes autos;

- Não possui apoio em Portugal e no estabelecimento prisional conta com a ajuda de um amigo detido, da mesma nacionalidade;

- Em meio prisional não apresenta registo de sanções disciplinares e mantém um comportamento conducente com o normativo vigente. Está a frequentar aulas de Português e já solicitou ocupação laboral. Em termos clínicos não desenvolve qualquer acompanhamento especializado;

47. O arguido AA já foi condenado:

a) Em França, pelo Tribunal Pour Enfants de ..., por decisão de ........2010, transitada em julgado a ........2010, pela prática em ........2010, de um crime de ofensas à integridade física, na pena de 1 mês de prisão;

b) Em França, pelo Tribunal Pour Enfants de ..., por decisão de ........2013, transitada em julgado a ........2013, pela prática em ........2013, de um crime de violência ou ameaça doméstica, na pena de 15 dias de prisão e pela prática em ........2012, dos crimes de condução sem carta, infrações ao código da estrada e falsificação de documento, na pena de 1 mês de prisão;

c) Em França, pelo Tribunal Pour Enfants de ..., por decisão de ........2013, transitada em julgado a ........2013, pela prática em ........2012, de um crime de ofensas à integridade física, na pena de 180 horas de trabalho a favor da comunidade;

d) Em França, pelo Tribunal Correctionnel de ..., por decisão de ........2017, transitada em julgado a ........2017, pela prática em ........2014, de um crime de furto após violação da propriedade privada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes e de um crime de furto agravado, sem uso de violência, na pena de 2 anos de prisão;

e) Em França, pelo Tribunal Correctionnel de ..., por decisão de ........2014, transitada em julgado a ........2014, pela prática em ........2014, de um crime de furto após violação da propriedade privada, na pena de 3 meses de prisão;

f) Em França, pelo Tribunal Correctionnel de ..., por decisão de ........2020, transitada em julgado a ........2020, pela prática entre ........2020 e ........2020, de um crime violência ou ameaça doméstica, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

g) Em França, pelo Tribunal Correctionnel de ..., por decisão de ........2018, transitada em julgado a ........2018, pela prática em ........2017, de um crime de ofensas à integridade física, na pena de 8 meses de prisão;

h) Em França, pelo Tribunal Correctionnel de ..., por decisão de ........2017, transitada em julgado a ........2017, pela prática em ........2014, de um crime de recusa de se submeter a controlo rodoviário, em ........2015, de um crime de furto após violação da propriedade privada, de um crime de furto agravado, sem uso de violência e de um crime de furto, na pena de 3 anos de prisão;

i) Em França, pelo Tribunal Correctionnel de ..., por decisão de ........2020, transitada em julgado a ........2020, pela prática entre ........2020 e ........2020, de um crime de evasão, na pena de 3 meses de prisão;

(…)

49. Do c.r.c. do arguido CC não constam antecedentes criminais;

50. Do c.r.c. do arguido DD não constam antecedentes criminais.”

Da competência do tribunal e do âmbito dos recursos

8. O recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que contém decisões de aplicação de uma pena única de prisão superior a 5 anos, diretamente recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de direito, estando vedado o recurso prévio para o tribunal da relação [artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP], e de duas penas únicas inferiores a 5 anos de prisão, que apenas admitem recurso para o tribunal da relação (artigo 427.º do CPP).

Vistas as conclusões das motivações, verifica-se que nenhum dos recorrentes impugna as decisões em matéria de facto – o que exige a observância, não revelada, do ónus de especificação dos pontos de facto impugnados e das provas impondo decisão diversa, nos termos requeridos no artigo 412.º, n.º 3, do CPP –, limitando-se, todos eles, a questionar a escolha e a medida das penas em aplicação dos critérios legais, em particular do artigo 71.º do Código Penal.

Pelo que, como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto em “questão prévia” suscitada em seu parecer, não havendo disposição legal expressa, paralela à do n.º 8 do artigo 414.º do CPP para julgamento conjunto de recursos com objetos diversos em matéria de facto e em matéria de direito, há que verificar a competência do Supremo Tribunal de Justiça para julgamento conjunto dos recursos interpostos nestes autos, o que parece não merecer contestação.

Com efeito, sendo os recursos restritos a matéria de direito, mantendo-se a conexão e a unidade dos processos (artigos 27.º e 29.º do CPP), devendo o recurso do acórdão que aplicou a pena de 7 anos e 3 meses de prisão ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e não sendo admissível recurso prévio para a relação, nos termos do citado artigo 432.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, do CPP, há que, na racionalidade e coerência do sistema, concluir que este Supremo Tribunal de Justiça, sendo o tribunal de hierarquia mais elevada, assume igualmente competência para julgamento do recurso da decisão que aplicou penas inferiores a 5 anos de prisão (como se decidiu no acórdão de 15-03-2023, Proc. 1310/17.3T9VIS.C1.S1, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, para além do citado no parecer do Ministério Público, o acórdão de 07.11.2019, Proc. 435/17.0GAVRS.S1, não publicado, apud Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, 4.ª ed. Revista, Almedina, 2022, p. 87-88, em sentido diverso do comentário ao artigo 27.º).

9. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo, se necessário à boa decisão de direito, dos poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017), como sucede no caso presente.

10. Os arguidos, invocando violação dos artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal, vêm, em síntese, suscitar questões relativas a:

a. O arguido AA: determinação da medida das penas parcelares e da pena única.

b. Os arguidos CC e DD: determinação da medida das penas únicas e suspensão da respetiva execução.

Quanto à determinação da medida das penas parcelares aplicadas ao recorrente AA [10.a)]

11. Em síntese, o arguido AA argumenta que as penas são «excessivas e desproporcionadas», pois «os factos ocorreram numa só noite e sem grande organização ou premeditação», «grande parte dos objetos foram recuperados» e não foi dada a relevância devida à «confissão, ao percurso de vida do arguido marcado por uma infância instável e sem grande apoio familiar, e à sua idade jovem», e os «outros dois crimes rodoviários, de condução perigosa e de condução sem habilitação legal foram praticados na sequência dos crimes de furto». Pelo que, conclui, as penas dos crimes de furto qualificado (de 4 anos de prisão) deveriam ser de 3 anos de prisão, a de condução perigosa (fixada em 1 ano e 6 meses), de 1 ano de prisão, e a de condução sem habilitação legal (fixada em 1 ano e 4 meses), de 9 meses de prisão, devendo a pena única ser de 5 anos de prisão.

Os arguidos EE e DD não impugnam as penas parcelares, limitando-se a questionar as penas únicas.

12. O acórdão recorrido fundamentou a determinação da medida das penas singulares nos seguintes termos:

«Conforme supra referimos, nos termos do n.º 3 do art.º 204.º, apesar de as condutas dos arguidos atrás descritas preencherem mais que uma qualificativa [do crime de furto], só é considerada para efeitos de determinação da pena aplicável a qualificativa prevista na al. e) do n.º 2, sendo as demais valoradas na medida da pena.

À luz das considerações supra analisadas quanto à coautoria, revela-se evidente o conluio criminoso e a divisão de tarefas para uma finalidade ilícita, em conjugação de esforços, o que nos permite concluir por uma situação de coautoria dos quatro arguidos. (…)

Quanto à coautoria [no crime de condução perigosa] remetendo-se as considerações jurídicas para o que foi dito quanto ao crime de furto qualificado, revela-se evidente o conluio criminoso e a divisão de tarefas para uma finalidade ilícita, em conjugação de esforços, o que nos permite concluir por uma situação de coautoria dos quatro arguidos.

De facto, apesar de ter sido a arguido AA a conduzir o veículo, os demais arguidos estavam no interior do veículo e concordaram com a fuga, previamente, motivo pelo qual atiraram objetos para o carro da GNR e, como tal, resulta o conluio criminoso, a divisão de tarefas para uma finalidade ilícita e a conjugação de esforços.

Donde se conclui terem os arguidos cometido, em coautoria material, o crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. b) do C. Penal. (…)

Conclui-se, desta forma, que o arguido AA incorreu em responsabilidade criminal pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03.01. (…)

Escolha das penas e medida concreta das mesmas

Feito o enquadramento jurídico-penal das condutas dos arguidos, importa determinar a natureza e medida das penas a aplicar.

A pena há de ser encontrada dentro dos limites da moldura penal prevista para o crime pelo qual o arguido vem acusado, tendo em consideração que não pode ultrapassar a medida da culpa e que serve exclusivamente as finalidades de prevenção, geral e especial (art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, n.º 1 do C. Penal).

Na determinação da natureza da pena a aplicar, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o nosso C. Penal prevê, no seu art.º 70.º, como critério de escolha da pena, que deve dar-se prevalência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, previstas no disposto no artigo 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Efetivamente, são conhecidos os efeitos estigmatizantes que a sujeição a uma pena de prisão poderá comportar, pelo que, sempre que as finalidades da punição de prevenção geral – de proteção dos bens jurídicos – e de prevenção especial – de reintegração do agente na sociedade – sejam alcançadas com a aplicação de uma pena não privativa da liberdade deve optar-se por esta.

Por outro lado, para determinação da medida da pena atender-se-á, à medida da culpa do agente, que desempenha uma dupla função de fundamento da aplicação da pena e de limite da sua medida, às exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal reside na reinserção social do delinquente, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o arguido (art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, ambos do C. Penal).

O crime furto qualificado, nos termos do art.º 204.º, n.º 2 do C. Penal, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

O crime de condução perigosa, nos termos do art.º 291.º, n.º 1 do C. Penal, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

O crime de condução sem habilitação legal, pelo qual será condenado o arguido AA, nos termos do art.º 3.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03.01, é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

Sendo os crimes de condução perigosa e de condução sem habilitação legal punidos com pena de multa ou com pena de prisão, importa ponderar, à luz da alternativa concedida pelo citado art.º 70.º do C. Penal, se a opção do tribunal deverá recair em pena de multa ou de prisão.

No caso sub judice, as necessidades de prevenção geral são elevadas, quanto aos crimes de natureza estradal, nos quais se incluem os ora em análise, atentos os crescentes índices de sinistralidade que se verificam na sociedade portuguesa, com as nefastas consequências que encerram.

Também as necessidades de prevenção especial são elevadas quanto aos arguidos AA e (…), uma vez que possuem antecedentes criminais, ambos por crimes estradais.

Acresce que a conduta de todos arguidos tem que de ser analisada num todo, apesar de integrar diversos ilícitos criminais, uma vez que visaram sempre o plano inicial de se apropriarem de bens alheios, isto é, a prática do crime mais grave, o furto qualificado, pelo que a sua gravidade também não imporia a aplicação de outra pena que não a de prisão.

Assim, perante as necessidades de prevenção geral e a gravidade da conduta dos arguidos analisada num todo e ainda as necessidades de prevenção especial quanto aos arguidos AA e II, a pena de multa já não se mostra suficiente para salvaguardar as finalidades da punição, pelo que entendemos que só a pena prisão realiza de forma adequada e suficiente essas finalidades.

Nos termos do art.º 40.º do C. Penal, a aplicação da pena visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art.º 71.º do C. Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de medida concreta (art.º 71.º, n.º 2 do C. Penal):

Em desfavor dos arguidos:

- o dolo intenso (direto), comum a todos os crimes e a todos os arguidos;

- o modo de atuação no que concerne aos dois crimes de furto qualificado e ao crime de condução perigosa, que permite classificar o grau de ilicitude como muito elevado, mais particularmente no que concerne aos crimes de furto qualificado, uma vez que preenchem mais que uma qualificativa e, tal como dissemos, a mais grave deverá ser considerada para efeitos de determinação da pena aplicável e as demais são valoradas na medida da pena.

Também no que concerne à condução perigosa, a ilicitude é elevada, uma vez que violam grosseiramente diversas regras estradais, relativas à obrigação de parar, ao limite de velocidade, à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita, sendo que apenas uma preenchia os elementos do crime.

Por seu turno, a condução perigosa tinha como objetivo os arguidos eximirem-se à detenção pelo crime que haviam acabado de cometer.

Neste crime, a atuação do arguido AA é mais grave, uma vez que era o mesmo que tinha a direção efetiva do veículo, o que irá ser tido em conta na medida concreta da pena.

Também no crime de condução sem habilitação legal, o arguido AA atuou com ilicitude elevada, uma vez que a mesma visava a prática dos demais crimes e eximir-se à detenção.

- as elevadas necessidades de prevenção geral ínsitas aos crimes de furto qualificado, face aos crescentes índices de crimes dessa natureza que se verificam na sociedade portuguesa e aos crimes estradais, nos termos atrás referidos;

- as condições pessoais dos arguidos, sendo muito elevadas as exigências de prevenção especial relativamente ao arguido AA, que possui antecedentes criminais por crimes de diversa natureza, nos quais se incluem crimes patrimoniais e estradais, tendo já cumprido prisão efetiva, o que não o afastou que praticar novos factos.

(…)

A favor dos arguidos EE e DD temos a ausência de antecedentes criminais.

Importa ainda referir que os arguidos admitem a prática dos dois crimes de furto qualificado, ainda que o arguido DD invoque um menor grau de participação e o arguido AA admite, ainda, a prática do crime de condução sem habilitação legal.

No entanto, a confissão desses crimes não é muito relevante, face à prova constante dos autos, nomeadamente documental e pericial, que permitiria sempre, em conjugação com os depoimentos das testemunhas, a respetiva condenação. De facto, existem imagens de vigilância em que se identificam os arguidos, os mesmos foram detidos na sequência de uma perseguição e tinham na sua posse objetos dos furtos, entre outros elementos expressos na motivação.

Ainda assim a confissão será sempre considerada, ainda que não incorpore a relevância de arrependimento, uma vez que os arguidos nada fizeram para ressarcirem as vítimas ou sequer permite uma atenuação especial da pena.

Sopesando todos os fatores enunciados, considera-se necessário, adequado e proporcional aplicar as seguintes penas:

- ao arguido AA:

i) a pena de 4 anos de prisão por cada um dos dois crimes de furto qualificado;

ii) a pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de condução perigosa;

iii) a pena de 1 ano e 4 meses de prisão pela prática do crime de condução sem habilitação legal.

(…)

- ao arguido EE:

i) a pena de 3 anos de prisão por cada um dos dois crimes de furto qualificado;

ii) a pena de 10 meses de prisão pela prática do crime de condução perigosa;

- ao arguido DD:

i) a pena de 3 anos de prisão por cada um dos dois crimes de furto qualificado;

ii) a pena de 10 meses de prisão pela prática do crime de condução perigosa.»

13. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Como repetidamente se tem afirmado (por todos, o mais recente acórdão de 20.03.2024, Proc. n.º 1580/19.2PFLSB.S1, em www.dgsi.pt, que agora se segue de perto), estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei – isto é, dentro da moldura abstrata da pena correspondente ao tipo de crime preenchido pelos factos provados, que corresponde ao primeiro momento de determinação da pena –, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto) – fatores relativos à execução do facto, à personalidade e à conduta do agente, anterior e posterior ao facto –, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a seu favor ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Para determinação das necessidades de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Aqui se incluem as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação, constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).

14. Em síntese, discorda o arguido AA, por ter confessado os factos, por estes terem ocorrido “numa só noite e sem grande organização ou premeditação”, “grande parte” dos objetos “terem sido recuperados” e por não terem sido considerados “o percurso de vida do arguido marcado por uma infância instável e sem grande apoio familiar” e a “sua idade jovem”, bem como, quanto aos crimes de condução perigosa e de condução sem habilitação legal, estes terem sido praticados “na sequência dos crimes de furto”, “sem grande reflexão sobre o significado e consequências da reiteração”. O que, a seu ver, justificaria que as penas não excedessem 3 anos de prisão por cada um dos crimes de furto, 1 ano pelo crime de condução perigosa e de 9 meses pelo crime de condução sem habilitação legal.

15. Vista a decisão recorrida, não se mostra que a ponderação das circunstâncias relevantes para a determinação da medida concreta das penas aplicadas aos crimes em concurso tenha ocorrido em violação do artigo 71.º do Código Penal e, em consequência, do critério de proporcionalidade constitucional e legalmente imposto, em respeito pelos limites da culpa (artigo 40.º do CP).

Com efeito, como o tribunal a quo considerou, é muito intenso o dolo com que o arguido, juntamente com os outros três arguidos, atuou, em execução de um plano previamente acordado, durante a noite, percorrendo distâncias de largas dezenas de quilómetros entre diferentes localidades (região do ..., onde residiam, ... e ...), em veículo conduzido pelo arguido AA, sendo de valor elevado os objetos dos furtos praticados (valores superiores a 6.500 euros e 13.400 euros, respetivamente) e de valor igualmente elevado os prejuízos causados (13.742,80 euros), apesar da recuperação de parte dos objetos furtados na sequência da perseguição policial, tudo a evidenciar um elevado grau de ilicitude. São várias as circunstâncias dos crimes de furto que militam contra o arguido, sendo que apenas uma delas (entrada nos estabelecimentos comerciais com arrombamento – al. e) do n.º 2 do artigo 204.º do CP) releva para a qualificação do furto, devendo as demais ser consideradas nos termos gerais (artigo 204.º, n.º 3, do CP).

São também muito negativas as circunstâncias relativas à ilicitude e ao dolo quanto aos crimes de condução perigosa do veículo e de condução sem habilitação legal, com violação grosseira e deliberada das regras de condução em meio urbano, nomeadamente as relativas à obrigação de parar, ao limite de velocidade, à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita, sendo que apenas uma preenchia os elementos do crime, em fuga e resistência à intervenção dos agentes de polícia em distância considerável, com colisões e danos, nomeadamente num veículo da GNR. Quanto ao crime de condução sem habilitação legal, o arguido AA atuou com ilicitude ainda mais elevada, uma vez que visava a prática dos demais crimes e eximir-se à detenção.

As circunstâncias relativas às condições familiares, económicas e sociais e o comportamento anterior aos crimes, em que se evidenciam condenações anteriores em pena de prisão cumprida por crimes de idêntica natureza, apesar da sua juventude, bem como o comportamento posterior aos crimes de furto, revelam manifesta falta de preparação do arguido para manter uma conduta lícita e, consequentemente, muito elevadas exigências de prevenção especial de ressocialização a satisfazer mediante aplicação da pena de prisão.

Quanto à confissão, como salienta o acórdão recorrido, esta «não é muito relevante, face à prova constante dos autos, nomeadamente documental e pericial, que permitiria sempre, em conjugação com os depoimentos das testemunhas, a respetiva condenação». Ainda assim, foi esta considerada, embora sem a relevância que deve ser dada ao arrependimento, uma vez que o arguido nada nada fez para compensar as vítimas dos crimes (de furto).

Assim sendo, tendo em conta as molduras das penas respetivas, improcede o recurso quanto à determinação das penas aplicadas a cada um dos crimes em concurso, mantendo-se o decidido.

Quanto às penas únicas [10, a) e b)]

16. Realizando o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos crimes em concurso, o tribunal a quo aplicou aos arguidos AA, EE e DD as penas únicas de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão, 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, respetivamente.

Fundamentou a decisão de determinação das penas nos seguintes termos:

«Tendo em consideração que estamos perante uma situação de concurso de crimes, nos termos supra referidos, importa aplicar uma pena única, na qual se ponderem os factos e a personalidade dos arguidos vertida nesses factos.

No caso concreto, teremos as seguintes molduras penais:

- quanto ao arguido AA, o limite mínimo de 4 anos de prisão e limite máximo de 10 anos e 10 meses de prisão.

- quanto ao arguido II, o limite mínimo de 4 anos de prisão e limite máximo de 8 anos e 10 meses de prisão.

- quanto ao arguido EE, o limite mínimo de 3 anos de prisão e limite máximo de 6 anos e 10 meses de prisão.

- quanto ao arguido DD, o limite mínimo de 3 anos de prisão e limite máximo de 6 anos e 10 meses de prisão.

Assim, em cúmulo jurídico, nos termos do disposto nos art.ºs 30.º e 77.º do C. Penal, tendo em consideração a gravidade dos factos e a personalidade dos arguidos revelada nos mesmos, decide-se aplicar-lhes:

- ao arguido AA a pena única de 7 anos e 3 meses de prisão.

- ao arguido II a pena única de 6 anos de prisão.

- ao arguido EE a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

- ao arguido DD a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.»

17. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (critério especial do n.º 1 do artigo 77.º, in fine). Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, cit. e de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).

Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça (aqui se seguindo também o acórdão de 20.3.2024, Proc. 1580/19.2PFLSB.S1, cit.), com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”), sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.

Há que atender ao conjunto de todos os factos e ao fio condutor presente na repetição criminosa, estabelecendo uma relação desses factos com a personalidade do agente, ter em conta a caracterização desta pela sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza dos crimes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto dos factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, retomando-se o que se afirmou no acórdão de 2.12.2012, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1, de 21.11.2018, ECLI:PT:STJ:2018:114.14.0JACBR. A.S1.73, citando-se, designadamente, os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 18.1.2012, Proc. 34/05.9PAVNG.S1 (Raul Borges), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1) (Pires da Graça) e 488/11.4GALNH (Maia Costa), em www.dgsi.pt].

Convocando o afirmado em decisões anteriores: “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291).

18. Na alegação do recorrente AA, «a moldura abstrata do concurso de penas teria limite máximo correspondente à soma das penas individuais ou seja, 7 anos e 9 meses de prisão e o limite mínimo de 3 anos de prisão», pelo que , devendo atender-se «aos respetivos factos no conjunto (conexão entre os dois crimes cometidos e gravidade do ilícito global) e à a personalidade do arguido», em particular ao facto de os crimes terem sido praticados «no espaço de algumas horas, sem grande organização», «essencialmente idênticos entre si», sem «grande reflexão por parte dos arguidos, sobre o significado e as consequências da sua reiteração, o que atenua, de alguma forma, a culpa de todos eles», tendo os «outros dois crimes rodoviários, de condução perigosa e de condução sem habilitação legal [sido] praticados na sequência dos crimes de furto» e tendo boa parte dos objetos sido recuperados, a pena única deveria ser reduzida para medida não superior a 5 anos de prisão.

Por sua vez, o arguido EE considera que a pena de 4 anos e 6 meses de prisão foi aplicada «sem atender à personalidade, às condições pessoais e sociais do arguido que sustentem tal decisão tão gravosa, de privação da liberdade, nem ao relatório social, nem ao registo criminal», nem ao facto de se mostrar «arrependido e colaborativo» em audiência, mostrando-se que o tribunal «não valorou corretamente todas as circunstâncias» em função, designadamente das necessidades de prevenção, pedindo, assim a aplicação de uma pena menos severa, suspensa na sua execução.

O arguido DD, na mesma linha de defesa, considera que não foi dada relevância à confissão e à «postura de colaboração», e que não foram consideradas as circunstâncias mencionadas no artigo 71.º do CP, em particular à «sensibilidade à pena aplicada», pugnando por uma pena «mais harmoniosa, proporcional e justa», suspensa na sua execução.

Apesar da exiguidade da fundamentação da decisão de aplicação das penas únicas, extraem-se da matéria de facto provada elementos suficientes para apreciação da adequação e proporcionalidade das penas, em aplicação dos critérios anteriormente expostos.

19. Não se verifica, desde logo, o pressuposto da redução das penas parcelares em que o recorrente AA funda a sua pretensão, pelo que se mantém a moldura resultante da condenação em 1.ª instância – mínimo de 4 anos e máximo de 10 anos e 10 meses – dentro da qual deve fixar-se a pena única.

No caso dos arguidos EE e DD as penas únicas determinam-se por molduras penas definidas pelo mínimo de 3 anos e pelo máximo de 6 anos e 10 meses de prisão.

Na sua globalidade, identificam-se dois tempos e lugares da prática dos factos, separados e distintos: o crime de furto cometido em ... e, após esse, cerca de duas horas mais tarde, o crime de furto cometido em ....

O crime subsequente, de condução perigosa do veículo, em ..., não tem relação com o primeiro; decorre da fuga à perseguição movida pela força policial, que surpreendeu os arguidos nesta localidade, após a consumação do segundo crime de furto.

Ambos os crimes foram previamente planeados entre todos os arguidos que agiram conjuntamente, em esforços conjugados, com vista à apropriação de bens de valor superior a 13.000 euros.

Como se viu, são de valor elevado as circunstâncias da ilicitude e o grau de intensidade criminosa, projetando-se no conjunto dos factos praticados caraterísticas de personalidade consideravelmente desvaliosas associadas às condições pessoais dos arguidos, reveladores de falta de preparação para manterem condutas lícitas e de elevadas necessidades de socialização, em respeito pelos bens e valores penalmente protegidos.

As condenações do arguido AA por crimes de idêntica natureza, cometidos entre ... e ..., associadas à preponderante forma de participação na execução dos crimes, e o comportamento posterior ao segundo crime de furto indiciam que a sua prática se relaciona com tendências de personalidade desvaliosa, a que deve ser atribuído um efeito agravante.

Embora não se identifiquem elementos semelhantes relativamente ao comportamento anterior aos crimes quanto aos arguidos EE e DD, as circunstâncias relativas à comparticipação nos crimes de furto e no crime de condução perigosa, justificando idêntico juízo de censura, revelam idênticas características de personalidade, embora de menor grau de intensidade.

As penas aplicadas a estes arguidos espelham adequadamente estas diferenças.

Assim sendo, tendo em consideração os critérios de determinação da medida da pena única contidos no artigo 71.º do CP, agora referidos à globalidade dos factos, e no artigo 77.º, n.º 1, do CP, bem como as molduras penais a ter conta, não se identifica fundamento que permita a conclusão de que, na fixação das penas conjuntas, ocorreu violação de tais critérios.

Pelo que improcede igualmente o recurso nesta parte.

Quanto à não suspensão das penas de prisão aplicadas aos arguidos EE e DD [10, b)]

20. Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão vêm enunciados no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal. Nos termos deste preceito, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

Pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão é, pois, que a medida desta não seja superior a 5 anos; pressuposto material é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável quanto ao comportamento do arguido, ou seja, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para a formulação de um tal juízo, ao qual não podem bastar a personalidade do agente e as circunstâncias do facto, o tribunal deve ainda atender às suas condições de vida e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

Circunscrevendo-se as finalidades da punição, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – de prevenção geral e de prevenção especial – que o julgador tem de se orientar na opção em causa. A decisão de suspensão corresponde a um poder-dever, ou seja, a um poder vinculado do julgador, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, sendo o prognóstico realizado com referência ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. De notar que o que está em causa não é qualquer “certeza”, “mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda”; “havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada” (assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, §§ 515-521, p. 341-344), e Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 8.ª ed., 1995, p. 314; por todos, na jurisprudência consolidada deste Tribunal, o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012, de 24.10.2012, DR Série I, de 24.10.2012, bem como o acórdão de 15.3.2023, Proc. 1310/17.3T9VIS.C1.S1, em www.dgsi.pt, que agora se segue)

21. O acórdão recorrido fundamenta a decisão de não suspensão de execução das penas nos seguintes termos:

«Sendo as penas de prisão aplicadas aos arguidos EE e DD de 4 anos e 6 meses de prisão, importa ponderar se as mesmas devem ser suspensas na sua execução.

A suspensão da execução da pena de prisão surge no art.º 50.º do C. Penal.

Segundo este preceito, se a pena de prisão não for superior a cinco anos e se for possível concluir que a censura do facto e ameaça de cumprimento da pena de prisão realizam de forma suficiente as finalidades da punição, o tribunal suspende a execução da pena.

Quanto ao primeiro requisito (ser pena de prisão inferior a 5 anos), o mesmo não levanta dúvidas, uma vez que são inferiores.

Quanto ao segundo requisito, na formulação do juízo de prognose deve o tribunal atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias do mesmo.

Verificados os requisitos, que são cumulativos, o tribunal suspende a execução, dado tratar-se de um poder-dever.

Ora, cremos que este segundo requisito não está preenchido relativamente aos arguidos OO e DD.

Aos tribunais compete dar à sociedade um sinal claro de que condutas como as perpetradas pelos arguidos ultrapassam limites socialmente intoleráveis.

Na situação em apreço são prementes as exigências de reprovação dos crimes, o que é um elemento valioso de prevenção geral, uma vez que os crimes praticados têm eco na sociedade do nosso país, pois os crimes patrimoniais e estradais são cada vez mais frequentes na sociedade portuguesa e causam forte alarme social.

Neste sentido, como ensina Figueiredo Dias, ob ci, pag. 340 “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização a suspensão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

De facto, na mesma noite os arguidos praticam, em conjugação de esforços, vários crimes, causam prejuízos avultados, o caos na estrada para fugir, nada tendo feito para tentar ressarcir as vítimas.

Acresce que, se por um lado as prementes exigências de prevenção geral levam este Tribunal a um juízo de prognose negativo em relação à suspensão de execução da pena de prisão, por outro lado, o facto de os arguidos não assumirem a prática dos factos na íntegra, nomeadamente no que concerne ao crime de condução perigosa, terem tido tempo para desistir da sua conduta e não o fizeram, elevam o juízo de prognose desfavorável à suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

Por outro lado, ambos os arguidos possuem nacionalidade estrangeira, não tinham trabalho, estavam há pouco tempo em Portugal e logo se dedicaram à prática de ilícitos criminais.

Assim, apesar de os arguidos não terem antecedentes criminais registados, perante as elevadas exigências de prevenção geral e a gravidade da atuação atrás expressa, entendemos que as penas prisão aplicadas não poderão ser suspensas na sua execução.

Pelo exposto, as penas de prisão que se determinaram aos arguidos EE e DD são para cumprir efetivamente.»

22. Como se vê, a decisão de não suspensão da execução da pena, que conclui pela não verificação do respetivo pressuposto material, em observância do disposto no artigo 50.º do CP, que se lhe impõe, fundamenta-se em razões de natureza preventiva, levando em conta as exigências de prevenção geral, bem como de prevenção especial, reveladas, designadamente, pelas condições de vida dos arguidos, pelas circunstâncias dos crimes e pelo comportamento posterior a estes, evidenciando desvaliosas caraterísticas de personalidade, já anteriormente notadas (supra, 19).

A margem de apreciação conferida ao julgador, que requer uma avaliação conjunta de todos estes fatores, na sua submissão ao critério normativo da suspensão da execução da pena, conduziu a uma decisão que não merece censura, pois que, subsistindo, com aquele fundamento, razões sérias para duvidar da capacidade dos arguidos de não repetirem a prática de crimes, não se mostra possível, como se concluiu, realizar um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro.

Nesta conformidade se conclui igualmente pela improcedência do recurso quanto a esta questão.

Quanto a custas

23. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respetivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.

A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Assim, havendo decaimento, considera-se adequada a condenação de cada um dos recorrentes em 5 UC.

III. Decisão

24. Pelo exposto, acorda-se na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, CC e DD.

Custas pelos recorrentes, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça a pagar por cada um deles.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de abril de 2024.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria do Carmo Silva Dias

Pedro Manuel Branquinho Dias