Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
781/21.8PDAMD.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
ROUBO
BURLA INFORMÁTICA
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I - A opção de política criminal do ordenamento jurídico português em matéria de tráfico de estupefacientes foi a de instituir um tipo base, comum ou matriz de ilícito de largo espetro, consagrado no artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, no qual, à partida, cabem todas as modalidades de ação nele previstas e só excecionalmente, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e no limite da tolerância que o Estado de Direito a si mesmo se impõe, em respeito pela dignidade da pessoa humana, diferenciar as concretas condutas, agravando-as, nos termos do artigo 24º, ou degradando-as, nos termos dos artigos 25º e 26º.


II – É perante essa matriz que se deve verificar e afirmar pela positiva, se a imagem global da conduta permite incluí-la nos “tipos” privilegiado ou agravado dos artigos 25º e 24º do mesmo diploma legal, em função de uma acentuada diminuição ou aumento da ilicitude por ela transmitida.


III - Sendo verdade que a “ilicitude consideravelmente diminuída” e não uma qualquer diminuição, exigida e pressuposta pelo “tipo privilegiado” pode ser evidenciada, como afastada, por apenas um dos índices que a norma exemplificativamente enuncia, no caso em apreço, a alegação do arguido de que a sua conduta se limitou a um ato isolado de detenção e sem vendas por si diretamente protagonizadas não tem virtualidade para a dar como verificada, face à imagem global que os factos provados, interpretados à luz das regras da experiência, permitem apreender.


IV – Com efeito, a quantidade de produto estupefaciente detido pelo arguido, de qualidade e natureza variadas e com níveis diferenciados de preparação para o consumo, aliada à parafernália relacionada com a respetiva preparação, pesagem e embalamento e ao dinheiro, a maior parte em moedas, não se destinando certamente à mera exposição, evidenciam uma atividade de tráfico, no sentido da respetiva comercialização, por venda direta ou intermediada a consumidores, em vista da obtenção de lucro, atividade que, além da iminência da sua continuidade, já se vinha desenvolvendo com a obtenção dos proventos correspondentes ao dinheiro apreendido, com o comprometimento e benefício do arguido, atuando como “refúgio” de pessoa ou grupo, mais ou menos organizado, a quem proporcionava colaboração importante para o seu sucesso, quanto ao intento lucrativo e à sua preservação e impunidade.


V - O artigo 70º do CP impõe ao juiz, neste como nos demais casos em que a lei pune a prática de um crime com pena privativa e não privativa da liberdade, o poder/dever de ponderar e justificar a não aplicação da pena não privativa da liberdade, que só pode fundar-se na sua inadequação e insuficiência para a realização das finalidades da punição definidas no artigo 40º, sob pena de omissão de pronúncia e consequente nulidade da decisão condenatória, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 97º, n.º 5, 374º, n.º 2, 375º, n.º 1, e 379º, n.º 1, als. a) e c), todos do CPP e do artigo 205º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP) .


VI - Todavia, a preferência pelas penas não privativas da liberdade, quando previstas em alternativa à de prisão ou em sua substituição, constituindo uma inegável aquisição civilizacional e clara opção de política criminal do nosso ordenamento jurídico, em vista dos reconhecidos malefícios das penas curtas de prisão, não se confunde com a sua obrigatoriedade ou automaticidade aplicativa, podendo ser afastada quando, mas só quando, justificada e fundamentadamente, se conclua pela sua inadequação e insuficiência para a realização daquelas finalidades, únicas que relevam neste domínio da escolha da pena, no caso concreto em apreciação e no momento da decisão.


VII - Em face das finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial, que no caso se fazem sentir, a pena única ou conjunta de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, dentro da moldura legal do cúmulo situada entre o mínimo de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses e o máximo de 9 (nove) anos de prisão, correspondente à soma das três penas de prisão aplicadas aos crimes de roubo – 2 (dois) anos e 6 (seis) meses -, burla informática – 1 (um) anos - e tráfico de estupefacientes – 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da culpa, mais próximas do limite mínimo do que do limite máximo das correspondentes molduras abstratas ou legais e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 781/21.8PDAMD L1.S1.


(Recurso Per Saltum)


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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


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I. Relatório


1. Por acórdão, de 18.12.2023, do Juízo Central Criminal ... (J.....) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi o arguido AA, nascido em ........2002, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:


«(…) 9. DISPOSITIVO


Pelo exposto, ao abrigo dos preceitos legais citados e dos abaixo indicados, os Juízes que constituem este Tribunal Coletivo decidem julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente:


(…)


3. Condenar o Arguido AA pela prática, em concurso real:


i. em coautoria, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;


ii. de 1 (um) crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;


iii. em autoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;


iv. Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em i. a iii., nos termos do art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, condenar o Arguido na pena única de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão;


v. sob a condição resolutiva de não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º 38º-A/2023, de 02.08, declara-se perdoado 1 (um) ano de prisão na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses em que o Arguido vai condenado nos autos;


(…)».


2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 17.01.2024, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):


«EM CONCLUSÃO:


1. tratando-se de um único dia de atuação e da mera detenção do estupefaciente parece-nos que a conduta do arguido se poderá subsumir ao tráfico privilegiado do art.º 25º do DL 15/93 de 22/01, assim se pugnando pela condenação do arguido nesses termos.


2. Destarte, sempre se deverá aferir da justiça da medida e espécie da pena aplicada aos Recorrentes.


3. Devemos atender à idade do recorrente, à sua condição social, económica e cultural, à sua modesta formação e fracos recursos económicos bem como devemos atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.º 40º e n.º 1 do art.º 71º, ambos do Cód. Penal, pelo que deve a pena de prisão a aplicar aos recorrentes ser mais próxima dos seus limites mínimos, como adiante se argumentará.


4. O recorrente considera a pena em que foi condenado excessiva e prejudicial à sua ressocialização.


5. Nos termos do disposto no art.º 71º nº 2 do Código Penal, para a medida concreta da pena concorre por um lado a culpa e grau de ilicitude e por outro lado o escopo da ressocialização do agente.


6. Não será de esquecer que o recorrente é pessoa socialmente e familiarmente inserida.


7. Por todas estas razões, estamos em crer que deverão ser inferiores as penas parcelares a serem impostas ao recorrente, não devendo as mesmas ultrapassar o limite mínimo legal.


8. Deve ainda a condenação pelo crime de burla informática ser em multa.


9. Igualmente, por tudo quanto se disse, dever ser igualmente reduzida a pena única aplicada ao Recorrente não devendo a mesma em cúmulo jurídico ser superior a 5 (cinco) anos de prisão;


10. Destarte, a pena do Recorrente ser suspensa na sua execução.


11. Tudo ponderado, entendemos que o tribunal " a quo" podia e devia ter formulado um juízo de prognose favorável, e concluir que, mantendo-se em liberdade, não voltarão a delinquir.


12. Tudo ponderado, à luz e atentos os critérios ínsitos no art.° 50°, do CP, deverá determinar-se a suspensão da execução da pena a aplicar ao ora recorrente, devendo a suspensão da pena se manter por período igual à mesma (art.° 50°/5 do CP), e cumulada com:


i. Regime de prova, nos termos e em observância do disposto no art.° 53° n°. 1 do CP;


ii. Sujeição a outras regras de conduta de conteúdo positivo, que o plano de reinserção social reputar de necessárias e adequadas, designadamente comprovar que se encontra laboralmente activo (alínea c) do n° 1 do art.° 52° do CP);


13. O Tribunal "a quo" violou o disposto nos arts. 40° n.°s 1 e 2, 42° n.° 1, 50° n° 1, 53° 1, 43 n° 1 al. b), 70° e 71°, 379.º, n.º 1, alínea b), todos do CP , 27 n° 1, 1ª parte, e 13° n° 1, ambos da CRP.


TERMOS EM QUE, CONTANDO O INDISPENSÁVEL SUPRIMENTO DE V^S EXAS., DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, FAZENDO- SE DESTARTE A MAIS RECTA E SÃ JUSTIÇA».


3. O recurso foi admitido por despacho da Juíza Presidente do tribunal coletivo, de 22.01.2024, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.


4. O Ministério Público junto do tribunal da condenação, respondeu, em 21.02.2024, ao recurso do arguido, concluindo (transcrição parcial):


«(…) CONCLUINDO


1. O Arguido/Recorrente AA foi condenado, no âmbito dos presentes autos pela prática, em concurso real, de:


(…)


3. O art.º 25.º do DL n.º 15/93 refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados).


4. No caso dos autos, aquando da busca à residência do Recorrente, realizadas no dia 14 de Março de 2023, foram encontrados no seu quarto e na sua posse e apreendidos:


(…)


5. De notar a quantidade e diversidade de produto estupefaciente.


6. Bem como o facto do Recorrente ter, no seu quarto, para além do referido produto estupefaciente, 924 gramas de produto de “corte” (usado para maximizar as doses de estupefaciente a vender”, balança de precisão, diversos sacos de plástico pequenos e herméticos (para venda de doses individuais), bem como três sacos contendo moedas, com o valor de €782,00 e €50,00 em notas do BCE.


7. O Recorrente, pretendendo prestar declarações em sede de julgamento referiu que, pessoa que não quis identificar, lhe deu o produto estupefaciente para guardar e fê-lo. Estava num momento difícil com a sua avó. Recebia € 150,00 por semana para guardar o produto. Só tinha que o guardar e esperar informações, nomeadamente quando era para ir entregar o produto a uma determinada pessoa no bairro. Entregava todos os dias.


Guardava-o durante uma noite (…).


8. Mas, se se limitava a guardar o produto, durante a noite, para terceiros, qual a razão de ter consigo, no seu quarto, produto de corte, balança de precisão e diversos sacos pequenos e herméticos destinados à venda em doses individuais?


9. Por outro lado, as moedas que ali foram, igualmente, encontradas, no valor de € 782,00 e notas do BCE no valor de € 50,00 eram provenientes da venda a terceiros do produto estupefaciente por parte do arguido.


10. Se a quantia monetária que lhe foi apreendida fosse proveniente da venda de gelados e asas de frango por parte da sua avó, que até estava a atravessar um momento difícil, não estariam guardadas, em sacos, no quarto do Recorrente, mas sim na posse da sua avó.


11. De salientar, ainda, que o recorrente, naquele período, não trabalhava.


12. Logo, não teria capacidade para deter aquela quantia monetária se não fosse através da venda de produto estupefaciente.


13. Tais factos – quantidade, diversidade e qualidade do produto estupefaciente, produto de corte, balança de precisão, sacos de plástico herméticos e quantias monetárias - revelam que o Recorrente não se limitou a guardar produto estupefaciente por uma única noite, a pedido de terceiros, como pretende fazer crer.


14. Mas, mesmo que o tivesse feito, com tal conduta apoia a atividade de venda por terceiros e, nesse caso, estaria essa atividade por ele desenvolvida associada a uma certa organização de meios.


15. Não se vislumbra, assim, qualquer factor de diminuição de ilicitude da sua Conduta individualmente consideradas susceptível do enquadramento no tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL n.º 15/93.


16. Pelo que a sua conduta não se pode integrar, como pretende, no tráfico de menor gravidade mas sim no crime previsto no art.º 21.º do DL n.º 15/93, como o foi.


(…)


21. O crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou com pena de multa (cfr. ainda art.º 41º, n.º 1, do Código Penal). O crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos. E o crime de tráfico de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.


22. O Recorrente apresenta, já, antecedentes criminais pela prática de crimes de roubo.


23. De notar que o crime de burla informática foi praticado na sequência do crime de roubo e demonstram uma elevada energia criminosa, desaconselhando veementemente a aplicação de outra pena que não a privativa da liberdade.


24. Quanto às exigências de prevenção geral, também estas se revelam prementes, dado, designadamente, ao aumento do tipo de criminalidade em causa, o alarme social e o forte sentimento de repulsa na comunidade que provoca, impondo-se uma intervenção firme por parte da Justiça.


25. Não se mostrou, pois, possível fazer um juízo positivo quanto às finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração do agente).


26. Tudo ponderado e por entender que a mera sanção pecuniária não se revela suficiente para realizar as finalidades da punição, optou o tribunal a quo pela aplicação de pena de prisão também relativamente ao crime de burla informática.


27. Na determinação da medida das penas parcelares há que ter em consideração:


↪ a pluralidade de crimes cometidos pelo Recorrente;


↪o dolo, directo e intenso, atendendo ao modo de execução dos factos;


↪que regista antecedentes criminais;


↪que não confessou os factos relativos aos crimes de roubo e de burla informática e não revelou arrependimento;


↪as necessidades de prevenção geral, que são muito elevadas nos tipos criminais em causa, pela frequência com que ocorrem;


↪as necessidades de prevenção especial atenta a pluralidade de actos que cometeu e a personalidade que revela quem assim procede, bem como pelo facto de ter praticado o crime de tráfico de produtos estupefacientes durante o período de suspensão da execução da pena em que foi condenado no âmbito do processo n.º 1481/21.4...;


↪a quantidade e diversidade do produto estupefaciente;


↪que beneficia de apoio familiar


28. Tudo ponderado, entendeu o tribunal a quo por adequada a aplicação da pena de:


(…)


30. A qual é inteiramente justa, equilibrada e não merece reparo, mostrando-se conforme aos parâmetros gerais e concretos de fixação, segundo os art.ºs 40.º e 71.º, respectivamente, do Código Penal.


31. Atenta a pena em que o Recorrente foi condenado, a mesma não pode ser suspensa na sua execução, por inadmissibilidade legal.


32. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.


33. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.


(…)».


5. O Ministério Público junto do TRL, em promoção de 7.03.2024, pronunciou-se no sentido de ser julgada verificada e declarada a exceção da incompetência material do mesmo Tribunal, porque o recurso era limitado à matéria de direito, interposto de decisão de tribunal coletivo que aplicou pena única superior a cinco anos de prisão, por isso cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a competência para o seu conhecimento, nos termos dos artigos 32º, 33º e 432º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (CPP).


6. Por decisão da Juíza Desembargadora relatora, de 9.03.2024, sufragando o promovido pelo Ministério Público nesse sentido, foi o TRL declarado incompetente para conhecer do recurso, no entendimento de que visa apenas o reexame da matéria de direito, e ordenada a remessa dos autos ao STJ, por ser o materialmente competente, nos termos dos artigos 427º e 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP


7. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 13.03.2024, emitiu fundamentado parecer, que se transcreve parcialmente e sem notas de rodapé:


«(…)


4.2. Enquadramento jurídico e análise:


4.2.1. Quanto ao enquadramento jurídico da conduta imputada no crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, de 22–1:


O recurso impugna o enquadramento jurídico de parte dos factos, entendendo que, quanto ao tráfico de estupefacientes, os mesmos integram o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo artigo 25.º, do DL 15/93, de 22 de janeiro.


Vejamos:


O crime de tráfico de estupefacientes está previsto nos termos do art.º 21.º, do Decreto– Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que constitui a norma–referência para as diversas modalidades de que se reveste o crime, designadamente o agravado (art.º 24.º) e o de menor gravidade (art.º 25.º), todos os preceitos do mesmo diploma legal.


O bem jurídico protegido com a incriminação é plúrimo, confluindo na saúde pública, nas suas componentes física e mental, mas igualmente “a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos” e, mediatamente, também “a economia legal, a estabilidade e a segurança do Estado”. tal com tem vindo a ser assinalado pela jurisprudência e doutrina.


O arguido vem condenado pelo crime p.p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, que requer, para ser cometido, que o agente (…) sem estar autorizado, (…) por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver (…) substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III …” sendo punido com penas de 4 a 12 anos de prisão (…).


Quanto ao regime estabelecido no artigo 25.º do Decreto–Lei n.º 15/93, de 22.01, referido ao tráfico de menor gravidade, funda–se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta de diversos fatores, alguns dos quais se enunciam exemplificativamente na norma, sendo certo que, como é unanimemente sufragado pela jurisprudência, este preceito funciona como uma válvula de segurança, visando evitar que situações de menor gravidade sejam punidas com penas desproporcionadas.


Entre aqueles fatores, encontramos enunciados, na referida disposição legal, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.


São circunstâncias que requerem escrutínio objetivo nos factos e não a mesura por via de considerações genéricas, indeterminadas ou sem limites objetivos identificáveis, como “grande, médio ou pequeno tráfico”.


É indiscutível que as substâncias detidas e traficadas pelo recorrente foram cocaína, heroína e também canábis; aquelas, portanto drogas duras e com poder aditivo mais forte e mais degradante, logo com maior aptidão para causar dano à pluralidade de bens jurídicos protegidos sob a amplitude da proteção da “saúde pública”; e esta (a canábis) também com poder aditivo, gerador de dependência e efeitos perniciosos, como vem sendo entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que não desvaloriza, nem desconsidera a gravidade inerente ao tráfico dessa substância estupefaciente (cf., o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15–2–2024, processo n.º 234/20.1T9VLG.P1.S1).


Importa ainda destacar o facto de que a cocaína apreendida ao recorrente tinha grau de pureza que variava entre 56,6%, 60,7%, 79,2%, 49,9%, 46,8%; a heroína apreendida tinha grau de pureza que oscilava entre 27,5%, 3,2% e 20,3%; e a canábis grau de pureza de 31,9%.


A par com o variado e total número de pedaços de estupefaciente (562 pedaços de cocaína; 101 pedaços de heroína e 24 pedaços de canábis), correspondendo a 1860 doses individuais de estupefacientes, o arguido detinha 924 gramas de produto de corte, usado para maximizar as doses de estupefacientes a vender, além de balança de precisão e sacos para acondicionamento do estupefaciente.


Não sendo quantidades de canábis, cocaína e heroína muito elevadas, as que detinha para tráfico não são de considerar de pouca monta ou como insignificantes quando aliadas ao número significativo de doses detidas e preparadas, ao grau de pureza respetivo e ao produto de corte que permitiria maximizar o número de vendas e lucros, sem descurar a posse da considerável quantia monetária de €782,00 e €50,00.


Com se refere no acórdão recorrido, a cocaína era já suficiente a um consumo médio individual correspondente a 1159 doses diárias (considerando o valor médio de referência previsto no mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria 94/96, de 26 de março, tendo em conta a concentração de concreta das substâncias ativas no produto apreendido); a heroína a um consumo médio individual correspondente a 409 doses diárias e a canábis a 294 doses individuais.


Importa considerar que não resulta dos autos que o recorrente fosse consumidor, pelo que a atividade criminosa de tráfico visou exclusivamente a venda a terceiros e o lucro correspondente, a que acresce o facto de o recorrente não ter trabalho.


Portanto, o tráfico de estupefacientes em questão tem subjacente um elevado desvalor da ação e de perigo de resultado, acentuando ilicitude e culpa, tanto mais elevadas, uma e outra, quanto mais representar uma indiferença pela exploração da miséria, onde o ganho económico rápido faz por ignorar as consequências para a saúde pública, capitalizando exclusões, vulnerabilidades alheias e perpetuando ciclos de pobreza, corrupção, violência e ruína institucional.


Só será uma conduta com considerável diminuição da ilicitude quando for a própria miséria, o desespero ou a sobrevivência a gerar a indiferença da exploração da miséria alheia que o tráfico de estupefacientes representa.


Como ficou claro no acórdão recorrido, a imagem global do facto não consente, pelos indícios referidos, que se identifiquem fatores que diminuam a ilicitude.


Ficou ponderado aí que “o arguido apoia a atividade de venda por terceiros, conforme o próprio veio a admitir em audiência de julgamento, estando, por conseguinte a atividade por este desenvolvida associada a uma certa organização de meios e que a quantia monetária que lhe foi apreendida (€782,00 e €50,00) é expressiva, permitindo concluir que a intervenção do arguido era essencial a assegurar o sucesso numa atividade que garantia a expetativa de recolha de elevados proventos e que o arguido, para além da canábis, detinha drogas duras – cocaína e heroína – muito viciadoras”. (destaque nosso).


Deste modo, a imagem global dos factos não aponta para uma diminuição considerável da ilicitude; é dizer, do desvalor da ação e do resultado (no que se refere à amplitude da ofensa aos plúrimos bens jurídicos protegidos) em termos tão substanciais, não só de grau, mas de natureza e gravidade, a coberto de fatores excecionalmente atendíveis, notáveis ou dignos de consideração a ponto de impactarem a perceção do grau, extensão, intensidade ou quantidade que, à luz do artigo 25.º do DL 15/93, sejam substancialmente merecedores de uma valoração extraordinariamente diminuída, em comparação com o tipo–base, ou que mereça a tonalidade da “desculpa” com que o recorrente colora a sua conduta ao invocar inconsequentemente que se tratou de um único dia de atuação e de mera detenção.


Ao invés, a imagem global do facto apenas aponta para uma ilicitude que o acórdão não qualificou nem de pouco elevada, baixa ou mesmo simplesmente diminuída, e muito menos “consideravelmente” diminuída, pelo que essa imagem global, não sendo a correspondente ao tipo privilegiado por via de fatores–índices atendíveis, permanece no tráfico comum.


Ora, sendo certo que, como supra se deixou referido, a conclusão sobre o elemento normativo– típico da considerável diminuição da ilicitude dos factos – havendo que resultar de uma valoração global destes –, os fatores a que, em concreto, há para atender não consentem que a qualificação jurídica efetuada mereça qualquer dúvida ou revisão, pelo que estamos perante o crime de tráfico de estupefacientes, p.p. nos termos dos artigos 21.º, n.º 1 do Decreto–Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.


Posto isto, centremos–nos então na medida da pena aplicada, que o recorrente ora reporta às penas parcelares, ora à pena única.


4.2.2. Quanto à determinação concreta das penas aplicadas:


Em síntese, os parâmetros que subjazem à determinação concreta da pena respondem a um procedimento ponderativo, tributário do princípio da proporcionalidade entre pena e gravidade do dano social do facto, que se orienta pela proteção e promoção de bens jurídicos e pelo sentido não dessocializador do agente (prevenção geral e especial, esta como corolário do princípio da intervenção mínima), que devem presidir à aplicação e execução das reações penais (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).


Essa orientação é balizada por critérios definidos pelo artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, cabendo à medida da culpa (pelo facto e pela personalidade) a função de fundamento e limite máximo da punição através da pena concreta, enunciando–se circunstâncias gerais ou comuns que ajudam à dita ponderação, uns referidos ao facto objetivo e subjetivo (ilicitude e culpa: o grau de ilicitude do facto; o modo de execução deste; a gravidade das consequências do facto; o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a Intensidade ou grau do dolo ou da negligência), outros referidos à personalidade revelada no facto [culpa pela personalidade e influência da pena: os sentimentos manifestados no facto, os motivos e os fins que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior, especialmente se destinada a reparar as consequências do crime, com eventual ponderação atenuativa da sua conduta processual; a censura pela falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando deva ser censurada pela aplicação de uma pena (culpa ético–social, enquanto exteriorização da formação da personalidade pela violação objetiva de deveres e valores sociais, constitucional e legalmente consagrados, aliada à liberdade de determinação do agente segundo esses valores), ajustando as exigências de prevenção de futuros crimes.].


O direito penal não pode ser inútil e incapaz de proteger bens jurídicos e de prevenir a criminalidade, ainda que seja o último recurso, mas deve servir, através da pena, para clarificar a reprovabilidade do facto típico–ilícito e demonstrar uma censura adequada por condutas reprováveis e, no caso do roubo e do tráfico de estupefacientes agravado, especialmente graves.


Nos termos do n.º 3 do artigo 71.º, do Código Penal, está o juiz obrigado a explicitar na sentença os fundamentos da medida da pena que se elegeu, regra com implicações substantivas ou de direito, que permite a sua apreciação pelos tribunais superiores.


A operacionalização dessa metodologia ponderativa está consensualizada na doutrina e na jurisprudência, seguindo–se a lição há muito conhecida de Figueiredo Dias, que, em síntese, sustenta que a medida concreta da pena será o resultado das exigências de prevenção geral, que constituem o limite mínimo da medida concreta, e o resultado da culpa, que limita a moldura punitiva no seu máximo, inscrevendo–se nesse intervalo as considerações de prevenção especial de ressocialização do agente e circunstâncias que, extravasando do tipo, concorrem para mitigar ou agravar a responsabilidade do arguido.


Já quanto à pena única aplicável ao concurso de crimes, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça entende, em conformidade com a lei (artigo 77.º, do Código Penal), que a moldura do concurso de crimes tem especificidades pela maior latitude em relação às penas parcelares dos crimes singulares, das quais é uma síntese, a que acresce nova e específica fundamentação, a par com a que assenta no disposto no artigo 71.º do Código Penal.


*


Vejamos, pois, se há que reconhecer qualquer excesso às penas parcelares e única.


O recorrente ancora a sua discordância apelando à lembrança de que é pessoa social e familiarmente inserida; que as penas parcelares devem ser inferiores sem ultrapassar o mínimo legal; que a condenação pelo crime de burla informática deve ser em pena de multa e que, por fim, a pena única deve ser reduzida, não devendo ultrapassar 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.


Ora, sobre as penas parcelares e única, o acórdão recorrido ponderou, depois do devido enquadramento jurídico:


[…]


In casu, não só o Arguido não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos praticados - que não assumiu no que respeita ao crime de roubo e de burla informática, e em que assumiu o inegável (detenção do produto de estupefaciente) no que respeita ao crime de tráfico de estupefaciente -, como o seu posterior comportamento (praticando novos crimes após a prática dos crimes de roubo e burla informática objeto dos autos, no âmbito do Proc. n.º 1481/21.4...; e praticando o crime de tráfico de estupefacientes objeto destes autos no período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do Proc. n.º 1481/21.4..., pela prática de crimes de roubo) é elucidativo do reduzido juízo critico do desvalor da sua conduta. Não obstante a oportunidade que lhe foi concedida em tais autos, para dar novo rumo à sua vida, o Arguido não a aproveitou, voltando a praticar novo crime.


(…)


Não se nos afigura necessário desenvolver outros argumentos além dos expostos no acórdão recorrido, pois as penas parcelares e única respeitam as exigências de prevenção especial (que fazem alinhar todos os fatores já enunciados com as exigências de que a condenação, mormente em pena de prisão, tenha como objetivo a reintegração do delinquente na vida em sociedade sem cometer mais crimes), atendendo a que os poucos fatores atenuativos de relevo não se contrapõem aos que demais já foram salientados, pois não serviram de contramotivação suficiente para o recorrente se manter fiel ao Direito antes e durante a atividade criminosa em que se envolveu e que não era inédita no seu percurso de vida, contando com antecedentes criminais pela prática de crime de roubo.


Nesta medida, as penas aplicadas são penas que também não estão em desconformidade com os parâmetros que têm sido seguidos pela jurisprudência deste tribunal superior, importando relembrar o que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 29–3–2007, no processo n.º 07P9025, precisou:


(…)


No mesmo sentido, se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-02-2015: Proc. 591/12.3GBTMR.E1.S1:


(…)


Em suma, as penas concretas aplicadas respeitam os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa – princípio da proibição do excesso), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena – princípio da realização do Estado de Direito); ou seja, a adequada proteção de bens jurídicos, enquanto finalidade principal das penas, deve estar alinhada com a reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade. Neste caso, a reintegração ocorrerá através do cumprimento efetivo da pena única aplicada, que não é excessiva, mas antes adequada e necessária à reação penal que o caso justifica, situando–se pouco abaixo do meio do intervalo da pena abstrata aplicável ao concurso e em consonância com as penas parcelares concretas aplicadas.


Assim, as penas aplicadas pelo tribunal recorrido revelam–se as penas necessárias, justas e adequadas, por estarem dentro do quadro proporcional da culpa e por atenderem às necessidades de prevenção geral e especial, acompanhando–se, assim, as alegações do Ministério Público em 1.ª instância.


4.3. Conclusão:


Em conformidade, somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.


(…)».


8. Observado o contraditório, o recorrente não respondeu ao parecer do Ministério Público.


9. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se, por ordem de precedência:


a) à qualificação jurídico-criminal do crime de tráfico - tráfico base ou de menor gravidade [conclusão 1ª];


b) à espécie da pena relativa ao crime de burla – prisão ou multa [conclusões 8ª e 13ª];


c) ao excesso da medida das penas, parcelares e única, de prisão aplicadas [conclusões 2ª a 7ª (mínimo legal), 9ª (5 anos), respetivamente, e 13ª];


d) à suspensão da execução da pena única de prisão [conclusões 10ª a 12ª e 13ª].


III. Fundamentação


1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido:


«(…)


3. Fundamentação


3.1. Matéria de facto provada


Realizado o julgamento, mostram-se exclusivamente provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:


A – Da Acusação:


1) No dia 05.08.2021, cerca das 22:15, na Rua ..., o Arguido, acompanhado de outro indivíduo de identificação não concretamente apurada, munidos de objeto com aparência de arma de fogo, de características não apuradas, aproximou-se de BB, a qual se encontrava sentada no banco do condutor, no interior do veículo de matrícula ..-..-TE;


2) Ao chegarem junto da porta do condutor da viatura, o Arguido e o indivíduo que o acompanhava, exibiram a BB objeto com aparência de arma de fogo, de características não apuradas, e disseram à mesma, em tom sério “sai do carro, se não queres levar um tiro sai rápido”;


3) Seguidamente, o Arguido e o indivíduo que o acompanhava disseram a BB para lhes entregar todos os pertences, ao que esta entregou a sua bolsa, contendo o cartão de cidadão, carta de condução, cartão bancário de débito do Banco CTT, e o telemóvel da marca HUAWEI, valor de €200,00;


4) O Arguido e o indivíduo que o acompanhava apoderaram-se dos objetos, entraram no veículo e abandonaram o local, conduzindo o mesmo;


5) O Arguido e o indivíduo que o acompanhava seguiram na viatura na direção do ... e, na posse do cartão bancário de débito do Banco CTT, relativo à conta n.º .........56, titulada por BB, o Arguido, sem conhecimento e consentimento desta, adicionou o referido cartão bancário à sua conta UBER (nome “CC”);


6) Após, efetuou três pedidos, um no valor de €23,50, outro no valor de €25,50 e um terceiro no valor de €34,25, no McDonald´s e KFC, a serem entregues na ..., tendo o pagamento sido efetuado da conta bancária de BB;


7) No dia 14.03.2023, pelas 09:00, no interior da sua residência, sita na Travessa ..., no seu quarto, o Arguido detinha na sua posse:


a. 1 (um) pedaço de cocaína, com o peso de 1,935 gramas, com um grau de pureza de 56,6%, correspondente a 36 (trinta e seis) doses individuais;


b. 6 (seis) pedaços de cocaína, com o peso de 2,786 gramas, com um grau de pureza de 60,7%, correspondente a 8 (oito) doses individuais;


c. 1 (um) pedaço de cocaína, com o peso de 5,291 gramas, com um grau de pureza de 79,2%, correspondente a 20 (vinte) doses individuais;


d. 5 (cinco) pedaços de heroína, com o peso de 141,908 gramas, com um grau de pureza de 27,5%, correspondente a 390 (trezentas e noventa) doses individuais;


e. 136 (cento e trinta e seis) pedaços de cocaína, com o peso de 15,622 gramas, com um grau de pureza de 49,9%, correspondente a 259 (duzentas e cinquenta e nove) doses individuais;


f. 24 (vinte e quatro) pedaços de canábis, com o peso de 46,119 gramas, com um grau de pureza de 31,9% THC, correspondente a 294 (duzentas e noventa e quatro) doses individuais;


g. 418 (quatrocentos e dezoito) pedaços de cocaína, com o peso de 53,594 gramas, com um grau de pureza de 46,8%, correspondente a 836 (oitocentas e trinta e seis) doses individuais;


h. 41 (quarenta e um) pedaços de heroína, com o peso de 8,673 gramas, com um grau de pureza de 3,2%, correspondente a 2 (duas) doses individuais;


i. 55 (cinquenta e cinco) pedaços de heroína, com o peso de 8,813 gramas, com um grau de pureza de 20,3%, correspondente a 17 (dezassete) doses individuais;


8) Mais detinha o Arguido 924 gramas de produto de “corte” (usado para maximizar as doses de estupefaciente a vender”, balança de precisão, diversos sacos de plástico pequenos e herméticos (para venda de doses individuais), bem como três sacos contendo moedas, com o valor de €782,00 e €50,00 em notas do BCE;


9) O Arguido representou e quis atuar em comunhão de esforços, de modo a, recorrendo à força física e tom agressivo, criar um estado de intimidação na Ofendida BB e, dessa forma, apoderar-se dos objetos e carro desta, objetivo que alcançou;


10) O Arguido sabia que é proibido comprar, transportar, guardar, deter a qualquer título, consumir, embalar e vender os descritos produtos e, não obstante tal conhecimento, quis agir, como agiu, do modo descrito;


11) O Arguido não trabalha;


12) Ao atuar da forma descrita, o Arguido agiu com o propósito, concretizado, de retirar um benefício económico, utilizando dados pertencentes a terceiro, não obstante saber que tal não lhe era permitido e que não estava autorizado a fazê-lo, atuando como legítimo titular da conta pertencente a BB, facto que não correspondia à realidade, e que lhe permitiu aceder a operações bancárias, nomeadamente a pagamento de compras, o que representou;


13) O Arguido sabia que ao atuar da forma descrita causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante a terceiros;


14) O Arguido atuou de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente;


B - Das Condições pessoais do Arguido:


15) À data dos factos dos autos, AA residia com a avó materna, figura de referência vinculativa na sua infância e adolescência;


16) Integrava um meio social – Bairro ... – conotado com práticas criminais e de exclusão social, tendo sido nesta envolvência que decorreu o seu crescimento;


17) Na sequência do cumprimento de uma pena de prisão efetiva por parte da mãe, o Arguido passou grande parte da infância e adolescência com a avó, a qual, desde sempre, apresentou dificuldades de contenção e supervisão educativa;


18) O seu pai, que também cumpriu várias penas de prisão, foi um elemento desinvestido e ausente nas suas responsabilidades parentais;


19) O percurso escolar do Arguido pautou-se por problemas de integração e associados comportamentos disruptivos, fator ao qual não foi alheio, na fase da pré-adolescência, a ligação a grupos de pares com comportamentos desviantes;


20) De forma a afastá-lo do meio, com 13 anos de idade, foi viver com o avô materno numa aldeia em ...;


21) Em ... concluiu o 9º ano de escolaridade e frequentou o 10º ano, num curso profissional de eletricidade, mas que desistiu a meio do ano letivo;


22) Em março de 2021 reintegrou a habitação da avó materna, altura que se integrou profissionalmente na M...., no serviço de entregas ao domicílio, onde permaneceu até dezembro de 2021;


23) No ano de 2022 foi preso preventivamente à ordem do processo n.º 1481/21.4... do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., por dois crimes de roubo agravado, medida de coação que foi desagravada em 04.02.20222, para obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, que cumpriu, sem registo de incidentes, até 22.09.2022, vindo a ser condenado, em tais autos na pena de prisão de três anos, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada a regime prova, cujo trânsito em julgado ocorreu em 24.10.2022;


24) Em meio prisional, tem beneficiado das visitas de uma amiga, da avó materna, da mãe, das tias maternas, de um amigo e, ocasionalmente, da sua irmã (de 17 anos de idade);


25) No Estabelecimento Prisional ... manifesta respeito pelas normas, não havendo registo de infrações disciplinares;


26) O Arguido foi condenado por decisão proferida em 22.09.2022, transitada em julgado em 24.10.2022, no âmbito do Proc. n.º 1481/21.4..., do Juiz ..., do Juízo Central Criminal..., pela prática, em 13.12.2021, de factos consubstanciadores de 2 (dois) crimes de roubo qualificado, p e p. pelo art.º 210º do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.


*


3.2. Matéria de facto não provada


a) Que os factos descritos no ponto 1) dos Factos Provados tenham ocorrido quando eram 23:15 horas;


b) Que o Arguido e o indivíduo que o acompanhava estivessem munidos de uma arma de fogo nas circunstâncias descritas no ponto 1) dos Factos Provados;


c) Que nas circunstâncias descritas no ponto 2) dos Factos Provados tenha sido apontado na direção de BB uma arma de fogo;


d) Que nas circunstâncias descritas no ponto 2) dos Factos Provados tenha sido dito a BB “não faças barulho”;


e) Que após o descrito no ponto 2) dos Factos Provados BB tenha saído, de imediato, do veículo;


f) Que na ocasião descrita no ponto 3) dos Factos Provados o Arguido e o indivíduo que o acompanhava tenham proferido as expressões “entrega tudo, despacha-te com isso se não te queres magoar”, dirigindo-se a BB;


g) Que, na ocasião descrita no ponto 3) dos Factos Provados, BB tenha entregue os documentos referentes ao veículo por si conduzido;


h) Que o telemóvel descrito no ponto 3) dos Factos Provados fosse do modelo P40 Lite;


i) Que o telemóvel descrito no ponto 3) dos Factos Provados tivesse o valor de €229,00;


j) Que o Arguido subsista exclusivamente do dinheiro obtido com a venda de produto estupefaciente;


k) Que o cartão bancário descrito no ponto 5) dos Factos Provados fosse um cartão de garantia ou de crédito.


*


De resto, não se logrou provar quaisquer outros factos relevantes, alegados ou não, resultantes da discussão da causa, e/ou que estivessem em oposição com os factos atrás referidos, sempre se salientando que não selecionámos matéria conclusiva ou de direito, inócua ou que constitua mera impugnação da factualidade alegada no libelo acusatório.


(…)


2. Tratando-se de recurso interposto de acórdão condenatório em pena de prisão superior a cinco anos, proferido por tribunal coletivo e restrito à matéria de direito, é inquestionável a competência do STJ para o respetivo conhecimento, nos termos dos artigos 434º e 432º, n.ºs 1, al. c) e 2 do CPP, conforme acertadamente decidiu o TRL ao excecionar a respetiva incompetência material.


Avancemos, pois, para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o seu objeto, abrangendo a qualificação jurídico-criminal dos factos relacionados com a detenção pelo recorrente de produtos estupefacientes, objetos e valores afins, outrossim, a espécie e a medida das penas parcelares e única de prisão em que o mesmo foi condenado.


Tanto mais quanto é certo que o objeto assim definido se enquadra na jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n.º 5/2017, publicado no DR. n.º 120/2017, Série I, de 23.06.2017, a pp.3170 – 3187, segundo a qual «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas».


2. 1. Qualificação jurídico-criminal do crime de tráfico - tráfico base ou de menor gravidade - [conclusão 1ª].


O recorrente questiona, antes de mais, o enquadramento jurídico-penal dos factos provados sob os pontos 7, 8, 10 e 14, reivindicando a respetiva integração na previsão do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, ao invés da do artigo 21º do mesmo diploma legal, feita no acórdão recorrido.


Ou seja, pretende, rectius, aventa a possibilidade de a sua atividade refletida naqueles factos ser qualificada como tráfico de menor gravidade em vez de tráfico base ou comum, conforme evidencia a expressão “parece-nos que a conduta do arguido se poderá subsumir ao tráfico privilegiado do art.º 25º do DL 15/93 de 22/01”, com que encerra a correspondente motivação.


Para tanto convoca apenas a circunstância que considera assente de se tratar de um ato isolado, circunscrito ao dia das buscas e apreensões, e de mera detenção.


Vejamos.


O recorrente reconhece a aptidão da sua conduta para preencher todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de tráfico de estupefacientes, tal como configurado no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, enquanto crime de perigo abstrato e de perigo comum, em linha com a generalidade dos países e da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, assinada por Portugal e ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no DR de 6 de setembro de 1991.


Não obstante, parece-lhe que os atos de que foi acusado e resultaram provados podem ser enquadrados no tipo de menor gravidade previsto do artigo 25º, al. a), daquele diploma legal, em lugar de o serem, como concluiu e decidiu o acórdão recorrido, no tipo base ou comum do seu artigo 21º.


Na sua insegura convicção, a pretensão assim manifestada parece repousar numa conceção daquele tipo privilegiado, se é que de um verdadeiro tipo autónomo se pode falar, como alerta Pedro Vaz Pato2, como se fosse o ponto de partida da integração jurídico-penal de qualquer das várias modalidades de ação previstas no artigo 21º, sendo a previsão deste já uma forma agravada dessas diferentes modalidades de ação típica, ao invés de o ter como matriz e, perante ela, verificar e afirmar pela positiva, se a imagem global da sua conduta permite incluí-la naquele tipo privilegiado ou mesmo no tipo agravado do artigo 24º, em função de uma acentuada diminuição ou aumento da ilicitude por ela transmitida, porque, na verdade, a opção de política criminal nesta sede foi a de instituir um tipo base ou comum de ilícito de largo espetro, no qual, à partida, cabem todas aquelas modalidades de ação e só excecionalmente, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e no limite da tolerância que o Estado de Direito a si mesmo se impõe, em respeito pela dignidade da pessoa humana, diferenciar as concretas condutas, agravando-as, nos termos do artigo 24º, ou degradando-as, nos termos dos artigos 25º e 26º.


Nesse confronto, o acórdão agora escrutinado decidiu em sentido contrário à pretensão do recorrente, com a seguinte fundamentação:


«Tal como referimos supra, o Arguido vem, ainda, acusado da prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexa ao mesmo diploma.


Incorre na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou a qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fazer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantar substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III…”


A heroína, a cocaína e o cannabis são produtos que se encontram abrangido nas tabelas I-A (heroína), I-B (cocaína) e I-C (canábis), anexas ao Decreto-Lei 15/93, de 22.01.


O bem tutelado pela incriminação do artigo 21º é a saúde pública – e, reflexamente, a dependência que o consumo de estupefacientes provoca. Mais reflexamente, ainda, protege os perigos associados à criminalidade induzida pela dependência criada.


Com a punição do tráfico pretende-se, assim, evitar a degradação e destruição dos seres humanos provocadas pelo consumo de estupefacientes que o tráfico potencia, sendo certo que, na citada norma, se punem atividades ilícitas, cada uma delas por si dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objetivo de um crime simples de tráfico de estupefacientes.


É um crime de perigo comum, protegendo uma multiplicidade de bens jurídicos que, in fine, se podem reconduzir à saúde pública, e, igualmente, como um crime de perigo abstrato, não pressupondo para a sua consumação nem o dano, nem a verificação da lesão de um dos concretos bens jurídicos tutelados pela incriminação, mas apenas a perigosidade da ação.


O crime base, previsto no art.º 21º, coexiste com o art.º 24º - crime agravado em relação ao primeiro - e com os crimes previstos pelos art.ºs 25º (tráfico de menor gravidade) e 26º (tráfico com a finalidade exclusiva de conseguir produtos para o uso pessoal) do DL 15/93 - crimes privilegiados.


O art.º 25º prevê que “Se nos casos dos arts. 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de um a cinco anos se se tratar de substâncias compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.


O elemento subjetivo do tipo basta-se com o dolo de ação em qualquer uma das suas formas previstas no artigo 14º do Código Penal e comprovou-se que o Arguido bem conhecia as características e natureza do estupefaciente que guardava, transportava e destinava à entrega a terceiros. E conhecia as caraterísticas estupefaciente das substâncias e até que as mesmas se destinavam à venda.


A posse da considerável quantia monetária (€782,00 e €50,00) prende-se, necessariamente com o produto desta atividade de venda, ainda que se admita que o Arguido devesse entregá-la a alguém, a quem estava ligado, numa relação de dependência, já que não se apurou que fosse o “dono” da droga.


O Arguido detinha heroína e cocaína, drogas duras, em quantidade muito apreciável, para além de canábis, em quantidade também significativa.


A cocaína era já suficiente a um consumo médio individual correspondente a 1159 doses diárias (considerando o valor médio de referência previsto no mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria 94/96, de 26 de março, tendo em conta a concentração de concreta das substâncias ativas no produto apreendido), a heroína a um consumo médio individual correspondente a 409 doses diárias e a canábis a 294 doses individuais.


Mais se provou que o Arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


Estão, assim, verificados os elementos objetivos do tipo criminal imputado já que o Arguido detinha, sem qualquer autorização e destinados à venda a terceiros, produtos estupefacientes previstos nas tabelas I-A, I-B e I-C (não resultando sequer dos autos que este igualmente os destinasse ao seu próprio consumo).


O Arguido conhecia, como se assinalou, a natureza estupefaciente dos produtos que detinha, agindo voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei e ciente que essa conduta não lhe era permitida, mas, ainda assim, quis agir livremente do modo descrito, atuando com dolo direto (art.º 14º, n.º 1, do Código Penal).


Está, assim, igualmente verificado o elemento subjetivo do crime de tráfico de estupefaciente.


Importa, no entanto, aferir se a conduta do Arguido é subsumível no art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22.01 (crime base), ou se poderá integrar um tipo menos grave, em concreto o previsto no art.º 25º desse mesmo diploma legal, em que a diminuição da ilicitude pode ter como fonte, entre outros, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade dos produtos.


Maria João Antunes (in “Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância”, 1993, Comentários, 296), defende que o art.º 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos art.ºs 21º e 22º, sob pena de a reação penal ser, à partida, desproporcionada.


E pondera-se a aplicação do art.º 25º, afastado que se encontra o tipo penal previsto no art.º 26º do DL n.º 15/93, de 22.01, de traficante consumidor.


O art.º 25º do DL n.º 15/93, de 22.01, tem vindo a ser utilizado como uma “válvula de segurança do sistema” como lhe chama Lourenço Martins, em Nova Lei Antidroga, Um Equilíbrio Instável, protegendo aqueles que se dediquem a situações de menor gravidade de penas desproporcionadas.


Posto isto, e voltando à situação em apreço nos autos, pese embora não resulte dos autos que o Arguido se dedique à venda direta a consumidores, o Arguido apoia a atividade de venda por terceiros, conforme o próprio veio a admitir em audiência de julgamento, estando, por conseguinte, a atividade por este desenvolvida associada a uma certa organização de meios.


A quantia monetária que lhe foi apreendida (€782,00 e €50,00) é expressiva, permitindo concluir que a intervenção do Arguido era essencial a assegurar o sucesso numa atividade que garantia a expetativa de recolha de elevados proventos.


O Arguido, para além da canábis, detinha drogas duras – cocaína e heroína – muito viciadoras.


Em face do exposto, entendemos que a conduta desenvolvida pelo Arguido não pode deixar de ser enquadrada no crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, por que vem acusado, inexistindo fundamento para que se possa afirmar que se mostra consideravelmente diminuída a ilicitude da atividade de tráfico pelo mesmo desenvolvida.


Face ao exposto, inexistindo causa que exclua a ilicitude ou dirima a respetiva responsabilidade do Arguido, dúvidas não restam que, com a conduta adotada, o Arguido incorreu na prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexa ao mesmo diploma.».


Considerando a transcrita fundamentação, factual e jurídica, temos por correto o enquadramento da conduta do recorrente no tipo base ou comum de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93.


De facto, o único argumento por ele invocado no sentido do seu enquadramento no tipo privilegiado do artigo 25º, al. a), é o de se tratar de um ato ou conduta limitada ao dia das buscas e de mera detenção, sem demonstração de vendas a terceiros.


Sendo verdade que a “ilicitude consideravelmente diminuída” e não uma qualquer diminuição, exigida e pressuposta pelo “tipo privilegiado” pode ser evidenciada, como afastada, por apenas um dos índices que a norma exemplificativamente enuncia, no caso em apreço, aquele argumento/circunstância, no entanto, não tem virtualidade para contrariar a fundamentação da decisão recorrida no sentido da integração da atuação do arguido no tipo base do artigo 21º, face à imagem global que os factos provados, interpretados à luz das regras da experiência, permitem apreender.


É certo que não ficou provada qualquer venda de estupefaciente diretamente protagonizada pelo arguido ou que a sua subsistência fosse exclusivamente assegurada com o produto dessa atividade.


Contudo, a detenção pelo arguido de estupefacientes, no dia 14 de março de 2023, no seu quarto, em casa da avó, com quem vivia, atenta a respetiva quantidade, natureza, qualidade e estado de preparação variadas e diferenciados, é, por si só, suficiente para evidenciar um grau da ilicitude incompatível com a condição de que depende a aplicação do artigo 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, traduzida numa imagem global de “ilicitude consideravelmente diminuída”.


Relembremos o produto estupefaciente detido pelo arguido naquela data e apreendido na sequência das buscas efetuadas ao seu quarto:


- 562 pedaços de cocaína, com o peso total de 79,228 gramas, com um grau de pureza variável entre os 46,8% e os 79,2%, correspondente a 1.159 doses individuais;


- 101 pedaços de heroína, com o peso total de 159,394 gramas, com um grau de pureza variável entre 3,2% e os 27,5%, correspondente a 409 doses individuais;


- 24 pedaços de cannabis, com o peso total de 46,119 gramas, com um grau de pureza de 31,9% THC, correspondente a 294 doses individuais.


E os demais produtos, objetos e valores com eles relacionados também por ele detidos e apreendidos na mesma ocasião e lugar:


- 924 gramas de produto de “corte” (usado para maximizar as doses de estupefaciente a vender”), balança de precisão, diversos sacos de plástico pequenos e herméticos (para venda de doses individuais), bem como três sacos contendo moedas, com o valor de € 782,00 (setecentos e oitenta e dois euros) e € 50,00 (cinquenta euros) em notas do BCE.


Perante esta realidade e considerando que:


(i) a quantidade dos produtos estupefacientes detidos e apreendidos, se mostrava ainda passível de aumento mediante adição e mistura do produto de “corte” e/ou do respetivo preço, consoante a intensidade e modo de comercialização pretendidas;


(ii) mesmo sem esse incremento, correspondia já a 1.862 doses individuais, sendo 1568 de cocaína e de heroína e as restantes 294 de cannabis;


(iii) o arguido não trabalhava (facto provado sob o ponto 11);


(iv) não ficou assente que fosse consumidor de estupefacientes (nem o próprio nem a decisão recorrida fazem qualquer alusão a essa possibilidade, também insuscetível de presunção, face às referidas quantidades e seu confronto com as quantidades estabelecidas no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26.03).


Tais circunstâncias, combinadas com as regras da experiência comum ou do normal acontecer e sem beliscar o princípio do in dubio pro reo, transmitem uma imagem global da conduta do arguido insuscetível de consubstanciar a referida e requerida “ilicitude consideravelmente diminuída”, antes a posicionam num grau de ilicitude cabível nos parâmetros normais da atividade ilícita relacionada com o tráfico de estupefacientes estabelecidos no tipo base do artigo 21º, por estar claramente fora da órbita dos pequenos traficantes, designadamente dos chamados “dealers” de rua, antes a aproximando, no mínimo, dos chamados “correios” de droga.


Efetivamente, a detenção daquelas quantidades de produtos estupefacientes, de qualidade e natureza variadas e com níveis diferenciados de preparação para o consumo, de toda a parafernália relacionada com a respetiva preparação, pesagem e embalamento e do dinheiro, a maior parte em moedas, não se destinando certamente à mera exposição, só podem compreender-se como evidência de uma atividade de tráfico, no sentido da respetiva comercialização, por venda direta ou intermediada a consumidores, em vista da obtenção de lucro, atividade que, além da iminência da sua continuidade, claramente já se vinha desenvolvendo com a obtenção dos proventos correspondentes ao dinheiro apreendido.


Atividade e lucro com que, sem margem para qualquer dúvida, o arguido estava comprometido e de que beneficiava, quanto mais não fosse funcionando como “refúgio” de pessoa ou grupo, mais ou menos organizado, a quem proporcionava colaboração importante para o sucesso dessa atividade, quanto ao intento lucrativo, de que confessadamente beneficiava, e à sua preservação e impunidade, como admitiu em julgamento.


Mais, o facto de não trabalhar nessa data, nem desde dezembro de 2021, quando cessou a sua única atividade laboral conhecida ao serviço da “M....”, a humilde condição económica da avó, com quem vivia, e de não ser consumidor de estupefacientes, legitima concluir ainda que essa atividade era fonte, ainda que não exclusiva, dos rendimentos de que dispunha para acorrer à satisfação das suas normais necessidades de alojamento, alimentação e vestuário e outras inerentes à sua condição socioeconómica e da família que integrava, como, de alguma maneira, acabou por admitir ao reconhecer que recebia € 150,00 por semana para guardar aqueles produtos, bens e valores para terceiros.


Por outro lado, não deixa de ser sintomática a proximidade da revelação daquela sua atividade, no dia 14 de março de 2023, menos de seis meses após, em 22 de setembro de 2022, ter sido proferido o acórdão que o condenou pela prática de dois crimes de roubo, praticados em 13 de dezembro de 2021, numa pena única de três anos de prisão, suspensa na respetiva execução, no âmbito do processo n.º 1481/21.4..., do mesmo J....., com a inerente cessação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, que sucedeu à de prisão preventiva a que nele esteve sujeito desde o início de 2022, circunstância que, relevando essencialmente ao nível da culpa, não deixa de se repercutir igualmente no grau de ilicitude, pela persistência e indiferença à normatividade vigente.


Por conseguinte, do quadro factual provado, devidamente contextualizado e interpretado, como se concluiu no acórdão recorrido, suportado na doutrina que cita e naquela profusamente referenciada no parecer do Ministério Público neste Tribunal, não se vê como possa dele extrair-se a indispensável acentuada diminuição da ilicitude da conduta do recorrente, capaz de permitir integrá-la na previsão do artigo 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, a qual só pode, como foi, ser integrada no tipo base ou comum de tráfico previsto no artigo 21º do mesmo diploma legal3.


Assim sendo, mantém-se esse enquadramento jurídico – criminal, com a improcedência do recurso neste segmento.


2. 2. Espécie da pena relativa ao crime de burla – prisão ou multa - [conclusões 8ª e 13ª].


Apesar de uma certa confusão concetual entre a pena principal de multa, alternativa à de prisão, e a multa como pena de substituição da pena de prisão4, o recorrente sustenta que em lugar da pena de 1 ano de prisão que lhe foi aplicada pela prática do crime de burla informática, p, e p. pelo artigo 221º do CP, lhe deve antes ser aplicada uma pena de multa, uma vez que é punido com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa.


E, na verdade, o artigo 70º do CP estabelece como critério de escolha da pena que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, pelo que, se impõe ao juiz, neste como nos demais casos em que a lei pune a prática de um crime com pena privativa e não privativa da liberdade, o poder/dever de ponderar e justificar a não aplicação da pena não privativa da liberdade, que só pode fundar-se na sua inadequação e insuficiência para a realização das finalidades da punição definidas no artigo 40º, sob pena de omissão de pronúncia e consequente nulidade da decisão condenatória, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 97º, n.º 5, 374º, n.º 2, 375º, n.º 1, e 379º, n.º 1, als. a) e c), todos do CPP e do artigo 205º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP)5.


Todavia, como igualmente referem os autores supra e infracitados, em rodapé, e a generalidade da doutrina, a preferência pelas penas não privativas da liberdade, quando previstas em alternativa à de prisão ou em sua substituição, constituindo uma inegável aquisição civilizacional e clara opção de política criminal do nosso ordenamento jurídico, em vista dos reconhecidos malefícios das penas curtas de prisão, pela estigmatização, dessocialização dos condenados e prejuízo para a finalidade ressocializadora de toda a punição, nomeadamente pelo efeito criminógeno que a prisão sempre acarreta, não se confunde com a sua obrigatoriedade ou automaticidade aplicativa, podendo ser afastada quando, mas só quando, justificada e fundamentadamente, se conclua pela sua inadequação e insuficiência para a realização daquelas finalidades, no caso concreto em apreciação e no momento da decisão6.


Poder/dever que a decisão recorrida cumpriu, como evidencia o seguinte excerto da respetiva fundamentação, conjugado com as considerações doutrinárias nela desenvolvidas sobre as finalidades e critérios de escolha e determinação da medida das penas, em geral e neste caso, nomeadamente no sentido do afastamento da aplicação do regime penal especial para “jovens adultos”, estabelecido no Decreto – Lei n.º 401/82, de 23.09:


«4. Determinação da medida da pena e outras consequências jurídicas do crime:


Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do Arguido, importa agora determinar o tipo de pena a aplicar (…)


(…)


O crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou com pena de multa (cfr. ainda art.º 41º, n.º 1, do Código Penal).


(…)


Posto isto, e tendo presente que:


- as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso em apreço são elevadíssimas, atenta a frequência, impacto social e alarme social que quer o crime de roubo, quer o crime de tráfico de estupefaciente geram;


- o Arguido atuou com dolo direto e intenso;


- a vantagem económica obtida pelo Arguido e o consequente prejuízo por este causado à Ofendida BB com a prática dos crimes de roubo e burla informática não é elevada;


- as quantidades de estupefaciente detidas pelo Arguido são bastante consideráveis, detendo este, na sua residência, 79,228 gramas de cocaína, 159,394 gramas de heroína e 46,119 gramas de canábis, correspondentes a 1159 doses diárias (considerando o valor médio de referência previsto no mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria 94/96, de 26 de março, tendo em conta a concentração de concreta das substâncias ativas no produto apreendido) de cocaína, 409 doses diárias de heroína e 294 doses individuais de canábis;


- as exigências de prevenção especial são igualmente elevadas, sendo que nem a submissão a julgamento no âmbito do Proc. n.º 1481/21.4..., em que lhe foi aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, demoveram o Arguido da prática de novos ilícitos.


Em favor do Arguido não podemos deixar de registar que beneficia de apoio familiar, o qual não tem sido, no entanto, suficiente para demover o Arguido da prática de ilícitos criminais.


Posto isto, atenta as molduras penais aplicáveis aos ilícitos criminais em apreço e ponderado, então, todo o circunstancialismo descrito, bem como a qualidade do produto estupefaciente em causa, sopesando as agravantes e atenuantes e, globalmente, a sua culpa, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regra de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal justa e adequada (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes) a condenação do Arguido:


(…)


- na pena de 1 (um) ano de prisão pela prática de 1 (um) crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do Código Penal, já que, face ao contexto em que os factos foram praticados, consideramos que uma pena de multa já não se mostra suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso em apreço; e


(…)».


Ou seja, além de ter cumprido o referido poder/dever de fundamentação da opção pela pena de prisão em detrimento da pena alternativa de multa prevista para o crime de burla informática, fê-lo com respeito pelos princípios e critérios normativos antes enunciados e doutrinal e jurisprudencialmente acolhidos, tendo em conta o contexto concreto da sua prática e as razões de prevenção, geral e especial, que no caso se fazem sentir e únicas que relevam neste domínio da escolha da pena.


Adite-se, aliás, que em situações de pratica um crime punível em alternativa com pena de prisão e de multa, na sequência e em desenvolvimento ou aproveitamento de outro ou outros com os quais esteja numa relação de concurso efetivo a que corresponda e deva ser aplicada pena de prisão, como ocorre in casu com o crime de roubo, a doutrina e a jurisprudência do STJ desaconselham a aplicação da pena de multa, o mesmo sucedendo se e quando for manifesta a impossibilidade do seu cumprimento por ausência de rendimentos do condenado, como aqui também se verificava à data do acórdão recorrido e, por maioria de razão, neste momento, em que se encontra recluído.


Em conformidade com este entendimento, relembre-se o que escreveram Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in ob e loc. cit.: “No que se refere à aplicação da pena de multa, algumas decisões afastam-na ao constatarem que a insuficiência de meios económicos do arguido levará à impossibilidade de cumprimento deste tipo de pena, Esta pena, em regra aplicada em dias, tem o propósito de impor ao condenado um sacrifício financeiro, que o reduza à satisfação das necessidades essenciais, aferidas diariamente, pelo que o condenado numa pena de prisão estará dificilmente em condições de angariar meios para pagar a multa, certo que, se ele dispuser já antecipadamente desses meios, será então a pena de multa que não atinge os seus objetivos. Também o STJ tem em consideração o passado criminal do arguido e se preocupa em evitar as penas mistas de prisão e multa como pode ocorrer nos cúmulos em caso de concurso de infrações”.


Tudo, por conseguinte, no sentido de confirmar a decisão recorrida e da improcedência do recurso também nesta parte.


2. 3. Medida das penas, parcelares e única, de prisão aplicadas [conclusões 2ª a 7ª (mínimo legal), 9ª (5 anos), respetivamente, e 13ª].


Como resulta das transcritas conclusões, o recorrente discorda da medida das penas parcelares e única que lhe foram aplicadas, considerando-as excessivas, por ultrapassarem a medida da culpa, e prejudiciais à sua ressocialização, atenta a sua idade e o facto de se encontrar social e familiarmente inserido, e, assim, desrespeitaram as finalidades e os limites decorrentes dos artigos 40º, 71º e 77º do CP, pugnando pela sua diminuição para os respetivos mínimos legais, quanto às penas parcelares, e para os 5 (cinco) anos, quanto à pena única, ou seja:


- pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática, em coautoria material, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do CP, por contraposição à de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado [numa moldura legal ou abstrata de 1 (um) a 8 (oito) anos de prisão];


- pena de 30 (trinta) dias de prisão, pela prática de 1 (um) crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do CP, por contraposição à de 1 (um) ano de prisão em que foi condenado [numa moldura legal ou abstrata de 30 (trinta) dias a 3 (três) anos de prisão]:


- pena de 4 (quatro) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C ao mesmo anexas, por contraposição à de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado [numa moldura legal ou abstrata de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão]; e,


- pena única de 5 (cinco) anos de prisão, por contraposição à de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão em que foi condenado [numa moldura legal ou abstrata de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses a 9 (nove) anos de prisão]7:


Vejamos se lhe assiste razão.


Na esteira de Figueiredo Dias8, escreveu Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54:


«a determinação da pena é susceptível de ser analisada em três perspectivas, correspondentes a outras tantas fases ou operações em que se desdobra a aplicação judicial de uma pena: a determinação da respetiva medida ou moldura legal (também chamada pena abstracta), da sua medida judicial ou individualizada (pena concreta) e da espécie de pena a aplicar (escolha da pena)


Acrescentando relativamente à determinação da pena concreta, que, considerando a improcedência da questão anterior relativa à espécie da pena relativa ao crime de burla informática, é o que aqui e agora está em causa.


«Em síntese e à guisa de conclusão:


A culpa posiciona-se como pressuposto e limite (não fim) da pena, cuja medida (e forma de execução ou cumprimento) há-de ser fixada em função das exigências de prevenção, concebidas como finalidades da punição, e a necessidade da pena (para realizar o fim que visa) assume-se como fundamento da sua legitimidade, a sobrepor-se à concepção retributiva da pena (arts. 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º, n.º 1; v., ainda, embora diretamente relativos à aplicação das penas de substituição e, portanto, à escolha da pena, arts. 45º, n.º 1, 48º, n.º 1, 50º, n.º 1, 58º, n.º 1, 59º, n.º 6, 60º, n.º 2, e 70º).


A quantificação da culpa e bem assim da intensidade ou grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto (…. circunstâncias que … depuserem a favor do agente ou contra ele … - art.71º, n.º 2).


Estas circunstâncias – sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante (… circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime … -art. 71º, n.º 2) – não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstrata da pena, seja através da sua contribuição para a formação do tipo de crime, de que seriam então elementos típicos (….), seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo (…), e até na medida em que já utilizadas para a escolha da pena. O que não significa que algumas delas não possam ser reavaliadas, embora numa perspectiva diferente, sem ofensa do ne bis in idem (p. ex., numa visão global ou conjunta, para efeito de aplicação da pena relativamente indeterminada ou da pena única no concurso – arts. 77º, n.º 1, e 83º, n.º 1;


(…)


Uma vez identificadas, com recurso aos exemplos padrão do art. 71º, n.º 2 (e até do art. 72º, n.º 2, desde que fora da previsão do seu n.º 1), as circunstâncias que relevam para a pena concreta, impõe-se classificá-las enquanto se repercutem nesta através da culpa ou da prevenção – ou mesmo por ambas as vias, já que podem ser ambivalentes (p. ex., a utilização de um instrumento de trabalho – digamos, uma foice – como arma do homicídio, se agrava a ilicitude do facto, é igualmente susceptível de suscitar, nomeadamente se tal uso se mostra frequente, uma determinada postura ou expectativa da comunidade quanto aos termos da reação penal, e ainda de traduzir uma certa atitude ou modo de ser desajustados do agente, havendo então de refletir-se na pena concreta respetivamente através da culpa e da prevenção, geral e especial».


Em suma, a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única ou conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu artigo 77º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente”.


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.


Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.


Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.


Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.».


À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois, como tem sido jurisprudência constante do STJ, “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada9.


No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor:


«4. Determinação da medida da pena e outras consequências jurídicas do crime:


Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do Arguido, importa agora determinar o tipo de pena a aplicar e a fixação da sua medida concreta.


O crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos.


O crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou com pena de multa (cfr. ainda art.º 41º, n.º 1, do Código Penal).


E o crime de tráfico de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.


Quanto à determinação da medida da pena, a mesma rege-se pelos princípios consagrados no art.º 40º do Código Penal, nos termos do qual o objetivo primordial da aplicação de uma pena será a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial positiva). Haverá que ter em conta, sendo caso disso, o disposto no art.º 70º, que determina a preferência por penas não detentivas da liberdade, em relação àquelas detentivas, sempre que as primeiras puderem “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.


De acordo como disposto no art.º 71º, n.º 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, n.º 2, do Código Penal).


Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) quanto aos fins das penas (art.º 40º, n.º 1, do Código Penal), e os fins de prevenção especial.


Isto é, a determinação da pena concreta fixar-se-á em função:


- da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do princípio politico-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art.ºs 1º e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);


- das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;


- e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites – neste sentido v.g. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 213 e ss..


Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do art.º 71º do Código Penal:


- a ilicitude do facto;


- o modo de execução e suas consequências;


- grau de violação dos deveres impostos ao agente;


- o grau de intensidade do dolo;


- as circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, nomeadamente, os fins ou motivos que o determinaram e a sua reiteração no tempo;


- condições pessoais do agente e a sua situação económica;


- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;


- a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


*


Considerando que à data da prática dos factos dos autos o Arguido, nascido em ........2002, tinha menos de 21 anos de idade, cumpre, pois, sopesar, neste momento, a aplicação do regime inserto no DL n.º 401/82, de 23 de setembro, que estabelece o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, que tenham praticado um facto qualificado como crime (art.º 1º, n.ºs 1 e 2, in fine, do referido diploma legal).


Segundo o art.º 4º desse mesmo diploma legal, se for aplicável pena de prisão, o juiz deve atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.


Conforme jurisprudência maioritária, a apreciação desta matéria não é uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder - dever vinculado, que deve ser sempre apreciado oficiosamente (neste sentido v.g., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2007, 7 e 22 de novembro de 2007, Processos n.ºs 3199/07-5, 07P3214 e 07P1600, respetivamente, disponíveis em www.dgsi.pt). Ou seja, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o Tribunal não pode deixar de investigar se se verificam aquelas sérias razões, e se tal suceder não pode deixar de atenuar especialmente a pena.


Tal não corresponde, porém, à obrigatoriedade de aplicação de tal regime, pois embora aquela idade seja pressuposto legal necessário para a obrigatoriedade de apreciação, não vincula na sua aplicação efetiva.


A sua aplicação dependerá, conforme decorre do disposto no art.º 4º, da existência de sérias razões para crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado, pressupondo, assim, uma avaliação, que tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido.


Com efeito, o preâmbulo do DL n.º 401/82, de 23 de setembro (§ 7), fornece algumas indicações quanto aos propósitos do legislador na instituição de um regime penal diferente, expressando o pensamento legislativo segundo o qual “as medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”, e ficando claro, logo à partida, o objetivo de que a ressocialização do menor delinquente é prioritária.


Estabelece-se, depois, outra orientação básica, no sentido de, tanto quanto possível, se aproximar o direito penal dos jovens imputáveis dos princípios e regras do direito reeducador de menores, sendo princípio geral imanente a todo o diploma, o da “flexibilidade na aplicação das medidas de correção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão só uma medida corretiva” (§ 4).


Do exposto resulta, em nosso entender, não ser de aplicar o regime penal especial para jovens, quando do conjunto dos atos praticados pelo arguido e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação de tal regime, por não ser possível realizar um juízo de prognose à sua reinserção social.


O prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, no caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e modo de execução do mesmo e dos seus motivos determinantes, o que facilmente se compreende, pois a idade, por si só, não determina o desencadear dos benefícios do regime do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, até porque tratando-se de uma atenuação especial da pena, a mesma terá de ser concretizada e quantificada em conjugação com os art.ºs 72º e 73º do Código Penal, preceitos que constituem apoio subsidiário do referido regime (neste sentido v.g., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de março de 2009, Processo n.º 09P0164, in www.dgsi.pt).


Como se pode ler no citado aresto “não se pode deixar igualmente de ter em conta que a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador a procurar respostas e reações que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, procurando evitar que uma reação penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a ressocialização do jovem (…)”.


In casu, não só o Arguido não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos praticados - que não assumiu no que respeita ao crime de roubo e de burla informática, e em que assumiu o inegável (detenção do produto de estupefaciente) no que respeita ao crime de tráfico de estupefaciente -, como o seu posterior comportamento (praticando novos crimes após a prática dos crimes de roubo e burla informática objeto dos autos, no âmbito do Proc. n.º 1481/21.4...; e praticando o crime de tráfico de estupefacientes objeto destes autos no período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do Proc. n.º 1481/21.4..., pela prática de crimes de roubo) é elucidativo do reduzido juízo critico do desvalor da sua conduta. Não obstante a oportunidade que lhe foi concedida em tais autos, para dar novo rumo à sua vida, o Arguido não a aproveitou, voltando a praticar novo crime.


Em face do exposto entendemos inexistirem razões para se conseguir alcançar qualquer juízo de prognose favorável à reinserção do Arguido e para se poder proceder à aplicação do regime penal mais favorável, razão pela qual o Arguido não beneficiará do regime penal especial para jovens previsto no DL n.º 401/82, de 23.09.


*


A determinação da medida da pena, in concreto, far-se-á de harmonia com o disposto no já referenciado art.º 71º, n.º 1, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo-se nesta determinação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente as enunciadas no art.º 71º, n.º 2.


Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o art.º 71º, n.º 2, al. a).


A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (art.º 40º, n.º 2), fornecendo a prevenção geral positiva (“proteção de bens jurídicos”) o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada.


Por fim, é dentro desses limites que devem atuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, Ob. Cit., págs. 227 e seguintes; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e seguintes; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1994, in B.M.J. 441º, pág. 145).


Posto isto, e tendo presente que:


- as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso em apreço são elevadíssimas, atenta a frequência, impacto social e alarme social que quer o crime de roubo, quer o crime de tráfico de estupefaciente geram;


- o Arguido atuou com dolo direto e intenso;


- a vantagem económica obtida pelo Arguido e o consequente prejuízo por este causado à Ofendida BB com a prática dos crimes de roubo e burla informática não é elevada;


- as quantidades de estupefaciente detidas pelo Arguido são bastante consideráveis, detendo este, na sua residência, 79,228 gramas de cocaína, 159,394 gramas de heroína e 46,119 gramas de canábis, correspondentes a 1159 doses diárias (considerando o valor médio de referência previsto no mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria 94/96, de 26 de março, tendo em conta a concentração de concreta das substâncias ativas no produto apreendido) de cocaína, 409 doses diárias de heroína e 294 doses individuais de canábis;


- as exigências de prevenção especial são igualmente elevadas, sendo que nem a submissão a julgamento no âmbito do Proc. n.º 1481/21.4..., em que lhe foi aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, demoveram o Arguido da prática de novos ilícitos.


Em favor do Arguido não podemos deixar de registar que beneficia de apoio familiar, o qual não tem sido, no entanto, suficiente para demover o Arguido da prática de ilícitos criminais.


Posto isto, atenta as molduras penais aplicáveis aos ilícitos criminais em apreço e ponderado, então, todo o circunstancialismo descrito, bem como a qualidade do produto estupefaciente em causa, sopesando as agravantes e atenuantes e, globalmente, a sua culpa, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regra de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal justa e adequada (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes) a condenação do Arguido:


- na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do Código Penal;


- na pena de 1 (um) ano de prisão pela prática de 1 (um) crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do Código Penal, já que, face ao contexto em que os factos foram praticados, consideramos que uma pena de multa já não se mostra suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso em apreço; e


- na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexa ao mesmo diploma.


*


Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.


Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas.


Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art.º 77º do Código Penal (cfr., por todos, Acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstrata, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a ação típica, isto é, nos factos.


Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma «carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).


Assim, no caso em apreço, a pena única a aplicar tem como limite máximo uma pena de 9 (nove) anos de prisão (correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes pelos quais o Arguido vai condenado) e como limite mínimo 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.


Ora, considerando as circunstâncias e gravidade dos factos praticados, a personalidade violenta do Arguido espelhada no crime de roubo, e sem esquecer a culpa e as elevadas necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, entende o Tribunal como ajustada a aplicação ao Arguido da pena única de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do Código Penal, de 1 (um) crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221º, n.º 1, do Código Penal, e de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexa ao mesmo diploma.


(…)».


A fundamentação do acórdão recorrido quanto à medida da(s) pena(s) parcelar(es) e única fixadas e aqui em apreço mostra-se criteriosa e respeitadora das operações a realizar e das finalidades e critérios legalmente definidos para a determinação do seu quantum.


Referenciou a admissão parcial dos factos pelo arguido em audiência de julgamento, mas sem lhe atribuir relevo atenuativo, e bem, porque se circunscreveu à detenção do produto estupefaciente e de “corte” e demais objetos e dinheiro relacionados, que detinha e lhe foram apreendidos no momento das buscas ao seu quarto, ou seja, quando foi surpreendido em flagrante delito.


Por outro lado, essa admissão parcial não se mostra acompanhada por qualquer sinal de arrependimento e interiorização do desvalor das suas condutas, designadamente, mediante a reparação dos prejuízos causados ou manifestação dessa intenção no processo ou junto da ofendida dos crimes de roubo e de burla informática por que também foi julgado e condenado, de cuja sorte se alheou completamente, o mesmo se podendo dizer relativamente às consequências da comercialização dos estupefacientes que detinha e daqueles de que provinha o dinheiro apreendido, das quais não podia deixar de estar ciente.


Acresce que o acórdão recorrido considerou na justa medida o seu comportamento anterior e posterior aos factos, nomeadamente a circunstância de após ter praticado os crimes de roubo e de burla informática julgados neste processo, no dia 5 de agosto de 2021, ter voltado a delinquir, praticando dois crimes da mesma natureza, no dia 13 de dezembro de 2021.


E de, apesar de ter sido julgado pela prática destes dois crimes de roubo no processo n.º 1481/21.4..., no âmbito do qual esteve sujeito a medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, e foi condenado a pena única de três anos de prisão, suspensa na respetiva execução, por acórdão de 22 de setembro de 2022, transitado em julgado no dia 23 de outubro de 2022, cometer o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual aqui foi condenado, em 14 de março de 2023, ou seja, menos de seis meses após aquela condenação e durante a suspensão da pena de prisão nela decretada.


Evidenciando, assim, indiferença pela advertência contida nessa condenação e incapacidade de corresponder ao juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena correspondente, adaptando o seu comportamento aos padrões sociais comuns e da normatividade vigente, o que, aliás, justificou que no acórdão recorrido se tivesse decidido, apesar da sua jovem idade, não lhe ser aplicável o regime penal especial para “jovens adultos”, decisão por si não contestada e que este Tribunal também não censura.


Como também resulta da decisão sub judice, aquela deriva delituosa, que iniciou após o seu regresso à casa da avó, na ..., e um curto período de trabalho como ... de entregas ao serviço da “M....”, parece só ter sido suspensa nos períodos de privação da liberdade a que esteve e está sujeito, primeiro no ano de 2022, até ao julgamento de ..., e, depois, desde 14 de março de 2023, quando foi detido no âmbito deste processo, à ordem do qual continua preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ...


É certo que tem suporte familiar e social, mas, como assinalado no acórdão sob escrutínio, ele já existia à data da prática dos factos e não se mostrou suficiente para obstar ao seu cometimento, e que tem evidenciado capacidade de integração no meio prisional e respeito pelas regras aí vigentes, o que, por si só, não assume particular importância quanto à sua regeneração, pois corresponde ao esperado da generalidade das pessoas reclusas, sem prejuízo da sua valoração conjunta com a idade no sentido de nele ainda se vislumbrar uma real possibilidade de reorientação da sua vida de harmonia com a normatividade vigente, quando em liberdade.


Talvez por isso não tenha considerado que a imagem global dos factos por que foi condenado e da sua personalidade neles refletida e projetada, em conjugação com aquela deriva, evidenciasse uma “certa tendência ou carreira delinquente”, apesar de a classificar como violenta em função dos crimes de roubo.


Valoradas foram ainda as suas condições pessoais, condição social humilde, com reduzida escolaridade, sem outra experiência laboral para além do período em que trabalhou como ... e sem rendimentos conhecidos, o suporte familiar de que beneficia, em particular dos avós, com quem tem vivido.


Tudo circunstâncias que, ao contrário do por ele pretendido, apesar da juventude, deixam transparecer uma inequívoca, consciente e intencional vontade na realização dos crimes de roubo, de burla informática e de tráfico de estupefacientes por que foi condenado e, por isso, impõem um acentuado juízo de censura, posicionando a culpa, na modalidade de dolo direto, num patamar semelhante ao comum agente destes tipos de criminalidade.


Essa forte vontade e total desconsideração pelos bens jurídicos violados, a vida, a integridade física, a saúde e a liberdade das pessoas, a propriedade alheia, a integridade dos dados dos sistemas informáticos, revela-se também no modo destemido, vigoroso e engenhoso de atuação, atuando mediante violência contra as pessoas e em comunhão com outro individuo no crime de roubo, fazendo utilização engenhosa do cartão de débito subtraído, no crime de burla informática, e com desprezo pela sorte dos consumidores de droga e pelos demais bens jurídicos compreendidos no da saúde pública, quanto ao crime de tráfico, em todos eles motivado pelo lucro.


Circunstâncias que relevam igualmente ao nível da ilicitude, elevando o respetivo grau, seja pelo alarme social e insegurança comunitária que provocam, seja pela qualificação das condutas refletida nas próprias incriminações e correspondentes molduras penais abstratas, em particular no que aos crimes de roubo e de tráfico respeita .


Por outro lado, afigura-se inquestionável que o tipo de crimes sub judice e o modo da sua realização, até pelos elevados índices da criminalidade contra o património e de tráfico de estupefacientes registados em Portugal e, em especial, nas grandes áreas metropolitanas, provoca grande alarme social e sentimentos generalizados de insegurança comunitária, agravando neste, como em casos semelhantes, as exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança da comunidade no valor e manutenção da normatividade vigente e de reforço da proteção dos bens jurídico afetados pela prática dessas tipologias criminais.


Sendo igualmente indiscutível, por tudo quanto se referiu acerca das condições pessoais e da personalidade do arguido, a intensidade das exigências de prevenção especial, face à persistência da sua atuação, apesar das intermitências decorrentes da privação da liberdade, com indiferença pelos ofendidos e sem interiorização do desvalor das suas condutas, desprezando a solene advertência de uma condenação e desaproveitando a oportunidade de “arrepiar” caminho que nela lhe foi concedida, não se antevendo qualquer hipótese de regeneração, no sentido de poder vir a pautar a sua vida futura de harmonia com os padrões de normatividade vigentes, abstendo-se da prática futura de crimes, daquela ou de qualquer outra natureza, que não seja mediante uma pena de prisão em medida justa e suficiente para, mais uma vez o tentar reorientar para uma vida normativa e socialmente enquadrada, no respeito pelos valores de convivência comunitária e do direito.


A tudo importa aditar que o acórdão recorrido, além da consideração daquelas poucas circunstâncias favoráveis ao recorrente e de valor atenuativo diminuto, como se deixou expresso, não descurou os princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas fixadas, fazendo a avaliação individualizada de cada um dos crimes punidos e conjunta, globalizada, de todos os factos e da sua personalidade neles refletida ou por eles evidenciada, concluindo, apesar de não se poder afirmar a verificação no caso de uma “certa tendência criminosa”, antes apenas uma “pluriocasionalidade”, que o efeito ressocializador visado por qualquer punição e ela pode e deve encerrar, se executada em conformidade com essa finalidade legal, a par das prementes exigências de prevenção geral aqui presentes, só será realizável neste caso mediante a aplicação da pena única ou conjunta de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses, dentro da moldura legal do cúmulo situada entre o mínimo de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses e o máximo de 9 (nove) anos de prisão, correspondente à soma das três penas de prisão aplicadas aos crimes de roubo, burla informática e tráfico de estupefacientes acima referidos, ou seja, 1 (um) ano e 2 (dois) meses apenas acima desse limite mínimo, num excedente material e legal total de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.


Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder afirmar que o acórdão recorrido se mostra bem fundado e que, em face das finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial, que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, já antes mencionados, constitucionalmente consagrados como direitos, liberdades e garantias ou beneficiários do correspondente regime, nos termos dos artigos 17º, 24º e ss., 62º e 64º da CRP10, as referidas penas de prisão, parcelares e única, aplicadas ao arguido, são justas, adequadas e fixadas de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem ultrapassar a medida da sua culpa.


Mostram-se, além disso, mais próximas do limite mínimo do que do limite máximo das correspondentes molduras abstratas ou legais e em sintonia com os habituais parâmetros do STJ para situações equivalentes, como pode ver-se dos acórdãos de 28.01.2021, de 25.05.2023 e de 7.12.2023, proferidos nos processos n.ºs 1484/19.9PBBRG.S1, 2/20.0GABJA.S1 e 217/22.7PVLSB.L1.S1, relatados pelos Conselheiros Margarida Blasco, Helena Moniz e Vasques Osório, respetivamente11.


Termos em que o recurso improcede também quanto a esta questão.


2. 4. Suspensão da execução da pena única de prisão [conclusões 10ª a 12ª e 13ª].


Mantendo-se as penas impostas pelo tribunal coletivo, prejudicada fica a possibilidade de ser suspensa na sua execução a pena única, como decorre do artigo 50º, n.º 1, do CP,


IV. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Negar provimento ao recurso e manter o acórdão recorrido.


c) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC (cfr. artigos 513º do CPPP e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), ressalvado eventual benefício de apoio judiciário.


Lisboa, d. s. c.


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (relator)


Jorge dos Reis Bravo (1º adjunto)


Jorge Gonçalves (2º adjunto)


________________________________________

1. Cfr. artigo 412º do CPP e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, ainda inédito.

Sobre o conhecimento oficioso dos vícios previstos no artigo 412º, n.º 2, do CPP, mantém-se válida a jurisprudência fixada no AFJ, de 19.10.1995, publicado no DR n.º 298/1995, Série I-A, de 1995-12-28.↩︎

2. Na anotação ao Decreto – Lei 15/93, de 22.02, in Comentário das leis penais extravagantes, [coord. de] Paulo Pinto de Albuquerque. José Branco – Lisboa: UCP Editora, 2011 -, vol. 2, pp. 481 e ss.,↩︎

3. No mesmo sentido e com profusa resenha doutrinal e jurisprudencial podem ver-se, na doutrina, Pedro Pato, in ob. e loc. cit., e, na jurisprudência, o acórdão do STJ, de 21.03.2024, proferido no processo 67/21.8JELSB.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, disponível no sítio HTTPS:/não como pena principal/www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

4. É o que resulta do corpo da motivação do recurso, em função da citação em abono da sua tese do acórdão do STJ, de 18.10.2001, proferido no processo n.º 2135/01, da 5ª Secção Criminal, relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota, disponível em Sumários ASTJ, no sítio http://www.juris.stj.pt, que parece debruçar-se sobre as penas de substituição da pena de prisão em geral e não da multa como pena principal alternativa à prisão, e da referência na conclusão 13ª, como normas violadas, aos artigos 42º e 43º do Código Penal (CP).↩︎

5. Neste sentido, pode ver-se Maia Gonçalves na anotação 6 ao artigo 70º, no seu Código Penal Português – Anotado e Comentado, 14ª Edição, Almedina, 2001, aí referenciando, no mesmo sentido, Robalo Cordeiro, in ob. e loc. infra citados.↩︎

6. Neste sentido podem ver-se também, Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, em anotação ao artigo 70º, Código Penal Anotado, II Volume, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2015, e M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, em anotação ao mesmo artigo, Código Penal - Parte geral e especial - Com Notas e Comentários, 2ª Edição, Almedina, 2015, ambos com interessantes e abundantes referências doutrinárias e jurisprudenciais.↩︎

7. Cfr. Cristina Líbano Monteiro, in “A pena «unitária» do concurso de crimes”, RPCC, Ano 16, n.º 1, pp. 151 a 166, em comentário a um acórdão do STJ, no qual se debruça sobre as diferenças concetuais e seus reflexos sobre a determinação da pena concreta no concurso de crimes entre “pena única”, “pena unitária” e “pena conjunta”, concluindo no sentido de que o nosso CP optou pela pena conjunta.↩︎

8. Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

9. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

No mesmo sentido, Souto de Moura, in “A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.J. SOBRE FUNDAMENTAÇÃO E CRITÉRIOS DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA”, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/soutomoura_escolhamedidapena.pdf.↩︎

10. Para maiores desenvolvimentos, podem ver-se as anotações de Gomes Canotilho e Vital Moreira aos artigos citados, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007.↩︎

11. Todos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎