Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | INADMISSIBILIDADE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA INSOLVÊNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
Data do Acordão: | 03/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA. | ||
Sumário : |
O acórdão da Relação confirmatório da decisão da primeira instância que havia decretado a insolvência da recorrente só pode ser alvo de revista nos termos específicos do art.14º do CIRE. Tendo a recorrente reclamado, nos termos do art.643º do CPC, contra o despacho que não admitiu a subida do recurso de revista, mas não tendo alegado nem demonstrado minimamente os pressupostos de admissibilidade da revista, tal reclamação é absolutamente infundada, devendo ser indeferida. | ||
Decisão Texto Integral: |
Processo n.882/23.8T8STS-A.P1-A.S1 (Reclamação – art.643º CPC) Reclamante: AA Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA, inconformada com o despacho do Tribunal da Relação do Porto, de 22.11.2023, que não admitiu a subida do recurso de revista, apresentou Reclamação, com base no art.643º do CPC. A reclamante havia interposto recurso de revista contra o acórdão do TRP, de 26.09.2023, o qual havia confirmado a sentença que declarou a insolvência da requerida agora reclamante. 2. Dado que o acórdão recorrido tinha confirmado a decisão da primeira instância, sem voto de vencido e sem fundamentação diversa, a segunda instância entendeu que a revista não era admissível por a tal obstar a existência de dupla conforme prevista no art.671º, n.3 do CPC. 3. A recorrente-reclamante, nas suas alegações de discordância desse despacho, repetiu, na essência, os argumentos que havia invocado nas alegações de recurso, sobretudo a existência de nulidades, de inconstitucionalidades e de errada apreciação da matéria de facto que sustentou a decisão de direito. 4. Distribuídos os autos no STJ, por decisão da relatora, de 29.01.2024, foi indeferida a reclamação, nos termos do art.643º, n.4 do CPC, mantendo-se o despacho reclamado, embora com fundamentação diferente, dado que o regime aplicável ao presente recurso é o previsto no art.14º do CIRE. 5. A recorrente-reclamante vem, agora, impugnar essa decisão, embora não se perceba, em rigor, qual o fundamento para tal, pois o teor do requerimento apresentado é de difícil compreensão, nomeadamente por confundir decisão singular com acórdão, e por pedir tanto a anulação como a revogação da decisão proferida pela relatora em 29.01.2024. Porém, dado o disposto no art.193º, n.3 do CPC, sempre se pode oficiosamente entender que a pretensão da reclamante seria a de que a decisão singular, de 29.01.2024, fosse apreciada pela Conferência, porque é essa a solução processual prevista no artigo art.643º, n.4 in fine do CPC quando o reclamante pretende impugnar tal tipo de decisão. Transcreve-se o teor da alegação da reclamante: «Não concorda a recorrente com a posição assumida pelo Tribunal a quo quanto ao seu Acórdão, porquanto da prova documental carreada para os autos e os pedidos formulados no processo pelo requerido outra deveria ter sido a posição do tribunal a quo. O douto Acórdão de fls. deve ser revogado. O acórdão assenta num erro de julgamento. O processo é uma enorme confusão e, se não mantivermos o foco não é fácil entender esta história. E, com o devido respeito, o Supremo Tribunal de Justiça confundiu os factos e proferiu um Acórdão injusto e contrário à lei. Os autos contêm documentos comprovativos de todos os passos dados neste processo, passos esses que foram corroborados por toda a condução e instrução do processo. O Supremo Tribunal de Justiça ignorou, ou pelo menos não dá a devida atenção, às peças processuais e, aos documentos, os quais confirmam a história contada pela requerida. E por tudo isto, não há como não revogar o acórdão recorrido. Mas nem o Tribunal da Relação sindicou prova para dar a teoria da recorrente como provada, nem o fez o Supremo Tribunal de Justiça, apesar de chamado especificamente para o fazer. Tendo por base os artigos 20.º e 204.º da Constituição da República, segundo o qual é forçoso sublinhar que não pode ser negada a justiça à recorrente. A referida Decisão Singular é nula, uma vez que foram violados os seus direitos, liberdades e garantias e o exercício do contraditório. O Supremo Tribunal de Justiça não fez qualquer observação ou fundamentação a elementos concretos de prova apresentados pela recorrente. O erro notório da apreciação da prova é alegado porque nenhum dos pontos recebeu apreciação e fundamentação por qualquer das Instâncias: Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça, apesar de qualquer deles ser suficientes para concluir em sentido diverso. Os factos em causa foram dados por provados sem qualquer suporte provatório e até com suporte provatório em sentido oposto, contudo o acórdão recorrido furtou-se por completo ao exercício de “juízo critico substantivo” que seria de esperar da instância. O acórdão alastra-se por número de páginas por, salvo melhor opinião, ter privilegiado a apreciação genérica dos pontos do recurso, a transcrição abundante de jurisprudência e doutrina mas, pouco ou nada apreciou sob o caso em concreto, a recorrente ou os factos dos autos. Não é feita qualquer sindicação específica dos argumentos da recorrente, dos factos dados por provados ou não provados, das provas em si. O Acórdão proporciona à recorrente uma leitura expositiva sobre o abstrato, não uma análise pacificadora para a decisão certa e fundamentada aos atos e factos sob julgamento. A realidade é que a recorrente não vislumbra o concreto contributo do Supremo Tribunal de Justiça para a descoberta da verdade material. A recorrente não descortina, o contributo do Supremo Tribunal de Justiça para a pacificação da decisão judicial. O Supremo Tribunal de Justiça omitiu pronúncia, depositando um acórdão vago, vazio e, despersonalizante. Com o devido respeito, que é muito, o recurso assume laivos de minuta pré-elaborada, de um copy/past dos momentos doutrinários e jurisprudenciais, contudo examinados e escritos por terceiros e por isso distante da recorrente e do julgador, mas mais preocupantemente distante da legítima expectativa daqueles verem aplicada a previsão do artigo 20.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa ao seu processo: “O processo assegura todas as garantias de defesa.” O Acórdão em crise apenas “remete” e “transcreve” e ao optar por tal forma de exercício da justiça está a violar a Constituição da República Portuguesa – inconstitucionalidade que desde já se invoca para os devidos efeitos – Denegação de Justiça à recorrente. O Acórdão em crise procurou refúgio no princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal da Primeira Instância com quem mostra alinhamento, mas fá-lo sem se pronunciar sobre questões que não só deveria oficiosamente apreciar, como omitiu deliberadamente pronúncia aos fundamentos apresentados pela recorrente e ao preferir esta forma de intervir na aplicação da justiça produziu acórdão nulo – nulidade que desde já se invoca para os devidos efeitos. Em última análise, o acórdão em crise distancia a recorrente da aplicação pacificadora da justiça, pois este acórdão não lhe reservou um único paragrafo para apreciar factos, pessoas ou documentos concretos em julgamento. O Supremo Tribunal de Justiça não conheceu do recurso interposto nos pontos assinalados e ao omitir pronúncia nos termos do art.º 195.º do CPC, tem de ser tido por nulo, bem como inconstitucional por violação dos artigos 20.º e 204.º da CRP. Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se que seja declarada a nulidade do Acórdão datado de 29 de Janeiro de 2024, depositado eletronicamente em 29 de Janeiro de 2024, sob a referência 12153027, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, bem como por forma da inconstitucionalidade supra suscitada, determinando-se a sua substituição por um outro que venha a conhecer das questões suscitadas pela recorrente. Pede deferimento.» Cabe apreciar em Conferência. * II. FUNDAMENTOS 1. O acórdão recorrido, que confirmou a decisão da primeira instância, foi proferido em processo de insolvência. Por isso, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça obedece ao regime específico previsto no artigo 14º do CIRE. Dispõe o art.14º do CIRE: «No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.» Decorre desta norma que, em regra, os tribunais da Relação são a última instância em matéria insolvencial, dada a natureza urgente do processo (art.9º do CIRE). Consequentemente, como tem sido entendido pela jurisprudência do STJ, o recurso de revista só é admissível a titulo excecional, tendo em vista a orientação da jurisprudência face à constatação de aplicações divergentes do mesmo quadro normativo a factualidades equiparáveis. 2. Como se entendeu na decisão proferida em 29.01.2024, no caso concreto é manifesto que não se encontram preenchidos os pressupostos do art.14º do CIRE, pois a recorrente reclamante não alegou minimamente em que medida o acórdão recorrido teria divergido, na aplicação do regime do CIRE, face a um acórdão fundamento que tivesse decidido a mesma questão de direito em sentido divergente. Não invocou qualquer questão normativa que tivesse sido decidida de modo divergente pelo acórdão recorrido e por qualquer outro acórdão com o qual estivesse em oposição. Aliás, não indicou nem juntou qualquer acórdão fundamento. A recorrente-reclamante limitou-se a invocar nulidades e inconstitucionalidades, sem indicar minimamente em que medida o despacho da Relação que foi alvo da reclamação devia ter feito diferente aplicação da lei processual. E o mesmo se diga quanto à impugnação da decisão singular proferida, no STJ, em 29.01.2024. 3. A alegação da reclamante resume-se a um conjunto de afirmações vagas e confusas, destituídas de qualquer fundamento técnico, não se percebendo, sequer, se está a referir-se ao acórdão recorrido ou à decisão singular reclamada. A invocação de nulidades e de inconstitucionalidades não é suficiente para justificar a admissibilidade de um recurso. As questões colocam-se, precisamente, ao contrário, ou seja, apenas se o recurso for admissível (por se verificarem os pressupostos previstos no art.14º do CIRE) poderá o STJ conhecer desse tipo de questões. Em rigor, a alegação apresentada pela reclamante não procura demonstrar minimamente em que medida a decisão reclamada não teria feito a correta aplicação da lei processual ao confirmar (ainda que com fundamento diferente) o despacho da segunda instância que não admitiu a subida do recurso de revista. Não existe, assim, qualquer fundamento para alterar a decisão reclamada. Assim, falhando a demonstração dos pressupostos de recorribilidade exigidos pelo art.14º do CIRE, tem de se concluir que a decisão reclamada decidiu no sentido correto ao considerar o recurso de revista não admissível (confirmando o sentido da decisão da segunda instância). * DECISÃO: Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação, mantendo-se a decisão reclamada. Custas pela reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Lisboa, 19.03.2024 Maria Olinda Garcia (Relatora) Ricardo Costa Amélia Alves Ribeiro |