Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
637/20.1PBFAR-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA
NOVAS PROVAS
Data do Acordão: 04/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I- Em recurso de revisão e para correcta hermenêutica do disposto no artº449.º, n.º 1, al. d), do CPP, deve entender-se, sobre o conceito de “factos e/ou provas novos”, que:

a)-Se trate de facto ou prova novos, que não existiam nem constavam do processo à data da prolação da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento ou eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal ou que:

b) Sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.

c)-O facto ou o meio de prova não constar do processo, não sendo pois acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, caso contrário não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP.

d)- Por fim, que a gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponte, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição.

II- Em recurso de revisão de sentença com fundamento em prova nova (nova testemunha) supervenientemente conhecida, não ouvida em julgamento, apresentada como elemento recursivo central da posição do recorrente, não pode ser considerada fundamento suficiente para a revisão pretendida se o respectivo depoimento revelar inconsistências graves que afectem a sua credibilidade e por ele não se conseguir abalar seriamente a versão dada como provada , depoimento esse sem consistência suficiente para abalar quer a convicção originária formada quer para criar dúvidas sérias e graves sobre a justiça da condenação, nomeadamente quanto ao entendimento do tribunal recorrido.

Decisão Texto Integral:




Acordam em Conferência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I-RELATÓRIO


1.1 AA, arguido já identificado nos autos à margem referenciados, não se conformando como Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 28.02.23, transitado em julgado em 14.04.2023, que incidiu sobre o recurso por si apresentado do Acórdão de 3.6.2022, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., vem agora interpor o presente recurso extraordinário de revisão para o Supremo Tribunal da Justiça, nomeadamente por considerar existirem factos novos susceptíveis de alterarem e reverem os acórdãos recorridos.


Na verdade, por Acórdão de 03.06.2022, proferida no PCC 637/20.1PBFAR, do Juízo Central Criminal de ..., Juiz ..., Tribunal Judicial ..., o arguido, ora recorrente foi condenado, com trânsito em julgado em 14.04.2023:


-Pela prática, em autoria material, entre as 00h00 e as 00h30 do dia 16.06.2020, de um crime de “roubo”, p. e p. na disposição do artº 210º nº1 do Código Penal, além do mais, na pena de 03 anos e 06 meses de prisão.


O Tribunal da Relação, em recurso, confirmou integralmente aquela decisão.


1.2- O arguido AA fundamenta o presente recurso de revisão invocando o seguinte:

[“(…)

4º - O fundamento da revisão previsto na al. d) do art. 449º do CPP tem por base novos factos e meios de prova, que invalidem e modifiquem a decisão condenatória.

5º - Os factos e meios de prova apresentados no presente recurso, são novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação do ora Recorrente, pois os mesmos eram desconhecidos e ignorados pelo Recorrente no momento em que o julgamento teve lugar.

6º - Sendo que a nova testemunha BB, presenciou os factos de que vem errónea, injusta e indevidamente o Recorrente condenado, sendo que esta nova testemunha acompanhava com o individuo de alcunha “CC”, na noite de dia 15 de junho de 2020, desde o início da noite até à 01h00 e tal da madrugada de dia 16 de junho de 2020, tendo presenciado os factos na íntegra até ao momento da fuga da testemunha/ofendido DD.

7º Esta nova testemunha também relatou que tanto o CC como a testemunha EE, praticavam os crimes em conjunto, tendo o modus operandi de ela levar os homens para locais isolados, para práticas sexuais e posteriormente aparecia o seu cúmplice de alcunha “CC”, e este roubava os homens – só que agora haviam sido apanhados e condenados por estes crimes.

8º - Sendo que a Testemunha EE, foi a única testemunha em que se baseou a convicção do Tribunal para condenar (errónea e infundadamente) o Recorrente, sendo que a Testemunha FF, declarou que identificou o ora Recorrente, por indicação da Testemunha EE, que acusou o Recorrente como sendo o autor do crime, por pura malícia e estratagema, por precisar de um bode expiatório, tendo EE plena consciência de quem era o verdadeiro autor do crime em causa, e que não se tratava do ora Recorrente, pessoa que ela acusou indevidamente por precisar de um bode expiatório.

9º - Este Individuo de alcunha “CC”, é que é o autor do crime em causa nos presentes autos, tendo o Recorrente, prestado declarações em julgamento, e negado os factos, tendo referido que ele não cometeu os alegados factos, e que estava sendo acusado injustamente, tendo o tribunal a quo, desvalorizado e não dado qualquer credibilidade às declarações do Recorrente.

10º - Acresce que, esta nova testemunha BB, alega ter conhecimento dos factos em causa nos presentes autos, e conforme já supra exposto, do seu depoimento haverá de resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

11º - Sendo de referir que estes novos factos e meio de prova, eram desconhecidos do Recorrente, que somente no mês de novembro de 2023, por mero acaso, enquanto se encontrava de trânsito para uma diligência na Comarca de Faro, tomou conhecimento destes novos factos relativamente ao presente processo, e dos autores (“CC” e EE) do crime de que veio errónea e injustamente condenado.

12º - Pelo que a Testemunha indicada, BB, que tem conhecimento dos factos (e desconhecendo o Recorrente aquando do seu julgamento da existência desta testemunha, razão pela qual não a apresentou), constituindo esta nova testemunha BB, o único meio de poder suscitar e demonstrar a injustiça da sua condenação, requerendo a sua inquirição, por forma a que esta se pronuncie sobre os factos que lhe foram imputados na acusação.

13º - E tais factos e meios de prova, conforme exposto no presente recurso, suscitam graves dúvidas, que põem em causa, de forma séria, a condenação do ora Recorrente.

14º - Tais dúvidas incidem sobre a condenação, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido, ora Recorrente dever ter sido absolvido.

15º - O depoimento desta nova testemunha BB, tem tal densidade que, confrontada com as provas que sustentaram a condenação, este depoimento irá sobrepor-se tão manifestamente, que num juízo de prognose sobre a valoração, de umas e das outras, em novo julgamento, nos termos do art. 460º CPP, se irá perspetivar, como praticamente certa a absolvição do condenado.

16º-E por intermédio desta testemunha, requer-se ainda o levantamento da pesquisa por nome, processos pendentes e registo de EE e “CC”.

17º - No nosso entendimento, a testemunha ora indicada, permitirá compreender as circunstâncias em que os atos imputados indevida e erroneamente ao ora recorrente sucederam; e quem realmente é o autor do crime em causa nos presentes autos.

18º - Nomeadamente, compreender se os factos imputados sucederam na forma em que o Tribunal a quo os julgou provados, e desta forma, promover a reavaliação da “justeza” da condenação do Arguido ora recorrente;

19º - Devendo ser determinada a realização de nova audiência, para produção de nova prova, aqui é oferecida pelo Recorrente, O que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

20º - Os motivos elencados pelo recorrente nos termos descritos no presente recurso, são fundamento de revisão extraordinária do acórdão, nos termos da al. d), n.º 1 do art.449.º do C.P.P., assenta no facto novo probando referente à matéria de facto fixada no acórdão condenatório, modificando-o ou invalidando-o, de tal forma que fique seriamente em dúvida a justiça da condenação.

21º - No caso concreto, invoca o Recorrente expressamente, como ponto central dos novos factos e meios de prova, a descoberta recente (em Novembro de 2023) de nova testemunha, da qual desconhecia a existência aquando do seu julgamento, sendo a audição desta nova Testemunha BB, que presenciou os factos do presente processo nº 637/20.1PBFAR, que levanta sérias e graves dúvidas, quanto a (in)justiça da condenação do ora Recorrente.

22º - E assim, revogado o acórdão por violação do princípio do in dubio pro reo, que constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao Recorrente, quando não tiver certeza sobre os factos.

23º - Estes novos factos relatado por esta nova testemunha BB, é apto e idóneo a colocar em causa a justiça da sua condenação, por ter conhecimento directo sobre os factos dos autos, e desta forma constituiu um contributo inquestionável para a descoberta da verdade material, sendo que à data da realização de audiência de discussão e julgamento desconhecia a identidade desta testemunha BB, havendo razão e fundamento, estando preenchidos os requisitos do disposto no art.449º do CPP, para poder ser aceite a sua pretensão.

24º - Perante o exposto e aos novos factos e meio de prova elencados, requer-se como meios de prova: a) Verificação da informação sobre inquéritos, processos pendentes e condenatórios dos registos no nome de EE, e do seu companheira à data dos factos e cúmplice de alcunha “CC” (sendo que segundo a nova Testemunha BB, estes terão processos em conjunto e nos quais foram condenados) e respectivos detalhes ;

b) A audição da nova testemunha BB, actualmente detido no E.P. de Coimbra, Rua ...- Recluso nº .77.

V- PEDIDO:

Nestes termos e, nos demais de Direito, sobretudo nos que serão objecto do douto suprimento de V. Exas., deve, o Acórdão recorrido, ser REVOGADO, por estar bem demonstrado, que existem sérias e graves dúvidas, que põem em causa, de forma séria, a condenação do ora Recorrente, e assim deve ser REPETIDO o julgamento, a nível de produção de prova, por existir novos factos e meios de prova, que levantam dúvidas sobre a condenação do Recorrente, e por violação do principio do in dúbio pro reo.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA !!!

PROVA TESTEMUNHAL:

a) BB, actualmente detido no E.P. ..., Rua ... - Recluso nº .77;

PROVA DOCUMENTAL:

a) pesquisa da informação de registo criminal e de processos pendentes de EE;

b) descoberta do nome completo e identidade do individuo de alcunha “CC”, que é cúmplice em diversos processos com a EE;

c) pesquisa da informação de registo criminal e de processos pendentes do indivíduo de alcunha “CC”.

(…)”]

1.3 - Na 1ªinstância foi prestada a seguinte informação nos termos do art.º 454.º do Código de Processo Penal:

[ “AA, arguido nos autos, veio, invocando a alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido nos autos em 03.06.2022, transitado em julgado em 14.04.2023, com os fundamentos que assim se sintetizam:

- Aquando da sua submissão a julgamento no âmbito dos presentes autos, não foi ouvido, na qualidade de testemunha, BB, não tendo sido por si indicado por desconhecer, até ao transato mês de novembro de 2023, que este teria presenciado os factos por cujo cometimento vem errónea, injusta e indevidamente condenado;

- Com efeito, só agora tomou conhecimento de que BB acompanhava com o indivíduo de alcunha “CC” na noite de dia 15 de junho de 2020, desde o início da noite até à 01h00 e tal da madrugada de dia 16 de junho de 2020, tendo presenciado os factos na íntegra até ao momento da fuga da testemunha/ofendido DD;

- E, conforme este lhe relatou em novembro último, o dito “CC” e a testemunha EE praticavam os crimes em conjunto, tendo o modus operandi de ela levar os homens para locais isolados, para práticas sexuais e posteriormente aparecia o seu cúmplice de alcunha “CC”, e este roubava os homens – só que agora haviam sido apanhados e condenados por estes crimes;

- Sucede que foi no depoimento da dita EE que se baseou a convicção do Tribunal quanto à autoria dos factos integradores do objeto do processo e foi com base nele que o condenou, já que o ofendido/testemunha FF declarou que identificou o ora recorrente por indicação da Testemunha EE;

- Só por pura malícia e estratagema, por precisar de um bode expiatório, EE o identificou como sendo o autor dos factos, com plena consciência de quem era o verdadeiro autor do crime em causa, a saber, o indivíduo de alcunha “CC”, seu namorado;

- Do depoimento da testemunha BB, com conhecimento direto dos factos submetidos a julgamento, resultarão graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

- Pelo que deverá ser dado provimento ao presente recurso de revisão e determinada a realização de nova audiência, para produção de nova prova, sendo muito provável que dela resulte a absolvição dele, ora recorrente.

x

Foi inquirida a testemunha oferecida, BB, tendo sido indeferidas, com os fundamentos vertidos do despacho datado de 12.12.2023 (referência .......52), as demais diligências requeridas.

x

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso (referência 12187952, de 18.02.2024), na qual pugna pela improcedência do mesmo, assim concluindo:

- Para efeitos de revisão de uma condenação em virtude de novas provas, tais provas têm de gerar dúvidas suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado;

- No caso vertente, a testemunha ora indicada pelo recorrente produziu um depoimento perpassado de incongruências, inverosímil, e que retira credibilidade à testemunha, sendo manifestamente insuficiente para pôr em crise de forma relevante a justiça da condenação do arguido.

x

Cumpre prestar informação sobre o mérito do pedido, nos termos do art. 454.º do Código de Processo Penal.

Apreciando.

(…)

Feitas estas considerações, revertamos ao caso concreto.

Para o que ora releva, são os seguintes os factos julgados provados no Acórdão condenatório (proferido na 1.ª instância e confirmado em sede de recurso ordinário):

(segue transcrição do que consta da sentença)

“(…)

Em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, foi consignado no acórdão condenatório:

“O decidido em 1 a 6 dos factos provados e em 1 a 3 dos factos não provados funda-se, no que respeita ao desenrolar dos factos, no relato conjugado das testemunhas FF e EE, sendo que nessa parte o arguido não pôs em causa tais relatos.

Com efeito, o arguido não põe em causa que FF tenha sido vítima dos factos por si relatados, mas tão só que seja o autor desses factos, referindo-se vítima de vingança por parte de EE, cujo relato referente à autoria dos factos reputa de falso.

Não obstante, afigura-se mais credível a versão da testemunha EE, em detrimento da versão do arguido, que se não considera credível por forma a pôr em causa o depoimento da testemunha.

Assim, EE refere que se encontrava com FF, a quem conhece, visando manter relações sexuais com aquele, a troco de dinheiro, o que foi confirmado pelo mesmo, referindo ele que a nota de € 20 visava o pagamento desse ato, quando surge o arguido, com quem já tinha mantido relações sexuais uma ocasião e conhecia ainda de outras situações, não tendo dúvidas de que se tratava do mesmo.

FF refere que não conhecia o autor dos factos, mas que o mesmo não trazia máscara e era conhecido da rapariga com quem se encontrava, o que foi logo referido pela mesma.

O arguido reconhece que já era conhecido de EE, referindo, no entanto, que era apenas há 2 a 3 semanas e a apresentou, bem como ao seu então namorado, de nome CC, a um indivíduo vendedor de estupefacientes e que quando este lhes foi efetuar uma entrega de estupefacientes no local descrito na acusação, o CC lhe furtou objetos do carro. Por esse motivo, juntamente com o dito indivíduo procuraram o CC, tendo o dito indivíduo dado prazo ao mesmo até ao final do mês para devolver os objetos ou os pagar. Mais referiu que o CC, não obstante ser consumidor de estupefacientes, tem uma compleição física semelhante à sua, aproximadamente a sua altura, sendo também ruivo, tal como o declarante.

Embora não o tenha afirmado expressamente, o arguido parece, com a versão que apresentou, querer indicar que tenha sido o dito indivíduo de nome CC, mas em tudo semelhante a si a nível físico, a praticar os factos, dando como motivo para que o mesmo o fizesse, necessitar de dinheiro para pagar ao dito indivíduo vendedor de estupefacientes pelos objetos que lhe furtara.

Sucede que não só é pouco credível que o dito indivíduo fosse furtar o seu fornecedor de estupefacientes quando o mesmo se deslocara até junto de si e da sua namorada a efetuar uma entrega de estupefacientes, como não deixa de se estranhar que o mesmo tivesse uma aparência física em tudo semelhante à do arguido (altura, compleição física e tom arruivado do cabelo), como não se compreende qual o motivo pelo qual a testemunha EE necessitaria de incriminar o arguido da prática de um crime grave que havia sido praticado pelo seu namorado, quando não tinha qualquer quezília com o arguido e o ofendido não conhecia o autor dos factos, que se pôs em fuga. Se o objetivo da EE, mancomunada com o seu namorado CC, era roubar o ofendido para conseguirem pagar ao fornecedor de estupefacientes, bastaria à mesma dizer que não conhecia o indivíduo autor dos factos, também ele desconhecido do ofendido e que face à sua fuga previsivelmente não seria identificado, nenhuma razão existindo para que a mesma atribuísse (e atribua) a autoria ao arguido.

A versão apresentada pelo arguido, que não merece credibilidade pelo referido, não tem, assim, a virtualidade de contrariar a versão apresentada pela testemunha.

(…)

Assim sendo, conferindo credibilidade à versão da testemunha EE, conclui-se pela autoria dos factos por parte do arguido.

No que respeita à data dos factos, foi valorado o teor do auto de notícia de fls. 26 a 27, já que as testemunhas já não tinham ideia precisa quanto ao dia e mês, mas apenas quanto ao ano, mas referindo ter a polícia comparecido no local após a sua prática. Por seu lado, quanto à hora dos factos, embora o ofendido refira cerca das 22h00 e a testemunha EE refira por volta das 23h00, verifica-se que o telemóvel retirado ao ofendido e após deixado no local foi apreendido pela 1h05m (fls. 28). Ora, sabendo-se que o decurso do tempo tem efeitos sobre a memória, em particular no que respeita a factos conexionados com números, como datas e horas, mas recordando o ofendido que a polícia levou cerca de meia hora a chegar ao local, sabendo-se que à 1h05 estava já a ser efetuada a apreensão do telemóvel, é seguro concluir que os factos terão ocorrido num período temporal que terá mediado entre uma hora a meia hora antes.

(…)

Da conjugação da factualidade descrita em 1 a 8 dos factos provados com as regras da experiência comum, conclui-se pela demonstração dos factos descritos em 9 a 10 dos factos provados. (…)”.

Já no âmbito do presente recurso, a testemunha aqui indicada pelo arguido, BB, declarou conhecer a testemunha EE, já ter consumido estupefacientes no interior da residência dela, e que esta lhe bateu numa ocasião, tendo acusado outra pessoa de o ter feito. Aditou que, na qualidade de recluso em trânsito, conheceu o aqui arguido – que se encontrava na mesma situação – e ouviu falar no “CC”, seu conhecido de ... e pessoa que, no seu dizer, terá parecenças físicas com AA (tendo, ambos, cabelo e barba ruiva). Reportou, ainda, que no dia 16 de junho de 2020, pelas 00:30 horas ou 1:00 horas, o “CC” encontrou-se consigo na ... e perguntou-lhe se queria ir consigo à ... adquirir estupefaciente, ao que anuiu; que acompanhou, então, o “CC” à ..., onde compraram heroína e cocaína na rua, após o que este lhe disse que iria passar em casa da namorada (EE), a qual residia naquela zona, para ir buscar pratas e um cachimbo; que, nessa sequência, chegados junto da residência da dita EE, o “CC” – pessoa que, segundo explicou a testemunha, claudica – saltou a vedação, com cerca de 2 metros de altura, e entrou para o quintal da habitação de EE, altura em que ela, testemunha, pensando que o seu acompanhante já devia ter intenção “de fazer alguma coisa”, se escondeu junto a umas árvores, a fim de observar; que, subsequentemente, ouviu barulho e, passados cerca de 3 minutos, viu o “CC” a fugir, saindo pelo portão de acesso entre a via pública e o logradouro do imóvel, perseguido por um senhor baixo e forte que gritava: “- Anda cá, seu ladrão, anda cá, seu ladrão! Não fujas, ladrão!”; que apenas voltou a ver o “CC” passados dois dias, quando o mesmo se encontrava com amigos, tendo-o ouvido dizer que “tinha furtado um tirante” e que o mesmo rendera “um bom dinheiro”; que, posteriormente, quando conheceu AA, ouviu o mesmo mencionar que estava preso por causa de um “tirante”, tendo associado tal afirmação ao episódio que presenciara. Mais asseverou que na noite dos factos não viu EE nem AA (sendo que, então, não conhecia este, conforme reafirmou), nem observou qualquer outra pessoa nas imediações da casa da primeira. Por fim, esclareceu recordar-se da concreta data de ocorrência dos factos porque, no seu dizer, se tratou de uma situação grave e a data “ficou na sua cabeça”.

Ora, tratando-se o depoimento desta testemunha de um meio de prova, efetivamente, novo, somos a entender que o por ela relatado não se afigura verosímil.

Com efeito, não se nos afigura credível que o aludido “CC” (namorado de EE à data, de acordo com a testemunha) entrasse na casa desta saltando, para o efeito, uma vedação com cerca de 2 metros de altura, quando podia, pura e simplesmente, ter entrado através do portão de acesso entre a via pública e o logradouro [note-se que, no dizer de BB, o “CC” teria saído, estando em fuga e sendo perseguido por outra pessoa, por esse mesmo portão, pelo que o mesmo se encontraria, seguramente, aberto ou apenas fechado no trinco]; igualmente se não compreende o motivo pelo qual BB se teria escondido atrás de umas árvores e ficado a observar os acontecimentos, na medida em que, segundo resulta do seu próprio relato, deslocara-se às imediações da casa de EE apenas e tão-só para que o “CC” pudesse ir recolher pratas e um cachimbo para consumirem, juntos, o estupefaciente que haviam adquirido momentos antes; inverosímil é, também, que o “CC” – ainda que estivesse conluiado com EE para roubarem o ofendido no interior da residência dela, conforme sustenta o recorrente –, tivesse levado consigo um terceiro – BB –, tornando-o, desse modo, testemunha ocular dos factos criminosos que pretendia praticar; mais inverosímil se patenteia que, volvidos cerca de 3 anos e meio, a testemunha lograsse recordar a concreta data e hora da ocorrência dos factos, fazendo-as coincidir, no seu relato, precisamente com as consignadas como provadas no acórdão condenatório [sendo que, conforme flui da fundamentação constante do acórdão, acima transcrita, nenhum dos intervenientes processuais logrou fazê-lo, tendo-se revelado necessário recorrer à prova documental, analisada à luz das regras da experiência, para esse efeito]; por fim, dir-se-á ser muito pouco credível que um indivíduo que claudica houvesse logrado (não só saltado uma vedação com 2 metros de altura como) correr e escapar-se à perseguição do ofendido, como inverosímil é que, caso o agente do crime houvesse sido uma pessoa com tal deficiência na marcha, GG se não houvesse disso apercebido e não o tivesse reportado ao Tribunal no depoimento que prestou em sede de audiência de julgamento, quando questionado sobre a identidade da pessoa que o roubara. A tudo isto acresce a consideração já efetuada no acórdão de que, para ver excluída a responsabilidade do namorado “CC”, EE não carecia de identificar o arguido como sendo o autor dos factos, bastando ter sempre dito que não conhecia a pessoa que se introduziu na sua residência e se apoderou dos objetos e quantia monetária pertença de GG.

São, todos, fatores que nos fazem acreditar que o relato da testemunha ora indicada pelo arguido/recorrente não espelha qualquer realidade por ela apreendida através dos seus sentidos, não merecendo, por isso, um juízo positivo acerca da respetiva credibilidade.

Donde, somos a entender que tal elemento de prova não se mostra suscetível de suscitar graves dúvidas – sendo estas as que se revelam suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado, conforme definidas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.11.2019, proferido no processo n.º 39/09.5TBTVR-C.S1, disponível em www.dgsi.pt – sobre a justiça da condenação.

Nesta conformidade, atentas as razões aduzidas, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, e na certeza de que os Senhores Juízes Conselheiros melhor decidirão, que o presente recurso de revisão não merece provimento.

(…)”]

1.4 - Ainda na 1ª instância o MPº respondeu ao recurso, dizendo em suma:

“1. Para efeitos de revisão de uma condenação em virtude de novas provas, tais provas têm de gerar dúvidas suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado.

2. No caso vertente, a testemunha ora indicada pelo recorrente produziu um depoimento perpassado de incongruências, inverosímil, e que retira credibilidade à testemunha, sendo manifestamente insuficiente para pôr em crise de forma relevante a justiça da condenação do arguido.”

1.5 - Admitido o recurso e remetido a este Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer no sentido de não merecer provimento.


Nomeadamente, ao que agora mais releva, disse em síntese:

[“ (…) É de indeferir em recurso de revisão a produção de prova documental que se refira à comprovação de factos irrelevantes para a boa decisão da causa;

Prestado um novo depoimento que, por si e pela conjugação com os dados de facto e sua fundamentação vertidos, com solidez crítico-dialéctica, na decisão revidenda, se mostra manifestamente incoerente, irrazoável e contra as regras da lógica e da experiência comum, deve, pela sua via, ser denegado o juízo rescindente da condenação proferida.”]

1.6 - Por sua vez, o recorrente veio responder, com maior detalhe, a este parecer, mantendo a posição assumida e reiterando que a testemunha BB viu tudo, sabe que o arguido não estava no local dos factos e que não tem interesse pessoal nenhum em mentir.


Nomeadamente (segue-se transcrição):

(…) a Testemunha BB, acompanhava o individuo de nome/alcunha CC naquela noite de 15.06.2020 até cerca da 00h30 da madrugada de 16.06.2020.

8º -A Testemunha BB, era sim pessoa conhecida do verdadeiro autor do crime, o individuo de nome/alcunha CC, por consumirem produto estupefaciente juntos, com frequência, desde Fevereiro/Março de 2020, altura que a Testemunha BB, veio para a cidade de ....

9º - A nova testemunha BB relatou de forma coerente e concisa, que estava num grupo de indivíduos na ..., e que o “CC” foi ter consigo para irem à ... comprar produto estupefaciente (cocaína), e que após comprarem o produto, o “CC”, disse que ia passar na casa da namorada de nome EE, para ir buscar pratas e o cachimbo para fumarem o produto estupefaciente, seria perto das 00h00, de dia 15.06.2020 para 16.06.2020.

10º - Ao local onde se deu o crime, a Testemunha BB já conhecia, pois já lá tinha estado nessa casa/quintal com o “CC” e a EE, para consumirem produto estupefaciente juntos.

11º - A Testemunha BB também relatou que sabia que a EE, “dava o corpo para o consumo”.

12º - A testemunha BB, quando inquirido pelo MP, declarou de forma imparcial, concisa, coerente e espontânea nas respostas, tendo relatado que “o CC foi ter comigo para ir comprar cocaína, à horta da areia, e que depois disse que ia passar na casa da namorada para ir buscar pratas e o cachimbo, que quando chegaram à casa da namorada do “CC”, de nome EE, o “CC”, desconhecendo a razão, em vez de entrar pelo portão/porta, saltou a rede para entrar na casa da namorada, e que a Testemunha esperou do lado de fora da rede, após uns momentos, começou a ouvir gritos e agressões, e foi-se esconder atrás de uma árvore que lá havia”.

13º -A testemunha BB, escondido atrás da árvore, viu a EE(que foi a Testemunha dos presentes autos que identificou o arguido Ruben Corado, como sendo o autor do crime), a abrir o portão, e entretanto sai a correr o “CC”, e atrás do “CC”, vinha um individuo baixo e gordo semi-despido, a gritar : “venha seu ladrão, não fujas”

14º - A Testemunha BB, declarou e afirmou que nessa noite, não viu o arguido AA, naquele local e hora, que as únicas pessoas presentes, eram ele próprio, a EE, o individuo baixo e gordo, e o CC.

15º - A Testemunha BB, declarou ainda, que o “CC” e o Arguido AA, tem muitas semelhanças físicas, nomeadamente corpo, altura e o cabelo russo.

16º - Esta Testemunha BB, também declarou que este esquema, é conduta habitual da EE e do CC, que são parceiros/cúmplices em diversos crimes desta natureza.

17º - Pelo que deduz que o “CC” teria levado/roubado algo desse individuo.

18º -A Testemunha após o “CC” sair correndo e o individuo baixo e gordo atrás dele, devido aos gritos e a hora da madrugada, foi-se embora, tendo abandonado o local, pois não pretendia arranjar problemas para si, pelo que nada mais pode contar por não saber nem ter presenciado mais nada.

19º - A Testemunha BB, confrontado pelo MP, declarou que foi-se esconder atrás de uma árvore após ouvir os gritos, e que só viu o “CC” a fugir portão à fora e um individuo gordo e baixo semi-despido a correr atrás de sí, mas que não reparou se o “CC” levava algo consigo, apenas ouviu o individuo gordo a gritar ““venha seu ladrão, não fujas”.

20º - Apenas sabe dizer, que dias depois, quando voltou a se encontrar com o “CC”, na ..., este gabou-se ao grupo, que tinha roubado um “tirante com pedras, que tinha dado bom dinheiro”.

21º - E mais a nova Testemunha BB não disse, pois estes foram os únicos factos que presenciou e tomou conhecimento relativamente a este episódio da madrugada de 15.06.2020 para 16.06.2020.

22º - Em suma, esta nova testemunha BB, da qual só se teve conhecimento após o trânsito em julgado dos presentes autos, em síntese, a testemunha relatou ter presenciado a prática do crime em causa e que fora seu autor terceira pessoa, que identificou (09.02.2024, .......86), designadamente o individuo de nome/alcunha “CC”.

23º - O depoimento desta testemunha BB, que é pessoa sem qualquer interesse na causa, foi um depoimento coerente, conciso, imparcial e espontâneo sendo manifestamente suficiente para pôr em crise de forma relevante a justiça da condenação do arguido.

24º - A Testemunha BB, ao longo do seu depoimento, disse ter pena do que se estava a passar com o ora Recorrente, e que ia contar a verdade, do que tinha visto naquele dia.

25º - O Arguido AA, desde o inicio que sempre declarou que este julgamento era um erro, que não era ele o autor do crime, que estava sendo incriminado pela Testemunha EE, com quem tinha uma quezília, mas o Tribunal a quo, não quis saber nem deu o beneficio da dúvida ao Arguido, tendo por falta de mais provas por parte do arguido, descredibilizado as declarações do Arguido AA, e condenado o mesmo, com base unicamente no depoimento da Testemunha EE, que identificou o Arguido, e induziu a outra testemunha/ofendido HH, o dito individuo baixo e gordo, a identificar o arguido AA, tendo a testemunha HH referido ainda em audiência que quem lhe indicou o nome do autor do crime, foi a Testemunha EE.

26º - Sendo que o Tribunal a quo, novamente está a descredibilizar as provas, e condenando o arguido, apenas porque sim, sendo que em causa, esta nova prova testemunhal, levanta serias dúvidas sobre os factos, e quem é o autor do crime, e nos termos do princípio do in dubio pro reo, o Arguido ora Recorrente teria sempre que vir a ser absolvido.

27º - Relativamente ao Tribunal a quo e MP, julgarem que o depoimento da testemunha BB, não é credível, por o “CC” ser o namorado da EE e não ter razão para saltar a rede, podendo entrar pelo portão, não é fundamento bastante, facto é que tanto o “CC” como a EE, detêm diversos processos de roubo e furto, com o modus operandi muito semelhante, em que simulam assaltos/roubos, e em que não se conhecem perante os ofendidos, apesar de serem cúmplices nos crimes.

28º - Bem como o Tribunal a quo e MP, consideram inverosímil, o “CC” saltar uma rede de 2 metros, e depois sair correndo pelo portão, mas relativamente ao Arguido AA, já considera o tribunal a quo e MP, verosímil, o Arguido/Recorrente saltar uma rede de 2 metros, e depois sair correndo pelo portão.

29º - O que demonstra a falta de imparcialidade e a violação do principio do indubio pro reo, por parte do Tribunal a quo.

30º - Sendo que se o “CC” tivesse entrado pelo portão como justificaria a Testemunha EE a situação ao individuo baixo e gordo que foi roubado, tinha que ser simulado um assalto/roubo, e que a mesma desconhecia de tal situação, assim entrando o “CC” pela portão, a Testemunha EE, seria logo posta em causa e considerada suspeita também no crime, pelos indivíduos roubados.

31º - Devido a este historial de crimes da Testemunha EE e do “CC”, com o modus operandi semelhante, de ela levar indivíduos com o pretexto de encontros sexuais para sítios remotos e estes serem roubados, ocorreu várias vezes, sendo o CC e a EE parceiros e cúmplices nos crimes.

32º - Sendo esta prática usual nos crimes praticados por CC e EE, tendo simplesmente a Testemunha EE, aproveitado devido a já começarem a cair suspeitas sobre si e seu companheiro “CC”, arranjado um bode expiatório, designadamente o Arguido AA, para assumir as culpas, e retirar as suspeitas de si e do “CC”.

33º - O Tribunal a quo e o MP, ainda tentam descredibilizar a Testemunha BB, sendo que este prestou depoimento de forma coerente, imparcial e espontânea, sendo de relatar que a testemunha BB encontra-se detido actualmente no E.P. de Coimbra, prestes a sair em liberdade – pelo que não tinha qualquer interesse em mentir e arranjar problemas para sí, sendo que a dita Testemunha BB, ainda teve sérias dúvidas em prestar o depoimento por medo de represálias por parte do “CC”.

34º - A nova Testemunha BB, é pessoa leigo, consumidor de produtos estupefaciente, que teve um discurso um pouco rudimentar, mas que na medida em que pude, por ter visto uma pessoa (o Recorrente) a ser condenada por um crime que não cometeu, quis ajudar, pois tinha presenciado o crime em causa, e prestar depoimento (apesar de ter medo de vir a sofrer represálias por parte do CC), e sempre afirmou que estava a dizer a verdade, e só ia dizer a verdade, relativamente aquilo que viu, e mais nada.

35º -Assim, por ser uma testemunha com educação e estudos rudimentares, o MP e Tribunal a quo, pretendem descredibilizar a dita testemunha, referindo que a mesma não merece credibilidade – o que não se concorda, tendo o depoimento da testemunha BB sido coerente, imparcial, conciso e espontânea nas respostas dadas na inquirição, quanto aos factos em causa.

36º - Em nosso entender, tal novo elemento de prova (depoimento da testemunha BB) se mostra suscetível de suscitar graves dúvidas sendo estas as que se revelam suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado, ora Recorrente AA.

(…)”

1.7- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.


II- Delimitação das questões a conhecer no âmbito do presente recurso


2.1- O depoimento da nova testemunha apresentada põe em causa de forma grave e séria a justiça da condenação do arguido recorrente?


2.2 - O Direito


2.2.1- Vejamos em primeiro lugar o que foi consolidadamente decidido no tribunal recorrido em matéria de facto e explicitado quanto à convicção formada.

“O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

[“(…)

1. A hora não concretamente apurada, mas entre as 00h00 e as 00h30m do dia 16 de Junho de 2020, FF encontrava-se na Travessa ... em ....

2. Nessa circunstância de tempo e lugar, AA agarrou em € 20 pertença do mesmo e que aí se encontravam em local não apurado, mas em cima de uma mesa ou na mão do ofendido, a quem se dirigiu.

3. De seguida, deitou a mão ao fio de ouro que o mesmo trazia ao pescoço, tendo FF agarrado o fio e fugido, indo o arguido no seu encalço, vindo a alcançar o mesmo, altura em que lhe retirou o telemóvel da marca Huawey P30lite que o mesmo trazia consigo, tendo de seguida deitado o mesmo ao chão, porquanto o mesmo tinha o ecrã partido.

4. Após, o arguido agarrou FF por trás, tendo colocado um braço àvolta do pescoço deste último e efetuado um estrangulamento.

5. Quando FF se encontrava quase a desmaiar, devido à força exercida pelo braço de AA sobre o pescoço do primeiro, o arguido desferiu um forte puxão no fio de ouro de FF que este usava ao pescoço e ficou na posse do mesmo.

6. AA abandonou o local na posse do dinheiro e do fio de ouro.

7. O fio de ouro, o dinheiro e o telemóvel eram pertença de FF.

8. O fio, em ouro amarelo e de malha grossa, tinha uma medalha em ouro amarelo, com três pedras em diamante e tinha o valor de pelo menos 1500 Euros.

9. Como consequência da acção descrita, designadamente da fricção efetuada pelo fio de ouro, FF ficou com marcas na pele, na zona do pescoço durante cerca de um mês, bem como teve dores durante cerca de uma semana e como consequência do apertar do pescoço e enquanto o mesmo perdurou dificuldade em respirar.

10. O arguido quis fazer seus os objetos e dinheiro que FF tinha na sua posse, sem que possuísse a autorização do respetivo proprietário e conhecendo o carácter alheio daqueles, tendo recorrido à força física para o efeito, o que efetivamente conseguiu.

11- O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era
proibida por lei.

Da situação pessoal do arguido

(…)

26- ( O arguido regista as seguintes condenações:

(…) a - k) “

27- (…)

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

1. Os factos descritos em 1 dos factos provados ocorreram cerca das 00H48.

2. Os 20 Euros estavam no bolso das calças de FF.

3. Os 20 euros e o telemóvel foram retirados em momento posterior a ser retirado a FF o fio que trazia ao pescoço.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade.

Concretamente, revelaram-se fundamentais para criar a convicção do Tribunal, os seguintes meios de prova:

O decidido em 1 a 6 dos factos provados e em 1 a 3 dos factos não provados funda-se, no que respeita ao desenrolar dos factos, no relato conjugado das testemunhas FF e EE, sendo que nessa parte o arguido não pôs em causa tais relatos.

Com efeito, o arguido não põe em causa que FF tenha sido vítima dos factos por si relatados, mas tão só que seja o autor desses factos, referindo-se vítima de vingança por parte de EE, cujo relato referente à autoria dos factos reputa de falso.

Não obstante, afigura-se mais credível a versão da testemunha EE, em detrimento da versão do arguido, que se não considera credível por forma a pôr em causa o depoimento da testemunha.

Assim, EE refere que se encontrava com FF, a quem conhece, visando manter relações sexuais com aquele, a troco de dinheiro, o que foi confirmado pelo mesmo, referindo ele que a nota de € 20 visava o pagamento desse ato quando surge o arguido, com quem já tinha mantido relações sexuais uma ocasião e conhecia ainda de outras situações, não tendo dúvidas de que se tratava do mesmo.

FF refere que não conhecia o autor dos factos, mas que o mesmo não trazia máscara e era conhecido da rapariga com quem se encontrava, o que foi logo referido pela mesma.

O arguido reconhece que já era conhecido de EE, referindo, no entanto, que era apenas há 2 a 3 semanas e a apresentou, bem como ao seu então namorado, de nome CC, a um indivíduo vendedor de estupefacientes e que quando este lhes foi efetuar uma entrega de estupefacientes no local descrito na acusação, o CC lhe furtou objetos do carro. Por esse motivo, juntamente com o dito indivíduo procuraram o CC, tendo o dito indivíduo dado prazo ao mesmo até ao final do mês para devolver os objetos ou os pagar. Mais referiu que o CC, não obstante ser consumidor de estupefacientes, tem uma compleição física semelhante à sua, aproximadamente a sua altura, sendo também ruivo, tal como o declarante.

Embora não o tenha afirmado expressamente, o arguido parece, com a versão que apresentou, querer indicar que tenha sido o dito indivíduo de nome CC, mas em tudo semelhante a si a nível físico, a praticar os factos, dando como motivo para que o mesmo o fizesse, necessitar de dinheiro para pagar ao dito indivíduo vendedor de estupefacientes pelos objetos que lhe furtara.

Sucede que não só é pouco credível que o dito indivíduo fosse furtar o seu fornecedor de estupefacientes quando o mesmo se deslocara até junto de si e da sua namorada a efetuar uma entrega de estupefacientes, como não deixa de se estranhar que o mesmo tivesse uma aparência física em tudo semelhante à do arguido (altura, compleição física e tom arruivado do cabelo), como não se compreende qual o motivo pelo qual a testemunha EE necessitaria de incriminar o arguido da prática de um crime grave que havia sido praticado pelo seu namorado, quando não tinha qualquer quezília com o arguido e o ofendido não conhecia o autor dos factos, que se pôs em fuga. Se o objetivo da EE, mancomunada com o seu namorado CC, era roubar o ofendido para conseguirem pagar ao fornecedor de estupefacientes, bastaria à mesma dizer que não conhecia o indivíduo autor dos factos, também ele desconhecido do ofendido e que face à sua fuga previsivelmente não seria identificado, nenhuma razão existindo para que a mesma atribuísse (e atribua) a autoria ao arguido.

A versão apresentada pelo arguido, que não merece credibilidade pelo referido, não tem, assim, a virtualidade de contrariar a versão apresentada pela testemunha EE quanto à autoria dos factos pelo arguido.

E o mesmo se diga quanto ao depoimento da testemunha II, amiga do arguido, no sentido de o mesmo, que se encontrava a residir consigo desde uma semana ou duas antes do seu aniversário, ocorrido a 18/06, se encontrar sempre em casa, sendo que daria pela sua saída, que apenas acontecia para comprar tabaco, na sua companhia.

Com efeito, não só seria possível o arguido sair de casa sem que a testemunha se apercebesse, como o próprio arguido referiu que saía de casa durante o dia e que à noite raramente, o que significa que em algumas vezes saía mesmo no período noturno.

Acresce que estando à data o arguido em incumprimento da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com VE (que cumpriu à ordem do processo nº 105/19.4..., entre 04/09/2019 e 25/03/2020, altura em que cortou os mecanismos da VE e fugiu do local de cumprimento da medida, como ele próprio reconheceu e resulta de fls. 97 e de fls. 99 a 102), igualmente não é credível que saísse de casa com maior frequência durante o dia, ao invés do que à noite, onde seria menos provável de ser localizado. Efetivamente, o arguido refere que durante o dia saía mais e relatou até ter sido ele nesse período a apresentar a EE e namorado ao dito indivíduo vendedor de estupefacientes e a os ter procurado no ..., em ..., local, como é do conhecimento deste tribunal por vários julgamentos realizados, onde a polícia se desloca com frequência, por aí existirem muitos vendedores de estupefacientes, o que igualmente se revela pouco credível.

Assim sendo, conferindo credibilidade à versão da testemunha EE, conclui-se pela autoria dos factos por parte do arguido.

No que respeita à data dos factos, foi valorado o teor do auto de notícia de fls. 26 a 27, já que as testemunhas já não tinham ideia precisa quanto ao dia e mês, mas apenas quanto ao ano, mas referindo ter a polícia comparecido no local após a sua prática. Por seu lado, quanto à hora dos factos, embora o ofendido refira cerca das 22h00 e a testemunha EE refira por volta das 23h00, verifica-se que o telemóvel retirado ao ofendido e após deixado no local foi apreendido pela 1h05m (fls. 28). Ora, sabendo-se que o decurso do tempo tem efeitos sobre a memória, em particular no que respeita a factos conexionados com números, como datas e horas, mas recordando o ofendido que a polícia levou cerca de meia hora a chegar ao local, sabendo-se que à 1h05 estava já a ser efetuada a apreensão do telemóvel, é seguro concluir que os factos terão ocorrido num período temporal que terá mediado entre uma hora a meia hora antes.

No mais, quanto ao valor do fio e medalha de pedras (factualidade descrita em 7 dos factos provados), embora o ofendido tenha indicado um valor de € 3000, assentou tal numa convicção face a ser grosso o fio e ter as pedras de diamante, embora do tamanho da cabeça de um alfinete, mas não apresentou um conhecimento efetivo quanto a tal valor, referindo já possuir o fio há muitos anos, tendo-o adquirido ainda no tempo dos escudos. Face a tal considera-se persistir a dúvida quanto ao valor corresponder a um tal valor de € 3000, considerando-se, assim, ser um valor mínimo seguro apenas o valor descrito na acusação.

A factualidade descrita em 8 dos factos provados resultou do depoimento de FF, em conjugação com a fotografia de fls. 42.

Da conjugação da factualidade descrita em 1 a 8 dos factos provados com as regras da experiência comum, conclui-se pela demonstração dos factos descritos em 9 a 10 dos factos provados A factualidade descrita em 11 a 24 dos factos provados resulta do teor do relatório social de fls. 192 a 194 e a descrita em 25 dos factos provados do teor do CRC de fls. 247 a 269.

A factualidade descrita em 26 dos factos provados resulta da conjugação das declarações do arguido com fls. 97 e fls. 99 a 102.

Quanto ao mais descrito na acusação, mormente a descrição que se refere à obtenção de vantagem, não se considerou nos factos provados e não provados por constituir matéria conclusiva e de direito.

(…)”

2.2.2 - O tribunal da Relação considerou improcedente o recurso e, quanto à análise da impugnação de facto, teceu as seguintes considerações, que aqui se transcrevem nos segmentos que mais importa ter em conta:


“ (…)

O recorrente afirma inexistir prova suficiente de que tenha praticado os factos dados como assentes objecto de crítica, que refuta, pretendendo descredibilizar os depoimentos prestados pelas testemunhas FF e EE em audiência de julgamento, aduzindo que, quanto à segunda, existia uma situação de conflito entre ambos e, no que tange ao ofendido, para além do seu depoimento ser incoerente e impreciso, também está em contradição com o teor do prestado pela EE.

(…)


No caso sub judice, o tribunal recorrido elucida cabalmente as razões da valoração que fez, considerando como credíveis os depoimentos das testemunhas mencionadas e não credíveis as declarações negatórias do arguido, ainda que corroboradas pelo depoimento da testemunha JJ, sendo que do texto da decisão não se retira essa inadmissibilidade.

E, tendo-se procedido à audição dos depoimentos das testemunhas FF e EE, na gravação disponibilizada pelo tribunal a quo, extrai-se que não são os mesmos inteiramente coincidentes.

Descreve a testemunha FF:

Só viu o arguido no dia em que ele me roubou.

Este senhor saltou a cerca de arame do quintal da EE para dentro e começou-me a roubar o fio de ouro amarelo que trazia ao pescoço e eu consegui fugir. Mas, ele foi atrás de si para a rua e alcançou-o no parque da Segurança Social, começaram a guerrear (andámos à luta os dois) e o fio partiu-se. O arguido fez-lhe uma gravata com força, pela retaguarda, começou-me a faltar o ar (depois caí no solo) e levou o fio, abandonando o local numa viatura onde estava outro indivíduo e depois fugiram. Também lhe agarrou o telemóvel, que tinha o ecrã partido, mas lançou-o para o chão, não o tendo levado.


Também me tinha roubado vinte paus, é verdade, mas isso já foi lá na casa da senhora. Na casa da miúda, lá no quintal ele roubou-me vinte paus. Já nem me lembrava disso, foi um bocadinho antes do fio. Isso foi logo o primeiro.


Lá altura, viu bem as feições do indivíduo que lhe tirou os bens, pois uma pessoa quando está com uma pessoa que lhe quer fazer mal grava logo tudo, não é, ao menos eu (…) Na altura não tinha barba e agora tem.


A EE na altura disse logo à Polícia o nome do indivíduo que assim actuara contra si, pois eles são conhecidos. Ela começou a mandar vir com ele quando saltou o muro do quintal. Põe-te já de aqui para fora e assim.


Mas, como é sabido, as descrições das ocorrências estão sujeitas necessariamente a um processo de selectividade e interpretação do percepcionado pelos sentidos, pois um relato descreve apenas algumas das várias facetas da realidade de uma coisa, evento ou fenómeno, quais sejam, aquelas a que o narrador prestou maior atenção ou considerou significativas.


“Às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e veracidade, e pode ser o contrário,

provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação” - Enrico Altavilla, Psicologia Judiciária, volume IV, 1959, Arménio Amado Editor, pág. 8.

O depoimento de FF revela-se ser de um indivíduo com um discurso pouco elaborado, pouco letrado e manifesta imprecisões, é vero, sendo a memória reduzida em alguns segmentos, aliás pouco relevantes.


Mas, não patenteia, por isso, ser menos revelador da realidade que vivenciou, antes foi indubitavelmente genuíno.

Por seu turno, relata a testemunha EE:

Conheceu o arguido através de um primo seu, há coisa de dois anos atrás, não mais.

Tem conhecimento de uma situação ocorrida entre o arguido e FF. Foi no quintal de minha avó. Ia ter relações sexuais com este, já o conhece há três ou quatro anos. Ele ajuda-me. Somos amigos. Não nos encontramos só por isso, também por isso. E apareceu o AA na cerca do quintal da minha avó, saltou lá para dentro e os dois agarraram-se. Ele a dizer que eu era mulher dele, coisa que não é verdade e pronto. Sei que se engalfinharam ali e depois o senhor AA foi-se embora.


No momento não se apercebeu de o AA ter tirado algum objecto ao HH. Depois o Senhor HH disse que já não tinha o fio e levaram o telemóvel, mas isso eu não vi. Sei que eles estavam agarrados os dois. Não reparou se FF trazia algum fio. Os vizinhos chamaram a polícia.


Não sabe precisar se o FF lhe disse que lhe tinham tirado o fio e o telemóvel estando ainda no quintal ou se tal ocorreu depois de sair para a rua e regressado.


Assim que o senhor AA saiu depois ele (FF) saiu para fora. Não sabe se era para seguir no alcance do AA.


Ponderando o teor destes depoimentos, conjugando-os, não vemos razão alguma para divergir do entendimento do tribunal recorrido, tanto mais que tem o benefício da imediação e da oralidade, enquanto este Tribunal da Relação está limitado à prova documental e ao registo das declarações e depoimentos.

(…)

No caso sub judice, como já se disse, o tribunal recorrido revela claramente as razões da valoração que fez e não se vislumbra esta inadmissibilidade, pois o juízo de credibilidade e não credibilidade, respectivamente, efectuado não conflitua, de modo algum, com a boa lógica e a experiência comum.

Diz o recorrente também que ocorreu violação do estabelecido no artigo 355º, do CPP, reconduzindo-a ter o tribunal recorrido dado “como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento.”

Mas, o que se conclui é que apenas discorda o recorrente da valoração que foi feita dos depoimentos de FF e EE, que contribuíram para a formação da convicção dos julgadores quando à demonstração dos factos que provados se encontram e contra os quais se insurge, o que não integra essa obliteração.

(…)


Para que se proceda à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente teria este que demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal a quo constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das aludidas regras, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresente uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.


Tal demonstração de que as provas que aponta conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não a fez, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto.


Termos em que, cumpre concluir que da análise efectuada resulta que a factualidade considerada provada objecto de impugnação se apresenta sustentada por prova suficiente, adequada e legalmente permitida, não se registando obliteração das regras da experiência comum, sem margem para dúvidas razoáveis, não havendo, por isso, fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, não podendo proceder a pretensão do recorrente de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do julgador, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada, tendo sido proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção – artigo 127º, do CPP.


Assim, carecendo de razão o recorrente no que tange à alteração da matéria de facto, tem de se considerar esta definitivamente fixada nos termos mencionados, improcedendo o recurso nesta parte.


(…)”]


2.2.3 – O caso concreto em recurso e a petição recursiva do recorrente


2.2.3.1- O recorrente pretende a revisão da decisão porquanto, em suma, entende que existe uma nova testemunha (BB) que não podia apresentar em julgamento pois desconhecia a sua existência e que:


- Os factos e meios de prova (…) eram desconhecidos e ignorados pelo Recorrente no momento em que o julgamento teve lugar (…) e que somente no mês de novembro de 2023, por mero acaso, enquanto se encontrava de trânsito para uma diligência na Comarca de Faro, tomou conhecimento destes novos factos relativamente ao presente processo, e dos autores (“CC” e EE) do crime de que veio (…) condenado.


- a nova testemunha BB, presenciou os factos (…) acompanhava com o indivíduo de alcunha “CC”, na noite de dia 15 de junho de 2020, desde o início da noite até à 01h00 e tal da madrugada de dia 16 de junho de 2020, tendo presenciado os factos na íntegra até ao momento da fuga da testemunha/ofendido DD.


- Esta nova testemunha também relatou que tanto o CC como a testemunha EE, praticavam os crimes em conjunto, tendo o modus operandi de ela levar os homens para locais isolados, para práticas sexuais e posteriormente aparecia o seu cúmplice de alcunha “CC”, e este roubava os homens – só que agora haviam sido apanhados e condenados por estes crimes.


- a Testemunha EE, foi a única testemunha em que se baseou a convicção do Tribunal (…) sendo que a Testemunha FF, declarou que identificou o ora Recorrente, por indicação da Testemunha EE, que acusou o Recorrente como sendo o autor do crime, por pura malicia e estratagema, por precisar de um bode expiatório, tendo EE plena consciência de quem era o verdadeiro autor do crime em causa, e que não se tratava do ora Recorrente, pessoa que ela acusou indevidamente por precisar de um bode expiatório.


- Este indivíduo de alcunha “CC”, é que é o autor do crime em causa nos presentes autos, tendo o Recorrente, prestado declarações em julgamento, e negado os factos(…)tendo o tribunal a quo, desvalorizado e não dado qualquer credibilidade às declarações do Recorrente.


- Esta nova testemunha BB alega ter conhecimento dos factos em causa nos presentes autos, e (…) do seu depoimento haverá de resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


- O depoimento desta nova testemunha BB, tem tal densidade que, confrontada com as provas que sustentaram a condenação, irá sobrepor-se tão manifestamente, que num juízo de prognose sobre a valoração, de umas e das outras, em novo julgamento(…) se irá perspetivar, como praticamente certa, a absolvição do condenado.


Portanto, como elemento recursivo central da sua posição invoca o recorrente uma nova testemunha (BB) de quem não sabia a existência, que presenciou os factos e cujo depoimento poderá abalar seriamente a versão provada afastando a presença do arguido na comissão do crime.


A nova testemunha não foi ouvida em julgamento e é de admitir, perante os dados dos autos, que seria desconhecida do arguido à data do julgamento a quo.


2.2.3.2- Dito isto, lembremos preliminarmente alguns aspectos gerais, pressupostos do recurso de revisão.


A tensão entre a segurança jurídica e a justiça pode manifestar-se expressivamente, em situações de anomalia grave da decisão judicial, entre outras, quando a realidade se imponha com factos ou meios de prova de conhecimento superveniente, quando se descobrem novos factos ou meios de prova, se verificar que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º, ou ainda, entre outras, por razão de declaração, pelo Tribunal Constitucional, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação (n.º 1, do artigo 449º, do Código de Processo Penal).


Como referido já no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/2015, de 10 de dezembro“[s] é certo que a função jurisdicional implica, num Estado de Direito, que as decisões jurisdicionais não possam, em princípio, ser postas em causa – visando a certeza e a segurança, ínsitos naquele, na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjetivas –, é igualmente certo que a expressão da função jurisdicional do Estado não se encontra imune ao erro, assim justificando institutos jurídicos dirigidos à reparação dos efeitos do mesmo (como é o caso do instituto da responsabilidade civil do Estado por erro imputável ao Estado-Juiz) ou, excepcionalmente, à modificação da própria sentença – como é o caso do instituto de revisão de sentença”


O recurso extraordinário de revisão tem natureza específica que, no plano da Lei Fundamental, se autonomiza do comum direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1.


Na Constituição e na lei processual penal, o recurso de revisão mostra-se consagrado como remédio excecional contra decisões gravemente injustas, “permitindo a sua revisão naqueles casos em que a subsistência da decisão (injusta) seria insuportável para a comunidade”. (acórdão STJ, de 10.09.2008, proc. nº 08P1617).


Nessa medida, submetido a estritos critérios de admissibilidade, este tipo de recurso visa obviar a situações em que a correcção de anterior decisão possa estar definitivamente em crise, de tal forma a que os interesses da justiça prevaleçam sobre os imperativos valores ligados à segurança e estabilidade da decisão transitada em julgado”1.


O art. 449º, do CPP, consagra nas alíneas a) a g) do nº 1, os casos em que é admissível a revisão de sentença transitada em julgado.


Quanto ao fundamento previsto na al. d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada (n.º 3). Trata-se, nas palavras de Damião da Cunha, 2 de uma “revisão que visa exclusivamente a declaração da culpabilidade e não, expressamente, a matéria de pena”.


Os fundamentos substantivos de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão previstos nas alíneas c), d) e e) respeitam, diretamente, à justiça da condenação3


Do ponto de vista dos requisitos materiais, a decisão susceptível de revisão é a que define, positiva ou negativamente, a responsabilidade individual quanto a factos que podem constituir crime: considerando a prova (conhecendo ou examinando juridicamente decisão que dela conheceu), ou apreciando factos extintivos da responsabilidade penal, ou, ainda, decidindo sobre a qualificação jurídica dos factos.


Por último, quanto ao requisito formal de legitimidade no recurso de revisão, permite-se que, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 450.º do CPP, o condenado possa requerer a revisão, relativamente a sentenças condenatórias.


Conforme entendimento corrente no STJ e de que demos conta já, apoiados em ali igualmente citada jurisprudência, no Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2023 desta 5ª Secção, em que o presente relator também ali o foi, no recurso de revisão 1/20.2PJSNT-C.S1 (5ªSecção Criminal:

[1- Em recurso de revisão e para correcta hermenêutica do disposto no artº449.º, n.º 1, al. d), do CPP, deve entender-se , sobre o conceito de “factos e/ou provas novos”, que:

a)-Se trate de facto ou prova novos, que não existiam nem constavam do processo à data da prolação da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento ou eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal ou que:

b) Sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.

(…)

c)-O facto ou o meio de prova não constar do processo, não sendo pois acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, caso contrário não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP.

d)- Por fim, que a gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponte, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição não sendo minimamente suficiente que o arguido meramente alegue que devia haver revisão da decisão com audição de (…) testemunhas que em seu entender têm conhecimento de factos que poderão “(…) de alguma forma, repor, ou ajudar a repor a verdade material ocorrida.”

Por outro lado, não pode fundar recurso de revisão a insistência do recorrente em colocar em causa os argumentos do Tribunal que fundaram a decisão constante do acórdão revidendo, confirmado pelas Instâncias de recurso em sede de recurso ordinário, nomeadamente no que concerne ao facto de o Tribunal não ter valorado as declarações prestadas pelo arguido ou de outros elementos (…)e ter valorado mais outra prova, pois o recurso de revisão não serve para debater o teor da fundamentação de acórdão que já transitou em julgado nessa linha argumentativa.” ]

2.2.3.3- Voltando agora ao caso concreto, verificados sem controvérsia os pressupostos formais do recurso de revisão e à luz dos princípios enunciados, vejamos se a nova prova convocada tem a virtualidade de pôr em causa de forma grave a justiça da condenação do arguido.


Da audição do depoimento da nova testemunha e, ainda, perante o que, além do mais, disseram o ofendido, o arguido e a testemunha EE, em especial, conforme consta das gravações áudio disponíveis nos autos no ambiente Citius, temos como claro que o recurso não merece provimento.


É verdade que o arguido sempre negou a sua participação, conforme reiterou também no presente recurso, dizendo-se vítima de uma vingança da EE e seu namorado, um tal CC, aliás seu conhecido, por causa de um problema havido com um vendedor de estupefaciente “colega” do arguido que não recebera daqueles o pagamento de uma venda de produto e que, ainda por cima, o assaltaram, ficando o arguido “em causa” perante aquele por lhos ter apresentado.


Desde logo, ponderando os depoimentos e em conjugação entre si, continua a inexistir fundamento seguro, sequer além de uma dúvida razoável, para divergir do entendimento do tribunal recorrido, beneficiado aliás pela imediação e oralidade, tal como também o salientou o Tribunal da Relação “(…)limitado à prova documental e ao registo das declarações e depoimentos.(…)”


A versão do arguido, embora veemente na sua expressão, não era credível, como não foi. A razão para a EE o incriminar não merece o mínimo de credibilidade. Se o problema desta e do namorado “CC”era essencialmente com o vendedor de estupefaciente, com quem, aliás, na gravação refere o próprio arguido que tinham combinado pagar e resolver o assunto até ao final do mês em causa, não se compreende a razão de uma vingança ou estratagema de incriminação do arguido por parte daquela e do namorado. Depois, nunca houve esforço algum do arguido e da defesa em qualquer insistência em que se ouvisse o tal namorado da testemunha EE, o qual nem sequer seria difícil de identificar pois andaria pela zona que os intervenientes frequentavam e era conhecido.


Ademais, o ofendido, ainda que não conhecesse o arguido, foi claro na sua identificação deste, por fotos exibidas na polícia, mesmo que ajudado pela EE entretanto, apenas quanto à identificação do apelido. O ofendido diz que fixou bem a cara do agressor e não teve dúvidas em sempre se referir ao arguido e não a terceiro.


Depois, avançando agora para o depoimento da nova testemunha, todo ele é muito estranho. Na verdade, além de se lembrar muito bem do dia, mês e ano, o que é deveras pouco habitual face às regras da experiência, diz que o tal CC foi por si acompanhado pois ia a casa da namorada EE e, em vez de entrar pela porta principal, sobiu uma rede de 2 metros de altura, ainda por cima claudicando de uma perna, e saíu depois pela porta principal em perseguição do ofendido, escapando-se , após o assalto, em fuga, sem voltar a trepar a rede? E o ofendido nunca fez qualquer referência mínima que fosse a esse problema do tal CC claudicar? Ademais, o CC iria praticar um roubo tendo-o a ele, ainda por cima, como testemunha presencial? Tal é deveras inverosímil e nada de acordo com o comportamento de alguém que quisesse passar despercebido ao fazer um assalto, sem testemunhas que mais tarde o pudessem incriminar.


Depois, a ideia de convencer por parte da testemunha amiga do arguido, ouvida no julgamento inicial, com quem vivia, de que nem sequer o arguido sairia à noite (mas já saía de dia!!!) pois daria disso conta, visto que “havia cães seus que ladrariam (…)!”


Bem, se o arguido era conhecido dela, vivia com ela , seria até mais natural que os animais não estranhassem saídas do arguido pois conheciam-no bem, certamente. E, além do mais, o arguido se saía de dia muito bem poderia sair à noite também!


De todo o modo, há demasiadas inconsistências no depoimento da nova testemunha por si e em confronto com a restante prova produzida, como assinalado foi já na informação judicial e ao longo do processo de recurso de revisão, nas posições assumidas pelo MPº .


Em suma, o novo depoimento apresentado não tem consistência suficiente para abalar a convicção originária formada e para criar dúvidas sérias e graves da justiça da condenação.


Por isso que a revisão solicitada deve ser negada


III- DECISÃO


3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, negando-se a revisão pretendida.


3.2 - Taxa de justiça em 3 UC (artº 456º e 513ºdo CPP com referência
à tabela III do RCP)

STJ, 11 de Abril de 2024

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)

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Agostinho Torres- (Relator)

Jorge Gonçalves (1º adjunto)

Leonor Furtado (2ª adjunta)

Helena Moniz (Presidente)




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1. Acórdão de 13.03.2004, Proc. 03P4015, Rel. Henriques Gaspar.↩︎

2. O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, Teses, Porto, 2002, Publicações Universidade Católica, p. 121.↩︎

3. Também, SANTOS, Simas e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2.º vol., 2.ª edição, 2000, Rei dos Livros, p. 1045: “Com base neste fundamento, não se pode pedir revisão com o fim único. De se obter uma correção da sanção penal aplicada – n.º 3. Se os novos factos ou meios de prova poderiam fundamentar simplesmente a aplicação de uma norma penal com pena menos grave que a imposta, não pode ser concedida a revisão, pois requer-se que os mesmos evidenciem a inocência e e a alternativa, seja, portanto, condenação-absolvição.”↩︎