Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
251/22.7PCRGR.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
ROUBO
FURTO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 04/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I – O recurso para o STJ não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação, que conheceu daquele recurso. Os recursos não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente, pelo que os argumentos do recorrente se entendem como limitados e dirigidos ao acórdão da 2.ª instância.

II – Aos crimes cometidos, que se posicionam numa relação de concurso (artigo 30.º, n.º 1, do CP), corresponde a pena de 4 a 25 anos de prisão. O arguido vem condenado pela prática de cinco crimes de roubo (artigo 210.º, n.º 1, do CP), cinco crimes de furto qualificado, sendo três deles pela al. e) (escalamento, arrombamento) do n.º 2 e dois pela al. f) (introdução em espaço fechado) do n.º 1 do artigo 204.º do CP, e um crime de ameaça agravado (artigo 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, do CP).

III – Os factos que preenchem o ilícito global, com repetida ofensa dos mesmos bens jurídicos, pessoais e patrimoniais, por diversas formas, essencialmente idênticas, foram praticados no período de cerca de 6 meses, identificando-se quatro tempos de próxima conexão e um não muito grau de ilicitude relativamente à maioria dos crimes praticados, na consideração dos valores e das consequências dos crimes; são problemáticas as condições pessoais, económicas, sociais e familiares do arguido, o seu percurso vida e de formação e não adesão a programas de apoio e tratamento mostram-se consideravelmente adversos ao favorecimento da sua ressocialização, o que eleva as necessidades de prevenção especial.

IV – O comportamento anterior, em que se identificam seis condenações por crimes de furto, roubo, coação e ameaça, praticados num período de 3 anos, sendo o arguido ainda muito jovem adulto, punidos com penas não privativas da liberdade, revelam insensibilidade às penas, a reforçar necessidades de prevenção especial, e a cronologia e frequência dos crimes mostram uma tendência para a prática de crimes de natureza idêntica, a funcionar como fator de agravação da pena.

V – No mesmo sentido se orientam as necessidades de prevenção geral dado o sentimento de insegurança na comunidade gerado pela frequência destes tipos de crimes, o que, todavia, se deve comportar nos limites impostos pelas circunstâncias relevantes por via da culpa, em que se revela uma significativa incapacidade e falta de preparação para manter uma conduta lícita.

VI – Tendo em conta a moldura da pena aplicável, na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido (artigo 77.º, n.º 1, do CP), e os limites impostos pelas circunstâncias relevantes para a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, e 71.º do CP), não se mostra presente fundamento que justifique uma intervenção corretiva na medida da pena única, de 9 anos de prisão, a qual não desrespeita o critério de proporcionalidade que preside à sua aplicação. Pelo que o recurso é julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 251/22.7PCRGR.L1.S1

3.ª Secção

ACÓRDÃO

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Por acórdão de 7 de junho de 2023, o tribunal coletivo do Juízo Central Cível e Criminal de ... – ..., do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, condenou o arguido AA, com a identificação dos autos, nos seguintes termos:

«1. (…) pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, Código Penal, numa pena de 3 anos e 6 meses de prisão (NUIPC 251).

2. (…) pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, numa pena de 8 meses de prisão (NUIPC 251).

3. (…) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão (NUIPC 255).

4. (…) pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 3 anos e 2 meses de prisão (NUIPC 354).

5. (…) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, numa pena de 1 ano e 2 meses de prisão (NUIPC 572).

6. (…) pela prática de um crime de furto qualificado tentado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, numa pena de 1 ano de prisão (NUIPC 623).

7. (…) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, numa pena de 2 anos e 8 meses de prisão (NUIPC 638).

8. (…) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, numa pena de 2 anos e 8 meses de prisão (NUIPC 682).

9. (…) pela prática de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 3 anos e 4 meses de prisão cada (NUIPC 692);

10. (…) pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 4 anos de prisão (NUIPC 695).

11. Em cúmulo jurídico (…), na pena única de 9 (nove) anos de prisão.»

2. Foram ainda condenados os arguidos BB, nas penas de 2 anos e 8 meses de prisão e de 3 anos e 4 meses de prisão e na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, pela comparticipação nos crimes objeto dos processos 638/22.5PCRGR (supra, 1, 7) e 692/22.0PCRGR (supra, 1, 9), e CC, na pena de 4 anos de prisão, pela comparticipação no crime objeto do processo 695/22.4PCRGR (supra, 1, 10).

3. Discordando do decidido, recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de ........2023, negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra o acórdão recorrido.

4. Do acórdão da Relação vem agora interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo mesmo arguido, que apresenta motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Na pena aplicada ao arguido, foram claramente violados os artigos: 40.º, 71.º, nºs 1 e 2, alíneas a), b), e d), ambos do Código Penal;

2. No que à medida da pena diz respeito, é nosso entendimento que a pena para além de fazer face às exigências de prevenção geral de revalidação contra fáctica da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de evitar a dessocialização do agente;

3. Nesse sentido, a pena de pena de 9 anos de prisão, em cúmulo jurídico, mostrava-se e mostra-se, claramente desajustada;

4. Considerada que seja corretamente valorada a matéria dada como provada e respetivo enquadramento jurídico efetuado pelo Tribunal “a quo” sempre se impõe uma substancial redução da pena de prisão aplicada ao recorrente, em obediência aos princípios da adequação, humanidade das penas e tendo em atenção as condições do mesmo;

5. O arguido tem 24 anos, o seu agregado familiar apresenta uma dinâmica intrafamiliar positiva e coesa, e que certamente o apoiarão na sua reinserção social.

Por todo o exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, reduzindo a pena de prisão que foi aplicada ao arguido em cúmulo jurídico.»

5. Respondeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação dizendo, em conclusões, no sentido da improcedência do recurso, que (transcrição parcial):

«(…)

4. Para a determinação da medida da pena são de considerar, em especial, as seguintes circunstâncias:

– o dolo com que o arguido atuou;

– a ausência de inserção familiar, social e profissional estruturada do arguido;

– as elevadas exigências de prevenção geral, derivadas do facto de a incriminação em causa ser frequente por todo o país e ter especial incidência na comarca em referência;

– o arguido, durante a audiência de julgamento, ter demonstrado uma total ausência de arrependimento e de consciência crítica em relação ao seu comportamento, dizendo que a culpa é da droga;

– os antecedentes reveladores de vasta prática recorrente de crimes contra o património;

– as penas anteriormente aplicadas reveladores de indiferença à censura e advertência contidas nas condenações anteriores;

5. Em face do que o Tribunal aplicou a pena única de 9 anos de prisão; 6. Pena que se considera justa e adequada;

7. O douto acórdão impugnado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não padece de nenhuma nulidade/irregularidade, motivo pelo qual, não merece qualquer censura.»

6. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer, também no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos (transcrição):

«(…)

5 – Não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso interposto, devendo o mesmo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P.

6 – Questiona o recorrente, como decorre das conclusões do recurso, apenas e tão só a medida da pena única a que foi condenado, que tem por claramente desajustada, reclamando (…) uma substancial redução da pena de prisão aplicada (...) em obediência aos princípios da adequação, humanidade das penas e tendo em atenção as (suas) condições, o que não é senão uma reedição do recurso interposto do acórdão da 1ª instância.

Dispõe o artigo 77.º do Código Penal, sob a epígrafe Regras da punição do concurso, e no que ora releva: [transcrição]

Sobre a medida concreta da pena do concurso de crimes, refere-se, a propósito, no acórdão de 21.10.2021 deste Supremo Tribunal de Justiça (processo n.º 64/15.2PBBJA.S1, 5ª Secção, Relator: Conselheiro Eduardo Loureiro):

(…)

A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, segundo os ditames dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, havendo, porém, que atender a um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, parte final, ainda do Código Penal).

O que significa que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede, nesta, uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a sopesar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente, «tudo deve[ndo] passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique» cfr. Figueiredo Dias, in "Consequências Jurídicas do Crime", 1993, p. 291 e 292.

E sendo que nessa «avaliação da personalidade – unitária – do agente» releva «sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», que só primeira, que não a segunda, tem «um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

E nela assumindo especial importância «a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» em que são de considerar «múltiplos factores entre os quais: a amplitude temporal da atividade criminosa; a diversidade dos tipos legais praticados; a gravidade dos ilícitos cometidos; a intensidade da atuação criminosa; o número de vítimas; o grau de adesão ao crime como modo de vida; as motivações do agente; as expetativas quanto ao futuro comportamento do mesmo»

Servindo, como já dito, as finalidades exclusivamente preventivas da protecção de bens jurídicos – prevenção geral positiva ou de integração – e da reintegração do agente na sociedade – prevenção especial positiva ou de socialização –, devem elas «coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possível» na pena única, «porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros».

Finalidades – e também culpa – que, tendo intervindo, já, na determinação da medida das penas parcelares, operam aqui por referência ao «conjunto dos factos e à apreciação geral da personalidade», o que «não se confunde com a ponderação das circunstâncias efetuada relativamente a cada crime, que é necessariamente parcelar» e não envolve, por isso, violação do princípio da dupla valoração.

E pena única que, também ela, deve respeitar os princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e proibição de excesso decorrentes do art.º 18º da CRP.

(…)

A esta luz, considere-se, agora, a decisão recorrida. [Transcrição]

Por via da remissão para os fundamentos do acórdão da 1ª instância, e na observância das exigências previstas no artigo 77.º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do agente, em conjunto, e bem assim a moldura penal abstractamente aplicável, balizada pelos limites mínimo de 4 anos de prisão, correspondente à pena parcelar mais elevada das penas concretamente aplicadas, e máximo, inultrapassável, de 25 anos de prisão (embora a soma das penas concretamente aplicadas atinja os 28 anos de prisão), o Tribunal a quo considerou que (…) não merece censura a equilibrada e bem fundada ponderação efectuada pelo tribunal a quo, proporcional à culpa do Recorrente e consentânea com as exigências de prevenção geral de prevenção especial reclamadas pelo circunstancialismo do caso concreto, assim mantendo a pena única de 9 anos de prisão.

Pena que não se poderá ter por excessiva, fixada no primeiro quarto da penalidade abstracta, reflectindo, de forma adequada e correcta, a ilicitude do comportamento desenvolvido e a personalidade do recorrente, em conformidade com os parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, do Código Penal, não se descortinando fundamento para que a mesma seja reduzida.

Nem o recorrente, de resto, opõe razões válidas capazes de sustentarem outra decisão.

7 – Pelo exposto, acompanhando o Ministério Público nas instâncias, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso em presença, e, consequentemente, mantida a decisão recorrida.»

7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

8. Realizou-se a conferência – artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.

Apreciando e decidindo.

II. Fundamentação

Dos factos

9. O tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos dados como provados no acórdão da 1.ª instância, que, assim, se mostram estabelecidos:

«NUIPC251/22.7PCRGR e 252/22.5PCRGR

1. No dia ... 2022, pelas 19h45, o menor DD, nascido a ...-...-2006, filho de EE, seguia apeando na Rua Santo Agostinho, ....

2. O arguido AA, munido de uma barra de ferro com cerca de 40 cm de cumprimento, acercou-se do menor e pediu-lhe para utilizar o telemóvel.

3. O menor recusou e logo de imediato o arguido, utilizando a força das mãos, retirou o telemóvel ao menor, dizendo: “Sai daqui senão levas com esta barra de ferro”.

4. De imediato o arguido AA abandonou o local.

5. O telemóvel era da marca Iphone, 13 no valor de 944,98 euros.

6. Pelas 20h25, o arguido AA, à porta da sua casa, dirigiu-se a EE, e disse-lhe: “À noite quando todos estiverem a dormir, vou pegar fogo à tua casa e ao teu carro”.

NUIPC 255/22.0PCRGR

7. No dia ... de ... de 2022, pelas 23h30, o arguido AA, dirigiu-se ao terreno agrícola sito na Rua ..., ..., pertencente a FF, com objetivo de se apoderar de bens que aí sabia encontrar.

8. Depois de subir o muro que veda o referido terreno, rebentou a porta em madeira do anexo utilizado para guardar ferramentas e outros bens e daí retirou: dez pombas, duas picaretas, dois sachos, 3 kg de pregos, um martelo de carpinteiro, uma catana, uma coleira em couro, de cão, uma trela de nylon, um pé-de-cabra. Arrancou do terreno 16 couves, tudo no valor superior a 102,00€.

9. Na posse desses bens, abandonou o local.

NUIPC 354/22.8PCRGR

10.No dia ... de ... de 2022, pelas 9h, o menor GG, nascido a ...-...-2007 seguia apeado pela rua ..., ..., a caminho da escola e logo o arguido AA, acercando-se do referido menor, empurrou-o contra a parede, e arrancou-lhe a bolsa que levava no ombro, arrancando-lhe a fivela e de imediato, o arguido AA, abriu a bolsa e do seu interior, retirou 25 euros em notas do ... e de imediato abandonou o local.

NUIPC 572/22.PCRGR

11.No dia ... de ... de 2022, pelas 16h, o arguido AA, dirigiu-se ao quintal sito na ..., em ..., contíguo à casa pertencente a HH e depois de subir o muro com cerca de 1,5 metros de altura que veda o referido quintal e dirigindo-se à arca congeladora aí colocada e do seu interior retirou 12 caixas de plástico para transporte de peixe no valor de 84 euros dois peixes, da espécie Bonito, no valor de 20 euros, totalizando assim o valor dos bens de que o denunciado se apoderou a quantia de €104 ( cento e quatro euros)

12. Na posse desses bens, abandonou o local.

NUIPC 623/22.7PCRGR

13. No dia ... de ... de 2022, pelas 18h30, o arguido AA, dirigiu-se à casa sita na rua da Diáspora, 10, ..., pertencente a II, com o objetivo de se apoderar de bens que aí sabia encontrar.

14. Depois de subir um muro com cerca de 2 metros de altura e que veda o quintal, pretendia apoderar-se de roupas que a ofendida tinha no estendal, nomeadamente, três robes, quatro toalhas, um pijama de senhora, 15 peças de roupa interior de homem, uma t-shirt e umas calças de ganga, tudo no valor de 143 euros.

15. Não logrou atingir o seu objetivo porque JJ, filha da ofendida, gritou para o suspeito que, assustado, abandonou o local.

NUIPC 638/22.5PCRGR

16. No dia ... de ... de 2022, cerca das 16h55, o arguido AA e o seu irmão, o arguido BB, no seguimento de um plano previamente traçado, dirigiram-se à escola profissional da ..., sita na Rua ..., ..., com o objetivo de se apoderarem de bens que aí sabiam encontrar.

17. Pondo em prática o plano, depois de subirem o muro que veda aquele espaço, deslocaram-se às traseiras da referida escola, onde se encontram três áreas de armazenamento, com portas de ferro.

18. Depois de as rebentarem, entraram naquele espaço e apoderaram-se de: um compressor de ar, de cor amarela, com capacidade para 200 litros, uma mangueira de 100 metros de cumprimento, da marca vito com o respetivo carro de rodas no valor de €340 (trezentos e quarenta euros), um berbequim da marca ..., de cor verde, uma rebarbadora da marca ... de cor verde, uma caixa de ferramentas de cor cinzenta; e uma mangueira de cor verde.

19. Na posse desses bens, abandonaram o local.

NUIPC 682/22.2PCRGR

20. No dia ... de ... de 2022, em hora que não foi possível precisar, o arguido AA, dirigiu-se à oficina, sita na Rua da ..., ..., ... e pertencente a KK e depois de partir algumas tábuas que tapavam o acesso à referida oficina, aí logrou entrar e apoderou-se de: Cinco alicates no valor de 25 euros, 9 chave de fendas no valor de 9 euros, 1 rebarbadora no valor de €100 ( cem euros), 1 roquete de polegada, no valor de €50 ( cinquenta euros, 6 chaves Philips, no valor de €6 ( seis euros), 3 alicates de pressão, no valor de €15 ( quinze euros), 1 alicate de pressão chapa, no valor de €5 ( cinco euros), 1 alicate bico de papagaio no valor de €5 ( cinco euros), 1 alicate de freios, no valor de €5 ( cinco euros), 4 alicates de corte, no valor €20 ( vinte euros), 4 alicates de pontas, no valor de €20 ( vinte euros), 1 turquês, no valor de €5 ( cinco euros, 1 cardan de polegada no valor de €15 ( quinze euros), 1 cardan de meia polegada no valor de €15 ( quinze euros), 1 chave inglesa, meia polegada no valor de €15 ( quinze euros, 1 chave inglesa pequena no valor de €10 ( dez euros), 6 chaves de doze pontos no valor de €30 ( trinta euros).

21. Tais bens foram avaliados no valor total de €340 (Trezentos e quarenta euros).

22. Na posse desses bens, abandonou o local.

23. A PSP recuperou os bens na posse do arguido.

NUIPC 692/22.0PCRGR

24. No dia ...-...-2022, LL, encontrava-se a exercer o seu trabalho de venda ambulante de cachorros, na rua ..., ....

25. Pelas 16H00, apareceu o arguido AA e repentinamente, apontando-lhe aquilo que pareceu ao ofendido uma arma de fogo, preta, disse-lhe: “Dá-me o dinheiro rápido”.

26. Com medo do arguido, LL, pegou na bolsa que habitualmente tem à cintura, abriu-a e retirando da mesma, cerca de 80 euros em notas ..., entregou-o ao arguido AA, o qual, logo fugiu do local, levando consigo o dinheiro.

27. Horas depois, cerca das 1h30, já do dia ...-...-22, o arguido AA voltou ao mesmo local. Desta vez, acompanhado arguido BB.

28. Assim, pondo em prática o plano, os arguidos AA e BB, acercaram-se do LL.

29. O arguido AA, do bolso da trás das calças, retirou uma faca e, apontando-a ao LL disse: “Dá-me o dinheiro senão eu mato-te aqui mesmo”. Nessa altura o arguido BB, barrou a passagem do ofendido LL, impedindo-o de fugir.

30. Com medo dos arguidos, LL abriu a bolsa e entregou-lhes o dinheiro, cerca de 20 euros em trocos. Na posse do dinheiro, os arguidos fugiram do local.

NUIPC 695/22.4PCRGR

31. No dia ...-...-22, pelas 23h30, MM, seguia apeado pela rua Padre António Vieira, .... Foi interpelado pelo arguido AA e pelo arguido CC, conhecido Por NN, que lhe pediram um cigarro.

32. Quando se preparava para dar um cigarro ao arguido AA, este, agarrou-o pelo pescoço e atirou-o ao chão, onde o segurou, enquanto o arguido CC lhe remexeu nos bolsos, retirando cerca de €90 (noventa euros).

33. Na posse desse dinheiro, abandonaram o local.

34. O arguido AA, agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito conseguido de – ao fazer crer que poderiam atentar contra a vida e a integridade ... dos ofendidos, os menores DD e GG e LL, afetando a respetiva capacidade de reação e, desta forma, assenhorear-se do referido telemóvel e dinheiro bem sabendo que tais bens não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e sem o consentimento dos respetivos donos, os quais se viram forçados a tolerar tal conduta, sob o receio de eventual agressão.

35. Quando actuaram em conjunto sobre o ofendido LL, os arguidos AA e BB, actuaram de forma consciente de que a violência exercida sobre o ofendido era adequada a constrangê-lo à tolerância da subtracção do telemóvel e dinheiro, sabendo que tais bens não lhes pertenciam, conformando-se com tal resultado. Atuaram por acordo tácito, estabelecido no memento em que atuaram.

36. Quando os arguidos AA e CC actuaram em conjunto sobre o ofendido MM, actuaram de forma consciente de que a violência exercida sobre o ofendido era adequada a constrangê-lo à tolerância da subtração do telemóvel e dinheiro, sabendo que tais bens não lhes pertenciam, conformando-se com tal resultado. Actuaram por acordo tácito, estabelecido no memento em que atuaram.

37. O arguido BB, agiu com o propósito conseguido de – ao fazer crer que poderiam atentar contra a vida e a integridade física do ofendido LL, afetando a respetiva capacidade de reação e, desta forma, assenhorear-se do dinheiro bem sabendo que tais bens não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono, o qual se viu forçado a tolerar tal conduta, sob o receio de eventual agressão.

38. Em todas as circunstâncias em que os denunciados actuaram, agiram livre, deliberada e conscientemente.

39. Sabiam também que os bens de que se apoderaram não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos legítimos proprietários.

40. Relativamente aos factos do NUIPC 623/22.7PCRGR, o arguido AA só não logrou atingir o seu objectivo porque JJ, filha da ofendida gritou para o arguido que assustado, abandonou o local.

41. O arguido AA, agiu com o propósito concretizado de provocar medo e inquietação na ofendida EE, sendo que as expressões utilizadas eram adequadas a causar-lhe medo.

42. Não desconheciam ainda os arguidos serem proibidas e puníveis tais condutas.

Das condições socioeconómicas do arguido AA:

43. AA, atcualmente preso preventivo no ..., à ordem dos presentes autos, é oriundo de um agregado familiar de parcos recursos económicos é o mais novo de uma fratria de quatro elementos. O pai era ... de profissão, atualmente reformado por invalidez e a progenitora é doméstica.

44. O seu desenvolvimento pessoal e social ocorreu num contexto e enquadramento familiar com práticas parentais inconsistentes, com lacunas ao nível da transmissão de regras e limites, bem como da supervisão do quotidiano deste, por parte de ambos os progenitores, situação acentuada, entretanto pelo estado de saúde do pai, denotando dificuldades em controlar o desajuste comportamental que o arguido evidencia desde a infância.

45. O arguido e a progenitora descrevem, actualmente, uma relação familiar gratificante e isenta de problemas em contexto intrafamiliar. Contudo, da análise que foi possível verificar, a progenitora adopta postura proteccionista e desculpabilizante para com o arguido, reconhecendo e desvalorizando o comportamento aditivo por parte do mesmo.

46. O arguido nunca se autonomizou do agregado familiar de origem, vivendo à data dos factos pelos quais se encontra acusado, com os progenitores, e os núcleos constituídos de dois irmãos, onde se inclui os respetivos cônjuges e filhos daqueles (quatro sobrinhos do arguido). Um dos irmãos que fazem parte do agregado, é coarguido nos presentes autos (BB) e encontra-se, igualmente, preso preventivamente no ....

47. AA refere que está habilitado com o 4.º ano de escolaridade, no entanto, de acordo com a informação que consta no processo individual, o arguido apresenta um percurso escolar caraterizado pelo absentismo e problemas de comportamento, os quais se agravaram na adolescência, evidenciando total inadaptação à escola, não adquirindo competências básicas de escrita e leitura. Face à desadequação comportamental e insucesso escolar, segundo informação recolhida, AA foi integrado no Projeto ..., resposta alternativa à escolaridade obrigatória, sem componente formativa e que pretendia constituir-se como um espaço de estabilização e estruturação do quotidiano do arguido, ao qual este não revelou adesão, situação extensiva a outras intervenções sociais realizadas na comunidade.

48. AA, à data dos factos não apresentava qualquer estruturação o seu tempo, referindo que apenas trabalhava, esporadicamente nas terras, quando solicitado para o efeito. Ao arguido não lhe é conhecido um percurso profissional ou ocupacional sustentado, assumindo em regra um estilo de vida desestruturado e com associação a grupos de pares com idênticos comportamentos e percurso de vida, dependendo totalmente do suporte económico da família e de apoios sociais.

49. O agregado familiar subsiste através da pensão de invalidez do progenitor, acrescido dos rendimentos sociais de inserção e dos valores recebido dos abonos dos menores. Pelos referidos serviços de ação social, não há registo de problemas de maior, na relação para com os serviços.

50. A moradia onde reside o agregado familiar pertence à .... A habitação possui quatro quartos de cama e dispõe de condições de mínimas de habitabilidade dado o elevado número de elementos que comporta. As despesas domésticas são partilhadas pelos diferentes agregados familiares integrados na habitação, não havendo registos de carência alimentar.

51. A habitação está integrada num bairro social, com problemática criminal/de pobreza e exclusão social/outras problemáticas.

52. No âmbito do Processo, n.º 820/18.0PCRGR.1, foi acompanhado no âmbito de uma Suspensão de Execução da Pena com Regime de Prova, cuja medida terminou em .../.../2020. Ao longo da medida probatória o arguido demonstrou fraco sentido de compromisso e empenho no âmbito do processo de mudança, tendo-se verificado fraca adesão no que diz respeito à intervenção externa, contudo a medida foi declarada extinta.

53. Ao nível da problemática aditiva, o arguido, durante o acompanhamento acima referido, foi encaminhado para a ..., em ..., contudo o mesmo apenas foi integrado em Programa Livre de Drogas – Controlo Toxicológico, em .../.../2020. No que diz respeito à realização de testes de despiste, por motivos da pandemia (COVID-19), a ... suspendeu os mesmos, na zona de residência do condenado. Entre ..., o arguido foi por diversas vezes convocado para realizar testes de despiste em ..., mas nunca compareceu, tendo a progenitora informado, por diversas vezes, que não tinha disponibilidade financeira para pagar os transportes para o filho se deslocar a .... De acordo com o arguido, à data dos factos, este afirma ter mantido o consumo das Novas Substâncias Psicoativas.

54. Já foi julgado e condenado:

a) Por sentença de .../.../2017, na pena de 160 dias de multa, substituída por trabalho; pela prática de um crime de ofensa à integridade física a .../.../2016;

b) Por sentença de .../.../2017, na pena de 160 dias de multa, substituída por trabalho, pela prática de um crime de coação a .../.../2017;

c) Por sentença de .../.../2018, na pena de 100 dias de multa, substituída por trabalho, pela prática de um crime de ofensa à integridade física a .../.../2016;

d) Por sentença de .../.../2019, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 1 ano com regime de prova, pela prática de um crime de furto qualificado a .../.../2017;

e) Por sentença de .../.../2019, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo e com regime de prova, pela prática de um crime de roubo a .../.../2018;

f) Por sentença de .../.../2302, na pena de 60 dias de multa, pela prática de um crime de furto simples a .../.../2019.

(…)»

Do objeto e âmbito do recurso

9. O recurso, circunscrito a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem, pois, por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de uma pena superior a 8 anos de prisão, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça [artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP].

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de ........1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

10. Conforme se vê da motivação do recurso e do acórdão recorrido, o arguido vem reeditar os argumentos e pretensões do recurso do acórdão proferido em 1.ª instância que apresentou perante a Relação. Apenas a conclusão 5 – onde diz: “O arguido tem 24 anos, o seu agregado familiar apresenta uma dinâmica intrafamiliar positiva e coesa, e que certamente o apoiarão na sua reinserção social» – é nova.

Como tem sido repetidamente afirmado (por todos, o acórdão de ........2024, Proc. 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, remetendo para o acórdão de 02-10-..., Proc. 3622/17.7JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, com abundante citação de jurisprudência), o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação, que conheceu daquele recurso. Os recursos não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente (assim, acórdãos de ........2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e de ........2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, e jurisprudência e doutrina neles citada, em www.dgsi.pt).

Os argumentos do recorrente entender-se-ão, assim, como limitados e dirigidos ao acórdão da 2.ª instância.

11. Tendo em conta as conclusões da motivação, este Tribunal é chamado a apreciar e decidir se o acórdão da Relação, ao confirmar a condenação na pena única de 9 anos de prisão, violou o regime de determinação da medida da pena, em desrespeito pelos critérios de adequação e proporcionalidade que lhe presidem.

12. A discordância do recorrente, que se exprime em considerações de ordem geral referidas à prevenção geral e à ressocialização, apenas invoca, a seu favor, a sua juventude («24 anos») e a alegação de que «o seu agregado familiar apresenta uma dinâmica intrafamiliar positiva e coesa, e que certamente o apoiarão na sua reinserção social» (mencionada conclusão 5).

13. A decisão do Tribunal da Relação que aprecia a aplicação da pena única encontra-se sinteticamente fundamentada nos seguintes termos:

«Sustenta o Recorrente AA que se impõe uma substancial redução da pena que lhe foi aplicada por entender que aquela que lhe foi aplicada no âmbito do cúmulo jurídico efectuado é desajustada, excessiva e desproporcional, limitando-se a esgrimir para o efeito esses qualificativos.

No que respeita à determinação da medida concreta da pena remete-se para o expendido a esse respeito na apreciação do recurso interposto por BB [com citação do regime legal aplicável].

O tribunal a quo fundamentou a pena concretamente aplicada ao Recorrente nos seguintes termos:

“Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto óptimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar. Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40º, nº 2, do Código Penal). Ora, dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71º, nº 2, do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.

Nessa perspetiva, as exigências de prevenção geral são elevadas, na medida em que os crimes contra o património e contra as pessoas continuam a ser os que registam mais ocorrência em território nacional (sendo disso expressão o último Relatório Anual de Segurança Interna), pelo que urge reafirmar a validade das normas violadas. Por outro lado, a comunidade reputa de relevante a frequência com que estes crimes são praticados, sendo certo que os bens protegidos por este tipo incriminador revestem importância no dia-a-dia da comunidade.

Deverá ainda ter-se presente o grau de ilicitude dos factos, elevado quanto a todos os arguidos, atenta a forma de atuação dos arguidos (nomeadamente a violência com que o arguido AA agia e a combinação com os coarguidos), a sua duração e a natureza e o valor dos bens subtraídos. Também elevada é a culpa de todos os arguidos, atento o dolo direto. Não podemos ainda ignorar os antecedentes criminais de todos os arguidos, sendo que a favor dos mesmos nada abona, sendo que nenhum deles demonstrou o mínimo arrependimento quanto aos factos praticados, atribuindo, exclusivamente, a culpa à sua dependência. Quanto à confissão do arguido AA, diga-se que aquele só confessou os factos cuja prova era evidente, pelo que a mesma não releva, já que confessou o que não poderia negar.

Assim, o Tribunal Colectivo decide aplicar as seguintes penas:

Uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão (NUIPC 251 -roubo);

Uma pena de 8 meses de prisão (NUIPC 251 – ameaça agravada);

Uma pena de 3 anos e 2 meses de prisão (NUIPC 354);

Uma pena de 1 ano e 2 meses de prisão (NUIPC 572);

Uma pena de 1 ano de prisão (NUIPC 623);

Uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão (NUIPC 638);

Uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão (NUIPC 682);

Uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão (NUIPC 692 – 1.º roubo);

Uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão (NUIPC 692 – 2.º roubo);

Uma pena de 4 anos de prisão (NUIPC 695).

Verificando-se, um concurso real e efectivo de infrações, a punição deve realizar-se de acordo com o disposto no artigo 77.º do Código Penal.

Nos termos do n.º 2 da norma acima referida, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas a todos os crimes.

Dentro desta moldura, há também que atender aos factos e à personalidade dos agentes, apreciados conjuntamente (artigo 77.º, n.º 1, parte final do Código Penal), que revelam uma tendência criminosa, e realizando uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade (nomeadamente a gravidade do ilícito global, atento o modo de execução dos crimes, o período temporal e os valores em causa), de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, demonstra-se adequada a fixação da pena única do arguido AA em 9 anos de prisão (…).

Não merece censura a equilibrada e bem fundada ponderação efectuada pelo tribunal a quo, proporcional à culpa do Recorrente e consentânea com as exigências de prevenção geral [e] de prevenção especial reclamadas pelo circunstancialismo do caso concreto. Improcede deste modo nesta parte o recurso.»

Perante a exiguidade da fundamentação, há que verificar da adequada observância dos critérios de determinação da pena.

14. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º, infra), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (critério especial do n.º 1 do artigo 77.º, in fine). Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de ........2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).

15. Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto (o «grande facto»), enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.

Há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido e ao fio condutor presente na «repetição criminosa», procurando estabelecer uma relação entre esses factos e a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com projeção nos crimes praticados, e levando-se em consideração a natureza destes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, por todos, entre os mais recentes, os acórdãos de 01.03.2023, cit., e de 08.06.2022, Proc. n.º 430/21.4PBPDL.L1.S1, em www.dgsi.pt, retomando-se o que se afirmou no acórdão de 2.12.2012, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1, de 21.11.2018, ECLI:PT:STJ:2018:114.14.0JACBR. A.S1.73, citando-se, designadamente, os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 18.1.2012, Proc. 34/05.9PAVNG.S1 (Raul Borges), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1) (Pires da Graça) e 488/11.4GALNH (Maia Costa), em www.dgsi.pt].

Convocando o afirmado em decisões anteriores: “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 291).

16. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)].

O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na determinação e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos, que devem pautar a sua aplicação (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).

17. Aos crimes cometidos, que se posicionam numa relação de concurso (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal), corresponde a pena de 4 anos (pena parcelar mais elevada) a 25 anos de prisão (limite fixado no artigo 77.º, n.º 2, do CP, pois que a soma das penas parcelares ultrapassa este limite).

O arguido vem condenado pela prática, em concurso, de um total de cinco crimes de roubo, da previsão do artigo 210.º, n.º 1, do CP, cinco crimes de furto qualificado, sendo três deles pela al. e) (escalamento, arrombamento) do n.º 2 e dois pela al. f) (introdução em espaço fechado) do n.º 1 do artigo 204.º do CP, e um crime de ameaça agravado, da previsão dos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, do Código Penal.

Os factos que agora preenchem o ilícito global, com repetida ofensa dos mesmos bens jurídicos, pessoais e patrimoniais – propriedade, nos crimes de furto e de roubo, integridade física, nos crimes de roubo, e liberdade, no crime de ameaça –, por diversas formas, essencialmente idênticas (com ameaças ou uso da força física nos crimes de roubo), foram praticados, todos eles, no período de cerca de 6 meses, entre abril de 2022 e outubro de 2022, sendo dois em dias seguidos do mês de abril (dias 14 e 15), um em maio, quatro em setembro (dias 2, 15, 18 e 30) e três em outubro (dias 2, 3 e 6), identificando-se assim quatro tempos de próxima conexão.

O valor total do dinheiro e dos objetos furtados e roubados é de aproximadamente 2.200 euros, sendo que os valores correspondentes aos diversos crimes oscilam entre 25 euros e 340 euros, apenas num caso atingindo valor superior (telemóvel no valor de 944,98 euros). Foram recuperados objetos nos valores de 143 e 340 euros (total: 483 euros), evidenciando-se um não muito grau de ilicitude relativamente à maioria dos crimes praticados, na consideração dos valores e das consequências dos crimes.

As problemáticas condições pessoais, económicas, sociais e familiares do arguido (pontos 43 e segs. dos factos provados, que não confirmam a alegação do recorrente de o seu agregado familiar apresentar «uma dinâmica positiva e coesa», que o «apoiará na sua reinserção social»), com 23 anos à data da prática dos factos, e o seu percurso vida e de formação e não adesão a programas de apoio e tratamento mostram-se consideravelmente adversos ao favorecimento da sua ressocialização, o que eleva as necessidades de prevenção especial.

O comportamento anterior aos crimes, em que se identificam seis condenações por crimes de furto, roubo, coação e ameaça, praticados num período de 3 anos (entre 2016 e 2019), sendo o arguido ainda muito jovem adulto, punidos com penas não privativas da liberdade (ponto 54 da matéria de facto), revelam demonstrada insensibilidade às penas, a reforçar as necessidades de prevenção especial. Sendo que, pela cronologia e frequência dos crimes em questão o comportamento do arguido revela já uma comprovada tendência para a prática de crimes de natureza idêntica, a funcionar como fator de agravação da pena do cúmulo.

No mesmo sentido se orientam as necessidades de prevenção geral dado o sentimento de insegurança na comunidade gerado pela frequência destes tipos de crimes, o que, todavia, se deve comportar nos limites impostos pelas circunstâncias relevantes por via da culpa, em que se revela uma não elevada ilicitude global e uma significativa incapacidade e falta de preparação para manter uma conduta lícita.

No conjunto das circunstâncias não se identificam fatores positivos que mereçam ser considerados de forma particularmente relevante na determinação da medida da pena.

18. Nesta conformidade, tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em concurso, na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido revelada na sua prática (artigo 77.º, n.º 1, do CP), e os limites impostos pelas circunstâncias relevantes para a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, e 71.º do CP), não se mostra presente fundamento que justifique uma intervenção corretiva na medida da pena única, a qual, nesta medida, não desrespeita o critério de proporcionalidade que preside à sua aplicação, em vista da realização das finalidades de proteção dos bens jurídicos ofendidos com a prática dos crimes e de integração do arguido na sociedade.

É, assim, negado provimento ao recurso.

Quanto a custas

19. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

20. Pelo exposto, acorda-se em conferência da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de abril de 2024

José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria do Carmo Silva Dias

Ana Maria Barata de Brito