DGPJ

Cláusulas Abusivas
Processo: 1004/12.6TJLSB.L1.S1
Tribunal 1ª instância: JUÍZOS CÍVEIS DE LISBOA
Juízo ou Secção: 5º JUÍZO - 2ª SECÇÃO
Tipo de Ação: AÇÃO INIBITÓRIA
Tipo de Contrato: CONTRATO DE MANUTENÇÃO DE ELEVADORES
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO
Réu: TECNIATLAS ASCENSORES, LDA.
Data da Decisão: 12/31/2013
Descritores: CLÁUSULAS PENAIS DESPROPORCIONADAS
DEFINIÇÃO DE PRAZOS EXCESSIVOS
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
Texto das Cláusulas Abusivas: Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente
Recursos: S

Recurso TRIBUNAL RELAÇÃO LISBOA
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data do Acórdão: 05/27/2014
Decisão: Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, consequentemente:
a) Declaram a nulidade da cláusula 8.2 das condições gerais do contrato de manutenção simples, do contrato de manutenção simples com serviço 24 horas e do contrato de manutenção completa;
b) Declaram a nulidade da cláusula 5ª das condições contratuais específicas do contrato de manutenção simples, do contrato de manutenção simples com serviço 24 horas e do contrato de manutenção completa;

Cláusula 8.2 das Condições Gerais: «A rescisão antecipada por parte do Cliente, obrigará o mesmo ao pagamento imediato dos meses em falta até ao seu termo, multiplicados pelo valor mensal do serviço de manutenção em vigor à data da rescisão. Esta indemnização terá lugar se não houver lugar à resolução antecipada fundamentada no incumprimento ou cumprimento defeituoso do Contrato imputável à TA, LDA"

Cláusula 5ª das Condições Contratuais Específicas: «O presente contrato terá início em xx/xx/2011 e manter-se-á válido por 2 (dois) anos, considerando-se tacitamente renovado por iguais períodos desde que não seja denunciado por qualquer das partes, com pelo menos 90 dias de antecedência do seu termo através de carta registada"

Sumário:
I. A desproporcionalidade das cláusulas não resulta do facto de fixarem indemnizações antecipadamente por recurso ao mecanismo da cláusula penal, permitida de resto pelo artigo 19.º, alínea c), que, aliás, tem a vantagem de eliminar futuros diferendos quanto à determinação desse montante (o que se afigura benéfico para as duas partes).
II. A desproporcionalidade deriva, antes, da circunstância de tais cláusulas criarem para o predisponente uma posição vantajosa que não se enquadra na regulação normal e típica do contrato em causa, mormente quanto às consequências do incumprimento contratual pressuposto nas mesmas.
III. É que correspondendo a indemnização ao valor total das prestações devidas até final do contrato, existem gastos associados à contraprestação da predisponente que nunca serão realizados (por exemplo, custos com as ações inspetivas e de reparação que implicam utilização de mão de obra e de material que pode ser alocado ao cumprimento de outros contratos).
IV. Por outro lado, funcionando as referidas cláusulas ao longo da execução do contrato, caso a resolução se verifique numa fase inicial da execução do mesmo, é percetível que, independentemente dos valores cobrados serem mais ou menos elevados, a indemnização a pagar pelo aderente/cliente será sempre desproporcionada em relação à contraprestação da proponente, já que este se libera totalmente da mesma e dos inerentes custos.
V. Ora, a aludida vantagem da predisponente gera uma desproporção sensível relativamente aos interesses em confronto, que deve ser arredada em face de juízos de razoabilidade e das regras da boa-fé contratual, já que delas resulta, em abstrato e previsivelmente, uma desequilibrada repartição de direitos e deveres entre as partes, sem que haja motivo justificável e atendível.
VI. Por conseguinte, as cláusulas em apreço são relativamente proibidas, nos termos conjugados dos artigos 15.º, 16.º e 19.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, porque desproporcionadas, importando a sua nulidade (artigo 286.º do Código Civil), conforme disposto no artigo 12.º do mencionado diploma.
VII. Para aferir se o prazo de denúncia é um prazo excessivo, sendo, por isso, nulas as referidas cláusulas, por aplicação do artigo 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 446/85, há que analisar a questão emitindo sobre a mesma um juízo valorativo global e objetivo, considerando o quadro negocial padronizado, sem descurar o contexto específico deste tipo de contrato tendo em conta a atividade da proponente, o ramo e setor de atividade.
VIII. A excessividade do prazo tende a ter como parâmetro de comparação o da duração do contrato.
IX. Em contratos de curta duração (um ano ou inferior a um ano) é por demais evidente que um prazo de denúncia de noventa dias se afigura clamorosamente excessivo por absorver uma parte significativa da duração do contrato.
X. Num contrato de dois anos ou de cinco anos de duração, já poderá questionar-se se um prazo de denúncia de noventa dias é excessivo.
XI. O que releva na ponderação da existência ou não de excessividade do prazo de denúncia, é saber se um determinado prazo é objetivamente adequado a salvaguardar os interesses das duas partes, numa fase sensível do cumprimento do contrato subsequente à anunciada vontade de uma das partes se desvincular.
XII. Assim, noventa dias de prazo de denúncia, mesmo em contratos que tenham a duração de 2 e 5 anos, é manifestamente excessivo por criar um desequilíbrio contratual nitidamente em desfavor do aderente/cliente que denuncia o contrato, e por um período demasiado longo, pelo que a cláusula não é permitida, por ser nula [artigos 15.º, 16.º e 22.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85, porque excessiva, importando a sua nulidade (artigo 286.º do Código Civil), conforme disposto no artigo 12.º do mencionado diploma].

Recurso SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA
Relator: JOÃO JOSÉ MARTINS DE SOUSA
Data do Acórdão: 12/09/2014
Decisão: Acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente a revista, e consequentemente:
- Revogam o segmento decisório constante da alínea b) do acórdão recorrido;
- Restringem a condenação da recorrente, inserta na alínea c) do acórdão recorrido, à cláusula 8.2 das condições gerais do contrato de manutenção simples, do contrato de manutenção simples com serviço de 24 horas e do contrato de manutenção completa.

Sumário:
I - Os contratos de assistência técnica, manutenção e reparação de ascensores, devem obedecer a determinados requisitos legais, consubstanciando contratos-tipo, celebrados entre os proprietários dessas instalações e as empresas de manutenção de ascensores (EMA), por regra, com recurso a cláusulas contratuais gerais.
II - Uma cláusula contratual geral, inserta em contratos daquela espécie, com durações de 2 e 5 anos, respectivamente, que confere à EMA, em caso de rescisão antecipada do contrato pelo cliente, o direito a obter o pagamento imediato dos meses em falta até ao termo do contrato, multiplicado pelo valor mensal do serviço de manutenção em vigor à data da rescisão, reveste, manifestamente, o carácter de cláusula penal indemnizatória e compulsória.
III - Considerando as diversas figuras jurídicas extintivas das relações obrigacionais complexas – denúncia, revogação e resolução –, e ponderando que a rescisão não tem um sentido unívoco, deve considerar-se que aquela cláusula tem em vista as situações de resolução não justificada ou sem justa causa.
IV - Dentro do quadro negocial padronizado, é de considerar desproporcionada aos danos que visa ressarcir, e como tal nula, por violação do art. 19.º, al. c), da LCCG, a cláusula penal convencionada, pois dela resultará o pagamento pelo cliente/aderente da totalidade das prestações correspondentes aos meses do contrato em que este já cessou, sem a contraprestação do serviço da EMA que, para além disso, ficaria beneficiada por receber de uma só vez e em antecipação ao que estava previsto.
V - No que tange à denúncia, a LCCG pretende a proibição de cláusulas de exclusão da possibilidade de extinção, por declaração unilateral do contraente, da obrigação contratual duradoura, devendo aferir-se a excessividade do prazo de denúncia tendo como parâmetro de comparação o prazo de duração do contrato.
VI - O estabelecimento, naqueles contratos, com durações de 2 e 5 anos, de uma cláusula contratual geral que preveja um prazo de denúncia de 90 dias, afigura-se idóneo e adequado, dentro do quadro contratual padronizado, por representar, respectivamente, 12,5% e 5% do período total daqueles contratos, e não viola o art. 22.º, n.º 1, al. a), da LCCG.
VII - Exercendo a EMA, que utiliza aqueles clausulados nos seus contratos-tipo, a sua actividade em municípios situados na área metropolitana de Lisboa, apenas será necessária a publicitação da proibição, nos termos do art. 30.º da LCCG, num jornal diário, de maior tiragem, na respectiva área, pelo período de 3 dias consecutivos, sendo injustificado determinar tal publicitação noutras áreas geográficas do país.
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Texto Integral: 1004_12_6TJLSB.L1.S1.pdf 1004_12_6TJLSB.L1.S1.pdf