Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0337/09.3BELRS
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANIBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29591
Nº do Documento:SA2202206220337/09
Data de Entrada:04/11/2022
Recorrente:A………… E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A………… e Outros, …, recorrem de sentença, proferida no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 21 de setembro de 2020, que julgou improcedente impugnação judicial, visando segunda avaliação de prédio urbano.
Os recorrentes (rtes) produziram alegação e concluíram: «

A - Nos termos do artigo 15.º do Decreto-lei nº 287/2003 e nos termos do n.º 1, alínea i) do artigo 13.º do CIMI, após a entrada em vigor do CIMI, haveria lugar à actualização ou avaliação do valor patrimonial tributário do imóvel desde que tivesse ocorrido transmissão - gratuita ou onerosa do mesmo.

B - Ao arrepio das normas de direito sucessório constantes do Código Civil e jurisprudência firmada pelo STA, entendeu a Mma. Juiz do Tribunal a quo que ocorreu uma transmissão onerosa, após a entrada em vigor do CIMI, uma vez que ocorreu partilha com pagamento de tornas pelo excedente da quota parte que caberia a cada herdeiro, existindo, por isso, fundamento para a avaliação do imóvel e, consequência disso, fundamento para a liquidação adicional do IMI.

C - Os recorrentes discordam, entendendo que não ocorreu qualquer transmissão do imóvel após a entrada em vigor do CIMI, porquanto os efeitos da partilha se reportam ao momento da abertura da sucessão, resultando daí que a entrega da Declaração do Modelo 1 do IMI não teve qualquer fundamento legal – tendo servido apenas para actualizar a descrição do imóvel na matriz - devendo ser anulada a avaliação do imóvel e, em consequência disso, anulada a liquidação adicional do IMI.

D - A Administração Tributária está vinculada à observância das orientações contidas nas suas próprias circulares – artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, anterior artigo 68.º, n.º 4, al. b), da LGT.

E - Através da circular 21/92 de 19 Outubro, a AT veio definir o seguinte:

O momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal”.

F - A circular 21/92 à data dos factos, da sucessão e da partilha, estava em vigor, como de resto sucede at(é) ao presente.

G - Pelo que a 2.ª avaliação não tem qualquer fundamento legal e, consequência disso, a liquidação adicional do IMI é forçosamente ilegal, por violação do artigo 68.º, n.º 1-A da LGT.

H - Entendeu a Mma. Juiz do Tribunal de 1ª instância e que sempre estaria precludida a hipótese de extrair quaisquer outras consequências pelo facto dos aqui Recorrentes nunca terem invocado a aplicação da referida circular.

I - Discordam os Recorrentes, pois, por um lado, a invocação da referida circular e a vinculação da AT à mesma é matéria de direito e, portanto, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” – cfr. artigo 5.º, n.º 3 do CPC.

J - Por outro, mesmo que se entendesse ser necessária a invocação da aplicação da circular e a vinculação da AT à mesma - o que de forma alguma se concede -, ainda assim o Tribunal de 1.ª instância devia conhecer da questão, uma vez que foi suscitada pelo MP, nos termos e para os efeitos do artigo 121.º do CPPT.

L - Tendo o MP suscitado a questão da aplicação da circular devia o Tribunal a quo conhecer da ilegalidade das liquidações adicionais do IMI também à luz da vinculatividade da Circular nº 21/92.

M - Resulta dos artigos 2119.º, 250, n.º 2 e 2031.º do CC, do Código Civil, que:

- a ordem jurídica elegeu o princípio da retroactividade da partilha;

- o momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança;

- a partilha tem efeito meramente declarativo ou, quando muito, modificativo, mas nunca constitutivo.

N - Assim, a partilha é por essência declarativa e certificativa, conforme é doutrinal e jurisprudencialmente estribado: nesse sentido, o Acórdão do STJ de 11.02.2015, processo n.º 9088/05.7TBMTS.P1.S1, acima transcrito, e também, em sede de direito tributário, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente o Acórdão do STA 16.03.1994, processo n.º 017417, que igualmente se transcreve acima.

O - Por outro lado, o Supremo Tribunal Administrativo tem jurisprudência firmada sobre o efeito declarativo da partilha – jurisprudência que o próprio MP invocou e sobre a qual o Tribunal a quo fez tábua rasa – em particular o Acórdão do STA de 07.03.2018, processo n.º 0917/17 que, pela sua importância para o caso, aqui novamente se transcreve em parte:

I - Não dispondo o direito tributário de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no art.º 11.º da Lei Geral Tributária, teremos que nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil – art.º 2119.º - que estabelece que; «Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos.» e art.º 2031.º - «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele».

II - A impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido o bem cujo valor excedia a sua quota hereditária.

III - O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, sendo a partilha apenas uma forma de distribuir os bens pelos herdeiros em conformidade com a lei, a vontade do de cujus e os interesses dos herdeiros, em preenchimento dos respectivos quinhões hereditários, sempre, em todas as situações, com efeitos retroagidos àquele momento inicial da sucessão hereditária. – ….

P - O Tribunal de 1ª. Instância entendeu, sob a égide do principio da unidade e da congruência do sistema jurídico-tributário, socorrer-se do CIMT, donde resulta, expressa e tipificadamente que é sujeito a imposto “(…) excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário.” – cfr. artigo 5.º, n.º 2, c) do CIMT, para defender que o excesso da quota-parte adjudicada ao adquirente é para efeitos de IMI um acto translativo.

Q – Tal argumento é, porém, rebatido pelo Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no Acórdão de 12.02.2020, processo n.º 0360/12.0BECBR 449/18, no qual se afirma: “(…) Quanto à premissa menor: ao contrário do que alega a Recorrente, também não deriva da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT que o ato de divisão ou partilhas de que derive excesso da quota-parte para o adjudicante e o direito a tornas para o outro constitui transmissão a título oneroso para efeitos daquele imposto. O que deriva daquele dispositivo legal é apenas que, havendo excesso da quota-parte para um dos sujeitos da partilha (fenómeno em que o legislador se enquista precisamente para desconsiderar a natureza do ato de partilha) esse excesso também fica sujeito a IMT, abstraindo da questão de saber se a operação em que se insere tem natureza translativa ou onerosa.(…)”.

R - Pelo que não podia o Tribunal a quo, a despeito do artigo 2.º, n.º 5, alínea c) do CIMT, concluir que se entende por transmissão, nos termos do artigo 15.º do Decreto-lei nº 287/2003 de 12 de Novembro e nos termos do n.º 1, alínea i) do artigo 13.º do CIMI, a adjudicação do excesso da quota-parte em partilhas.

S - Estando em causa normas que estabelecem condições objectivas de incidência de um imposto – no caso, a de a avaliação apenas ter lugar aquando da primeira transmissão do imóvel após a entrada em vigor do CIMI – a sua interpretação deve ser estrita e balizada por especiais cautelas de evitar qualquer expansividade, presunção de lacuna, ou recurso a normas relativas a outros tributos, dada a especial força e carácter garantístico que o princípio da legalidade assume no âmbito do direito fiscal (cfr. artigo 103º da Constituição).

T - Pelo que, por todos os pontos de vista, não pode deixar de considerar-se a liquidação adicional em causa como ilegal.

U - Tendo os Recorrentes pago imposto em montante superior ao devido por erro imputável aos serviços, é lhes devido o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data do efectivo reembolso dos montantes pagos em excesso – cfr. art. 43º da LGT.

Valor: € 23.920,14 (vinte e três mil novecentos e vinte euros e catorze cêntimos)

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por decisão que anule a liquidação adicional de IMI, e ordene a restituição do valor pago pelos Recorrentes acrescido dos respectivos juros de mora contabilizados desde a data do pagamento até integral devolução. »


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Não houve lugar a contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer, entendendo, a final, que deve ser concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e julgada procedente a impugnação.

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Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

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# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

a) Os Impugnantes são comproprietários do prédio urbano descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o artigo n.º…., da freguesia de Benfica, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo ….. em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, composto de uma cave, rés-do-chão e 7 pisos habitacionais, sito na …………, n.º ….-A, …. e …..-B, na proporção de 23/126, 23/126, 23/126, 1/6, 5/52, 1,6, respetivamente – cfr. certidão predial junta com a petição inicial como doc. 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) A cave e rés-do chão do prédio identificado na alínea a) antecedente, destinam-se a estacionamento coberto – cfr. planta das telas finais, juntas com a petição inicial, como doc. n.º 2.

c) Por testamento deixado por B…………, falecida em 05-08-2003, os 1º, 2º e 3º Impugnantes foram instituídos herdeiros da quota-parte de 1/3 indiviso do prédio identificado na alínea a) – cfr. escritura de habilitação e partilha outorgada em 30-09-2004, junta com a petição inicial como doc. n.º 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) Por escritura de habilitação e partilha realizada em 30-09-2004, foi efetuada aceite a herança e realizada a partilha da herança entre os Impugnantes, com preenchimento da quota-parte e pagamentos a título de tornas – crf. Escritura de habilitação e partilha outorgada em 30-09-2004, junta com a petição inicial como doc. n.º 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

e) Em 02-12-2004, o 1º Impugnante, A…………, na qualidade de comproprietário, apresentou no Serviço de Finanças a declaração Modelo 1 de IMI, referente ao prédio identificado na alínea a) – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

f) Em 23-06-2008, os Impugnantes foram notificados da 1ª avaliação do imóvel – cfr. doc. nºs 5 a 48, juntos com a petição inicial, e doc. junto pela Autoridade Tributária a fls. 390-469, do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

g) Em data não concretamente apurada, os Impugnantes requereram a realização da 2ª avaliação do imóvel, a qual foi realizada por comissão de avaliação constituída para o efeito – cfr. doc. n.ºs 51 a 95, juntos com a pi e doc. juntos pela Autoridade Tributária, a fls. 276-389, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

h) Em consequência da 2ª avaliação do imóvel, em dezembro de 2008, os Impugnantes foram notificados da liquidação adicional de IMI para os anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, no valor de € 23.920,14, e prazo de pagamento voluntário em janeiro de 2009, tendo procedido ao pagament(o) da quota-parte de imposto respetivo – cfr. doc. n.ºs 95 a 132, juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. »


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Na sentença sob recurso, em dois apontamentos separados, foi expendido, primeiro, “Nos presentes autos, cumpre aferir se ocorreu uma transmissão dos imóveis que fundamente a avaliação aos imóveis realizada pela Autoridade Tributária em sede de IMI” e, num segundo momento, que “Face às questões a decidir enunciadas supra cumpre decidir se no caso dos autos ocorreu uma transmissão dos bens imóveis para efeitos do disposto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12-11, que aprovou o CIMI, e do disposto no artigo 13.º, n.º 1, alínea i) do CIMI”.

Em função desta delimitação das questões a decidir, após terem sido expressos os contributos normativos, jurisprudenciais e doutrinais julgados pertinentes, pelo tribunal recorrido, veio a ser entendido: «

(…).

Revertendo aos autos, face ao enquadramento legal exposto, não desconhecendo a existência de jurisprudência em sentido divergente [cfr. inter alia, Ac. do STA de 07-03- 2018/Proc. 0917/17, de 26-10-2016/Proc. 053/15 e de 17-10-2012/Proc. 0583/12], por concordarmos com a fundamentação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul citado e pela ausência vinculatividade para o Tribunal das Circulares administrativas, de acordo com o princípio da unidade e da congruência do sistema jurídico-tributário, concluímos que, face ao que se fez constar do probatório, sub judice ocorreu a transmissão dos bens, in casu, uma transmissão onerosa, após a entrada em vigor do CIMI, pelo que a avaliação realizada ao imóvel tem fundamento legal, soçobrando, por isso, a alegação dos Impugnantes, razão pela qual o pedido principal terá de improceder.

Efetivamente, como demonstra a escritura pública de partilhas, ocorreu a partilha com pagamento de tornas pelo excedente da quota-parte que caberia a cada herdeiro. Nessa medida, ocorreu entre os herdeiros uma fase negocial, de acordo com a qual cada um passou a ser titular de certos e determinados imóveis acima da respetiva quota-parte, mediante o pagamento de um preço [tornas], negociação essa [em tudo semelhante a um contrato de compra e venda], que não retroage à data da sucessão, produzindo efeitos prospetivos.

(…).

Face ao exposto improcede o pedido de anulação da avaliação com fundamento em falta de fundamento legal. »

Compulsada a alegação dos rtes e o seu resumo, traduzido nas conclusões, inicialmente, transcritas, impõe-se, sem dúvidas, concluir pela, primordial, imputação de errado julgamento, quanto ao sentido deste pronunciamento, insistindo, aqueles, na afirmação de que “não ocorreu qualquer transmissão do imóvel após a entrada em vigor do CIMI, porquanto os efeitos da partilha se reportam ao momento da abertura da sucessão, resultando daí que a entrega da Declaração do Modelo 1 do IMI não teve qualquer fundamento legal – tendo servido apenas para actualizar a descrição do imóvel na matriz - devendo ser anulada a avaliação do imóvel … - conclusão C.

Por muito aliciante e entusiasmante que seja a discussão de temática jurídica, sobretudo, quando a sintonia de formas de entender/decidir não existe, é necessário, imperioso, casuisticamente, efetuá-la com atenção (e respeito) pela realidade concreta, privativa da situação julgada, ou seja, com a conformação decorrente da factualidade apurada e fixada pelo tribunal interveniente. Serve este bordão para, desde já, anunciarmos que vamos resistir, por ora, a entrar no tratamento e dilucidação da matéria respeitante a determinar e saber, desde logo, em termos gerais, a que momento (da abertura da sucessão ou da outorga do competente documento) se devem reportar os efeitos de uma partilha (mortis causa).

Efetivamente, não obstante, desde o início (Cf. arts. 28.º a 35.º da petição inicial.), os rtes (então ainda impugnantes) sustentarem o pedido de anulação do ato (impugnado) de segunda avaliação de um imóvel, com o argumento de que não ocorreu “fundamento legal para entrega da modelo 1 do IMI”, que esteve na origem das avaliações (1.ª e 2.ª), impugnada(s) (a 2.ª) nestes autos, vista a matéria de facto julgada provada, na sentença recorrida, ressalta, com interesse e conexão, a assunção de que:

e) Em 02-12-2004, o 1º Impugnante, A…………, na qualidade de comproprietário, apresentou no Serviço de Finanças a declaração Modelo 1 de IMI, referente ao prédio identificado na alínea a) – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido”.

Ora, analisado ( Análise a que, nesta sede, sem prejuízo do disposto no art. 682.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), nos lançamos, em virtude de o julgador haver dado por reproduzido o respetivo teor.), na plenitude, este último referenciado documento, constata-se, objetiva e inequivocamente, que, contendo o mesmo, entre outros, um quadro para o apresentante/declarante mencionar o “MOTIVO DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO (Indique com um X)”, nenhuma das quadrículas disponibilizadas para o efeito foi preenchida, com particular destaque para a 15 “1ª Transmissão na Vigência do IMI(As demais disponibilizadas eram: “08 Prédio Novo; 09 Prédio Melhorado/Modificado; 10 Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído; 11 Anexo à declaração de IMT ou Imp. Do Selo; 12 Prédio Omisso; 13 Pedido de Avaliação; 14 Mudança de Afectação do Prédio”.). Neste cenário, imediatamente, resultando, pelo menos, afastada a hipótese de que a versada declaração foi apresentada por motivo, expresso, assinalado, da ocorrência de uma primeira transmissão no momento em que, já, vigorava o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), mostra-se seguro, comprovado, que, em data (2 de dezembro de 2004), posterior à do início da vigência (1 de dezembro de 2003) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), ocorreu a prática, por um sujeito passivo, de ato (apresentação no órgão competente de declaração de modelo oficial) idóneo, capaz, de só por si, despoletar a avaliação do imóvel em causa, para efeitos de determinação do respetivo valor patrimonial tributário (VPT), face ao estatuído no art. 14.º n.º 1 do CIMI.

Noutras palavras, a factualidade em apreço não legitima retirar a conclusão, como fazem os rtes, de que a entrega da declaração (Modelo 1 do IMI) “não teve qualquer fundamento legal” e serviu “apenas para actualizar a descrição do imóvel na matriz( Na mesma linha e de igual modo, também, não colhe para o efeito esgrimir com o disposto no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de novembro e, muito menos, com a previsão do art. 13.º n.º 1 alínea i) do CIMI, porquanto o imóvel em causa, pelo menos, a 2 de dezembro de 2004, já, se encontrava inscrito na matriz, sob o art. ...... (como mencionado na linha correspondente à quadrícula 19 da declaração apresentada pelo impugnante A............)., bem como, é, só por si, insuscetível de suportar o entendimento, veiculado na sentença recorrida, de que “ocorreu a transmissão dos bens, …, uma transmissão onerosa, após a entrada em vigor do CIMI”.

Posto isto, apresenta-se-nos necessário, para dirimir, conscienciosamente, o dissídio, que o tribunal recorrido, em primeira linha, junto do Serviço de Finanças (SF) recetor da declaração, colha (Com a legitimação, entre outros, do art. 13.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). todos os elementos, disponíveis, respeitantes aos passos que se seguiram à sua entrega e com interesse para apurar qual o motivo da mesma, sem deixar de ter presente, em particular e além do mais, que, como resulta da informação da pág. 275 (SITAF), no dia 13 de outubro de 2008, foi entregue outra declaração modelo 1 do IMI, conducente à efetivação de avaliação, do mesmo prédio, em 17 de outubro de 2009 e, ainda, a existência (nos autos) de documento (Caderneta Predial Urbana – Pág. 101 segs (SITAF). contendo, destacadamente, apontamento de determinação de valores patrimoniais no ano de 2006; sequentemente, em função, num primeiro momento, do conteúdo dos dados coligidos, mas, sem, contudo, se e na medida do necessário, deixar de operar as aplicáveis regras do ónus da prova, amplie (Além de, igualmente, sanar a incorreção detetada nos pontos f) e g) dos factos provados, traduzida na ligação que é feita entre os documentos n.ºs 5 a 48 e 51 a 95, juntos com a petição inicial e os que diz “juntos pela Autoridade Tributária” a fls. 390-469 e 276-389 do SITAF, na medida em que estes, últimos, não respeitam, em função das datas que ostentam, às avaliações (1ª e 2ª) versadas.) o julgamento, que fez, da matéria de facto.

Afirmada esta constatação, presente a perspetiva/orientação que o art. 682.º n.º 3 do CPC fixa para o julgamento, por parte deste Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, da decisão proferida em 1.ª instância sobre a matéria de facto, impõe-se anulá-la, oficiosamente. Na técnica processual, esta é consequência avançada, pelo legislador, para os casos em que o tribunal de recurso/revista se confronte com insuficiente ou contraditória decisão sobre a matéria de facto, (in)capaz de viabilizar a decisão jurídica da causa (pleito).

Registe-se, in casu, que tal anulação visa a sentença sob crítica na sua totalidade, isto é, incluindo a parte em que apreciou e decidiu julgar improcedente o pedido, subsidiário, dos impugnantes, de que fosse anulada “a avaliação na parte referente ao estacionamento coberto, …”, porquanto, processualmente, este veredicto se encontra na estrita dependência do sentido do julgado, quanto ao pedido principal (de anulação da avaliação (2ª) impugnada).


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# III.

Pelo expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- anular a sentença recorrida;

- devolver o processo, ao TT de Lisboa, a fim de, ser apreciado e julgado (se possível, pelo mesmo juiz) o mérito da impugnação judicial, depois de ampliado/corrigido o julgamento da matéria de facto.


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Custas pela recorrida; sem lugar ao pagamento de taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 22 de junho de 2022. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.