Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:097/23.5BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE DE NORMAS
Sumário:I - Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem os artigos 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que exista identidade substancial quanto à questão suscitada nas decisões relativamente às quais é invocada a oposição;
II - Não há identidade substancial se na decisão arbitral recorrida foi apreciada a questão de saber se estavam reunidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, numa situação em que foi declarada a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação, não tendo havido decisão equivalente no caso do acórdão fundamento.
Nº Convencional:JSTA000P31941
Nº do Documento:SAP20240221097/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., UNIPESSOAL, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, tendo sido notificada, por ofício de 16.05.2023, da Decisão Sumária nº 318/2023, do Tribunal Constitucional, no processo nº 988/21, que decidiu não tomar conhecimento do recurso, oportunamente apresentado pelo Ministério Público, da decisão arbitral proferida em 10 de setembro de 2021, no Processo n.º 140/2021-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não se conformando com o conteúdo desta na parte em que reconheceu à ali Requerente A... UNIPESSOAL, LDA., NIPC ...23, com sede indicada na Av. ..., ... ..., o direito a juros indemnizatórios, dela interpôs o presente recurso nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do n.º 2, do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, invocando contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no Processo nº 022/18.5BALSB, de 27 de fevereiro de 2019.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral, de 10.09.2021, emitida no processo n.º 140/2021-T, do CAAD, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 27.02.2019, no Processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do trânsito da decisão até à data do integral pagamento.

B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 27.02.2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte.

C) O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do despacho de indeferimento prolatado em 16.02.2021, pela Diretora da Alfândega de Aveiro, após o pedido de revisão oficiosa, apresentado em 17.12.2020, das liquidações de Imposto sobre Veículos, efetuadas pela Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, (identificadas acima e no Processo Administrativo) que sustentou a tempestividade da pretensão da Requerente junto da instância arbitral.

D) A Decisão Arbitral sob recurso entendeu, na parte em que se refere aos juros indemnizatórios, serem devidos pela AT, a contar da data do trânsito da decisão, com fundamento na alínea d), do n.º 3, do artigo 43º da LGT, por entender que o pagamento indevido não resultou de um erro imputável aos serviços, mas de um “erro do legislador”.

E) A Decisão Arbitral recorrida incorreu, pois, em erro de julgamento ao não enquadrar o direito a juros indemnizatórios, como devia, no artigo 43º, nº 3, alínea c) da LGT, que consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios.

F) No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido quanto à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43º, nº 3, al c) da LGT), que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, concluindo que “não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.”.

G) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do artigo 152º do CPTA.

H) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto no nº 3, alínea c), do artigo 43º da LGT, o qual determina que, nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

I) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

J) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.

K) Está em causa a aplicação, de forma diversa, dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, a págs. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.

L) Resulta claro da jurisprudência assente desse Alto Tribunal que a norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, que se aplica aos casos de revisão, como o dos autos, que não se enquadra na situação típica em que há impugnação da liquidação após o pagamento do imposto em causa.

M) Concluindo-se que, ao não ter subsumido o caso sub judice à alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, a Decisão Arbitral recorrida evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo Pleno do STA:

- no Acórdão convocado como fundamento, de 27.02.2019, proferido no Proc.º 022/18.5BALSB;

- e com a sua Jurisprudência mais recente, designadamente a firmada no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.05.2022, no Processo nº 159/21.3BALSB, sobre a mesma matéria e em que estava em causa situação fática absolutamente idêntica e tendo por objeto o mesmo Imposto sobre Veículos.

N) Decorre de todo o exposto, que deve o presente recurso ser admitido por esse Tribunal, e, analisado o seu mérito, ser dado provimento ao mesmo, revogando-se a Decisão na parte de que se recorre, aplicando-se o disposto na alínea c), do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, em face da manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, considerando que, para o efeito, atendendo a que o pedido de revisão foi decidido em prazo inferior a um ano, não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, com todas as legais consequências.».

Pediu fosse o recurso admitido e, a final, julgado procedente, revogando a decisão arbitral no segmento decisório sob recurso e substituindo-a por outra que não reconheça o direito a juros indemnizatórios.

O recurso foi admitido com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, tendo concluído nos termos que seguem:

(…)

«2. Em face dos contornos de cada um dos casos apreciados nas duas decisões em confronto, resulta que em ambas foi apreciada a questão do direito ao pagamento de juros indemnizatórios em decorrência de pagamento indevido de imposto e no âmbito da apresentação de pedido de revisão oficiosa de ato tributário. Todavia os pressupostos de facto e de direito são distintos nas duas decisões.

Com efeito, enquanto na decisão fundamento o tribunal (STA) foi chamado a pronunciar-se sobre se no caso de o pedido de revisão oficiosa ser decidido (favoravelmente) no prazo de um ano há lugar ou não à fixação de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT, tendo-se concluído pela negativa, atento o disposto no nº3, alínea c), desse preceito legal; Já na decisão arbitral recorrida o tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre a obrigação do pagamento de juros indemnizatórios e respetiva extensão, no caso da ilegalidade do ato tributário resultar da desconformidade da lei nacional com o direito comunitário, tendo decidido afirmativamente, mas só a partir do trânsito em julgado da respetiva decisão, nos termos da alínea d) do nº3 do citado preceito legal.

Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que não se verifica a requerida “identidade da questão de direito”, pois em cada uma das situações configuradas das decisões em confronto os tribunais partem de pressupostos de facto e de direito distintos, pois no primeiro caso a causa de invalidade do ato tributário é assacado à Administração Tributária, enquanto no segundo caso a causa de invalidade do ato tributário é assacado ao legislador em decorrência da desconformidade da norma nacional com o direito comunitário.

Entendemos, assim, que não se deve tomar conhecimento do recurso.».

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

a) Em 2016 e 2017 a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz emitiu à Requerente 90 (noventa) Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV), para introdução no consumo de outros tantos veículos com primeira matrícula em Estados-Membros da União Europeia.

b) Dessas DAV, que constam individualmente do Processo Administrativo, 13 (treze) referem-se ao ano de 2016 (as que têm os seguintes números:...58; ...42; ...25; ...50;...82; ...13; ...87; ...29; ...50; ...39; ...04;...00 e ...10) e 77 (setenta e sete) referem-se ao ano de 2017 (as que têm os seguintes números: ...9; ...0; ...89; ...39; ...78; ...57; ...42; ...83; ...71; ...01; ...47; ...57; ...56; ...35; ...17; ...09; ...09; ...23; ...79; ...49; ...79; ...84; ...40; ...30; ...67; ...26; ...18; ...30; ...06; ...46; ...20; ...13; ...29; ...22; ...50; ...34; ...10; ...63; ...81; ...09; ...89; ...59; ...56; ...66; ...81; ...99; ...80; ...09; ...25; ...90; ...38; ...15; ...23; ...72; ...67; ...66; ...97; ...94; ...44; ...68; ...49; ...80; ...09; ...44; ...89; ...40; ...66; ...19; ...89; ...56; ...99; ...90; ...74; ...58; ...62; ...51 e ...60), como resulta do Quadro elaborado no Processo de Revisão Oficiosa abaixo reproduzido :

[IMAGEM]

c) Dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV, a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz aplicou a cada veículo matriculado a redução percentual prevista na tabela D à componente cilindrada, não o tendo feito à componente ambiental do ISV.

d) Perfazendo assim o conjunto das Declarações o montante global de € 283.139,74 de ISV e o montante reclamado, idêntico ao montante descontado pela componente cilindrada em função do número de anos de uso do veículo, a € 56.317,65 (nas contas da AT).

e) Em 17 de Dezembro de 2020, a Requerente pediu, junto da mesma delegação, expressamente ao abrigo “da 2.ª parte do nº 1 do art. 78.º da LGT” (e, portanto, com fundamento em erro dos serviços), a revisão das liquidações efectuadas em 2017 (na verdade, como decorre do Quadro transcrito em b), a partir do dia 23 de Dezembro de 2016).

f) Tal pedido veio a ser indeferido por despacho da Directora da Alfândega de Aveiro de 16 de Fevereiro, notificado por Ofício da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz de 25 de Fevereiro de 2021.

g) Não se conformando com a disparidade de tratamento legalmente prevista para as duas componentes do ISV, que considerou incompatível com o Direito da União Europeia, o Requerente apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral no CAAD logo no dia 4 de Março de 2021.

h) O Requerente pagou integralmente todos os valores constantes das DAV.».

2.2. O acórdão fundamento reproduziu a seguinte matéria de facto, dada como assente na decisão arbitral ali recorrida: «(...)

1. A Requerente e proprietária do prédio urbano, descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção urbana, inscrito sob o n°..., da Freguesia de..., Concelho de Loulé, Distrito de Faro.

2. O Valor Patrimonial Tributário (VPT) era, para efeitos das liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2012 e ano 2013), de EUR 1.009.490,00, determinado em 2012.

3. Sobre o imóvel acima identificado foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1.):

4. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2012, deveria ser pago até 31 de Dezembro de 2013, através da nota de cobrança n° 2013...

5. Dado que o referido montante não foi pago dentro do prazo limite para pagamento voluntário, a divida evoluiu para cobrança coerciva, tendo dado origem ao processo de execução fiscal (PEF) n° ...2014..., instaurado em 20 de Janeiro de 2014, no valor total de EUR 10.324,52.

6. O imposto (EUR 10.094,90) e o respectivo acrescido (EUR 229,62) foram pagos, em 25 de Junho de 2014, em sede de execução fiscal.

7. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2013, deveria ser pago de acordo com as seguintes prestações:

8. A Requerente não pagou nenhuma das prestações de imposto, relativas ao ano 2013, dentro do prazo para pagamento voluntário legalmente estabelecido para o efeito, tendo a divida) evoluído para cobrança coerciva, dando origem aos seguintes PEF, instaurados em Junho de 2014, nos seguintes termos (montantes em Euros):

9. A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2015, requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé ..., no âmbito dos PEF identificados nos pontos 5.1.5, 5.1.6. e 5.1.8., no sentido de requerer a extinção das referidas execuções fiscais e “C..) o levantamento de eventuais penhoras que possam ter sido (...) realizadas para garantia das alegadas dívidas (...), bem como o cancelamento do seu registo se a este tiver havido Lugar (…)”.

10. A Requerente apresentou, em 28 de Setembro de 2016, dois pedidos de revisão oficiosa de acto tributário relativos aos actos de liquidação acima identificados no ponto 5.1.3., no sentido de peticionar, para cada um dos anos em causa (2012 e 2013), a “C..) rescisão do acto tributário de imposto do selo da verba 28.1 da TGIS (..j”; e em consequência, requerer “C..) a anulação desse acto tributário (…)”, e “(...) a restituição à Requerente da quantia indevidamente paga (...) acrescida de juros indemnizatórios sobre essa importância, contados desde o pagamento indevido (...) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal (…)”.

11. A Requerente foi notificada dos despachos de deferimento parcial de cada um dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários acima identificados (com dispensa do direito de audição prévia), formulados com base na Informação n° 12017..., de 04-05-2017 (processo n° 2016... relativo ao Imposto do Selo de 2012) e com base na Informação n° 12017..., de 04-05-2017 (processo n° 2016... relativo ao Imposto do Selo de 2013), ambas da DS de IMT, as quais foram emitidas no sentido de decidir “C..) o deferimento parcial da (...) revisão oficiosa para cada um dos actos, “C..), com as seguintes consequências:

a. Relativamente ao ano 2012, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 229,62, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo;

b. Relativamente ao ano 2013, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 455,35, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo».


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3. Dos fundamentos de Direito

3.1. O presente recurso foi interposto ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que tem como fundamento a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Ora, no recurso interposto com fundamento em oposição de julgados, a apreciação do mérito da decisão recorrida depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.

Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.

De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.

O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, a norma jurídica aplicada deve ser a mesma ou ter idêntico teor e a factualidade apreciada deve também ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica (isto é, do ponto de vista dos seus elementos típicos fundamentais).

E bem se compreende que assim seja porque, se não houver identidade no enquadramento jurídico ou na factualidade a subsumir, não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes ou com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Ora, estes pressupostos não estão reunidos no caso. Vejamos porquê.

Está em causa o segmento da decisão recorrida que apreciou o direito a juros indemnizatórios.

Foi ali decidido que o sujeito passivo tinha direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

Porque a norma aplicada na decisão administrativa fora ali julgada (ou declarada) inconstitucional ou ilegal e porque daí derivava que o pagamento indevido resultou de erro imputável ao legislador.

Tendo, ainda, sido entendido que os juros seriam devidos desde o trânsito em julgado dessa decisão.

Assim, o facto em que o Tribunal Arbitral se baseou para considerar que tinha sido demonstrado o erro do legislador era o facto de ter sido declarada, no próprio processo, a ilegalidade da norma aplicada pela administração (no caso, o segmento normativo do artigo 11.º do Código do ISV que limita à componente da cilindrada as percentagens da redução previstas na tabela D).

E a situação com que o acórdão fundamento se deparou não é substancialmente idêntica.

Porque, no caso do acórdão fundamento, não tinha havido declaração de ilegalidade da norma aplicada pela administração.

Deve, por isso, concluir-se desde já que o diferente enquadramento dado à questão de saber se o sujeito passivo tinha direito a juro indemnizatórios (e a diferente decisão que dele resultou) não deriva de diferente entendimento relativamente à mesma questão fundamental, mas ao facto de as decisões recorridas (a decisão arbitral tirada no processo 299/2017-T, no caso do acórdão fundamento e a decisão arbitral ora recorrida) terem conteúdo e âmbito diverso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Em sentido equivalente se decidiu no recente acórdão da Secção do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no processo n.º 140/23.8BALSB, bem como na jurisprudência para que aí se remete.


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4. Conclusões

4.1. Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem os artigos 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que exista identidade substancial quanto à questão suscitada nas decisões relativamente às quais é invocada a oposição;

4.2. Não há identidade substancial se na decisão arbitral recorrida foi apreciada a questão de saber se estavam reunidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, numa situação em que foi declarada a ilegalidade da norma em que se fundou a liquidação, não tendo havido decisão equivalente no caso do acórdão fundamento.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela RECORRENTE.

D.n.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.