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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01890/21.9BEBRG
Data do Acordão:06/22/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
RECURSO DE REVISÃO
CONVOLAÇÃO DO PROCESSO
Sumário:I - A competência para a autorização, ou denegação, do pedido de revisão de coima compete à Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., nos termos das disposições conjugadas dos artºs.3, al.b), e 85, do R.G.I.T., 80, do R.G.C.O., 455, do C.P.Penal, e 26, al.h), do E.T.A.F.
II - O recurso de revisão é um recurso extraordinário interposto de decisões definitivas ou transitadas em julgado, cujo regime jurídico se encontra consagrado nos artºs.85 e 86, do R.G.I.T., e subsidiariamente, nos artºs.80 e 81 do R.G.C.O., e 449 e seg., do C.P.Penal. Este regime é aplicável, tanto à revisão das decisões administrativas de aplicação de coima, como às decisões judiciais. A revisão do processo a favor do arguido pode ser efectuada com base em novos factos ou em novos meios de prova (cfr.artº.85, do R.G.I.T.; artº.80, nº.2, do R.G.C.O.).
III - A revisão a favor do arguido, com base em novos factos ou novos meios de prova, só é admissível, além do mais, quando o arguido seja apenas condenado em coima igual ou superior a € 37,41, ou em coima que pode ser inferior a este montante, sendo aplicada, igualmente, sanção acessória. No caso de concurso de contra-ordenações, o dito limite de € 37,41 refere-se a cada uma das coimas concretamente aplicadas e não à coima conjunta, dado valer, também no âmbito deste recurso de revisão, o princípio subjacente à norma do artº.73, nº.3, do R.G.C.O., em situações de concurso (cfr.artº.80, nº.2, al.a), do R.G.C.O.).
IV - Atenta a factualidade alegada pelo arguido/recorrente – de cuja veracidade ora não nos cumpre averiguar – este estará em tempo para recorrer judicialmente da decisão que lhe aplicou a coima (sem qualquer peia quanto ao seu valor) e poderá afastar a sua responsabilidade contra-ordenacional. Ou seja, não obstante o arguido ter indicado como meio processual o recurso de revisão, o único meio processual que lhe poderá assegurar a tutela e permitir-lhe esgrimir os fundamentos invocados é o recurso da decisão de aplicação da coima, previsto no artº.80, do R.G.I.T. Entendemos, pois, ser de convolar o requerimento de revisão em requerimento de recurso da decisão de aplicação da coima, tanto mais, que o pedido que formulou a final é adequado a este último meio processual.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P29607
Nº do Documento:SA22022062201890/21
Data de Entrada:04/28/2022
Recorrente:A.......
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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A………., com os demais sinais dos autos, ao abrigo dos artºs.85, do R.G.I.T., e 449, nº.1, al.d), do C.P.Penal, fez dar entrada no Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto uma petição, endereçada ao "Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga", de recurso de revisão da decisão administrativa estruturada pelo Chefe do identificado Serviço de Finanças, datada de 9/09/2015 e no âmbito do processo de contra-ordenação com o nº.0370-2015/60000047882, lhe aplicou uma coima, do valor de € 27,00, pela falta de pagamento de taxa de portagem, infracção p.p. nos artºs.5, nº.1, al.b), e 7, da Lei 25/2006, de 30/06.
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O recorrente termina as alegações do recurso deduzido (cfr.fls.2 a 4 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-No processo de contraordenação indicado foi aplicado ao recorrente uma coima por, pretensamente, ter passado, no dia 1-6-2013, na A3, sem o pagamento da taxa de portagem.
B-Acontece que o recorrente é cidadão brasileiro que viveu em Portugal desde 2003 até 12-3-2011, tendo trabalhado, desde 1 de janeiro de 2010 até 28 de fevereiro de 2011, na empresa B………, Ldª contribuinte nº …….. com sede no ……….., na freguesia de Refojos, do concelho de Cabeceiras de Basto.
C-Proprietária do veículo que passou nas portagens.
D-Tendo o recorrente regressado ao Brasil em 2011, só tendo regressado a Portugal 2016.
E-Data em que foi confrontado pelo serviço de estrangeiros e fronteiras com as dívidas fiscais que tinha pendentes.
F-Todas relacionadas com falta de pagamento de taxas de portagens e coimas por falta de pagamento das mesmas, no período em que o recorrente esteve no Brasil, seu país natal.
G-Tendo o recorrente apresentado queixa-crime contra o sócio gerente da empresa proprietária do veículo por ter comunicado que tinha sido este a passar nas portagens.
H-Inquérito que foi arquivado porque não foi possível provar quem tinha comunicado às concessionárias que tinha sido o recorrente a passar com os veículos sem o pagamento das portagens.
I-Mas onde consta “O queixoso juntou aos autos os documentos de folhas 65 e ss dos autos que comprovam que nas datas das passagens nas portagens que deram origem à instauração de processos de contraordenação não estava em Portugal”.
J-Ou seja, não foi o recorrente a passar nas portagens, daí que este não tenha praticado qualquer infracção.
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Recebido o processo no T.A.F. de Braga, este Tribunal ordenou a notificação do Ministério Público e da Fazenda Pública, por referência ao presente recurso de revisão da decisão administrativa de aplicação de coima, para os efeitos do disposto no artº.411, nº.6, do C.P.Penal, "ex vi" dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 80, do R.G.C.O., não tendo sido produzidas contra-alegações no âmbito da presente instância de recurso (cfr. despacho exarado a fls.44 do processo - numeração Sitaf).
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O T.A.F. de Braga proferiu despacho no sentido da remessa dos autos a este Supremo Tribunal Administrativo, logo salientando que, a seu ver, não estava verificado o requisito constante do artº.80, nº.2, al.a), do R.G.C.O., uma vez que o valor da coima a rever é de € 27,00 ou seja, inferior a € 37,41 (cfr.despacho constante a fls.27 e 28 do processo físico).
O teor do referido despacho foi notificado ao recorrente.
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O Digno P.G.A. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.32 a 34 do processo físico), no qual conclui pugnando pela inadmissibilidade do presente recurso jurisdicional, dado não se encontrarem reunidos os pressupostos previstos no artº.80, nº.2, do R.G.C.O.
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Com interesse para a decisão a proferir, resulta dos autos o seguinte circunstancialismo fáctico:
A-Em 9/09/2015, no âmbito do processo de contra-ordenação com o nº.0370-2015/60000047882, o Chefe do Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto aplicou ao recorrente, A…….., uma coima, do valor de € 27,00, pela falta de pagamento de taxa de portagem, devido a prática de infracção p.p. nos artºs.5, nº.1, al.b), e 7, da Lei 25/2006, de 30/06 (cfr.documento junto a fls.20 e verso do processo físico);
B-Em 17 de Agosto de 2021 o ora recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto o requerimento que deu origem aos presentes autos (cfr.data de entrada aposta a fls.2 do processo físico).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão administrativa de aplicação de coima objecto do presente recurso de revisão fixou em € 27,00 o valor da coima aplicada ao ora recorrente, devido a prática de infracção p.p. nos artºs.5, nº.1, al.b), e 7, da Lei 25/2006, de 30/06 (cfr.al.A) do probatório supra exarado).
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No âmbito da presente instância deve este Tribunal, antes de mais, resolver a questão prévia, de conhecimento oficioso e igualmente suscitada pelo Digno P.G.A., que se consubstancia na não possibilidade de dedução do presente recurso de revisão de decisão de aplicação de coima ao abrigo da norma constante do artº.80, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (R.G.C.O.), aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10, aplicável "ex vi" do artº.3, al.b), do R.G.I.T.
Recorde-se que a competência para a autorização, ou denegação, do pedido de revisão de coima compete à Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., nos termos das disposições conjugadas dos artºs.3, al.b), e 85, do R.G.I.T., 80, do R.G.C.O., 455, do C.P.Penal, e 26, al.h), do E.T.A.F. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 2/10/2013, rec.924/13).
O recurso de revisão é um recurso extraordinário interposto de decisões definitivas ou transitadas em julgado, cujo regime jurídico se encontra consagrado nos artºs.85 e 86, do R.G.I.T., e subsidiariamente, nos artºs.80 e 81 do R.G.C.O., e 449 e seg., do C.P.Penal. Este regime é aplicável, tanto à revisão das decisões administrativas de aplicação de coima, como às decisões judiciais. A revisão do processo a favor do arguido pode ser efectuada com base em novos factos ou em novos meios de prova (cfr.artº.85, do R.G.I.T.; artº.80, nº.2, do R.G.C.O.; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.584 e seg.; Cristina Flora e Margarida Reis, Recursos no Contencioso Tributário, Quid Juris, 2015, pág.196 e seg.).
A revisão a favor do arguido, com base em novos factos ou novos meios de prova, só é admissível, além do mais, quando o arguido seja apenas condenado em coima igual ou superior a € 37,41, ou em coima que pode ser inferior a este montante, sendo aplicada, igualmente, sanção acessória. No caso de concurso de contra-ordenações, o dito limite de € 37,41 refere-se a cada uma das coimas concretamente aplicadas e não à coima conjunta, dado valer, também no âmbito deste recurso de revisão, o princípio subjacente à norma do artº.73, nº.3, do R.G.C.O., em situações de concurso (cfr.artº.80, nº.2, al.a), do R.G.C.O.; Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág.323 e seg.; Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.601).
No caso "sub judice" não foi aplicada qualquer sanção acessória ao arguido e ora recorrente, sendo que a coima fixada pela autoridade administrativa avulta, conforme probatório supra (cfr.al.A) da matéria de facto), no montante de € 27,00, quantia claramente inferior à citada para os casos em que não existe sanção acessória (€ 37,41).
O presente recurso de revisão não é, portanto, admissível ao abrigo da norma prevista no artº.80, nº.2, al.a), do R.G.C.O., tal implicando a não autorização para o conhecimento do mesmo por parte deste Tribunal.
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Apesar de tudo o acabado de mencionar, como resulta do citado artº.80, nº.1, do R.G.C.O., o primeiro requisito para a revisão é que a decisão que aplicou a coima seja definitiva (quando decisão administrativa) ou transitada em julgado (quando decisão judicial).
Em face da alegação do recorrente – que afirma, relativamente à decisão em causa: «Jamais tendo recebido qualquer comunicação […] relacionada com tal assunto […] do serviço de finanças», bem como que deixou Portugal em 11 de Março de 2011, regressando ao Brasil, país de que é cidadão, e só voltou ao nosso País em 26 de Junho de 2016 – logo se nos suscitam dúvidas sobre a verificação daquele primeiro dos requisitos para ponderarmos a autorização para a revisão, ou seja, sobre a definitividade da decisão que aplicou a coima.
É certo que o arguido/recorrente não afirma textualmente que não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima e é sabido que a mera não recepção da correspondência é um facto que, por si só, não permite concluir pela falta ou invalidade da notificação, conclusão que só poderá resultar da aplicação das regras de direito aos factos pertinentes. Deveremos, então, indagar da factualidade pertinente, designadamente, devolvendo os autos à 1ª. instância, a fim de que aí se providencie pela junção dos pertinentes documentos? (Note-se que os elementos constantes dos autos (cópias das cartas endereçadas ao ora Recorrente em ordem à notificação da decisão que lhe aplicou a coima) nada permitem concluir sobre o envio das notificações, nem sobre uma eventual devolução da primeira carta e respectivos motivos.)
Entendemos que não, por se tratar de diligência inútil. Senão vejamos: caso viéssemos a concluir que o arguido não foi notificado ou não pode considerar-se validamente notificado, teríamos de rejeitar o pedido de revisão por falta do já referido primeiro requisito da revisão, que a decisão a rever seja «definitiva ou transitada em julgado»; caso viéssemos a concluir que o arguido foi validamente notificado, o pedido de revisão haveria de ser rejeitado por falta de verificação dos requisitos constantes das als.a) e b), do nº.2, do artº.80, do R.G.C.O., pois, no caso, o valor da coima não atinge o limiar dos € 37,41 e, em qualquer caso (ou seja, independentemente do valor da coima), teriam passado já mais de cinco anos sobre a data em que a decisão se tornou definitiva.
Deveremos, pois, sem mais, rejeitar o pedido de revisão?
Afigura-se-nos que não. À luz do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr.artº.20, da Constituição da República Portuguesa) e tendo presente a alegação aduzida na petição – que, a confirmar-se, dá conta duma injustiça de uma gravidade a que a ordem jurídica não pode ficar indiferente (O ora recorrente terá sido condenado por infracções que não cometeu nem podia ter cometido (existindo desde já forte verosimilhança de que na data dos factos não estava em Portugal, resultante do teor do despacho por que o Ministério Público arquivou o inquérito que teve origem na queixa apresentada pelo mesmo, despacho que alude a «documentos que comprovam que nas datas das passagens que deram origem à instauração de processos de contra-ordenação [o ora recorrente] não estava em Portugal»).) – impõe-se interpretá-la do modo que conceda a melhor tutela ao arguido e lhe permita discutir judicialmente as questões em que se consubstancia aquela injustiça.
Vejamos.
A alegação do arguido – que, essencialmente, se resume ao facto de entre 11 de Março de 2011 e 26 de Junho de 2016, ininterruptamente, ter estado no Brasil, o que inviabilizou quer a prática da infracção quer o conhecimento da sanção que lhe foi aplicada – interpretada de modo a permitir conferir tutela jurisdicional, assenta em dois pilares: primeiro, não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima; segundo, a infracção por que foi acoimado não foi nem poderia ter sido por ele praticada.
Nos termos dessa alegação – de cuja veracidade ora não nos cumpre averiguar – o arguido estará em tempo para recorrer judicialmente da decisão que lhe aplicou a coima (sem qualquer peia quanto ao seu valor) e poderá afastar a sua responsabilidade contra-ordenacional. Ou seja, não obstante o arguido ter indicado como meio processual o recurso de revisão, o único meio processual que lhe poderá assegurar a tutela e permitir-lhe esgrimir os fundamentos invocados é o recurso da decisão de aplicação da coima, previsto no artº.80, do R.G.I.T.
No mesmo sentido, veja-se o ac.S.T.A-2ª.Secção, 8/06/2022, rec.1863/21.1BEBRG.
Entendemos, pois, ser de convolar o requerimento de revisão em petição de recurso da decisão de aplicação da coima – tanto mais que o pedido que formulou (que seja «anulada a coima aplicada») é adequado a este último meio processual – sem prejuízo de o tribunal de 1.ª instância indagar do prazo para interposição do mesmo, o que passará por estabelecer se o arguido foi ou pode considerar-se como tendo sido validamente notificado da decisão que aplicou a coima, não podendo ignorar-se a necessidade de apurar e, eventualmente, valorar a alegada ausência do mesmo no Brasil, país da sua nacionalidade, nas referidas datas.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM ORDENAR A CONVOLAÇÃO do requerimento de revisão que originou o presente processo em requerimento de recurso judicial de decisão de aplicação da coima e determinar que o processo regresse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para aí prosseguir sob este meio processual.
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Custas a determinar a final.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 22 de Junho de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Isabel Cristina Mota Marques da Silva, em substituição.